Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/59319
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Legalidade da suspensão do estágio probatório de servidor licenciado para tratamento de sua saúde à luz do princípio da proporcionalidade

Legalidade da suspensão do estágio probatório de servidor licenciado para tratamento de sua saúde à luz do princípio da proporcionalidade

|

Publicado em . Elaborado em .

A lei 8.112/90 prevê as hipóteses nas quais a suspensão do estágio probatório se faz possível, não estando neste rol a licença do servidor para tratamento de saúde própria. Em razão de que, se o mesmo não se dá com a licença para tratamento de saúde de algumas pessoas da família?

RESUMO: Este artigo objetiva analisar a hipótese da suspensão do estágio probatório de servidor licenciado para tratamento de sua saúde, questionando a legalidade desta à luz do princípio da proporcionalidade.

Palavras-Chave: Servidor Público – Suspensão – Princípios – Proporcionalidade – Legalidade.


1 INTRODUÇÃO

O fato de as vagas na iniciativa privada não se mostrarem suficientes à demanda crescente da classe trabalhadora na sociedade atual está proporcionando um aumento no interesse e procura por concursos públicos.

A ampliação desta busca se deve ao fato de que grande parte das pessoas, perante os constantes impedimentos, incertezas e inconstâncias em relação ao trabalho, deseja uma atividade laboral segura e estável. No entanto, para se atingir a estabilidade, o servidor público necessita passar por um estágio probatório, durante certo período de tempo, para que se avalie se o mesmo se encontra apto ao exercício de suas funções. 

Nota-se, na legislação, ser defeso ao servidor público se licenciar, durante o estágio probatório, em virtude de problemas de saúde daqueles elencados no artigo 83 da Lei 8.112 de 1990. No entanto, questiona-se a possibilidade de ocorrer esta hipótese nos casos em que o servidor público necessita ausentar-se em virtude de sua própria enfermidade, tendo em vista que este fato não consta no artigo da Lei em questão.

Indaga-se, portanto, se este rol é taxativo ou não. Além disso, faz-se imprescindível a análise da questão considerando-se o princípio da proporcionalidade, um vez que através deste, será possível aferir se há uma proporcionalidade, de fato, entre a finalidade almejada e restrição de determinados Direitos e a legalidade de tal proposição.


2 O SERVIDOR PÚBLICO

Segundo Carelli[3], a condição de funcionário público é situação altamente desejada pela classe média brasileira. A autora expõe que, somente no ano de 2006 (dois mil e seis), mais de 5 (cinco) milhões de brasileiros se inscreveram em concursos para disputar vagas em repartições federais, estaduais e municipais, número este que representa um aumento de 43% (quarenta e três por cento) na quantidade de candidatos em relação ao início da década.

 Além disso, fatores como incertezas e flutuações na esfera do trabalho globalizado, fazem com que a classe trabalhadora busque, por meio dos concursos públicos, uma atividade laboral que proporcione maior estabilidade e segurança.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello,

Servidor Público, como se pode depreender da Lei Maior, é a designação genérica ali utilizada para englobar, de modo abrangente, todos aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Em suma: são os que entretêm com o Estado e com as pessoas de Direito Público da Administração indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência.[4]

A contratação dos agentes públicos, no regime estatutário, ocorre por meio da Administração Direta, isto é, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como por pessoas jurídicas de direito público da Administração Indireta, tais como autarquias, fundações públicas e associações públicas, sendo a forma de seleção destes através de concurso público.

Alexandre Mazza[5] distingue os agentes públicos em duas categorias básicas: os empregados públicos e os servidores estatutários. O autor esclarece que esta divisão advém da Constituição de 1988 (mil novecentos e oitenta e oito), que estabeleceu como regimes principais de contratação para o serviço público o estatutário, ou de cargo público, e o celetista, ou de emprego público.

Em contrapartida, Maria Sylvia Zanella di Pietro faz esta distinção entre os servidores públicos estabelecendo três grupos distintos: servidores estatutários, titulares de cargos públicos, submetidos em lei a regulamentos estabelecidos por cada uma das unidades da federação; os empregados públicos subordinados às normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e ocupantes de emprego público, e os servidores temporários contratados para exercer funções por prazo determinado.

Tal diferenciação se mostra de suma importância no que tange às distinções existentes entre estas categorias no que se refere aos aspectos como a forma de seleção, oportunidades na carreira, previdência social, remuneração e principalmente quanto a estabilidade.

Alexandre Mazza compara o regime de cargo público com emprego público, expondo o primeiro como sendo mais vantajoso e protetivo para o agente. Segundo o autor, isso se dá em virtude do regime de cargo ter sido concebido tendo em vista a garantia de maior estabilidade no exercício das funções públicas, objetivando a proteção do servidor contra influências partidárias e pressões políticas ocasionadas pela constante mudança na cúpula diretiva do Estado.

Mazza expõe a estabilidade adquirida após o estágio probatório como sendo a principal vantagem conferida aos estatutários. Para o autor,

Essa estabilidade consiste na impossibilidade de perda do cargo, a não ser nas hipóteses constitucionalmente previstas. Segundo o art. 41,§ 1º, da Constituição Federal, o servidor estável só perderá o cargo por: a) sentença judicial transitada em julgado; b) processo administrativo disciplinar; c) avaliação periódica de desempenho. Além dessas três formas, é possível ser decretada a perda do cargo também para redução de despesas com pessoal.5

A autora Fernanda Marinela também conceitua estabilidade como sendo

uma garantia constitucional de permanência no serviço público e não no cargo, vinculado à atividade de mesma natureza de quando ingressou, assegurada ao servidor público nomeado para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, que tenha cumprido um período de prova, após ser submetido à avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.[6]

Ao citar o “período de prova” a que o servidor público deve se submeter, Marinela faz referência ao estágio probatório, período este instituído pelo artigo 20 da Lei 8112/90. Tal artigo estabelece os fatores a serem observados durante este período, sendo estes a assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. 

A autora conceitua ainda o estágio probatório, expondo este como “um período de prova para o servidor, de teste, em que o candidato vai ser avaliado quanto às suas aptidões para o exercício do cargo.”[7]


3 SUSPENSÃO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO

O artigo 20 da lei 8.112 de 1990, além de prever como será o procedimento do Estágio Probatório, também estabelece no seu parágrafo 5º a possibilidade de suspensão do mesmo. As situações previstas neste parágrafo são aquelas descritas nos artigos 83, 84, 86, §1º e 96 da mesma lei, e que tratam, respectivamente, da licença conferida o servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas e conste do seu assentamento funcional (artigo 83), da licença para o servidor acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo (artigo 84), da licença durante o período que mediar entre a sua escolha em convenção partidária, como candidato a cargo eletivo, e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral (artigo 96), da licença para servir em organismo internacional de que o Brasil participe (nestes três últimos casos sem remuneração) bem como na hipótese de participação em curso de formação (parágrafo 5º do artigo 20). Logo, caracterizada uma dessas situações o período do estágio probatório fica suspenso, e uma vez terminado o impedimento, o prazo será retomado.

Grande parte dos autores não entram no mérito se este rol apresentado no parágrafo 5º é taxativo ou exemplificativo. O autor Gustavo Barchet, possui claramente o entendimento de que o artigo 20 §5º refere-se a um rol taxativo, como pode ser observado no seguinte trecho:

Deve se ressaltar que o § 5 do art. 20 lista alguns afastamentos e licenças que suspendem o estágio probatório e, por uma interpretação a contrario sensu, podemos concluir que aqueles não referidos no dispositivo não suspendem o estágio probatório.

Assim, não suspendem o estágio probatório a licença para o serviço militar, o afastamento para exercício de mandato eletivo e o afastamento para estudo ou  missão no exterior.[8]

Apesar disso, esta interpretação restritiva a letra da lei poderia trazer algumas contradições como, por exemplo, o caso do artigo 83 da lei 8.112 que apresenta uma das hipóteses de suspensão que permite ao servidor público se licenciar por motivo de doença de familiar que viva a suas expensas, mas nada trata sobre o caso de tratamento de doença do próprio servidor.

Se o servidor público se licenciar por motivo de doença própria, não teria o prazo de avaliação do estágio probatório suspenso, entretanto, se o mesmo servidor acompanhasse o tratamento de um familiar doente, poderia se utilizar da prerrogativa protegida pelo artigo 83 da lei 8.112/90. Por isso, indaga-se se haveria a possibilidade de outras hipóteses de suspensão do estágio probatório além daquelas elencadas no § 5º do artigo 20, especificamente, se a hipótese do servidor licenciado para tratamento da própria saúde seria legítima. Para responder a esta questão somos levados a realizar uma reflexão sobre o conceito de legalidade.

O princípio da legalidade tem sua gênese no Estado de Direito, e por isso, como aponta Celso Antônio Bandeira de Mello “é princípio basilar do regime jurídico administrativo”. Entretanto, o conceito de legalidade foi se modificando ao longo do tempo e se adequando sempre as características da sociedade, como pode ser visualizado na obra de Raquel Melo Urbano de Carvalho, que apresenta três mudanças essenciais à noção clássica de Legalidade.[9]

Originado das Revoluções que puseram em cheque a livre atuação dos soberanos, o princípio da legalidade, quando formulado, tinha o objetivo de defender o indivíduo do abuso de poder, e por isso sua noção clássica estava ligada a ideia de que a administração pública somente poderia agir dentro do que a lei expressamente autorizava. A submissão do Estado às leis, propostas pelas novas Constituições, garantiria a divisão dos poderes, os direitos fundamentais e assim protegeriam o indivíduo dos excessos do Estado.

A primeira mudança na noção de legalidade ocorreu quando a doutrina percebeu a insuficiência do entendimento clássico de legalidade para a ação administrativa, sendo necessária, para esta, uma atuação legítima. Para isso, a Administração pública, além de agir conforme as regras expressas, na lei ou Constituição, também deveria atender à moralidade e a finalidade pública. Logo, como afirma Raquel Melo Urbano de Carvalho “

A legitimidade passa a ser identificada quando há correspondência entre o comando normativo ‘e o sentido admitido e consentido pelo todo social, a partir da realidade coletada como justificadora do preceito normatizado’. Sendo assim, um comportamento administrativo só se mostra legítimo se, além dos aspectos formais de atendimento das regras legais, observam-se materialmente os valores sociais consagrados expressamente como fundamento do ordenamento na Constituição, atendidas as demandas da comunidade. Supera-se o pensamento normativista assentado na concepção dogmática e liberal da legalidade em sentido estrito capaz de aprisionar o Direito no âmbito do dever-ser, imune à realidade do mundo do ser.  Passa-se a exigir a legitimidade das atuações públicas, excluídas “iniquidades sociais e atos de arbítrio de toda ordem’ [10]

A ampliação da discricionariedade administrativa e assunção de novos encargos pelo Poder Público no Estado Social promoveram o abuso de poder em algumas searas do Estado e o descumprimento de Direitos fundamentais[11], por isso, viu-se novamente a necessidade de repensar a legalidade. 

A segunda “mutação” da noção de legalidade trouxe a ideia de que o Poder Público deveria se atentar mais a Constituição, não apenas com a interpretação literal de seus dispositivos, mas precisaria transcender o texto da lei para o caso concreto e buscar os valores consagrados na Lei Maior. Esse posicionamento superou a dogmática positivista que não aceitava a normatividade dos princípios constitucionais, e ainda afirmava que todo o Direito, principalmente o Administrativo, deveria ter uma intepretação conforme a Constituição.

Esta ideia ganha força quando o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 consagra os princípios que a Administração Pública deve seguir. Essa noção de legalidade é de extrema importância para a terceira alteração do conceito, pois ao reconhecer os princípios implícitos e explícitos da Constituição, por exemplo, ela lança as bases para o reconhecimento da legalidade como juridicidade.

Como foi apontado anteriormente, a terceira modificação da noção de legalidade traz a ideia de juridicidade. E segundo Raquel Melo Urbano de Carvalho:

O princípio da legalidade adquire, atualmente, compreensão mais ampla, para significar princípio da constitucionalidade (Juares Freitas, princípio da legitimidade (Diogo Figueiredo Moreira Neto) ou princípio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss), de modo a fazer prevalecer o fim do Direito (justiça) sobre a literalidade da lei. [12]

O princípio da legalidade, quando ganha a noção de juridicidade, abandona o conceito original de legalidade como o cumprimento simplista de regras interpretadas isoladamente de todo o sistema normativo, até porque, a noção de juridicidade propõe a intepretação ampla do Direito, e portanto, levando-se em conta todo o ordenamento jurídico.

Quando se diz, atualmente, que o administrador público somente pode agir conforme a lei, entende-se a lei como toda norma jurídica, ou seja, regras legais, normas administrativas, princípios constitucionais explícitos e implícitos e princípios gerais do direito. E como afirma Raquel de Melo Urbano de Carvalho:

A simples legalidade estrita da atuação estatal passou a se considerar insuficiente a título de legitimação do direito. Neste sentido, o sistema não seria legítimo se apenas cumpridas pelo Estado as regras legais que lhe integram, sendo necessária a ampliação da legalidade para a noção de juridicidade, em cujo bojo inserem-se valores como eficiência, moralidade, segurança jurídica e proporcionalidade.[13]

É por meio dessa nova alteração do conceito de legalidade que nos propomos a responder a indagação sobre a legalidade da suspensão do estágio probatório do servidor público para tratamento da sua própria saúde, tendo como embasamento o princípio da proporcionalidade, implícito ao Ordenamento Jurídico, mas totalmente cabível para se compreender a legalidade.


4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Diferentemente do princípio da legalidade, as origens do princípio da proporcionalidade não são tão bem definidas historicamente. No entanto, isso não interfere na análise do mesmo, afinal a origem não é sinônimo de causa nem mesmo é suficiente para explicar o princípio da proporcionalidade tal qual compreendemos hoje.

Partindo-se da atual compreensão do princípio da proporcionalidade como instrumento essencial a um Estado Democrático de Direito, aponta Raquel Melo Urbano de Carvalho que o princípio possuí raízes no período pós Segunda Guerra mundial, com a nova conformação do Estado de Direito e o respeito aos Direitos Fundamentais. A vinculação ocorre em razão de o Estado de Direito pressupor a proteção dos Direitos fundamentais e para efetividade formal e material dos mesmos o princípio da proporcionalidade é de suma importância, pois coíbe os excessos e insuficiências do Poder Público. [14]

Outro ponto que deve ser esclarecido é o de que proporcionalidade não se confunde com o conceito de proporção aplicado no dia-a-dia. Assim define Humberto Ávila o postulado[15] da proporcionalidade:

O postulado da proporcionalidade não se confunde com a ideia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentro dos meios adequados e igualmente inadequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem as desvantagens provocadas pela ação do meio?)[16]

Portanto, Humberto Ávila fraciona a proporcionalidade em três facetas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A face da adequação exige uma avaliação da relação prática entre meio e fim, e o primeiro deve levar ao último. Logo, o primeiro exame a ser feito é a das possibilidades de uma medida concreta realizar uma determinada finalidade.

Esta análise, meio e fim, não é suficiente para determinar a proporcionalidade, é preciso que a medida passe pelo crivo do exame da necessidade, ou seja, que a medida escolhida dentre as possíveis seja aquela que menos restringe Direitos Fundamentais, e caso a medida for excessivamente restritiva, que busque alternativa que concilie a adequação (meio–fim) com a necessidade (menor restrição de direitos envolvidos).

Tal tarefa não é simples, e é praticamente impossível garantir plenamente que uma medida se encaixe perfeitamente na adequação e na necessidade, por isso é imprescindível encontrar um o equilíbrio entre esses dois exames, e isso nos leva a terceira faceta do princípio, o exame da proporcionalidade em sentido estrito.

O exame da proporcionalidade em sentido estrito analisa se as vantagens proporcionadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens provocada pela adoção do meio, ou seja, se a finalidade almejada pode ser tão importante que justifique a restrição de determinados direitos.

Entende-se com isso, portanto, a necessidade da proporcionalidade ser utilizada em todos os atos do Poder Público, pois como afirma Raquel Melo Urbano de Carvalho:

É a proporcionalidade que torna ofensivo à juridicidade qualquer comportamento público praticado em excesso ou em situação de insuficiência para a consecução dos objetivos estatais. Já se tornou uma máxima vinculante de comportamento público aquela segundo a qual “desproporções – para mais ou para menos – caracterizam graves violações ao ordenamento jurídico.[17]

 Portanto, como forma de garantir a legalidade (juridicidade), os Direitos Fundamentais e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito, é essencial que as medidas tomadas pelo Poder Público sejam analisadas tendo como ponto vista fundamental o princípio da proporcionalidade.


5 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE AO CASO CONCRETO APRESENTADO

 Diante do que foi apresentado, chegamos ao momento de analisar se a suspensão do prazo de estágio probatório para servidor licenciado em razão de tratamento de sua saúde é uma medida proporcional perante a Ordem Jurídica, e, por conseguinte, legal.

 Para a análise da adequação é preciso retomar a finalidade do estágio probatório, que consiste em verificar se o servidor público concursado encontra-se apto para exercer as atividades do cargo que ocupará. Para se ter a constatação da capacidade do servidor o meio encontrado é a avaliação sobre assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade realizada no período inicial em que entrar no exercício do cargo.

Assim, caso o servidor público encontrar-se em estágio probatório e por alguma casualidade venha a ficar enfermo e necessite licenciar-se, e se compreendermos o rol do §5º do artigo 20 como taxativo, a finalidade do estágio probatório não será alcançada, portanto, não será uma medida adequada e, consequentemente, proporcional. A finalidade não será atingida porque durante o período que servidor encontrar-se de licença para o tratamento de sua doença, ele não estará no exercício de suas funções e, logicamente, não poderá ser avaliado quanto às disposições previstas no artigo 20 da lei 8.112 de 1990, incisos I à V.

Logo, a medida possível existente seria a suspensão do prazo do estágio probatório, que é prevista em outros artigos da Lei dos Servidores Públicos, mas não é elencada no §5º do artigo 20. A suspensão seria a medida mais adequada, pois, com a retomada da contagem do prazo do estágio probatório restante, posteriormente ao fim da licença do servidor, seria possível a plena avaliação deste em exercício. E é este o entendimento da Ministra Carmen Lucia Antunes Rocha:

Note-se, de resto, às vezes, o servidor é considerado no efetivo exercício, conquanto fisicamente afastado do desempenho das funções que lhe são conferidas, para alguns casos legalmente previstos e não para outros. Assim, por exemplo, as licenças para tratamento de saúde são consideradas de efetivo exercício para a contagem de tempo para aposentadoria, mas não para aquisição da estabilidade, quando se configurar um período tão prolongado que impeça a avaliação competente e, agora, obrigatória e periódica do desempenho. Mesmo não contribuindo para o seu afastamento e havendo um motivo justo, como é o de tratamento de saúde, o servidor fica impossibilitado de ser competentemente avaliado em seu desempenho pelo período necessário para a conclusão, que conduzirá, ou não, à estabilização do vínculo com a pessoa pública. Logo, tal afastamento não pode ser computado como estando ele em efetivo exercício para os paramos constitucionais referentes à estabilidade (idem, p.232). Na União, a lei 8.112/90, alterada pela lei 9.527/97, indicou no §5º do seu art. 20 algumas hipóteses de necessária suspensão da contagem do período de exercício no curso do estágio probatório: (a) licença por motivo de doença em pessoa da família (art. 83); (b) licença por motivo de afastamento de cônjuge (art.84 §1º); (c) licença para atividade política (art. 86); (d) afastamento para servir em organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere (art.96). Entendo que essas hipóteses não são exaustivas, podendo ser figuradas outras, com vistas a assegurar a finalidade constitucional dos servidores no curso do estágio probatório: (a) designação para cargos de confiança; (b) Licença para serviço militar; (c) licença para tratar de interesses particulares; (d) licença para desempenho de mandato classista, entre outras hipóteses.[18]

Este também tem sido o posicionamento dos tribunais, como pode ser evidenciado pelos enunciados abaixo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do Supremo Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ESTÁGIO PROBATÓRIO. EFETIVO EXERCÍCIO. LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. SUSPENSÃO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.

O efetivo exercício das funções é condição para a avaliação de desempenho, pelo que não se mostra possível o aproveitamento de períodos de licenças ou afastamentos para fins de cômputo do prazo de três anos previsto no art. 41 da Constituição Federal. A autora deixou de ser avaliada durante um longo lapso temporal dentro do período de três anos, em razão de estar em gozo de licença para tratamento da própria saúde. A autora foi reprovada na avaliação de desempenho, sem que lhe fosse dada a oportunidade de cumprir os três anos de efetivo e exercício, e neste período, demonstrar sua aptidão para o desempenho do cargo. Reconhecida a ilegalidade da exoneração da servidora, são assegurados, como efeito lógico, todos os direitos de que fora privada em razão do indevido desligamento, inclusive os vencimentos retroativos. Precedentes. Cabível a antecipação dos efeitos da tutela em caso de reintegração de servidor. Honorários fixados equitativamente em R$ 1.500,00. Art. 20, § 4º, do CPC. Remessa Oficial e Apelação parcialmente providas.[19]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO. ESTABILIDADE. AQUISIÇÃO. EFETIVO EXERCÍCIO. LICENÇA-MÉDICA. SUSPENSÃO. INSANIDADE MENTAL. EXAME. PEDIDO. INDEFERIMENTO. LEGALIDADE. COMISSÃO DE AVALIAÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. RELATÓRIO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. LEGALIDADE. I - Impossibilitada a avaliação do servidor no período de três anos a que se refere o art. 41, caput, da CR/88, em decorrência de afastamentos pessoais, esse prazo deve ser prorrogado pelo mesmo período do afastamento ou licença, de modo a permitir a avaliação de desempenho a que se refere o cogitado comando constitucional .(art. 41, § 4º, da CR/88) II - No caso em tela, o recorrente, agente de polícia civil, no mencionado período de três anos, ficou afastado do serviço pelo menos oito meses em virtude de licenças-médicas e de suspensão. Logo, por igual período deve ser prorrogado o prazo de avaliação. III - Dessa forma, considerando que o recorrente entrou em exercício em 26/8/99 e foi exonerado em 26/2/2003, não há que se falar que tenha adquirido o direito à estabilidade no cargo público. IV - É legal o indeferimento do pedido de exame de insanidade mental fundamentado no fato de que, há época dos fatos, o recorrente freqüentava curso em nível de pós-graduação e, no momento da avaliação, participava de curso de habilitação para corretor de seguros, além de que se apresentava perante a comissão com a capacidade de entendimento preservada e o mérito do procedimento administrativo destinava-se à avaliação definitiva do seu perfil durante o período experimental para o cargo de Agente de Polícia. V - Encontra-se suficientemente motivada a conclusão do relatório que opinou pela não confirmação do recorrente no cargo de agente de polícia, vez que estribada não só nos relatórios mensais sobre o seu desempenho, mas também em atos por ele praticados durante o período de estágio, os quais resultaram diversas sindicâncias administrativas e processo-crime, punidos, respectivamente com quatro suspensões e uma condenação penal transitada em julgado. Recurso ordinário desprovido.[20]

Quanto ao exame da necessidade, Raquel Melo Urbano de Carvalho define bem o que se trata de uma medida necessária no âmbito do Direito Administrativo:

Uma medida é necessária quando, considerando as possibilidades de atuação concreta na realidade em questão, a conduta escolhida é aquela que implica menos restrição aos interesses dos sujeitos atingidos pelo comportamento administrativo. A limitação imposta ao Poder Público, destarte, é a de não restringir excessiva e desnecessariamente direitos alheios. A conduta estatal deve, assim, ser indispensável à conservação do direito público, caracterizando-se a escolha de alternativa idônea. Trata-se do princípio da escolha do meio mais suave, que impede o poder público de ir além dos limites indispensáveis para a consecução da finalidade pretendida. [21]

Perante isso, é possível considerar que a suspensão é uma medida necessária, pois, não restringe desnecessariamente direitos alheios e contribui para a conservação do interesse público ao passo que cumpre com a finalidade que se espera do lapso temporal do Estágio probatório: permitir a avaliação concreta da capacidade para exercício do cargo do servidor público ingressante.

Por fim, faz-se necessário o exame da proporcionalidade em sentido estrito, em que se verifica se há uma proporcionalidade de fato, entre a finalidade desejada e restrição de determinados direitos. Novamente se chega ao entendimento de que a suspensão do prazo para o estágio probatório de servidor que se licencia por motivo de sua doença é a medida proporcional, pois, como verificado, não há uma representativa divergência entre finalidade do estágio probatório e suspensão (meio). Na realidade o fato da não suspensão do prazo do estágio probatório não pode ser justificado frente a sua finalidade, sendo, portanto, uma medida desproporcional.


6 CONCLUSÃO

Conforme apresentado, o estágio probatório é instrumento fundamental para se atingir a estabilidade, atributo este, que provoca grande interesse da população e que, a cada ano aumenta mais o número de participantes em concursos públicos. Por esta razão, o período de avaliação, ao qual o servidor recém concursado é submetido, é de extrema importância, tanto para o indivíduo que após o período probatório for aprovado atingirá a estabilidade, quanto para o Estado, ao passo que, como determina o princípio da imputação volitiva, as manifestações do agente estatal, representam o órgão ao qual ele integra e, em última análise, representa a manifestação de vontade do Estado.

 Portanto, para a promoção do interesse público, o processo do estágio probatório deve ser realizado de maneira séria e eficaz. Como foi visto, o artigo 20 (vinte) da Lei dos Servidores Públicos elenca o procedimento a ser seguido no período do estágio probatório, arrolando, em seu parágrafo 5º (quinto), as hipóteses de suspensão deste prazo. No entanto, se considerarmos este rol como numerus clausus, somos levados a uma série de injustiças; já se considerarmos o rol como exemplificativo, poderemos assegurar que a finalidade constitucional dos servidores no curso do estágio probatório seja atingida. Mas, para essa constatação, é preciso fundamentarmo-nos no princípio da proporcionalidade, que, ainda que não explícito em nossa Constituição, é essencial para o atual conceito de legalidade bem como para uma efetivação do Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - RMS: 19884 DF 2005/0061423-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 08/11/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/12/2007. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8807060/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-19884-df-2005-0061423-6>. Acesso em: 10 de novembro de 2014.

________. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. APELREEX: 3314 SP 0003314-98.2010.4.03.6105, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 21/05/2013, PRIMEIRA TURMA. Disponível em:< http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23547385/apelacao-reexame-necessario-apelreex-3314-sp-0003314-9820104036105-trf3>. Acesso em: 10 de novembro de 2014.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010.p.249.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999.


Notas

[3] CARELLI, Gabriela. Por que tanta gente quer ter o Estado como Patrão. Veja, Rio de Janeiro, ano 40, n.24, 20 jun. 2007.p.88.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010.p.249.

[5] MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[6] MARINELA, Fernanda. Servidores Públicos. COMPLETAR. P.145.

[7] Mari 159

[8] BARCHET. Gustavo. Lei 8.112 para Concurso Públicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p.24.

[9] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010.

[10] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010.p.53.

[11] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010.

[12] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010.p.58.

[13] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010.p.55.

[14] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010

[15] Para Humberto Ávila a proporcionalidade não é um princípio, pois não é norma deduzida ou induzida dos textos normativos. O postulado da proporcionalidade resulta da estrutura das próprias normas jurídicas estabelecidas pela Constituição brasileira e da própria atribuitividade do Direito.

[16] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.p. 112-113.

[17] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodvim, 2010.p.143.

[18] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999.p.237

[19] TRF-3 - APELREEX: 3314 SP 0003314-98.2010.4.03.6105, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 21/05/2013, PRIMEIRA TURMA. Disponível em:< http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23547385/apelacao-reexame-necessario-apelreex-3314-sp-0003314-9820104036105-trf3>. Acesso em: 10 de novembro de 2014.

[20]

[21] STJ - RMS: 19884 DF 2005/0061423-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 08/11/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/12/2007. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8807060/recurso-ordinario-em-mandado-de-seguranca-rms-19884-df-2005-0061423-6>. Acesso em: 10 de novembro de 2014.


Autores


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.