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A judicialização das políticas públicas na área da saúde

A judicialização das políticas públicas na área da saúde

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A discussão da origem do problema da saúde perpassa pela própria definição dos fins do Estado. Afinal de contas, para que (ou para quem) serve o Estado? Seria a judicialização das políticas públicas, na área da saúde, uma solução viável?

1. Introdução

Este trabalho foi elaborado com o escopo de analisar as raízes principais do problema envolvendo a saúde pública no Brasil, enfrentando a temática da judicialização de políticas públicas na área da saúde, principalmente no tocante à legitimidade da intervenção do Poder Judiciário e às distorções orçamentárias que eventualmente podem decorrer desta atuação.

A preocupação com esta matéria reside na falta de aparelhamento do Estado para o trato deste problema prático. No âmbito jurídico, diversas medidas foram tomadas, ao longo dos últimos trinta anos, para tentar dar solução a essa difícil questão. A Constituição da República de 1988 foi um importante marco neste processo, pois estabeleceu um sistema de saúde dinâmico, complexo e descentralizado, baseado nos princípios da saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado (art. 196 da CR). A Lei 8.080/1990 estruturou esse sistema, e a Emenda Constitucional n. 29/2000 criou uma vinculação de receitas para aplicação em ações e serviços públicos de saúde. A Emenda Constitucional n. 86/2015 alterou o percentual mínimo cabível à União.

Embora se tenha notado alguma melhoria, há muito a ser aperfeiçoado. Diversas crises ainda são vistas diuturnamente nos noticiários, e pouco se tem feito para uma solução definitiva.

No ranking anual de eficiência de sistemas nacionais de saúde, editado pela agência de negócios Bloomberg, o Brasil vem aparecendo entre os últimos colocados desde 2008[1]. No ano de 2015, o Brasil passou a ocupar a última posição do ranking, demonstrando que o gasto com saúde em nosso País não se converte numa entrega efetiva de um serviço público de qualidade para a população[2].

Em razão disso, aumentam as demandas judiciais em prol da concessão de tratamentos médicos e da entrega de medicamentos para pessoas que não obtiveram a prestação voluntária do Estado, o que gera consequências negativas na execução orçamentária, porquanto os provimentos jurisdicionais afetam sensivelmente a efetivação de políticas públicas nesta área, em que os recursos são extremamente escassos.


 2. As origens do problema e o papel do Estado neste contexto

A discussão da origem do problema da saúde perpassa pela própria definição dos fins do Estado. Afinal de contas, para que (ou para quem) serve o Estado?

Nos primórdios da humanidade, as pessoas reuniam-se em tribos, cujo principal objetivo era a proteção e segurança de seus membros. Com o passar dos anos, organizações sociais cada vez mais complexas foram sendo formadas. Pode-se dizer a grande maioria das sociedades antigas que hoje conhecemos tinha um ponto em comum: a centralização de ordens ou comandos.

Nascia daí a noção de Estado, tido hoje como a organização de um poder político delimitado ao âmbito de um território e dirigido ao povo que nele habita. Parte da doutrina sugere um novo elemento: finalidade, que consiste no estabelecimento de um objetivo comum a ser atingido, consubstanciado, em regra, no “bem comum”.

O exercício de um poder político centralizado acarretou desigualdade social, pois a casta ou grupo social que detinha o poder costumava angariar privilégios. As diversas experiências de sistemas sócio-produtivos (baseados em modos de produção comunal, escravista, feudalista, capitalista, socialista, comunista, etc.) e de sistemas políticos (democracia, oligarquia e monarquia) não foram capazes, até o momento, de aproveitar os progressos científicos, tecnológicos e sociais para proporcionar ao povo igualdade e liberdade, permitindo-lhe uma vida feliz e plena, alcançando assim o almejado “bem comum”.

Logo, o fim do Estado, a que se remete parte da doutrina, ainda não foi alcançado. Por conta disso, é preciso se valer de um raciocínio de ordem prática: qual a finalidade do Estado hoje? Prevalece na atualidade, na maioria dos países, o regime democrático. Após a queda do Muro de Berlim, que marcou o fim da Guerra Fria, o capitalismo também passou a prevalecer de forma hegemônica, o que acabou culminando com o fenômeno da globalização. Portanto, vivemos em um regime de democracia, fundado no capitalismo e no Estado Constitucional de Direito.

Não obstante, o Estado, claramente, não serve para atender os interesses legítimos da maioria da população, o que caracterizaria o regime democrático. Há quem se refira a “democracia elitista”, verificando que, em torno do poder político, da burocratização do Estado e dos oligopólios econômicos, forma-se uma elite, com alto poder de influência na tomada de decisões do Estado, sobrepondo-se à vontade da maioria[3].

Dessa forma, em um contexto de capitalismo globalizado, o Estado tem servido para o atendimento dos interesses dessas elites, que apenas buscam o lucro desmesurado, deixando em segundo plano a efetivação de direitos garantidos constitucionalmente. Aliás, a progressiva conquista de direitos ao longo das últimas décadas, o que a doutrina separa em “gerações” ou “dimensões”, tem um lado nefasto, pois garantiu que alguns direitos fossem assegurados no âmbito constitucional, mas não criou condições institucionais para efetivá-los.

Observa-se que a exploração do trabalho humano, as desigualdades sociais e o número de pessoas vivendo em estado de completa miséria têm aumentado com a globalização, de modo que a concessão de diversas gerações de direitos não implicou uma ampliação da qualidade de vida da população.

Um levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), resultante de dois anos de pesquisas, denominado “Uma Globalização Justa”, apontou que a globalização aumenta a desigualdade, tendo majorado a diferença entre países ricos e pobres. Em 2015, noticiou-se que aquele ano foi o primeiro da série histórica na qual 1% da população mundial alcançou a metade do valor total de ativos. Em outras palavras, 1% da população mundial tem tanto dinheiro líquido e investido quanto os 99% restantes da população[4].

É relevante ressaltar que os empréstimos concedidos aos países subdesenvolvidos por organismos internacionais (como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial) também contribuem para o aumento de desigualdade e para o agravamento desta situação de precariedade. Tal argumento não é meramente retórico.

A título de exemplo, tem-se o “Programa de Ajuste Estrutural”, criado pelo FMI, em que esses países são obrigados a implementar, ou a prometer implementar, as condicionalidades vinculadas para que o empréstimo seja aprovado, tendo de privatizar o setor de serviços, exportar mais e reduzir o papel do governo na economia, o que acaba por produzir devastação para os cidadãos vulneráveis dos países pobres, uma vez que eles perdem mais de suas poucas proteções e serviços.

Com isso, os países subdesenvolvidos tornam-se cada vez mais dependentes, pois precisam demonstrar uma estabilidade econômica para o devido pagamento das dívidas contraídas, sob pena de ver os juros aumentarem progressivamente[5].

Esses efeitos são notáveis, tendo sido referidos no relatório “Socorro Financeiro do FMI e os Fluxos Financeiros Globais” elaborado pelo centro de estudos e debates globalista Foreign Policy in Focus[6], no relatório intitulado “Desenvolvimento e Implementação das Condicionalidades do FMI e do Banco Mundial”, do Instituto de Economia Internacional de Hamburgo[7], e nos livros “O Preço da Desigualdade”[8] e “A Globalização e seus malefícios”[9], de Joseph Stiglitz (ex-primeiro vice-presidente e economista-chefe do Banco Mundial e ganhador do Prêmio Nobel de Economia).

Inclusive, deve-se mencionar que a própria legislação brasileira endossa o que foi acima relatado, uma vez que não há um limite estabelecido para gastos com pagamento de juros da dívida. O que há, isso sim, é uma ampla concessão de privilégios na Lei de Responsabilidade Fiscal para o pagamento desse tipo de despesa, o que parece ser mais relevante do que toda a implementação dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente, que ficam em segundo plano.

Prova disso é que o orçamento federal de 2015 previu um montante de despesas totais no importe de R$ 2,683 trilhões, sendo que R$ 1,356 trilhão (47%) foi destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida pública, ou seja, treze vezes mais do que os gastos com educação, treze vezes mais do que os gastos com saúde e cinquenta e quatro vezes mais do que os gastos com transporte público[10].

A dívida pública federal alcançou, em 2015, o montante de R$ 2,79 trilhões[11]. A dívida pública no Brasil é a terceira maior do mundo, conforme dados oficiais do FMI[12]. Os impostos crescem mais do que a economia brasileira, em razão do efeito cascata gerado pelo amplo endividamento, cujas consequências, como visto acima, são nefastas.

Para contornar esse problema, os países subdesenvolvidos tentaram implementar uma política de atrair investimentos externos para os seus territórios, com vistas a desenvolver a sua economia e, por conseguinte, aumentar a arrecadação para quitar a dívida pública. O resultado disso foi ainda mais devastador. Isso por que os países passaram a oferecer incentivos fiscais para grandes grupos empresariais, no afã de que eles se instalassem em seus territórios. Tal fenômeno pode ser verificado facilmente entre os países da América do Sul, nas últimas décadas.

Em um claro sinal de injustiça fiscal, econômica, ambiental e social, essas grandes empresas aproveitam esses incentivos e iniciam suas atividades sem pagar os tributos que seriam devidos, sem contribuir com a redução da pobreza e da marginalização, utilizando mão-de-obra de baixo custo, deteriorando o meio ambiente local e sendo muitas vezes beneficiadas com subvenções econômicas e com a ampliação da infraestrutura local, em conformidade com os seus interesses lucrativos. Tudo isso encampado sob um discurso de que houve a geração de milhares de empregos.

O resultado de tudo isso é visível. As pequenas empresas locais não têm condições de competir com esses grandes grupos beneficiados por incentivos fiscais. Assim, acabam falindo. A redução do empreendedorismo aumenta o desemprego, que muitas vezes não é compensado pelo número de empregos criados com a instalação da empresa.

De outro lado, como a empresa foi beneficiada com esse incentivo fiscal, o Estado acaba aumentando alguns tributos (no Brasil, a LRF determina em seu art. 14, II, que a renúncia de receita deve ser acompanhada de aumento da carga tributária, como forma de compensação pelo gasto indireto), o que acaba prejudicando a população do País como um todo, por haver redução dos gastos com o setor social.

Destaque-se, ainda, que a maior parte dos incentivos concedidos não é destinada a empresas produtoras de essencialidades, mas sim para aquelas que fabricam produtos supérfluos (como veículos automotores e eletroeletrônicos). Novamente, a população mais pobre é prejudicada e a mais abastada é beneficiada[13].

O preço desses incentivos é alto. Para dimensionar isso, estudo aprovado pelo Tribunal de Contas da União, no âmbito do AC 013.938/2012-6, sinalizou que estavam previstos, para 2014, gastos tributários de R$ 249,76 bilhões, que é equivalente a 20,66% da arrecadação estimada para o período. Em outras palavras, a União deixou de arrecadar o valor acima referido para conceder benefícios fiscais ao setor produtivo, ao invés de utilizar esses recursos para área social.

Outra questão que pode ser destacada, nesse aspecto, é a da Desvinculação das Receitas da União (DRU), criada em 1994 e passando a ter esta denominação desde o ano 2000. O dinheiro resultante da DRU é destinado “(...) para cumprir o superávit primário que o país ficou de entregar ao final de cada ano. Traduzindo em palavras mais simples: servirá para pagamento dos juros da dívida pública (…)[14]”. Logo, o governo restringe os gastos com direitos sociais e demais objetivos constitucionais, os quais possuem receitas vinculadas, para que sobre dinheiro para o pagamento da dívida pública e dos juros[15].

Vê-se, pois, que a problemática acerca do pagamento da dívida pública é que figura no centro das atenções do governo, e não a promoção dos direitos fundamentais. Esse quadro leva a um total descrédito da população em relação às instituições do Estado e ao texto constitucional, o que torna a Constituição uma figura meramente simbólica[16].

A desigualdade social é resultado inexorável deste processo. O Brasil figura entre os dez países com os maiores índices de desigualdade no mundo. Assim, verifica-se que os países subdesenvolvidos que se abrem ao mercado externo, contraindo empréstimos, privatizando suas empresas estatais e reduzindo o papel do Estado na economia tendem a sofrer crises sistêmicas com o passar do tempo, além de acarretar profunda desigualdade social e miséria à população. A par disso, não conseguem quitar suas dívidas públicas, efetuando refinanciamentos que acabam por alongar ao infinito o pagamento, tornando esses países cada vez mais dependentes economicamente e menos preocupados com a proteção social.

É fundamental, nesse caso, que o Estado seja protagonista na condução de programas sociais que garantam o mínimo existencial para uma vida digna a sua população, sendo indispensável também que o Estado intervenha no âmbito econômico, em prol do desenvolvimento humano, controlando gastos com o pagamento de dívida pública e reduzindo as desigualdades regionais e sociais, conforme preconizado no artigo 3º, III, da CR/1988, norma da qual precisamos extrair a máxima efetividade possível, em consagração à força normativa da Constituição[17].

Nesse sentido, é interessante observar que o nível de desigualdade social caiu no Brasil entre os anos de 2001 e 2011, graças aos programas voltados à proteção social, o que comprova a importância da atuação do Estado na garantia dos direitos fundamentais sociais[18].

Essa análise é imprescindível para o presente estudo, porquanto aspectos econômicos e políticos estão diretamente relacionados com os contornos jurídicos que serão conferidos ao tema da saúde pública. Nos dizeres de J. J. Gomes Canotilho, “direito é política, o direito é economia”[19].

Feitas essas considerações, passemos a focar na questão relativa à saúde pública, que está umbilicalmente conectada ao contexto acima relatado. De início, é oportuno mencionar que a indústria farmacêutica é uma das mais lucrativas do mundo e faz parte da elite que determina os rumos das decisões políticas. No ano de 2011, a referida indústria movimentou US$ 950 bilhões[20].

Essa ampla lucratividade remonta ao início do século XX. A sua expressividade tornou-se notável ao longo das décadas de 1930 e 1940, tendo essa indústria participado ativamente dos rumos da Segunda Guerra Mundial, seja financiando o governo nazista de Adolf Hitler, seja testando substâncias farmacêuticas patenteadas nos prisioneiros dos campos de concentração de Auschwitz, Dachau e outros locais. No Tribunal de Nuremberg, vinte e quatro gerentes da Bayer, BASF, Hoechst e outras empresas farmacêuticas do cartel I.G. Farben foram julgados por crimes contra a humanidade. Em acusação final, o Procurador-Chefe dos Estados Unidos da América, Telford Taylor, resumiu os crimes cometidos nos seguintes termos: “sem a I.G. Farben, a Segunda Guerra Mundial não teria sido possível”.

Para impulsionar seus lucros, essa indústria utiliza-se de um subterfúgio conhecido no mundo médico: a atuação de representantes comerciais, que buscam atrair os médicos a prescrever seus produtos, oferecendo diversas vantagens em troca. Isso é tão importante para esta indústria que entre 30 e 40% de tudo o que se ganha com a venda de remédios é reinvestido em ações de marketing, a maioria destinada à classe médica.

Somando ao marketing o aumento do acesso ao sistema de saúde, o resultado obtido nesse processo é o aumento desmesurado no consumo de medicamentos. Isso tem um resultado positivo, que é o prolongamento da vida humana. Porém, grande parte do consumo dos remédios receitados é desnecessário. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que metade do consumo mundial é feito de forma irracional, ou seja, em dose, tempo ou custo maior que o necessário[21]. O Brasil é o sétimo maior consumidor do mundo de medicamentos (IMS Health, 2015).

O comércio de medicamentos sobrevive graças à famigerada “indústria da doença”. Se não houver doenças, esse mercado deixa de ser lucrativo. Por conta disso, a formação médica não é dedicada à cura das causas das doenças, tornando os médicos incapazes, em regra, de tratar com profundidade as patologias que lhes são submetidas, mediante os métodos corretos[22].

Em reportagem veiculada no dia 17/11/2016, no Jornal Folha de São Paulo, na seção “Cotidiano”, noticiou-se que a indústria farmacêutica age como o crime organizado, de acordo com o apontamento do pesquisador e médico dinamarquês Peter Gotzsche (Professor na Universidade de Copenhague e um dos fundadores do Centro Cochrane). Não se deixou de reconhecer os êxitos da indústria no desenvolvimento de drogas para tratar infecções, alguns tipos de câncer, doenças cardíacas e diabetes. Porém, foram expostos em seu recente livro, denominado “Medicamentos mortais e crime organizado – Como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica”, dados que demonstram falhas na regulação de medicamentos e os riscos que muitos deles causam à saúde, ou seja, diversos estudos que apontam malefícios e efeitos colaterais irreversíveis causados pelos remédios fabricados por esta indústria são retirados de circulação, sendo forjados outros que apontam para os “inúmeros benefícios” de certas drogas, gerando uma sensação de confiança por parte dos consumidores, o que não chega a ser devidamente analisado pelas agências de regulação[23].

Hoje, a medicina é baseada “em evidências”, de modo que apenas os produtos farmacêuticos patenteados são considerados aptos a curar o paciente. A ênfase é conferida apenas ao setor de pesquisa de remédios químicos. Deixa-se de lado as inter-relações entre a mente, o corpo e o espírito[24], e as múltiplas implicações do estado emocional para a eclosão de doenças diversas. A saúde torna-se mercadoria[25].

Evidentemente, a indústria farmacêutica atua fortemente no setor público. Para alcançar e manter os seus enormes lucros, recorre-se em muitos casos à colocação de pessoas afins aos seus interesses em postos políticos e governamentais, além de haver o financiamento de campanhas eleitorais com objetivo de que sejam asseguradas condições benéficas para a atuação da indústria[26].

A primeira manifestação deste cenário ocorreu, nos Estados Unidos da América, com a criação da lei de extensão de patentes (Lei Hatch-Waxman), aprovada por Ronald Reagar, em 1984. Essa medida foi estendida internacionalmente com a criação da Organização Mundial do Comércio.

Com isso, é dificultado o acesso a medicamentos essenciais, favorecendo-se interesses industriais em detrimento da maioria da população. Ademais, impossibilita-se uma autêntica concorrência, com prejuízo para países em desenvolvimento.

Em uma perspectiva jurídica e sociológica, a temática relativa à saúde pública apresenta um outro viés: em termos clássicos, o Estado tem a opção de prestar ou não o serviço público de saúde. Ou seja, para a definição do Estado e de seu papel, a prestação do serviço público de saúde não seria imprescindível, embora fosse desejável.

Assim, se houver decisão política no sentido de que o Estado institucionalize um sistema de saúde, prestando serviços de saúde básicos para a população, isso demandará dinheiro. Por essa razão, haverá uma série de implicações orçamentárias, devendo-se manter um percentual mínimo de aplicação nesta área. Esse modelo faz-se necessário para países em desenvolvimento, como o Brasil, pois abre o acesso a milhares de pessoas que não teriam condições de arcar com o preço de tratamentos particulares ou de convênios médicos para a recuperação de sua saúde plena.

Por outro lado, caso a decisão política seja inversa, ou seja, deixando exclusivamente à iniciativa privada a prestação desses serviços, muitos ficarão à margem da sociedade e do Estado, por não terem condições econômicas de arcar com os gastos com saúde. É isso que ocorreu durante décadas nos Estados Unidos da América[27], o que só veio a ser amenizado com a instituição do programa Obama Care, que teve o objetivo de democratizar o acesso aos planos de saúde.

Em um contexto de neoconstitucionalismo, o papel do Estado reclama uma redefinição. A promoção dos direitos fundamentais deve estar no centro de sua atuação. Caso não seja, podemos entender que o Estado não atingiu a sua finalidade de atender o bem comum, tornando-se obsoleto e opressor.

A questão da saúde pública é tema central no trato dos direitos fundamentais, e o seu destino não pode ser deixado nas mãos dos que detêm o poder econômico. Nos dizeres de Karl Marx, “o capital não tem, por isso, a menor consideração pela saúde e duração da vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade a ter consideração”[28]. Se assim o é em relação ao trabalhador, podemos acrescentar que a situação é ainda mais grave com as pessoas que sequer trabalho possuem (segundo dados do IBGE, a população desempregada chegou a 11,8 milhões no Brasil, em julho de 2016).

Logo, uma concepção moderna, crítica e pragmática de Estado deve entendê-lo não somente num sentido clássico, como organização de um povo em determinado território e sob comando de poder político definido, mas além disso, como uma instituição finalística, promotora do bem comum e defensora dos direitos fundamentais, reclamando uma atuação interventiva na medida em que for necessário.

Nesse aspecto, a instituição de um sistema de saúde, a criação de regras de atuação que não sejam advindas de grupos elitizados, a formação profissional de médicos que visem à efetiva recuperação da saúde do paciente e o incentivo à disseminação de informações que proporcionem conhecimentos acerca dos benefícios e males de cada alimento, medicamento e hábito de vida para a saúde humana são atividades imprescindíveis para um Estado que pretenda assumir o controle de sua missão institucional, como mecanismo propulsor da salvaguarda dos direitos fundamentais.

Para tanto, deve-se frear a influência política e econômica nociva que tem a indústria farmacêutica, buscando-se fomentar uma relação de cooperação mútua entre esse setor industrial, o Estado, a classe médica e os cidadãos que necessitam dos serviços de saúde, tendo por foco a concretização dos direitos sociais fundamentais.

Não se pode olvidar, contudo, da importância da preservação do meio ambiente neste contexto, uma vez que a pesquisa de novos medicamentos muitas vezes depende da extração de componentes da natureza e, nesse processo, não se pode tolerar que haja aumento da degradação ao meio ambiente natural, o que reclama a adoção de medidas sustentáveis por parte desta indústria e de todas as outras. A qualidade do meio ambiente e a interação do homem com a natureza tem relação diretamente proporcional com a saúde e com a qualidade de vida[29], o que também deve ser objeto de rigoroso controle estatal (art. 225, “caput” e § 1º da CF).

Nesse sentido, o jornal "Folha de S. Paulo" noticiou, em outubro de 2004, que as enormes quantidades de substâncias químicas encontradas no ar, na água, nos alimentos e nos produtos utilizados rotineiramente estão diretamente relacionadas com uma maior incidência de câncer, distúrbios neurocomportamentais, depressão e perda de memória. Tal reportagem também divulgou dados do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, apontando que dois terços dos casos de câncer daquele País tem causas ambientais[30].


 3. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil

No Brasil, o sistema público de saúde, desde o governo Getúlio Vargas, foi instituído sob a duplicidade de um sistema cindido entre a medicina previdenciária e a saúde pública. A primeira era destinada à saúde individual dos trabalhadores formais, sendo dirigida prioritariamente às zonas urbanas, e estando a cargo dos institutos de pensão. A segunda estava sob o comando do Ministério da Saúde (MS), sendo direcionada principalmente à zona rural e aos setores mais pobres da população, com atividades, majoritariamente, de caráter preventivo.

Durante a ditadura militar, em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), passando a se executar uma política setorial de caráter centralizador e privatizante. As políticas de saúde dos governos militares buscaram incentivar a expansão do setor privado, ampliando a compra de serviços pela previdência e facultando incentivos fiscais às empresas, para contratação de companhias privadas ou cooperativas de médicos que prestassem serviços de saúde a seus funcionários. Os definidores dessas políticas objetivavam também proceder à privatização de parte dos serviços médicos estatais, então considerados inadequados, por não serem lucrativos.

Entre o final da década de 1960 e meados da década de 1970, o Brasil passou por um desenvolvimento econômico expressivo, crescendo a índices em torno de 11% ao ano, às custas de um amplo endividamento externo. Porém, esse desenvolvimento não se espalhou para outros setores, como o da saúde pública. Tanto é verdade que houve uma queda da participação da pasta da saúde no orçamento total da União, de 2,21% para 1,40% entre 1968 e 1972[31].

A população do País vivenciava um quadro sanitário alarmante, havendo preocupação com a qualidade de saúde, principalmente em razão de doenças causadas por falta de infraestrutura, como as verminoses e aquelas de veiculação hídrica.

Em meados da década de 70, foi lançado o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, que agregou obras e ações na área da saúde. Em 1975, foi instituído o Sistema Nacional de Saúde, por meio da Lei n. 6.229. Dois anos depois, houve uma profunda reestruturação do Ministério da Previdência e Assistência Social (Sinpas), separando as atividades previdenciárias – que ficaram a cargo do INPS – das de saúde, que foram atribuídas as Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).

Com isso, a Previdência Social tornou-se a grande compradora e financiadora de serviços médicos da rede privada, com a implementação de um modelo de assistência caracterizado pela tecnificação dos atos médicos, pela ênfase na assistência hospitalar e pelo assalariamento dos profissionais de saúde. As ações de saúde coletiva, por outro lado, foram abandonadas, em vista dos parcos recursos com que era dotado o Ministério da Saúde. Entre 1968 e 1980, a participação da Saúde no Orçamento da União jamais foi superior a 2,5%.

Apenas com a Constituição da República de 1988, houve a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme artigos 196 a 198 da Lei Maior, com as seguintes regras: regionalização; hierarquização; descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade. A sua regulamentação veio à tona com a Lei n. 8.080/1990, a qual operacionalizou o atendimento público da saúde.

A criação do SUS resultou de um movimento em favor de uma ampla reforma sanitária, iniciado no final da década de 1970, no contexto do processo de redemocratização do País, tendo como escopo fundamental a reversão do quadro inadequado e perverso do sistema de saúde então vigente, constituído ao longo de quase um século e consolidado durante a ditadura militar.

A inadequação advinha de sua inaptidão para atender à crescente e diversificada demanda causada pelo agravamento do quadro de doenças, o que foi proveniente do processo desenvolvimentista. Sua perversidade foi marcada por deixar à sua margem uma grande quantidade de excluídos.

É interessante observar que, nos anos em que o movimento de reforma sanitária ocorreu, o cenário mundial era bem diverso do vivenciado no Brasil. O Estado de Bem-Estar Social passou a se expandir no mundo desde o término da Segunda Guerra Mundial, com o intuito de salvaguardar direitos sociais tidos como fundamentais, por meio de prestações positivas do Estado. Tal modelo não chegou a ser estabelecido no Brasil nesse período.

Durante os anos de ditadura militar, em que o modelo de Estado de Bem-Estar Social atingiu o seu apogeu no mundo, o Brasil vivia um regime de exceção, com grande restrição aos direitos fundamentais, indo, portanto, na contramão do mundo ocidental. Em 1988, momento em que foi consolidada a redemocratização, o sistema do Welfare State já estava em declínio no mundo. Os governos neoliberais estavam, à época, em franco desenvolvimento, tanto é que esta ideologia permeou a política dos governos do pós-1988.

A Constituição da República trouxe uma série de avanços na área social, inclusive no âmbito da saúde pública, demonstrando o sucesso do movimento sanitário que havia se iniciado anos antes. Assim, algumas melhorias, de fato, foram verificadas neste setor. Porém, a mera criação de regras jurídicas que imponham um “dever-ser” não necessariamente traduz-se em efetividade. O Sistema Único de Saúde (SUS) passou, em seus primeiros anos, por crises sistêmicas e estruturais, advindas da falta de recursos suficientes para a construção de hospitais, aquisição de aparelhos e pagamento de despesas correntes imprescindíveis para o funcionamento do sistema como um todo.

O resultado disso foi o sucateamento de todo o SUS. Apesar do crescimento observado na arrecadação de contribuições sociais, a participação da saúde no montante destes recursos caiu progressivamente. Ou seja, ao mesmo tempo que a Constituição de 1988 universalizava o direito à saúde e responsabilizava o Poder Público por garanti-lo, a participação proporcional do Ministério da Saúde no orçamento da seguridade social e o percentual do PIB destinado ao setor diminuíram nos anos seguintes a 1989. Esse quadro apenas foi regularizado com a promulgação da Emenda Constitucional n. 29/2000, que estabeleceu a vinculação de receitas de impostos para o setor da saúde.

A referida Emenda Constitucional incluiu um § 2º ao artigo 198 da Constituição Federal de 1988, determinando que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, recursos mínimos em ações e serviços públicos de saúde, nos seguintes termos: I - no caso da União, na forma definida em lei complementar, que previu a correção do valor empenhado nos anos anteriores nesta área pela variação nominal do PIB (LC nº 141/2012); II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, pelo menos 12% sobre o produto da arrecadação dos impostos estaduais (ICMS, ITCD e IPVA) e dos recursos derivados de transferências constitucionais feitas pela União, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos municipais (ITBI, ISS e IPTU) e das transferências constitucionais feitas pela União e Estados aos Municípios (art. 77 do ADCT e LC nº 141/2012).

Essa sistemática conferiu certa estabilidade ao financiamento do SUS, porquanto houve uma estipulação de gastos mínimos e obrigatórios com saúde, em conformidade com o crescimento econômico experimentado pelo país, tendo em vista que a vinculação referida oscilaria de acordo com o maior ou o menor volume de impostos arrecadados pelos entes federados.

Por fim, em 2015 houve modificação do método de cálculo do mínimo com ações e serviços público de saúde da União, por meio da Emenda Constitucional nº 86, vinculando-se a aplicação mínima a um percentual da receita corrente líquida (RCL), de forma escalonada, sendo 13,2% da RCL em 2016, 13,7% em 2017, 14,2% em 2018, 14,7% em 2019 e 15% em 2020.

Novos problemas poderão advir de uma eventual aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016, que obteve quórum suficiente de favorabilidade na Câmara do Deputados, sendo remetida ao Senado Federal para uma nova rodada de discussões e votação, onde passou a tramitar sob o número 55/2016. A proposta prevê o congelamento de gastos públicos ao longo dos próximos vinte anos, inclusive na área da saúde, em descompasso com o progressivo aumento da demanda neste setor da vida social. Porém, não há condições para aprofundamento deste tema no âmbito restrito do presente estudo.


 4. A legitimidade da atuação do Poder Judiciário no âmbito das políticas públicas de saúde

À luz do que se expôs em linhas pretéritas, pode-se asseverar que a análise da temática concernente à saúde pública não pode ser puramente jurídica, porquanto questões de ordem política e econômica estão diretamente relacionadas a ela, e acabam por interferir, de modo negativo, para a concretização de políticas públicas nesta área, sendo imprescindível que o Poder Judiciário atue de modo a suprir as omissões e as insuficiências resultantes da precária e distorcida atividade exercida pelos demais Poderes do Estado, notadamente pelo Poder Executivo, que é responsável por executar o orçamento público e por dar efetividade às normas emanadas do Poder Legislativo em matéria de proteção social, e em especial na essencial área da saúde.

Assim, tecidas as considerações acerca dos aspectos políticos e econômicos nos tópicos supra, iremos nos deter doravante a avaliar a questão sob um prisma predominantemente jurídico, buscando avaliar se há legitimidade do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas na área da saúde – as quais exigem, via de regra, gastos públicos para sua efetivação.

O direito à saúde é consagrado pela Constituição da República de 1988, em seus artigos 6º e 196. Esse último preconiza que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, garantindo-se o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O direito à saúde é fundamental. A ausência de sua menção no artigo 5º da Constituição Federal não lhe retira esta natureza. Inclusive, este direito é uma decorrência inexorável do direito à vida, esse previsto expressamente no “caput” do art. 5º da Lei Maior, como sendo inviolável. Uma vida sem saúde é uma vida violada, e a morte se pode dizer que é a total ausência de saúde, razão pela qual negar esse direito é negar o direito à vida[32]. Nesse sentido, a própria Lei 8.080/90, em seu art. 2º, proclama este direito como fundamental, assim como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE 271.286-AgR, 2ª T., Plenário, j. 12.09.2000, rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2000).

No âmbito do direito internacional, também vigora a ideia de que o direito à saúde possui elevada carga de fundamentalidade, tendo recebido destacado reconhecimento por parte da comunidade internacional, firmando-se diversos acordos supranacionais nesse sentido.

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil, prevê, em seu artigo 12, que “os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental”, estabelecendo-se medidas para assegurar a diminuição da mortalidade infantil; a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; e a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade[33].

O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, denominado “Protocolo de San Salvador”[34], estabeleceu em seu art. 10 que “toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social”. O item 2 do referido artigo prevê medidas para tornar efetivo o direito à saúde, comprometendo-se os Estados Partes a reconhecer a saúde como bem público e a adotar as seguintes medidas para garantir este direito: a. Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade; b. Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; c. Total imunização contra as principais doenças infecciosas; d. Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza; e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos problemas da saúde; e f. Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais vulneráveis.

Aplica-se-lhe, portanto, a prescrição do § 1º do art. 5º da Constituição da República, que prevê que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”[35].

Porém, como qualquer direito fundamental, o direito à saúde é relativo e deve obedecer a exigências, de forma a não ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

O direito à saúde possui duas dimensões que se completam: de um lado, é um direito social, conforme previsão do art. 6º da CF; de outro, é um direito de caráter individual, podendo ser judicializado em busca de sua efetivação, em vista do princípio da inafastabilidade da jurisdição e do direito à vida, o que está em consonância com entendimento predominante no âmbito do STF[36].

No aspecto social, o direito à saúde é implementado por meio de políticas públicas, com a atuação marcante do Sistema Único de Saúde (SUS) nesse cenário. A Constituição estabelece, em seu artigo 199, que a iniciativa privada pode prestar assistência à saúde de forma complementar ao SUS, mas o que se vê na prática é o contrário, devido à inaptidão de a rede pública de saúde prestar um serviço abrangente e de qualidade.

Sob o prisma individual, o direito à saúde é um direito público subjetivo, devendo ser realizado na maior medida possível, de forma a se garantir a universalidade de sua fruição básica.

A garantia de serviços de saúde a alguns em detrimento de outros fere o princípio da isonomia (art. 5º, “caput”, CF). Segundo esse princípio, todos devem ser tratados de forma igual, desde que não haja uma razão suficiente que permita a diferenciação.

Nesse sentido, haveria direito subjetivo à isonomia, a ser patrocinado a quem estivesse sendo tratado de forma não isonômica. E isto pode ocorrer das seguintes formas, segundo Alexy[37]: 1. “Se alguém – devido a uma violação da máxima da igualdade – é afetado por uma proibição, pode ter um direito definitivo concreto baseado na máxima da igualdade, à omissão da intervenção, é dizer, a um direito de status negativo. Neste caso, a 'omissão de um tratamento desigual' é uma ação negativa”.

Nessa hipótese, há uma vedação ao exercício de direitos entre iguais, de modo que se deve buscar a cessação de tal proibição. 2. “Se alguém – como consequência de uma violação da máxima da igualdade – não é favorecido, pode ter um direito definitivo concreto baseado na máxima da igualdade a ser favorecido, é dizer, um direito de status positivo. Neste caso, a 'omissão de um tratamento desigual' é uma ação positiva”.

Nesse sentido, existe um direito público subjetivo a quem tiver sido prejudicado pela quebra da isonomia a pedir uma equiparação, com o retorno da isonomia violada, seja através de uma ação negativa, que impeça o tratamento discriminatório, seja por meio de ação positiva, que eleve o grupo prejudicado à situação dos favorecidos.

Dessarte, seja para corrigir a situação anti-isonômica gerada pelo tratamento desigual na concessão do serviço público de saúde, seja para concretizar o próprio direito individual à saúde e garantir o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o Poder Judiciário vem atuando com o fito de implementar políticas pública nesta área, com determinação, entre outras medidas, de fornecimento de medicamentos e suplementos alimentares, de imposição de vagas em unidades de tratamento intensivo (UTI) e de aquisição de materiais médicos, laboratoriais e cirúrgicos.

A referida atuação do Poder Judiciário é legitima[38]. De início, cumpre ressaltar que o art. 194 da CF/88 estabelece que a “seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade”, com uma notável inclusão de todos os Poderes do Estado, entre os quais se agrega o Judiciário, nos termos do art. 2º de nossa Carta Magna.

Ademais, este Poder não “inventa” políticas públicas na área da saúde de forma isolada e arbitrária, mas apenas aplica a norma estabelecida pelo poder constituinte, numa postura reverente e respeitosa acerca das normas constitucionais. Isso não o torna um legislador positivo[39].

Por óbvio, a atuação do Judiciário, tanto como legislador positivo quanto negativo, deve ser vista com as devidas cautelas, haja vista que a função de legislar deve ser desenvolvida de forma preponderante pelo Poder Legislativo. Nesse sentido, Ronald Dworkin entende que o juiz nunca deveria agir como legislador, limitando-se a aplicar as leis existentes, pois a comunidade deve ser governada por pessoas eleitas pela maioria, e o juiz não foi eleito e sequer presta contas ao eleitor, além de não ser admissível a criação de norma jurisdicional/concreta a ser aplicada retroativamente. Entretanto, o próprio doutrinador reconhece que, na prática, é impossível que o juiz não acabe se comportando como uma espécie de legislador, em vista da costumeira vagueza e confusão dos textos legais.[40].

Assim, o trato do tema relacionado a políticas públicas pelo Estado-juiz deve sempre ser excepcional e fundada na concretização dos direitos fundamentais, cuja satisfação não pode ficar ao mero alvedrio dos demais Poderes.

Não obstante, o Poder Judiciário tem, historicamente, se imiscuído em matérias muito específicas e, por vezes, interferido de modo indevido na área política, extrapolando os limites de uma atuação restrita à resolução de lides ou à aplicação do direito em casos que lhe são submetidos.

Um exemplo disso foi a forte resistência da Suprema Corte norte-americana quando da instituição do New Deal pelo Presidente Roosevelt, bem como quando da criação do imposto sobre a renda, a qual chegou a ser impedida inicialmente pela Suprema Corte, mas foi institucionalizada com a aprovação da décima sexta emenda à Constituição estadunidense[41]. Exemplo mais recente está contido na suspensão efetuada pela Suprema Corte norte-americana, em fevereiro de 2016, de um programa de reduções de emissões de poluentes pelas centrais térmicas proposto pelo presidente Barack Obama, contrariando compromisso assumido na 21ª Conferência do Clima (COP 21).

No Brasil, quando o STF interfere em política pública na área de saúde, dando aplicação integral ao direito à saúde, como corolário do direito à vida, não se está a interferir indevidamente no campo de atuação restrito de outros Poderes. Está, isso sim, dando efetividade a preceitos fundamentais autoaplicáveis por própria determinação constitucional (art. 5º, § 1º, CF), e impedindo que o direito à saúde sofra embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de ser dificultado o acesso a ele.

A legitimidade do Poder Judiciário para o trato da matéria decorre do próprio mandato constitucional recebido, de sua função contramajoritária e, especialmente, do caráter preferencial dos direitos fundamentais. O sistema orçamentário autorizativo brasileiro criou uma grave distorção ao deixar as decisões de dispêndio de dinheiro público sob o talante exclusivo da Administração Pública, que é governada pelo princípio majoritário. Dessa forma, o Judiciário deve assumir a tarefa de proteger as minorias na prestação dos serviços públicos, corrigindo a citada inconsistência[42]. Além disso, a legitimação do Judiciário é advinda da fundamentação de suas decisões, ao contrário dos demais Poderes do Estado, em que a legitimidade baseia-se no voto popular.

A tendência das decisões judiciais é de se efetivar a proteção constitucional do direito à saúde. Entretanto, há tendência minoritária que, com fundamento em uma ótica liberal clássica e na cláusula da separação dos poderes, afasta a justiciabilidade do direito à saúde.

O argumento central é de que não cabe ao Judiciário controlar critérios de conveniência e oportunidade da Administração para atender demanda da população na área da saúde, sob a justificativa da ofensa ao princípio da separação dos poderes, bem como da ofensa a critérios de dotação orçamentária, com base ainda no princípio da “reserva do possível”.

Nesse sentido, o doutrinador português Canotilho referiu-se a um movimento chamado “ecological approach”, que pretende colocar o problema dos pobres no âmago da responsabilidade constitucional e funcional dos juízes. Em razão da inércia dos poderes políticos competentes para implementação de políticas públicas, em manifesta desconformidade com os princípios de justiça, constitucionalmente plasmados, a magistratura assume sua accountability e sua responsiveness  para com os pobres, proferindo sentenças de inequívoca conformação político social. Canotilho discorda deste modelo de atuação, por ser casuísta – sobretudo no âmbito de prestações de saúde - e por faltar legitimidade para apreciação político-judicial das desconformidades constitucionais das políticas públicas. O Poder Judiciário não seria órgão politicamente responsável[43].

Porém, tal entendimento não se sustenta, notadamente em países subdesenvolvidos, nos quais o Estado de Bem-Estar Social foi instituído de forma precária e parcial, sofrendo diversas represálias por parte das grandes potências econômicas e dos setores políticos neoliberais. Ademais, não faz sentido a existência de um Estado que não se preste a garantir a seu povo os direitos sociais mínimos previstos constitucionalmente, ainda que por intermédio da força coativa do Judiciário, em face da inadmissível inércia dos demais Poderes do Estado.

Resta avaliar, no entanto, em que medida a interferência do Poder Judiciário na seara da saúde pública conserva a sua legitimidade constitucional. Nesse sentido, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, apontou que “na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas”[44]. Isso mostra que as políticas públicas na área da saúde que foram objeto de aprovação pelo Poder Legislativo e de inclusão em programas do Poder Executivo não estão sendo efetivadas a contento, de modo a atender a universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, parágrafo único, I, CF).

Nesse caso, salientou o Ministro Gilmar Mendes que “ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública parece ser evidente”[45].

Logo, se existe uma política pública na área de saúde aprovada por Lei e incluída em programas governamentais, por óbvio houve anterior inclusão das despesas decorrentes no âmbito do orçamento (art. 167, I e II, da CF/88 e art. 16 da LRF), sendo perfeitamente válida a interferência do Judiciário ao determinar sua efetivação. Entretanto, os provimentos jurisdicionais poderão gerar dois efeitos: a) o aumento dos gastos totais na área da saúde, o que deverá advir do remanejamento de recursos de outras áreas ou da criação de créditos adicionais, com prévia edição de lei (art. 167, V e VI da CF/88); ou b) a alteração do destino dos recursos alocados para o setor da saúde, retirando-se dinheiro de certos programas sociais para o atendimento de causas judiciais específicas.

Evidentemente, o primeiro efeito apontado é preferível ao segundo, tendo em vista que o tema da saúde pública teve peculiar atenção do poder constituinte, sendo criado todo um sistema voltado a conferir concretização a este direito, o qual se revela de essencial fundamentalidade no âmbito de um Estado Social e Democrático de Direito. Tanto a omissão no implemento das políticas públicas estabelecidas em lei ou previstas em programas governamentais quanto no cumprimento de decisões judiciais relacionadas à saúde pública são igualmente inconstitucionais, por violação ao princípio da dignidade da humana, à vedação de ferimento do núcleo essencial dos direitos fundamentais, à garantia do mínimo existencial e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. O tema específico da repercussão orçamentária será analisado no tópico a seguir.

Para efetivação do direito à saúde pelo Judiciário, pressupõe-se que prestações estatais básicas destinadas à garantia de uma vida digna para cada pessoa constituem parâmetro necessário para a justiciabilidade dos direitos sociais prestacionais, no sentido de direitos subjetivos definitivos que prevalecem até mesmo em face de outros princípios constitucionais (como é o caso da reserva do possível, da reserva parlamentar em matéria orçamentária e da separação dos poderes)[46].

Ou seja, a legitimação do Judiciário para efetivação dessas políticas públicas deve estar pautada na garantia do mínimo existencial, em respeito à dignidade humana. A extrapolação deste critério, com a inovação de políticas públicas que desbordam o mínimo necessário para uma vida humana digna, seria afrontosa ao princípio da separação dos poderes e, portanto, ilegítima.

Na esfera da garantia do mínimo existencial, há um direito subjetivo definitivo às prestações que lhe são inerentes, ou seja, que eventual obstáculo de ordem financeira e orçamentária deverá ceder ou ser removido, inclusive mediante a realocação de recursos, fixação de prioridades, ou mesmo outras medidas. Outrossim, não se poderá pretender suprimir ou esvaziar, pelo menos não aquém do mínimo existencial, a concretização já levada a efeito dos direitos sociais[47].

Em suma, cabe ao Poder Judiciário universalizar as políticas públicas na área da saúde, concedendo prestações materiais a quem não possui outro meio de obtê-las e não teve acesso a elas no âmbito das políticas públicas de caráter mais abrangente. Contudo, o alcance de suas decisões restringir-se-á ao mínimo necessário à existência digna do ser humano – sob pena de converter-se em legislador positivo e de afrontar a separação de poderes. Assim, haverá um equilíbrio na atuação deste Poder, que não chegará a ser abusivo e tampouco omissivo.

Nesse sentido, o Tribunal Constitucional português, no Acórdão n.º 509/2002, reiterou pronunciamentos anteriores, reconhecendo que, no âmbito da concretização dos direitos sociais, o legislador dispõe de ampla liberdade de conformação, podendo decidir a respeito dos instrumentos e sobre o montante dos benefícios sociais a serem prestados, sob o pressuposto de que, em qualquer caso, a escolha legislativa assegura, com um mínimo de eficácia jurídica, a garantia do direito a um mínimo de existência condigna para todos os casos. Ou seja, deve-se resguardar o respeito ao princípio da universalidade no que diz com a titularidade dos direitos fundamentais, pelo menos daqueles que possuem um conteúdo em dignidade da pessoa humana.

Na maioria dos casos, na judicialização dos direitos à saúde não se discute a qualidade dos serviços prestados, mas sobretudo o acesso a esses serviços, o seu alcance e a sua cobertura. As demandas são principalmente individuais, especialmente no caso de demandas a respeito do fornecimento de medicamentos para portadores de vírus HIV, o que inclusive estimulou a aprovação da Lei 9.313/96, que determinou o fornecimento obrigatório e gratuito, pelo SUS, de medicamentos a todos os portadores do vírus HIV.

O movimento de defesa dos direitos das pessoas portadoras do vírus HIV ecoou no plano internacional, destacando-se o protagonismo do Brasil quanto à iniciativa, na Comissão de Direitos Humanos da ONU, de propor uma resolução considerando o acesso a medicamento para os portadores de AIDS, malária e tuberculose como um direito humano fundamental, o que acabou por contribuir para o pleito da quebra de patentes de medicamentos para a AIDS, no âmbito da OMC.

Apesar de o licenciamento compulsório previsto na legislação brasileira ter sido alvo de contestação por parte dos Estados Unidos da América, onde se concentra a maior parte dos laboratórios que detêm as patentes dos medicamentos anti-AIDS, a resolução acabou sendo aprovada, representando um avanço histórico no trato da questão.

Portanto, observa-se que a atuação do Poder Judiciário no trato desta matéria tem ímpar relevância, inclusive estimulando a criação e o aprimoramento de políticas pública no setor, em prol da melhoria de todo o sistema de saúde e de seus usuários. Em monografia a respeito do tema, foi verificado que, no Município de Vitória da Conquista – BA, a concessão de liminares determinando a entrega de medicamentos fez com que o ente instituísse um programa farmacêutico, facilitando o acesso da população e, por conseguinte, reduzindo o número de liminares em determinado período.

Além disso, o Município decidiu realizar licitações prévias, na modalidade registro de preços, para a aquisição dos medicamentos mais demandados judicialmente, gerando uma redução no custo de aquisição[48]. O mesmo fenômeno ocorreu no Município de São Paulo – SP, em que passaram a ser realizadas “licitações preventivas”[49].

Interessante mencionar, nesse aspecto, a criação do Núcleo da Apoio Técnico (NAT) pelo Município de Araguaína – TO, com funções consultivas (subsidiar o Judiciário de informações relativas ao tema), preventivas (estimulando a resolução administrativa de conflitos) e de gestão[50], o que tem permitido maior diálogo institucional e redução da demanda judicial. No Distrito Federal, foi criada a Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde, além de serem elaboradas certas estratégias formais e informais para lidar com o problema[51].

No Estado de São Paulo, cumpre mencionar a parceria havida entre Secretaria de Saúde e Defensoria Pública do Estado (maior demandante no Estado em ações desta natureza), reduzindo a quantidade de ajuizamentos por parte desta em 90% em determinado período[52]. Outra iniciativa do Governo do Estado de São Paulo foi a implementação, em 2009, do serviço denominado “pedido administrativo”, criando instância administrativa para fornecimento espontâneo de medicamentos não padronizados pelo SUS, com o fito de conter a crescente judicialização em matéria de saúde.

É evidente que o assunto não se esgota apenas com os aspectos positivos desta atuação. Por vezes, são lançados argumentos no sentido de que a interferência do Judiciário quebra a ordem de preferência (fila) nos hospitais, com reserva de escassos leitos médicos para pacientes que muitas vezes encontram-se em estado menos grave do que diversos outros.

Noticiaram-se casos em que se decretou a prisão de médicos que não atenderam decisão judicial determinando a disponibilização de vagas em UTI, por falta de leitos desocupados. O Conselho Regional de Medicina repudiou tal procedimento, alegando que caberia ao médico avaliar a gravidade e a prioridade de pacientes nas UTIs, e que aquele não poderia ser penalizado pelo problema na saúde pública e pela falta de leitos.

Com efeito, situações deste jaez reclamam uma medida de cooperação entre médicos e o Poder Judiciário, com o escopo de se encontrar um caminho do meio na resolução do assunto, que definitivamente não perpassa por uma disputa entre essas instâncias, mas sim por uma avaliação conjunta da demanda por serviços médicos (notadamente os de urgência) e da disponibilidade de leitos médicos, tanto na rede pública quanto na particular, dando-se prioridade para as situações mais graves, já que se entremostra inviável o atendimento de todos os casos a priori, sem que haja uma estruturação de todo o sistema. Nesse ponto, o exemplo de Araguaína – TO, citado acima, é paradigmático e inspirador, podendo servir de parâmetro para outros entes públicos.


 5. O impacto orçamentário decorrente do ativismo judicial no cenário da saúde pública

De início, sobreleva assinalar que todos os direitos fundamentais têm um custo[53]. Tanto os direitos de primeira geração, associados à ideia de liberdade, quanto os de segunda dimensão – que realçam o princípio da igualdade, e inclusive os de terceira geração, consagradores do princípio da solidariedade, demandam dinheiro para a sua efetivação.

No primeiro caso, por exemplo, a liberdade individual depende da manutenção de um aparato policial e jurisdicional para garanti-la. No segundo e no terceiro, de prestações materiais e de instituições que assegurem a sua fruição.

Em matéria de concretização de direitos sociais, aqui enfocando a seara da saúde, deve-se atentar para o fato de que a lei orçamentária brasileira, atendendo aos princípios da especificação e da legalidade, estabelece o montante de recursos destinados à saúde pública.

Com esse montante de recursos, busca-se dar eficácia ao princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, com respeito à ordem de apresentação de demandas, de gravidade das doenças e de hipossuficiência dos requerentes, e aos princípios da seletividade e da distributividade na prestação dos benefícios e serviços (art. 194, parágrafo único, I e III, da Constituição da República de 1988), tendo por escopo conferir atendimento integral e com prioridade para atividades preventivas (art. 198, II, da CF).

Entretanto, os recursos destinados a esta área nunca são suficientes para o atendimento da crescente demanda, máxime considerando o impacto das decisões judiciais neste aspecto.

Quando da elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), não há conhecimento acerca das ações judiciais em tramitação ou que tramitarão em matéria de saúde pública, de modo a se inviabilizar um exato dimensionamento do montante a ser gasto pelo ente a este título.

Uma alternativa que se mostra possível é a utilização de reserva de contingência (art. 5º, III, da LRF), que não se submete aos rigores do princípio da especificação, e poderia ser utilizada livremente para o pagamento de gastos imprevistos em virtude da judicialização em comento.

Sabe-se que, na prática, a maior parte dos entes públicos destina somente o mínimo estabelecido constitucionalmente para a área da saúde (art. 198, § 2º, da CF), fazendo vistas grossas em relação à problemática da judicialidade. Assim, se há determinação judicial que demande gasto público, efetuam-se cortes de recursos que seriam utilizados no atendimento de programas de saúde para o atendimento do provimento jurisdicional. Ou seja, o que se dá a um, de outro se tira.

Por conta dessa escassez de recursos públicos a serem usados nesta área, e da necessária ocorrência de “escolhas trágicas”, tem-se buscado uma limitação no âmbito das decisões judiciais exaradas, o que se deu com a importação da teoria alemã da “reserva do possível”.

Segundo esta teoria, “todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acordo com exigências de harmonização econômica”[54]. A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas[55]. No direito brasileiro, tal teoria passou a ser usada como reserva do financeiramente possível, justificando existência de limitações à efetivação dos direitos sociais[56].

O primeiro órgão a quem compete fazer minuciosa análise dos limites fáticos do orçamento seria o legislador, ao elaborar a LOA. O Poder Executivo, num segundo momento, daria concretude ao disposto em lei, efetivando a execução orçamentária com a eleição de prioridades a serem atendidas. O Judiciário não poderia interferir nesta seara.

Contra a judicialização de demandas na área da saúde, argumenta-se, ainda, que a LRF limita a liberdade de utilização de verbas orçamentárias, fazendo com que o gestor considere as prioridades impostas, engessando assim as possibilidades de atuação deste diante das demandas que são apresentadas por meio de ordens judiciais, conforme arts. 16 e 17 da LRF.

Afirma-se, outrossim, que a Constituição Federal de 1988 instituiu o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, dando ênfase ao planejamento estatal, ao equilíbrio orçamentário e ao princípio da programação, no afã de concretizar políticas públicas de alcance coletivo, impedindo a interferência do Judiciário nesta seara[57].

Esses argumentos têm sido bastante utilizados pela Fazenda para demonstrar a sua impossibilidade de cumprir decisões judiciais em matéria de saúde. Porém, são afirmações falsas, as quais guardam uma ideologia de negação dos direitos sociais. Inclusive, a jurisprudência vem se manifestando no sentido de que a Fazenda deve provar, no caso concreto, a inviabilidade econômica do atendimento do pedido, não bastando a mera alegação, como costumeiramente se vê[58].

Uma pergunta deve ser feita, neste ponto: reserva do possível revela-se um argumento sustentável? Para respondê-la, será necessária uma digressão. A doutrina majoritária entende que a limitação da reserva do possível existe e é uma contingência que não se pode ignorar. A finalidade do Estado, ao obter recursos para depois gastá-los com obras e políticas públicas, seria exatamente a de realizar os objetivos da Constituição, encerrados em seu art. 3º.

Assim, o ente público realizaria uma apuração dos elementos fundamentais da dignidade da pessoa humana preconizada na CF/88, estabelecendo os alvos prioritários e, só depois de atingi-los, é que se discutiria em quais outros projetos deveria investir os recursos remanescentes[59].

Entretanto, a concretização dos direitos fundamentais sociais está longe de ser o alvo prioritário dos governos. O argumento da doutrina brasileira é falacioso, e baseado numa estrita e deturpada leitura jurídica. Foi possível extrair essa conclusão inclusive na audiência pública sobre saúde realizada pelo STF, tendo o Defensor Público da União André da Silva Ordacy comparado os gastos com atendimento a decisões judiciais e com propaganda governamental, chegando a concluir que esses foram quase dez vezes maiores que aqueles. Ademais, o Ministério da Saúde noticiou que treze Estados-membros aplicaram menos que o mínimo estabelecido pela CF em saúde.

Por óbvio, a Constituição da República representou um grande avanço para a defesa dos direitos sociais. Contudo, a simples criação normativa não implica, necessariamente, uma melhoria da realidade social. Nesse aspecto, a Lei Maior brasileira classifica-se, de acordo os com critérios propostos por Karl Loewenstein[60], como nominalista, sem expressar a normatividade esperada.

Consoante apontado no tópico 2, supra, o sistema econômico hoje vigente impõe um crescente endividamento aos países subdesenvolvidos, como forma de mantê-los dependentes das nações mais poderosas economicamente. Em vista disso, ocorre um fenômeno cíclico, que se inicia com a aquisição de empréstimos de organismos internacionais, com o suposto fundamento de que o dinheiro será usado para a promoção dos direitos fundamentais, sendo criada uma dívida pelo país.

Para pagar essa dívida, aumentam-se os tributos, tornando a população mais carente de recursos, o que acaba por aumentar as desigualdades sociais e a necessidade de prestações estatais. As pressões dos setores econômicos impedem, porém, que o Estado preste serviços públicos de qualidade, uma vez que o dinheiro passa a ser canalizado para o pagamento da dívida pública, no afã de se manter um certo equilíbrio econômico.

Neste contexto, orçamento federal de 2015 previu um montante de despesas totais no importe de R$ 2,683 trilhões, sendo que R$ 1,356 trilhão (47%) foi destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida pública. A prorrogação da vigência da DRU até 2023, com ampliação de seu percentual de 20% para 30%, vem permitindo que o governo retire recursos da seguridade social para pagar a dívida pública, estimando que esse desvirtuamento alcance em 2016 o montante estimado de R$ 117,7 bilhões, conforme divulgado no sítio eletrônico do Senado Federal[61].

A par disso, os gastos com publicidade no País somaram R$ 60,7 bilhões no 1º semestre de 2016, segundo dados divulgados pelo Ibope Media[62]. Em 2014, foram previstos gastos tributários federais de R$ 249,76 bilhões com incentivos fiscais, equivalente a 20,66% da arrecadação estimada para o ano. Fazendo-se um contraponto, os gastos estimados com saúde no orçamento federal de 2015 foram de R$ 109,2 bilhões, sendo treze vezes inferior ao gasto com dívida pública.

Assim, o que se observa é que a eleição das políticas públicas volta-se mais para o atendimento dos interesses dos setores econômicos e governamentais do que da população pobre e necessitada, que deveria ser o alvo principal das políticas estatais. Isso nos remete à teoria do elitismo, abordada no item 2, acima, de modo que o controle dos rumos assumidos pelo Estado está submetido a um restrito ciclo de pessoas, que pouco se importam com os interesses gerais, e muito se atentam para os seus próprios interesses, notadamente os de cunho econômico.

É nesse aspecto que se coloca a relevante e necessária função do Poder Judiciário, no afã de equalizar as disparidades sentidas no aspecto econômico e político, exercendo o seu papel de órgão de atuação contramajoritária, protegendo os interesses dos hipossuficientes, que efetivamente estão morrendo nas filas de espera dos hospitais e sofrendo com a ausência de cuidados médicos. A Constituição não pode ser uma mera folha de papel, sendo imperiosa a existência de instituições fortes para conter a avareza dos famigerados “fatores reais de poder”, contrariando o preconizado por Ferdinand Lassale ao lançar sua concepção sociológica de Constituição[63].

Assim, não se sustenta, em regra, a utilização retórica da “reserva do possível” como forma de retirar a possibilidade do Judiciário atuar de forma enérgica na proteção de direitos sociais plasmados na Constituição Federal. A competência atribuída aos Poderes Executivo e Legislativo de decidir acerca dos gastos públicos não pode se converter em promessa constitucional inconsequente de defesa dos direitos fundamentais, e tampouco confere àqueles Poderes ampla discricionariedade para aplicar recursos onde bem entenderem.

Outrossim, a previsão contida nos arts. 16 e 17 da LRF não engessam o gestor público a ponto de impedir que ele atenda os provimentos jurisdicionais. Lei infraconstitucional não pode se sobrepor aos mandamentos constitucionais autoaplicáveis de garantia dos direitos fundamentais de cunho social, ainda que em sua dimensão individual.

A par disso, não há se falar em punição do administrador público por crime tipificado na Lei de Crimes Fiscais, bem como por crime de responsabilidade fiscal, pois estará em cumprimento de uma ordem judicial. Consoante afirmado pelo ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, é um erro tratar a saúde como gasto, pois se trata de investimento, fundamental para o desenvolvimento econômico e humano.

A concessão de incentivos fiscais, a realização de gastos com publicidade e o excessivo dispêndio de recursos com o pagamento da dívida pública deixam em segundo plano o trato da questão social. O que sobra, destinam à proteção dos direitos previstos constitucionalmente. Deve haver uma inversão desta realidade perversa, e o direito é o instrumento hábil a concretizá-la. O Judiciário é um dos órgãos por onde tal discussão deve ser levada adiante.

Nesse contexto, o Tribunal Constitucional da Colômbia[64] entendeu que a decisão de reduzir os recursos destinados a subsidiar habitações para a população de baixa renda, em abstrato justificada pela necessidade de contenção de despesas (pela carência de recursos) e atendimento a outras demandas de cunho social, não resultou convincente no caso concreto, especialmente quando as dificuldades financeiras apontadas podem ser atribuídas à falta de planejamento e gestão deficiente do próprio Poder Público.

Conquanto não seja específica em torno da temática da saúde pública, a decisão mostra que a reserva do possível só pode ser invocada como argumento válido em hipóteses excepcionais, pois a sua análise pressupõe a averiguação de uma série de questões de cunho econômico, orçamentário, político e social. Imprescindível é a garantia ao mínimo existencial como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Disso não se pode abrir mão.

A crescente judicialização na área da saúde pública demonstra que a população tem se mostrado descontente com as políticas públicas no setor. Um levantamento do Ministério da Saúde mostra que desde 2010 houve um aumento de 727% nos gastos da União com ações judiciais para aquisição de medicamentos, equipamentos, insumos, realização de cirurgias e depósitos judiciais[65].

Os órgãos governamentais brasileiros têm uma despesa com medicamentos considerada elevada e crescente. Levando-se em conta que 72% da população utiliza o SUS (de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas), e que muitas vezes os programas de Assistência Farmacêutica constituem a única fonte de aquisição de medicamentos possível para essas pessoas, esse aumento era de se esperar. O acesso aos medicamentos está presente nas agendas internacional e nacional como um importante tema, estando incluído nas Metas do Milênio (ONU, 2001).

Porém, mesmo com o aumento das ações judiciais nesta área, estima-se que apenas 30% dos indivíduos envolvidos em disputas procuram a Justiça no Brasil, existindo uma clara relação entre índice de desenvolvimento humano e litigância, ou seja, é bastante maior a utilização do Judiciário nas regiões que apresentam índices mais altos de desenvolvimento humano[66].

Os que defendem as Fazendas Públicas têm o hábito de afirmar que as determinações judiciais reduzem o valor reservado à saúde no orçamento, o que não é fato. Não há regra nesse sentido. O gestor do orçamento pode lançar mão de outros recursos para executar o orçamento sem tal dano. A lei orçamentária é meramente autorizativa, não impositiva. Aliás, o que se faz necessário é a previsão de verbas no orçamento para atender essas demandas judiciais, consubstanciando o princípio da programação, que exige o imprescindível planejamento para uma boa gestão pública. A par disso, poder-se-ia utilizar as reservas de contingência, conforme já se apontou[67].

Os gastos advindos da judicialização de políticas públicas na área da saúde ainda não se mostra com uma expressividade preocupante, se comparados com os gastos gerais do orçamento na área da saúde. No caso específico do Município de Vitória da Conquista – BA, as despesas com liminares judiciais comparadas com as despesas gerais da saúde alcançaram o percentual de 0,24% em 2011 e 0,36% em 2014[68]. No âmbito da União, os gastos com liminares judiciais representaram o percentual de 1,09% em relação às despesas gerais de saúde, no ano de 2015[69].

Considerando que a Constituição da República foi incisiva na proteção deste direito, bem como que houve desvirtuação de gastos para diversas áreas menos relevantes, o percentual não se mostra exagerado, ainda mais se passarmos a considerar que a parte da saúde no orçamento da seguridade social vem sofrendo uma gradual redução nos últimos anos, conforme foi revelado pelo ex-ministro Adib Jatene, no âmbito da audiência pública sobre saúde realizada pelo STF.

Passa-se, por fim, a expor alguns limitadores mínimos que as decisões judiciais devem observar para sua plena eficácia e legitimidade, tendo em vista que a questão é bastante delicada.

Por ser clara a tendência de aumento da demanda judicial, torna-se necessária a criação de critérios seguros, transparentes e uniformes para que essa atuação não se torne negativa a ponto de prejudicar a independência e a harmonia entre os Poderes, a execução orçamentária e os programas governamentais voltados à proteção da saúde pública.

Nesse aspecto, cumpre mencionar que muitos gastos com saúde são desnecessários. De acordo com pesquisa divulgada na Revista Superinteressante, 70% das despesas do SUS decorrem da assistência a doenças que poderiam ser tratadas com mudança de comportamento[70]. Acrescente-se que OMS estima que metade do consumo mundial de medicamentos é feito de forma irracional, ou seja, em dose, tempo ou custo maior que o necessário, conforme enfatizado no tópico 2, supra.

Por conta disso, no âmbito de um processo judicial, o perito médico estatal deve ser incisivo, dizendo se há doença e se o que é prescrito é o adequado ou não, além de ter de esclarecer se não há como substituir tal tratamento ou remédio por algo já fornecido pelo Poder Público ou de menor custo, mas com o mesmo benefício. Também se deve contar com a contribuição do indivíduo contemplado pelo provimento jurisdicional, de modo que ele mude hábitos de vida, como forma de tornar eficaz o tratamento médico e reduzir o risco de reincidências.

A saúde não depende apenas de remédios, programas sociais e decisões judiciais, mas da colaboração da comunidade, já que o tema não pode ser enfrentado apenas com a consideração de aspectos peculiares de cada indivíduo, mas com foco no mecanismo de funcionamento de todo o sistema de saúde, buscando maximizar a abrangência de suas atividades e o benefício propiciado.

Para que os provimentos jurisdicionais sejam válidos, deve-se fundamentá-los de modo bastante aprofundado, porquanto a própria legitimidade da atuação do Poder Judiciário nesta seara exige uma consistente argumentação por parte do magistrado.

O pleito formulado na peça inicial pode consistir no recebimento de medicamento ou tratamento, a ser necessariamente especificado, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (AgReg na STA 59/SC, j.25.10.2004, rel. Min. Edson Vidigal, Corte Especial, DJ 28.2.2005, p. 171). A decisão pode ser flexibilizada com vistas a possibilitar adequações ao tratamento, desde que não haja substancial alteração, pois o quadro do paciente pode se alterar naturalmente.

Atestados são inaceitáveis devido a sua precariedade. O autor deve trazer laudo médico constando, com detalhes, qual a doença, o seu enquadramento (Código Internacional de Doenças — CID), o modo de obtenção do diagnóstico, juntando os exames feitos, seu prognóstico, o tratamento ou medicamento recomendado.

O deferimento de pedido depende, em regra, do registro do medicamento ou tratamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não se admitindo a concessão de remédios experimentais não aprovados, em respeito aos princípios da precaução e da prevenção, que aqui se aplicam. Porém, deve-se ressaltar que não se restringe a concessão somente ao que consta da lista do SUS, pois essa pode estar desatualizada ou pode conter remédio que desencadeie reação alérgica no requerente. O STJ, inclusive, tem precedente admitindo entrega de medicamento não registrado no Brasil (REsp 684.646/RS).

Deve-se frisar, contudo, que há interesse da indústria farmacêutica de inclusão de medicamentos de sua fabricação na lista do SUS. Conforme descrito pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, “muitos dos lançamentos no mercado são de medicamentos com pequenas alterações ou adições nas moléculas já disponíveis […] com custo/tratamento significativamente superiores ao seu antecessor e desproporcionais em relação à resposta obtida”.

Acrescentou, ainda, que as indústrias investem em estratégias de marketing para apresentar tais medicamentos como a última geração no tratamento de certa enfermidade, persuadindo classe médica e grupos específicos de usuários de suas características inovadoras e “ressaltando-se de forma desproporcional suas vantagens em relação à terapêutica instituída ou a produto já ofertado pelo SUS”[71].

Prova disso é que um monitoramento acerca de ações de saúde no Estado de São Paulo permitiu identificar atuações orquestradas que enxergam na judicialização das ações e serviços de saúde fonte infinita de obtenção de lucros, em detrimento do erário e da saúde da população, o que resultou na operação policial “Garra Rufa” que no início de 2008 identificou três organizações criminosas, integrada por médicos, advogados, organização não-governamental e representantes de laboratórios, que atuavam na região de Marília – SP[72].

De acordo com as investigações, o objetivo do bando era obter lucro fácil mediante ajuizamento de ações contra o poder público, requerendo fármacos que não constam dos programas oficiais de saúde e são fabricados pelos três laboratórios farmacêuticos envolvidos.

Nesse sentido, Peter C. Gotzsche revelou que:

“em 2012, a Dinamarca decidiu pagar para um paciente um medicamento contra o melanoma metastático, que custava cerca de 100 mil dólares e que prolonga a vida em 3,5 meses. Os oncologistas venderam a ideia ao público ao declararem que 10% dos pacientes seriam curados, embora os ensaios não justificassem de maneira alguma essa interpretação generosa. […] O campeão de futilidade que vi até agora é o erlotinibe para tratamento de câncer pancreático. Tanto a FDA como a European Medicines Agency (EMA) aprovaram-no, embora prologue a vida em apenas 10 dias, seja tóxico e custe quase 500 mil dólares por 1 ano de vida ganho (10 dias para cada 1 de 36 pacientes que não ficam nem mesmo satisfeitos. […] Alguma coisa está terrivelmente errada na maneira como priorizamos. A terapia mais intensiva e cara muitas vezes é fornecida nos últimos dias ou semanas de vida. Seria muito melhor se usássemos esse tempo precioso de forma construtiva com nossos entes queridos, em vez de sermos importunados pelos efeitos tóxicos da quimioterapia em uma luta que não podemos vencer.  Ideias simples como essa têm inimigos poderosos em grupos de interesses. […] O que é ainda mais notável é que aquilo que a atitude conservadora das sociedades de câncer não gostam pode, em alguns casos, não apenas melhorar a qualidade de vida dos pacientes, mas também deixá-los viver por mais tempo. Um ensaio randomizado em pacientes com câncer metastático de pulmão de células não pequenas recentemente diagnosticado mostrou que aqueles designados para cuidados paliativos precoces receberam tratamento menos agressivo e viveram três meses mais. Os medicamentos podem matá-lo quando sua vida está quase terminando”[73] 

Em razão disso, deve-se ter a máxima cautela na concessão de medicamentos que não se incluem na lista do SUS, sendo imposto ao administrador público alta dose de discernimento e estudo, para que a atualização da lista produza maior custo-benefício para o cidadão.

Nesse aspecto, também se deve ressaltar a extrema excepcionalidade no fornecimento de remédios de alto custo, pois em muitos casos não há, como se viu acima, vantagens significativas para o paciente, o que apenas seria admissível em casos graves, específicos, reversíveis e em que haja comprovação robusta dos benefícios do medicamento em comparação com outros métodos de tratamento.

Luís Roberto Barroso entende que a alteração das listas pode ser objeto de discussão no âmbito de ações coletivas, o que parece ser adequado e necessário, haja vista a possibilidade de que essas listas encontrem-se desatualizadas, devendo-se coibir abusos para mais ou para menos[74].

Tratamentos médicos no exterior não são admitidos, em vista do art. 1º da Lei 8.080/90, que restringe o âmbito de atuação do SUS ao território nacional, e Portaria 763/1994 do Ministério da Saúde, considerada legítima pelo STJ (REsp 616.460/DF e MS 8.895/DF).

É imprescindível que haja perícia médica judicial para que se avalie a situação de forma pormenorizada, com a fundamental indicação, se for o caso, de possíveis mudanças de hábitos de vida (como alimentação mais saudável, prática de esportes, exercícios de relaxamento e contato com a natureza), as quais podem conduzir o tratamento a um sucesso mais duradouro e eficaz.

É importante que haja implementação de políticas públicas para reduzir a ocorrência de doenças, principalmente as que assolam as populações mais pobres. Nesse diapasão, deve ser dada prioridade aos programas de saneamento básico, de proteção e recuperação ambiental e de criação de infraestrutura mínima em bairros desprovidos de serviços e equipamentos públicos. Todas essas medidas permitirão que haja redução do índice de doenças e, por conseguinte, desafogará o Estado de demandas judiciais.

Por fim, deve-se dar preferência aos hipossuficientes. Embora haja previsão de que o acesso à saúde, no âmbito do SUS, seja universal, não há de se admitir gastos com aqueles que têm condições de pagar os seus tratamentos, sob pena de tornar o Estado um garantidor e financiador universal da saúde de todos, ricos e pobres, o que não está em conformidade com a ideia plasmada no princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CF).

A hipossuficiência não deve ter um sentido absoluto, mas sim relativo, ou seja, o custo do medicamento ou tratamento deve ser exacerbado para aquela pessoa, mesmo que em relação a outros critérios ela não seja considerada carente. Por exemplo, uma pessoa que tenha uma renda liquida de dez mil reais, mas tenha que todo mês gastar treze mil reais com um medicamento é uma pessoa hipossuficiente[75].


 6. Conclusões

À luz do exposto, conclui-se que o Poder Judiciário possui legitimidade para o trato das questões relativas à saúde pública, não podendo, contudo, fazer vistas grossas para implicações de ordem financeira. Eventual averiguação acerca do tema da “reserva do possível” e outras restrições orçamentárias deve ser objeto de profunda reflexão, não podendo ser utilizada como mecanismo de impedir a concretização dos direitos fundamentais sociais garantidos constitucionalmente, somente se admitindo a aplicação destas limitações quando houver prova robusta da impossibilidade do ente público.

Cabe aos juízes, contudo, fundamentar suas decisões de forma consistente, restringindo o alcance das decisões, de modo a incluir demandantes nos programas governamentais, e concedendo preferencialmente medicamentos contidos na lista do SUS – salvo situações específicas.

É relevante, ainda, que haja cooperação entre a classe médica, os usuários do sistema de saúde e as instituições do Estado, para que se adotem medidas equilibradas e eficientes para a melhoria dos serviços como um todo, evitando-se que a indústria farmacêutica e o poder econômico interfiram de modo a impedir ou prejudicar esses objetivos.


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Notas

[1]   Esse dado foi extraído do seguinte link: <http://economiadeservicos.com/2016/02/25/brasil-possui-o-sistema-de-saude-mais-ineficiente-do-mundo/>, acessado em 29/11/2016, às 09h45min.

[2]   Idem.

[3]          MIGUEL, Luis Felipe. A Democracia Domesticada: Bases Antidemocráticas do Pensamento Democrático Contemporâneo. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 45, nº 3, 2002, pp. 483 a 511.

[4]   Notícia extraída do link: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/13/economia/1444760736_267255.html>, acessado em 01/12/2016, às 10h23min.

[5]   Dados extraídos do seguinte link: <http://www.espada.eti.br/fmi.asp>, acessado em 30/11/2016, às 13h17min. Cf. também o documentário ZEITGEIST: ADDENDUM, Produção de Peter Joseph, Estados Unidos da América, Fifth Artivist Film Festival & Awards, 2008, 123 minutos, colorido, legendado.

[6]   Disponível no link: <http://fpif.org/imf_bailouts_and_global_financial_flows/>, acessado em 10/12/2016, às 09h23min.

[7]   DREHER, Axel. The Development and Implementation of IMF and World Bank, 2002, disponível em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=333960>, acessado em 03/12/2016, às 09h14min.

[8]   STIGLITZ, Joseph E. O preço da desigualdade. Trad. Dinis Pires, rev. Sandra Areias. 1ª ed., Lisboa: Bertrand, 2014

[9]   STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não cumprida de benefícios globais. Ed. Futura, São Paulo, 2002.

[10] Dados extraídos em: <http://hojeemdia.com.br/primeiro-plano/pol%C3%Adtica/uni%C3%A3o-gasta-47-do-or%C3%A7amento-no-pagamento-da-d%C3%Advida-p%C3%Bablica-1.284496>, acessado em 12/12/2016 às 09h35min.

[11] Notícia contida no link: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/divida-publica-sobe-248-em-2015-para-r-279-trilhoes-maior-da-serie.html>, acessado em 11/12/2016, às 10h12min.

[12] Noticiado em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/30/economia/1412081072_163414.html>, acesso na data de 13/12/2016, às 09h40min.

[13] SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 64.

[14] SCAFF, Fernando Facury. A DRU, os direitos sociais e o pagamento dos juros da dívida. Consultor Jurídico – Conjur, 14 de julho de 2015.

[15] BELLEGARDE, Marina Tanganelli. Qual a relação entre a Suma Teológica, DRU e retrocesso social? In: Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico – RFDFE I Belo Horizonte, ano 5, n. 9, p. 141, mar./ago. 2016.

[16] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 91-152.

[17] HESSE, Konrad. "A força normativa da Constituição", in Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

[18] Dado extraído em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/11/em-10-anos-renda-dos-mais-ricos-cai-6-e-dos-mais-pobres-cresce-0-9>, acessado em 13/12/2016, às 09h47min.

[19] CANOTILHO, J. J. Gomes. “O direito constitucional como ciência de direcção – o núcleo essencial de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (contributo para a reabilitação da força normativa da “constituição social)”. In: Direitos fundamentais sociais. Org. J. J, Gomes Canotilho... [et al.], São Paulo: Saraiva, 2010, p. 13.

[20] Conforme estudo realizado pela IMS Health. Esse dado foi divulgado no link transcrito a seguir: <http://cidadaniatransparencia.blogspot.com.br/2014_10_01_archive.html>, acessado em 12/12/2016, às 13h54min.

[21] Conforme matéria publicada na Revista Superinteressante, na edição de março de 2011, cujo conteúdo é acessível pelo seguinte link: <http://super.abril.com.br/saude/verdades-inconvenientes-sobre-a-industria-dos-remedios/>, acesso em 29/11/2016, às 09h41min.

[22] Para maiores informações, conferir: <http://www.ceert.org.br/noticias/saude/10442/20-coisas-que-os-medicos-nao-contam-para-voce>, acessado em 13/12/2016, às 10h06min.

[23] A reportagem completa está disponível em: <http://m.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/11/1832841-industria-farmaceutica-age-como-o-crime-organizado-diz-pesquisador.shtml?cmpid=compfbhttp://m.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/11/1832841-industria-farmaceutica-age-como-o-crime-organizado-diz-pesquisador.shtml?cmpid=compfb>, acessado em 18/11/2016, às 10h04min.

[24] Desde 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o bem-estar espiritual como uma das definições de saúde, ao lado do aspecto físico, mental e social. Antes, a OMS definia saúde como o estado de completo bem-estar biológico, psicológico e social do indivíduo e desconsiderava o bem-estar espiritual, isto é, o sofrimento da alma. Após a mencionada data, passou a definir saúde como o estado de completo bem-estar do ser humano integral: biológico, psicológico e espiritual. Esses dados foram extraídos do link: <https://www.ufmg.br/boletim/bol1551/segunda.shtml>, acessado em 14/12/2016, às 22h43min. Nesse aspecto, vale conferir também: <http://super.abril.com.br/comportamento/o-caso-espetacular-das-curas-espirituais/> e <http://super.abril.com.br/historia/cura-espiritual-tratamento-de-fe/>, acessados em 14/12/2016, às 23h15min.

[25] A esse respeito, cumpre mencionar interessante reportagem divulgada no seguinte sítio eletrônico: <http://super.abril.com.br/saude/os-crimes-da-industria-farmaceutica/>, acessado em 13/12/2016, às 10h14min.

[26] Nesse sentido, conferir a reportagem divulgada pela Revista Carta Capital, disponível no link a seguir: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/o-lobby-e-a-industria-farmaceutica-no-brasil>, com acesso em 12/12/2016, às 15h23min.

[27] Sobre o tema, conferir o documentário SICKO: SOS SAÚDE. Produção de Michael Moore. Estados Unidos da América: Dog Eat Dog Films, 2007. 123 minutos. Colorido. Legendado.

[28] MARX, Karl. O Capital. 2. ed. Trad. Régis Barbosa e Flávio Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 215.

[29] CUNHA, Paulo Roberto. A relação entre meio ambiente e saúde e a importância dos princípios da prevenção e da precaução. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 633, 2 abr. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6484>. Acesso em: 20 nov. 2016.

[30] GERHARDT, Rodrigo. O meio ambiente contra ataca. A Folha de S. Paulo, S. Paulo, caderno Folha Equilíbrio, p. 6/8, 28 de outubro de 2004.

[31] PAIVA, Carlos Henrique Assunção; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Reforma sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde: notas sobre contextos e autores. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.1, jan.-mar. 2014, p.15-35.

[32] FILHO, Eurípedes Gomes Faim. A judicialização da saúde e seus reflexos orçamentários. In: CONTI, José Maurício e SCAFF, Fernando Facury (coords.). Orçamentos públicos e Direito financeiro. São Paulo: RT, 2011, p. 1013.

[33] Acessado em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>, no dia 13/12/2016, às 12h05min.

[34] Acessado em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-52.htm>, em 13/12/2016, às 15h15min.

[35] PIOVESAN, Flávia C. “Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e perspectivas”. In: Direitos fundamentais sociais. Org. J. J, Gomes Canotilho... [et al.], São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 54-57.

[36] Nesse sentido: AgIn 604.949-AgRef, 2.ª T., j. 24.10.2006, rel. Min. Eros Grau, DJ 24.11.2006; AgIn 553.712-AgReg, 1.ª T., j. 19.05.2009, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje 05.06.2009; AgIn 649.057-AgReg. 2.ª T., j. 26.06.2007, rel. Min. Eros Grau, DJ 17.08.2007.

[37] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2001, pp. 391-418.

[38] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Trabalho desenvolvido por solicitação da PGE-RJ, disponível no seguinte link: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/Saude_-_judicializacao_-_Luis_Roberto_Barroso.pdf>. Acesso em 23/11/2016, às 10h19min.

[39] FILHO, Eurípedes Gomes Faim. A judicialização da saúde e seus reflexos orçamentários. In: CONTI, José Maurício e SCAFF, Fernando Facury (coords.). Orçamentos públicos e Direito financeiro. São Paulo: RT, 2011, p. 1016.

[40] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[41] NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitucional law. 4. ed. Saint Paul: West Publishing, 1991. p. 150-151.

[42] FONTE, Felipe de Melo. A legitimidade do Poder Judiciário para o controle de políticas públicas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 18, maio/junho/julho, 2009. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-18-MAIO-2009-FELIPE-MELO.pdf>, acesso em 29/11/2016, às 15h13min.

[43] CANOTILHO, J. J. Gomes. “O direito dos pobres no activismo judiciário”. In: Direitos fundamentais sociais. Org. J. J, Gomes Canotilho... [et al.], São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 34-35.

[44] STF, SS 4045, rel. Min. Presidente, Decisão Proferida pelo Min. Gilmar Mendes, j. 07.04.2010, Dje-066 divulg. 14.04.2010.

[45] Idem.

[46] SARLET, Ingo Wolfgang. “Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de retrocesso: revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais”. In: Direitos fundamentais sociais. Org. J. J, Gomes Canotilho... [et al.], São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 92-99.

[47] Idem, p. 102.

[48] OLIVEIRA, Jeandro Silva. Judicialização do direito à saúde: o impacto orçamentário das ações judiciais sobre medicamentos no município de Vitória da Conquista – BA (2010-2014). Dissertação de Mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Vitória da Conquista – BA, 2016.

[49] WANG, Daniel Wei L.; VASCONCELOS, Natália Pires de.; TERRAZAS, Fernanda Vargas. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública, vol. 48, n. 5, Rio de Janeiro, set./out. 2014.

[50] Tal dado foi extraído do relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado “Justiça Pesquisa: Judicialização da saúde no Brasil”, 2015, pp. 57-58.

[51] Idem, p. 112.

[52] YOSHINAGA, Juliana Yumi. Judicialização do Direito à Saúde: a experiência do Estado de São Paulo na adoção de estratégias judiciais e extrajudiciais para lidar com esta realidade. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 24, dezembro, janeiro, fevereiro, 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rere-24-dezembro-janeiro-fevereiro-2011-juliana-yumi.pdf>. Acesso em 23/11/2016, às 09h13min.

[53] SCHOUERI, Luís Eduardo. “Tributação e Liberdade”. In PIRES, Adilson Rodrigues e TÔRRES, Heleno Taveira. Princípios de Direito Financeiro e Tributário. Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2006, pp. 450-451, e HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. “The cost of rights – Why liberty depends on taxes”. New York, London: Norton: 1999, p. 35.

[54] SCAFF, Fernando F. Os direitos sociais na Constituição Brasileira. In: SCAFF, Fernando F.; ROMBOLI, Roberto; REVENGA, Miguel (coord.). A eficácia dos direitos sociais. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 22 e seguintes.

[55] BARCELLOS, Ana Paula de. Eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 276.

[56] SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (org.). Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[57] MAZZA, Fábio Ferreira; MENDES, Áquilas Nogueira. Decisões judiciais e orçamento: um olhar sobre a saúde pública. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 14, n. 3, pp. 51-52, nov. 2013/fev. 2014.

[58] FILHO, Eurípedes Gomes Faim. A judicialização da saúde e seus reflexos orçamentários. In: CONTI, José Maurício e SCAFF, Fernando Facury (coords.). Orçamentos públicos e Direito financeiro. São Paulo: RT, 2011, p. 1034.

[59] BARCELLOS, Ana Paula de. Eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

[60] LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. 2ª ed., Trad. Alfredo Gallego Anabitarte, Barcelona: Ediciones Ariel, 1970.

[61] Notícia disponível no seguinte link: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/08/24/senado-aprova-proposta-que-prorroga-a-dru-ate-2023>, acessado em 22/11/2016, às 12h01min.

[62] Notícia disponível no link: <http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2016/07/gastos-com-publicidade-no-brasil-crescem-1-no-1-semestre.html>, acessado em 16/11/2016, às 13h32min.

[63] LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1985.

[64] Cf. Sentença T-1318 de 2005, referida e comentada por Rodrigo Uprimny e Diana Guarizo, Direitos fundamentais & justiça, op. cit, 48-49.

[65] Esse dado foi extraído no link: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/23970-ministerio-da-saude-firma-parceria-com-cnj-para-apoio-tecnico-a-juizes>, acessado em 14/12/2016, às 23h58min.

[66] Maria Tereza Sadek, Fernão Dias de Lima e José Renato de Campos Araújo. O Judiciário e a prestação da justiça. Em: Maria Tereza Sadek (org.), Acesso à justiça, São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001, p. 20-21.

[67] FILHO, Eurípedes Gomes Faim. A judicialização da saúde e seus reflexos orçamentários. In: CONTI, José Maurício e SCAFF, Fernando Facury (coords.). Orçamentos públicos e Direito financeiro. São Paulo: RT, 2011, pp. 1037-1038.

[68] OLIVEIRA, Jeandro Silva. Judicialização do direito à saúde: o impacto orçamentário das ações judiciais sobre medicamentos no município de Vitória da Conquista – BA (2010-2014). Dissertação de Mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Vitória da Conquista – BA, 2016.

[69] Tal informação foi extraída por meio do link: <http://oglobo.globo.com/brasil/uniao-preve-gasto-recorde-com-tratamentos-por-ordem-judicial-19774203>, acesso em 15/12/2016, às 00h02min, sendo efetuado um cálculo percentual entre os gastos com liminares no período e as despesas fixadas para a área da saúde pelo Orçamento Federal do ano de 2015.

[70] Disponível no seguinte link: <http://super.abril.com.br/saude/verdades-inconvenientes-sobre-a-industria-dos-remedios/>, acessado em 22/11/2016, às 13h56min.

[71] BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência Farmacêutica: Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional. Brasília: Conass, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/documenta5.pdf>. Acesso em: 12/11/2016, às 14h43min.

[72] YOSHINAGA, Juliana Yumi. Judicialização do Direito à Saúde: a experiência do Estado de São Paulo na adoção de estratégias judiciais e extrajudiciais para lidar com esta realidade. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 24, dezembro, janeiro, fevereiro, 2011. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/rere-24-dezembro-janeiro-fevereiro-2011-juliana-yumi.pdf>. Acesso em 23/11/2016, às 09h13min.

[73] GOTZSCHE, Peter C. Medicamentos mortais e crime organizado: como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica. Trad. Ananyr Portor Fajardo. Porto Alegre: Bookman, 2016, pp.211-213.

[74] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Trabalho desenvolvido por solicitação da PGE-RJ, disponível no seguinte link: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/Saude_-_judicializacao_-_Luis_Roberto_Barroso.pdf>. Acesso em 23/11/2016.

[75] FILHO, Eurípedes Gomes Faim. A judicialização da saúde e seus reflexos orçamentários. In: CONTI, José Maurício e SCAFF, Fernando Facury (coords.). Orçamentos públicos e Direito financeiro. São Paulo: RT, 2011, p. 1031. Nesse sentido: STF (RE 607381 AgR/SC, rel. Min. Luix Fux, j.31/05/2011).



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MOREIRA, Fernando Henrique Barbosa Borges. A judicialização das políticas públicas na área da saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5219, 15 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59667. Acesso em: 6 maio 2024.