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Benefício de prestação continuada da assistência social

Benefício de prestação continuada da assistência social

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O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é assegurado pela Constituição e garante a transferência mensal de um salário mínimo ao idoso e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente, que não possui meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Entenda como isso funciona e quais seus principais aspectos.

RESUMO:O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – (BPC) é assegurado pela Constituição Federal de 1988, que garante a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. O BPC é um benefício individual, não vitalício e intransferível sendo que não é necessário que o beneficiário já tenha contribuído para a Previdência Social. O BPC é um instrumento capaz de proteger os beneficiários e suas famílias da situação de vulnerabilidade.

Palavras-chave: Assistência Social; Beneficio de Prestação Continuada; Requisitos


INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso, realizado por meio de pesquisa bibliográfica, utilizará como fontes doutrina, legislação e jurisprudência e apresentará informações gerais referentes à legislação da Assistência Social e o acesso ao benéfico de prestação continuada tanto para o deficiente quanto para o idoso.

Nesse sentido, a pesquisa objetiva abordar o desenvolvimento, histórico e evolução do direito dos necessitados a assistência social, com foco principal no benefício de prestação continuada, seus requisitos, tais como econômico, conceito deficiência e idosos. Tem-se, aqui, como questão os entraves e facilidades da judicialização do beneficio de prestação continuada.

No que diz respeito à política de assistência social, o processo de descentralização e participação da sociedade, disposta na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que ganhou materialidade com a Política Nacional de Assistência Social, bem como o Sistema sendo implantados em todo o país.

 O objetivo geral visa a analisar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), programa temporário de transferência de renda, no valor mensal de 01 (um) salário mínimo, para idosos de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e pessoas com deficiência incapacitante para o trabalho e a vida independente, cuja renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo.

Nesse sentido, o BPC é um benefício que não precisa de contribuição, isto é, que não requer uma contraprestação de seus destinatários, disposto na Constituição Federal de 1988, regulamentado pela LOAS, com intuito de auxiliar na manutenção da vida do idoso e deficiente.

Com a implantação do BPC, tornou-se possível instituir condições para que tanto a formulação, execução e acompanhamento da assistência social tenham caráter contínuo, permitindo assim, mais assegurar os direitos dos que usufruem dos serviços da assistência social.

 A evolução da assistência social se deu por conta da luta da população mais carente, que de longa data se mobilizou para a regulamentação desta política e ao longo do tempo, a assistência social foi ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, passando a ser vista como um instrumento fundamental na luta contra a desigualdade.

Assim, no primeiro capítulo será abordada a assistência social, seu conceito, seus princípios e diretrizes e sua evolução histórica, como também a sua regulamentação. No segundo capítulo discorrer-se-á sobre o benefício de prestação continuada ao deficiente e ao idoso. Por fim, no terceiro capítulo serão analisados os requisitos para a concessão do BPC, tais como econômico, deficiência e idade.

 Com essas considerações, a matéria sofreu alterações legais e normativas no decorrer do tempo, atualmente, está disciplinada pela Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993, não obstante o art. 203 da Constituição Federal de 19988, legislações que serão estudadas adiante.


1 - ASSISTÊNCIA SOCIAL

 1.1 - CONCEITO

Como dispõe o Art. 203 da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada àquelas pessoas que não tem condições de mantimento próprio, mesmo que não tenham contribuído para a previdência social. A Lei nº. 8.742/93 assim define a assistência social:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política da Seguridade Social não-contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada través de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

 A Constituição Federal prevê a assistência social como um direito. MIRANDA (2007) diz que os fins deste direito podem ser compendiados como um conjunto de atuações, cujo fim é pugnar a pobreza, universalizando direitos sociais e identificando o caráter do Estado Brasileiro prescrito na Constituição Federal.

Nesse sentido, a assistência social é uma forma de combate à pobreza, vejamos:

a pobreza é a expressão direta das relações sociais vigentes na sociedade e certamente não se reduz às privações materiais. Alcança o plano espiritual, moral e político dos indivíduos submetidos aos problemas da sobrevivência. A pobreza é uma face do descarte de mão-de-obra barata, que faz parte da expansão do capitalismo brasileiro contemporâneo. Expansão do capitalismo que cria uma população sobrante, cria o necessitado, o desamparado e a tensão permanente da instabilidade na luta pela vida de cada dia (YASBEK, 2007, p.63).

 Já GOMES (2004), relata que a assistência social é um direito sem contrapartida, para acolher as necessidades sociais que se designa às pessoas que vivem em situação de pobreza.

Com a Constituição de 1988, a assistência social é declarada como direito social, campo da responsabilidade pública, da garantia e da certeza da provisão. É anunciada como direito sem contrapartida, para atender a necessidades sociais, as quais têm primazia sobre a rentabilidade econômica. Para tanto, é definida como política de seguridade, estabelecendo, objetivos, diretrizes, financiamento, organização da gestão, a ser composta por um conjunto de direitos.

 Desse modo, entende-se que a assistência social, como parte da seguridade social, está embasada em um conjunto de normas que visam à proteção social com princípios e diretrizes estabelecidas pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.

1.2 - ASSISTÊNCIA E SEGURIDADE SOCIAL

 A assistência social integra o sistema de seguridade social por seu alcance distributivo, onde sua extensão pode ser concretizada por meio de políticas públicas do Governo Federal.

No mesmo sentido, SOUZA (2009) ensina que a assistência social é sedimentada se materializando por meio de programas sociais desenvolvidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

A seguridade social é de responsabilidade de todos dentro da sociedade e do Poder Público, e tem como função assegurar os meios que garantam a distribuição da saúde, previdência bem como a assistência social, propiciando tranquilidade aos indivíduos e às famílias nos momentos de contingência. (SALES, 2010).

SPOSATI (2009) argumenta que a introdução da assistência na seguridade social foi uma decisão inovadora, primeiro por abordar esse campo como matéria da política pública e de responsabilidade estatal, e segundo por dar mais efetividade aos direitos sociais brasileiros.

Nesse contexto, pode-se considerar que a inclusão da assistência social como parte da seguridade social, paralela à saúde e à previdência, ocasionou um grande avanço para a sociedade brasileira, tornando mais acessível os direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal.

Segundo SALES (2010), o direito à seguridade visa a garantir o mínimo de condição social adequada a uma vida digna para todas as pessoas, conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 1º, inc. III. Para isso a seguridade social deve ser mais ampla possível.

O artigo 203 da Constituição Federal dispõe que a assistência social, será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. Portanto, o texto constitucional prevê a gratuidade dos benefícios e serviços oferecidos e disponibilizados indistintamente a quem necessitar, respeitando as diferenças culturais, regionais, sociais, religiosas e territoriais.

Dessa forma, os indivíduos e famílias desamparados, conforme dispõe o art. 60 da Constituição Federal de 1988, mesmo que não contribua para a Previdência Social, têm assegurado seu direito de proteção gratuita pelo poder público, nos termos da lei.

1.3 - POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.

No que se refere especificamente à política pública de Assistência Social, identifica-se a sua atuação e em várias áreas estratégicas que cobre todas as unidades tanto no âmbito federal quanto estadual.

 Segundo PEREIRA (2012), no atendimento aos deficientes e aos idosos, a política pública de Assistência Social pauta-se pelo princípio da democracia participativa como um contrapeso ao domínio da democracia representativa. Para tanto, anova institucionalidade da Assistência Social funciona por uma cadeia de mecanismos gestores constituída pelas seguintes instituições.

 As Conferências de Assistência Social nas três unidades da Federação (União, Estados e Municípios, além do Distrito Federal) é que, periodicamente, avaliam a política e apresentam recomendações; Órgão Gestor, representado por uma Secretaria de governo, que elabora e implementa a política de Assistência Social, com base nas recomendações das Conferências; Conselhos de Assistência Social, de constituição paritária na representação do Estado e da sociedade, e caráter deliberativo nas suas funções de aprovação da política de Assistência Social e no controle dessa política. (PEREIRA, 2012)

 Assim, as entidades que movem à política pública de Assistência Social desenvolvem ações de interesse público com base na LOAS e sob controle dos Conselhos e Fundos de Assistência Social, que arcam com os custos da Assistência.

1.4 - PRINCÍPIOS E DIRETRIZES.

 Os princípios da assistência social estão dispostos no Artigo 4º da Lei nº 8.742, de 1993, eles constituem as bases para o funcionamento e organização da assistência social no Brasil firmando direitos conquistados historicamente pela sociedade.

I - Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III- Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V - Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Baseados na Constituição Federal de 1988, a organização da Assistência Social tem diretrizes apresentadas no Artigo 5º da Lei nº 8.742, de 1993 (LOAS) elencadas a seguir:

I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, 26 garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socioterritoriais locais;

II - Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

III - Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo;

IV - Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos.

 Na opinião de MIRANDA (2007) os princípios são normas que devem orientar as políticas públicas destinadas à cobertura pela assistência social. Os incisos citados são desdobramentos dos princípios próprios da seguridade social, bem como do respeito à dignidade da pessoa humana. 

 Assim, com o efetivo cumprimento dos princípios e diretrizes da assistência social, a prestação deste benefício não pode ser discriminatória, pelo contrario deve ser sempre um mecanismo de utilizado combater e reduzir as desigualdades sociais.

 1.5 – HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNDO.

Historicamente, a assistência social surgiu a partir de reclamações trabalhistas, ou seja, o aumento da necessidade dos trabalhadores de terem melhores condições de trabalho que deram origem aos primeiros elementos das políticas da assistência social.

A prática da assistência social está presente na história da sociedade, desde os tempos antigos, como solidariedade social. Nesse sentido, as pessoas pobres e doentes eram ajudadas pela sociedade que com o passar do tempo, essa solidariedade assumiu formas variadas em diferentes países do mundo.

Na Idade Média, houve influência do Cristianismo, principalmente por meio da doutrina da fraternidade, em que incentivou a prática assistencial com a divulgação das confrarias que apoiavam às viúvas, os órfãos, os velhos e os doentes (CARVALHO, 2006, p. 15).

Assim, com o passar do tempo, a ajuda aos menos favorecidos, tomou expressão de caridade e benemerência ao próximo, como forma moral de conduta. No intuito de aderir às práticas de ajuda, vários grupos de pessoas começaram a se organizar, dando origem a diversas instituições de caridade (SPOSATI 2007).

 Portanto, percebe-se que há muito tempo já havia registros de movimentos referentes à assistência social e com o passar do tempo, a ajuda aos menos favorecidos, tomou forma de caridade ao próximo, como expressão de conduta moral.

No Brasil, até 1930 as legislações em vigor não se abrangiam a pobreza enquanto questão social, mas sim como uma disfunção pessoal dos indivíduos. Tal fato é revelado pelo atendimento social dado aos indivíduos, os quais eram encaminhados para o asilamento ou internação. As organizações de beneficência mantinham a compreensão da assistência como um gesto de benevolência e caridade para com o próximo (CARVALHO, 2008).

 A assistência social é um tema que, na atualidade, é tratada de forma habitual como uma reclamação dos direitos dos cidadãos, principalmente no que se refere aos direitos humanos e sociais. Todavia, a assistência social no Brasil nem sempre foi abordada dessa forma.

Ao estabelecer a norma constitucional em 1988, no artigo 203, da garantia de um salário mínimo aos idosos e pessoas deficientes foi inaugurada uma nova abordagem para a assistência social como direito de seguridade social (BOSCHETTI, 2006; TAVARES, 2008).

Os anos de 1930 e 1943 podem ser caracterizados como os anos de introdução da política social no Brasil. Conforme afirma Behring & Boschetti, o Movimento de 1930, que culminou com a subida de Getúlio Vargas ao governo, foi sem dúvida um momento de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais tipicamente capitalistas no Brasil.

Anteriormente, boa parte dos benefícios sociais como saúde e previdência, giravam em torno do trabalho. SPOSATI (2007) afirma que no pensamento idealizado liberal permanecia a ideia moral pela qual atribuir benefícios ao trabalhador formal era um modo de disciplinar e incentivar a trabalhar o trabalhador informal, tido por vadio.

Segundo CARVALHO (2008) no período especificamente a partir de 1987, houve amadurecimento da ideia de cidadania em termos das categorias profissionais. Todavia, até 1988 a assistência social não era prevista constitucionalmente como um direito.

Tudo que era relacionado à assistência social acabava sendo realizadas de forma assistencialista e seletiva, direcionadas aos indigentes, desvalidos, pessoas pobres e todos inaptos ao trabalho ou, simplesmente, visando a reinserção destes no mercado de trabalho formal (CARVALHO, 2008).

 Na década de 80, por meio dos debates que antecederam a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, começou a se cristalizar a inclusão da assistência social como política integrante da seguridade social como uma espécie de sistema de proteção social em favor dos desamparados ao lado da previdência social e da saúde. (CARVALHO, 2008).

A seguridade social adotou um sistema de amparo social com duas vertentes, uma contributiva e outra não contributiva. A esta última vertente, está ligado ao direito social à assistência. GOMES (2004) ensina que os serviços da seguridade social seguem dois modelos, as ações da assistência social e os benefícios com natureza pecuniária.

Na opinião de SOUZA (2009), foi com esta base constitucional, principalmente a partir da década de noventa, que os governos brasileiros começaram as ações direcionadas para a questão social ao adotar políticas efetivas visando à redução da miséria no país.

Foi o que pretendeu fazer, por exemplo, o presidente Fernando Henrique Cardoso ao criar o Programa Comunidade Solidária, tendo como objeto coordenar as ações governamentais voltadas para o atendimento da parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza.

A assistência social no Brasil compõe, hoje, uma área em constante transformação. Se antes o foco de compreensão da assistência social era dado pela benemerência, pautado pelo assistencialismo, após 1988, foi alçada à condição de um direito social inscrito no âmbito da seguridade social. (SALES, 2010).

BATTINI e COSTA (2007) afirmam que as transformações sociais provocam novas roupagens para as funções do Estado. Tratando-se de um processo de reordenamento da sociedade ocidental.

Todavia, SPOSATI (2007) afirma que as políticas sociais, como forma de efetivação de direitos, são tensionadas entre os interesses de classes e de grupos com grande poder aquisitivo, o que faz com que a Assistência Social brasileira tenha os vestígios da filantropização da década de 1940.

A partir de 1993 com a criação da LOAS, iniciou-se um processo de descentralização política e administrativa, exigindo aos municípios a criação de uma nova ordem democrática. Assim, cada ente federado passou a ter a responsabilidade de estabelecer um plano de ação no campo das necessidades da proteção social, realizando a sua proposta, na qual deve ser instituída por lei específica, (QUINONERO et al., 2013).

Em 1998, é aprovada a Norma Operacional Básica da Assistência Social - NOB onde correu um avanço na construção do Sistema Descentralizado e Participativo de Assistência Social. Posteriormente, em 2007, o BPC integrou-se ao Sistema Único de Assistência Social- SUAS.

O momento atual caracteriza-se pela existência de um empenho de reconceituação e busca de identidade da assistência social, pelo desenvolvimento do processo de implantação das estruturas públicas que compõem o sistema descentralizado e participativo que devem operá-lo (SALES, 2010).

 Para YASBEK (2007), estamos em tempos de conquistas no campo da assistência social, onde ela é um dos eixos da seguridade social que tem como objetivo principal o combate à pobreza.

a pobreza é a expressão direta das relações sociais vigentes na sociedade e certamente não se reduz às privações materiais. Alcança o plano espiritual, moral e político dos indivíduos submetidos aos problemas da sobrevivência. A pobreza é uma face do descarte de mão-de-obra barata, que faz parte da expansão do capitalismo brasileiro contemporâneo. Expansão do capitalismo que cria uma população sobrante, cria o necessitado, o desamparado e a tensão permanente da instabilidade na luta pela vida de cada dia.

Como muito bem exposto por SALES (2010), o Brasil exibe um capitalismo moderno caracterizado pela extrema concentração de renda e pelas profundas desigualdades sociais.

Portanto, para enfrentar essa desigualdade na sociedade, o Governo Federal vem utilizando a assistência social como uma espécie de compensação, beneficiando os trabalhadores mais pobres, carentes e desamparados.

1.6 – REGULAMENTAÇÃO

 A assistência social foi à última das políticas componentes da seguridade social a ser regulamentada, pois, somente foi regulamentada após cinco anos da promulgação da Constituição Federal em 1988.

 Esse atraso para regulamentar a assistência social pode ser reflexo da resistência em assimilá-la como direito social. Destacar o modo como se deu essa recepção à assistência como direito de seguridade ganha relevância, uma vez que havia expectativas em torno da seguridade social em oferecer respostas às históricas situações de pobreza e desigualdade social no país (BOSCHETTI, 2006; BUCCI, 2006).

 Assim, a norma constitucional assinalada no artigo 203 foi regulamenta pela LOAS, em 1993. A partir de 1996, após a publicação do Decreto 1.744 em 1995, o direito social materializou-se como política pública com a denominação de Benefício de Prestação Continuada (BPC), passando a ser efetivado mensalmente aos idosos e pessoas deficientes em todo o país. (IPEA, 2006; VAITSMAN et. al, 2009).

Desde que a assistência social foi acrescentada na constitucional de 1988, pode-se notar um crescimento nos serviços públicos e sociais, bem como a sua implementação ao longo dos anos como políticas de proteção social.

 Além disso, a aprovação da Política Nacional da Assistência Social (PNAS), em 2004, e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), estabelecido em 2005, oferece possibilidades para que o enfrentamento de situações de privação social se dê por ações públicas permanentes e articuladas. (AITH, 2006).

 Isso torna possível instituir condições para que tanto a formulação, execução e acompanhamento da assistência social tenham caráter contínuo, permitindo assim, mais assegurar os direitos dos que usufruem dos serviços da assistência social.

 Os anos que seguiram a promulgação da Carta Constitucional de 1988 foram marcados por um amplo processo de debates e lutas para que se regulamentassem os direitos prenunciados pela Constituição.

Somente após o ano de 1990 é que foram criadas leis regulamentadoras dos direitos sociais previstos na Constituição Federal, dentre as quais a Lei nº 8.069/1990 Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.080/1990 Lei Orgânica da Saúde, e Lei 8.142/1990 Sistema Único de Saúde (SPOSATI, 2007).

A assistência social foi à última área da seguridade social a ser regulamentada. Segundo ZUCCO (1997) o processo de regulamentação da assistência social deve diversos embates, demonstrando um movimento de afirmação e negação que permeia a assistência social no Brasil.

 Em 7 de dezembro de 1993 foi aprovada a Lei nº 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que regulamentou o disposto nos Arts. 203 e 204 da Constituição Federal. Em 42 artigos, a referida lei dispôs sobre a organização da assistência social no que diz respeito, dentre outros assuntos:

I – aos seus princípios e diretrizes;

II – à forma de organização e gestão das ações;

III – às competências das esferas de governo;

IV – ao caráter e composição das instâncias deliberativas;

V – à instituição e competências do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS);

VI – às competências do órgão nacional gestor da Política Nacional de Assistência Social (PNAS);

VII – ao conceito de benefícios, serviços, programas e projetos;

VIII – ao financiamento da política.

Nesse sentido, segundo CARVALHO (2008) o direito à assistência seria um mecanismo de distribuição de todas as políticas; mais do que isso, mecanismo de deselitização e consequente democratização das políticas sociais.

Para tanto, o legislador constituiu como base da organização assistencial a descentralização político-administrativa para os entes federados; a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação e controle das políticas de assistência e a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo (CARVALHO, 2008).

Segundo BATTINI (2007) houve avanços notáveis no aparato regulatório da assistência social, a Lei Orgânica de Assistência Social-LOAS; o Sistema Único de Assistência Social; Estatuto do Idoso e o direito de acesso ao BPC aos 65 anos de idade1; o Cadastro Único e o Programa Bolsa-Família.

Assim, a evolução da assistência social se deu por conta da luta da população carente, que de longa data vêm se mobilizando pela regulamentação desta política e pela primeira vez na história do país, a assistência social é vista como um direito.

1.7- ESPÉCIES.

 Além do benefício de prestação continuada, o Estado instituiu outros benefícios em seus programas da assistência social, tais como: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, entre outros.

 Entretanto, visando à unificação dos benefícios, o Estado uniu os benefícios por meio da Lei nº. 10.836, de 2004, onde foi instituído o programa Bolsa Família, o qual oferece um benefício básico, para famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, bem como gestantes, nutrizes, crianças de zero a doze anos ou adolescentes até quinze anos. (SALES, 2010)

De acordo com SALES (2010), o papel do Programa Bolsa Família é proporcionar às famílias carentes recursos para sua alimentação, observando-se a permanência das crianças no ensino regular, exame pré-natal, acompanhamento nutricional e de saúde.

A Lei nº. 10.835/2004 criou outro programa, que instituiu a renda básica da cidadania, visando assegurar uma renda mínima para as famílias, a ser utilizada em alimentação, educação e saúde. (IBRAHIM, 2008).

 Além dos citados, outro benefício voltado para a seguridade social foi o programa Farmácia Popular do Brasil, que objetiva disponibilizar medicamentos a baixo custo em farmácias populares, por meio de convênios firmados com Estados, Distrito Federal, Municípios e hospitais filantrópicos assim como com farmácias e drogarias da rede privada.

Para gerenciar melhor esses programas assistenciais o Governo Federal criou o Decreto nº. 6.135/07, onde fundou o Cadastro Único para Programas Sociais, com o objetivo de cuidar da identificação e caracterização socioeconômica das famílias de baixa renda além de viabilizar a seleção de beneficiários e a integração das ações sociais. (SALES, 2010)

 Nesse sentido, a assistência social dispõe várias espécies de benefícios, sejam eventuais, de prestação continuada, prestação de serviços assistenciais, programas de assistência social e projetos de enfrentamento da pobreza.

 Todos desempenhando uma função inclusão da sociedade no bojo das políticas públicas setoriais, deixando de ser pontual, isolada e restrita, para cumprir um papel universalizante e essencial. (PEREIRA, Op. Cit., 1996).

 Percebe-se, assim, que a assistência tem dupla face: por um lado, é prestação de serviços; por outro, é uma ação sócioeducativa, sendo um espaço de reconhecimento e apoio aos projetos da própria população que dela se beneficia. (SALES, 2010).

Portanto a assistência social resulta no cumprimento de benefícios sociais de prestação continuada pelo Estado, serve como uma espécie de ajuda para aqueles que, do contrário, viveriam com dificuldade.


2 - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

O BPC é uma política social que foi conquistada após diversas reclamações ao longo do tempo pela sociedade brasileira, se tornando um instrumento essencial na busca ao combate à pobreza e redução da desigualdade social. Dessa forma, a expressão constitucional do benefício se deu em um momento em que os direitos sociais ganharam uma abordagem inédita na Constituição do país.

Segundo NETO (2009), o BPC não pretende somente combater à pobreza, mas procura estabelecer um sistema de proteção social às pessoas com deficiência e idosas incapazes de manter sua autonomia.

Antes de o preceito constitucional que daria origem ao BPC, na LOAS de 1993, dois benefícios podem ser considerados como os embriões desse benefício, ou que no mínimo subsidiaram ideias para a formulação de um benefício assistencial aos deficientes e idosos, porém, que pudesse ser mais abrangente e universal do que os já existentes, eram eles: a Renda Mensal Vitalícia (RMV) da Lei n.º 6.179 de 1974, e a pensão assistencial para excepcionais do estado de Santa Catarina de 1982 (NÉRIS, 1989; SANTA CATARINA, 1982).

Nesse sentido, LEIVAS (2008), afirma que o BPC é um benefício assistencial que garante a renda de um salário mínimo a idosos e pessoas deficientes, como garantia dos mínimos sociais, uma das principais políticas de proteção social para deficientes e tem sido, nos últimos anos, importante instrumento de combate à pobreza e de redução das desigualdades sociais no país.

Assim, o BPC, trata-se de um benefício que não precisa de contribuição, isto é, que não requer uma contraprestação de seus destinatários, disposto na Constituição Federal de 1988, regulamentado pela LOAS, com intuito de auxiliar na manutenção da vida do idoso e deficiente.

2.1 – BENEFICIÁRIOS

2.1.1– Idosos

No que se refere especificamente ao idoso, à política pública de Assistência Social, atua em áreas estratégicas que cobre todas as unidades tanto no âmbito federal quanto estadual, para assegurar aos idosos seus direitos na sociedade.

Segundo PEREIRA (2012), no âmbito Federal, existe a transferência continuada de renda a idosos impossibilitados de prover a sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família; e proteção social básica e especial à pessoa idosa.

E no âmbito estadual, municipal e no Distrito Federal existem ações desenvolvidas pelos governos que, em companhia com o governo federal ou instituições privadas, podem realizar convênios para prestação de serviços especiais; distribuição de benefícios eventuais; criação e regulamentação de atendimentos asilares; realização de programas educativos e culturais; isenções fiscais de entidades particulares, dentre outros. (PEREIRA, 2012)

Nesse sentido, o amparo da assistência social à pessoa idosa é composta e financiada no âmbito federal, os seus serviços, programas e projetos são efetuados por governos de Estados, Municípios e Distrito Federal, bem como por entidades sociais, visando o acolhimento de pessoas idosas pobres, a partir dos 60 anos de idade.

Outro amparo social básica desenvolvido pela política de Assistência Social que de forma indireta beneficia os idosos é o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), efetivado nos Municípios, em unidades locais de Assistência Social, denominadas Casa das Famílias, com vistas ao acolhimento, convivência, socialização e estímulo à participação social das famílias e seus membros. (PEREIRA, 2012)

Em suma, a assistência social compõe uma área estratégica para a manutenção de uma ampla rede de proteção para as pessoas idosas que, para além do benefício de prestação continuada, previsto na Constituição, inclui centros de convivência, casas lares, abrigos, centros de cuidados diurnos, atendimento domiciliares, dentre outros, em articulação com as demais políticas públicas (CARVALHO et all., 1998).

E estas medidas são realizadas por meio de firmação de convênio; repasses de benefícios, doações, concessões e auxílios; criação e regulamentação de entidades asilares e não asilares, programas e eventos; isenção de algumas taxas, tributos, impostos; e declarações de utilidade pública de algumas instituições

Portanto, tudo isso contribui para que a assistência social forneça para a pessoa idosa melhoria do bem-estar, contribuir para a promoção da autonomia, integração e participação do idoso na sociedade fortalecendo seus vínculos familiares, proporcionando aos idosos, possibilidades de usufruto de bens, serviços e direitos.

2.1.2 - Deficientes

Os movimentos sociais dos deficientes têm uma história atual em que sua formação e fortalecimento foram instituídos com a democratização do Brasil a partir dos anos da constituição de 1988.

Com a constituição de 1988 a educação, o trabalho, acessibilidade e assistência social passaram a contar como base que favoreceram o surgimento de diversas políticas públicas para atender as reclamações por inclusão e cidadania das pessoas com deficiência.

Como regra geral, a deficiência pressupõe a existência de variações de algumas habilidades que sejam qualificadas como restrições ou lesões. O que inexiste, no entanto, é um consenso sobre quais variações de habilidades e funcionalidades caracterizariam deficiências. (VASCONCELOS, 2005).

A definição de deficiência na legislação do BPC é tida como limitativa pela dominação do discurso biomédico nos parâmetros utilizados para eleger as características para que o solicitante seja considerado deficiente para a proteção social (BARBOSA, 2009).

De acordo com FIGUEIRA (2008), a Constituição não possuía um conceito de deficiência quando da criação da LOAS, cenário que se altera apenas com a ratificação da Convenção da ONU pelo Brasil em 2008. E essa ausência fez, inclusive, que o próprio BPC mudasse cinco vezes a forma de avaliar a deficiência para o benefício assistencial entre 1995 e 2008.

Na tentativa de utilizar um conceito de deficiência mais relacionado aos objetivos da política de assistência social, a legislação do BPC, em 2007, adotou os parâmetros da CIF para avaliação das condições bio-psico-sociais relacionados aos estados de saúde das pessoas deficientes solicitantes do benefício assistencial. (FIGUEIRA 2008).

Diversas formas de abordagem aos direitos podem discutir sobre a questão da deficiência em diferentes aspectos, apesar de que o enfoque dos direitos dos deficientes serem uma das principais ferramentas de organização social.

No auge das lutas e articulações políticas dos anos 1980 no Brasil, os movimentos sociais dos deficientes compreenderam essa concepção e foram responsáveis pela reivindicação de diversos direitos assegurados na Constituição e direcionados às pessoas deficientes (FIGUEIRA, 2008; SASSAKI, 1990)

Além disso, de forma incipiente no Brasil a partir dos anos 1980, a questão da deficiência assumiu nova trajetória aproximando as demandas das pessoas deficientes às reivindicações por justiça social e direitos de cidadania, sobretudo, pela influência das ideias do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unida (ONU) declarado em 1981 e comemorado no Brasil e em vários outros países no mundo (SILVA, 1989; FIGUEIRA, 2008).

Segundo FIGUEIRA (2008) a articulação de vários movimentos sociais e a pressão social exercida durante o período da criação da Constituição Federal deixou o tema da deficiência em foco, o que resultou em um texto constitucional avançado no tocante aos direitos das pessoas deficientes.

Apenas no passar dos últimos anos foi possível à estruturação de uma união de vários instrumentos jurídicos e de políticas públicas para estabelecer de forma material os direitos abordados pela Constituição da República.

Assim, tal cenário apresenta muitos avanços ao lado de uma série de desafios, como pode ser verificada nas políticas de educação e ações para inclusão no mundo do trabalho, remoção de barreiras arquitetônicas, sensibilidade nos transportes públicos para a diversidade corporal, entre outras políticas para os deficientes (NERI, 2003).

MEDEIROS (2005) afirma que duas das principais alterações que ocorreram posteriormente à Constituição com os princípios estabelecidos no texto constitucional foram à criação da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, aprovada em 1999 e a denominada lei de Acessibilidade, sancionada em 2004 pelo Decreto 5.296.

A Política Nacional estabelece ser de responsabilidade dos órgãos e entidades do poder público garantir possibilidades às pessoas com deficiência para o pleno exercício de seus direitos básicos decorrentes da Constituição e de outras leis, sobretudo, para o objetivo de promover o bem-estar pessoal, social e econômico dessa parcela da população (BRASIL, 1999).

Nesse sentido, a deficiência passaria a ser não mais tema de responsabilidade individual, mas de matéria de competência da justiça social que deriva do esforço das sociedades em garantir os direitos de todas as pessoas.

A diretriz ensejada pela Política Nacional foi reforçada com a Lei de Acessibilidade, aprovada cinco anos depois, em 2004 sendo que os objetivos da Lei de Acessibilidade foi o de propor alterações e questionamentos sobre as mais diversas disposições das estruturas, valores e práticas sociais no sentido de tornar possível a participação plena de todas as pessoas no ordenamento social, independentemente de quais diversidades corporais possam apresentar (VASCONCELOS, 2005).

Pode-se afirmar que deficiência, se não receber tratamento equitativo da sociedade, e a pobreza, são duas esferas de desigualdade e opressão social que apenas recentemente, no país, passou a contar com políticas públicas institucionalizadas para o enfrentamento. O fato de o Brasil ser considerado um país rico, mas com muitos pobres (MEDEIROS, 2005).

DINIZ (2007) relata que o BPC para deficientes passou a simbolizar uma resposta vigorosa para a situação de privação das pessoas com deficiência na pobreza. O BPC tem cobertura relativamente extensa por alcançar mais de três milhões de pessoas em setembro de 2009, das quais mais de 1,5 milhões são deficientes.

Todavia, o gerenciamento, a execução e o perfil do alcance do Benefício de Prestação Continuada mostra a amplitude dos desafios da implantação de uma política de proteção social para os deficientes.

Em relação às pessoas deficientes para o BPC, a principal alteração foi sobre o critério de deficiência para fins de concessão do benefício. Antes da aprovação da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência em 1999, era considerado para fins de concessão do benefício.

a pessoa portadora de deficiência que a incapacitava para a vida independente e para o trabalho em razões de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho (BRASIL, 1995). 

Esse conceito de deficiência era considerado restritivo, sobretudo, por ser de difícil avaliação pericial, ocasionando até mesmo avaliações discricionárias na concessão do BPC (DINIZ 2007).

A partir de 1999, devido à aprovação da Política Nacional, o conceito utilizado de deficiência passou a ser “a perda ou anormalidade de uma estrutural ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere incapacidade para o desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (Decreto n. 3.298, 1999).

Apesar de ter recebido críticas após sua criação, o novo conceito já avança em alguns pontos. Assim, o conceito de deficiência ainda foi alterado pelo Decreto n. º 5.296 de 2 de dezembro de 2004, com advento da denominada Lei de Acessibilidade, tornando mais objetivo o conceito de deficiência para fins de concessão do benefício assistencial.

2.1.3 – Indígenas

No que diz respeito aos povos indígenas, as ressalvas se dão tanto de forma cultural relacionado à comunicação, uma vez que possuem formas próprias de se comunicar, quanto social, relativo à adaptação ao mundo social fora da aldeia.

Segundo JASSOUD (2012), o indeferimento na concessão do BPC pode deixar o indígena excluído da assistência social e da previdência social, ferindo os princípios de consideração das especificidades da cultura indígena.

De acordo com a Convenção sobre Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações Unidas (CDPD), “pessoas com a mesma deficiência podem enfrentar tipos e graus de restrição muito diferentes, dependendo do contexto”.

Nesse sentido, a partir desse conceito, os órgãos deve fazer uma avaliação mais profunda quando se trata de indígenas com deficiência. Pois, qualquer indivíduo está exposto aos fatores que possam causar algum tipo de deficiência, temporária ou permanente.

A constatação e o registro dos casos de pessoas com deficiências motoras (física, mental e sensorial) ganham cada vez mais visibilidade nas comunidades indígenas (Venere, 2005). Segundo PEREIRA (2007, p. 18): “a quantidade de deficientes físicos é enorme para os padrões Kaiwoá” e que isto pode estar relacionado a fatores como carência alimentar e alto consumo de bebidas alcoólicas.

Deve‑se considerar que são vários os fatores que podem causar ou agravar a deficiência para os povos indígenas, tanto internos quanto externos. Aos fatores internos atribuem‑se ocorrências por causas naturais, picadas de insetos e animais peçonhentos, queda de galhos árvores, raios etc., riscos com que eles sempre lidaram. (JACCOUD, 2012)

JACCOUD (2012) relata que quanto aos fatores externos são ocorrências ligadas à entrada nas aldeias de materiais produzidos por não indígenas como faca, facões, motosserra, arma de fogo e veículos utilitários. São instrumentos que causam a deficiência e deixam muitas pessoas sem condições de se locomoverem nas aldeias.

Segundo VENERE (2005), houve um grande aumento de indígenas que passaram a utilizar cadeiras de rodas, muletas, próteses nos membros inferiores e superiores, próteses nos ouvidos.

O processo de produção agrícola também tem contribuído para aumentar o quadro de incapacitações e até mortes. A alta quantidade de agrotóxicos usados nas plantações aumenta os índices de aborto e de nascimentos de crianças com diferentes defeitos físicos, além da morte de animais domésticos, silvestres e da fauna aquática, (VENERE 2005).

O mesmo autor também observou casos de anencefalia:

A alta incidência de câncer, sobretudo de leucemia, entre agricultores e indígenas aculturados que lidam com os venenos acima mencionados, é fato rotineiro na Amazônia. Provavelmente, o número de vítimas anônimas que morrem sem chegar aos hospitais é maior do que dizem as estatísticas. Os agrotóxicos das empresas multinacionais matam mais do que os condenados e indesejáveis conflitos originados por disputas de terras ou invasão de terras indígenas.

Nesse sentido, existe uma probabilidade maior de casos referentes a problemas de incapacidade para o trabalho ou deficiências em povos que vivem próximos ao agronegócio. Esse fato pode estar ligado com o aumento dos beneficiários da assistência social, bem como da previdência social.

          Considerando que os indígenas possuem, em média, maior vulnerabilidade social, em vista do percentual elevado de famílias que se enquadram na pobreza e na extrema pobreza, o agravante da deficiência é outro fator que pode contribuir para a piora nas condições de vida. JACCOUD (2012).

VENERE (2005) afirma que a concessão do BPC para os indígenas com deficiência é importante na medida em que a garantia de renda por parte do trabalho assalariado se torna distante devido ao preconceito por parte da sociedade com relação à etnia e à deficiência.

Ademais, o número de crianças e adolescentes deficientes tem se mostrado cada vez maior, o que implica a necessidade de cuidados por parte da família, fazendo com que outro membro familiar fique impossibilitado de trabalhar para desempenhar a função de “cuidador”. JACCOUD (2012)

De acordo com SANTOS (2011), o BPC é um instrumento capaz de proteger os beneficiários e suas famílias da situação de vulnerabilidade, embora muitas vezes as mães de crianças deficientes saiam do mercado de trabalho para exercer a função de cuidadoras e não recebem nenhuma proteção social por parte do Estado.

VENERE (2005) ressaltou o fato de que, no momento em que essas pessoas com deficiência passam receber recursos financeiros assistenciais ou previdenciários, elas se tornam sujeitos participativos na comunidade indígena, uma vez que tais recursos às colocam em destaque diante do processo econômico do grupo.

O benefício de prestação continuada tem a capacidade de reduzir a vulnerabilidade social a que a família indígena está exposta, tendo em vista que a pessoa com deficiência geralmente é excluída do mercado de trabalho.

A exclusão atinge principalmente os indivíduos com deficiência totalmente incapacitantes, sobretudo física mental. O acesso ao benefício fica comprometido por uma série de fatores como a falta de conhecimento por parte dos indígenas e o desconhecimento dos critérios de concessão por parte dos profissionais. (JACCOUD, 2012)

Os programas da assistência social têm se tornado importantes medidas na luta contra a pobreza e desigualdade social. No caso dos povos indígenas, a inclusão nas políticas assistenciais, faz‑se necessário, pois é uma forma de compensa‑los pela perda de seus territórios.

Para tanto, JACCOUD (2012) expõe que é crucial que haja um maior controle nas concessões no sentido de tornar efetivo o acesso, bem como avaliar de forma mais aprofundada os impactos desses benefícios sobre os beneficiários e suas famílias.

Nesse sentido, objetivo da LOAS é de “contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando bens e serviços socioassistenciais em áreas urbanas e rurais”. JACCOUD (2012).

Assim, a falta de direção e a ausência de orientação aos povos indígenas acabam resultando na maioria das vezes no indeferimento do benefício, tudo isso por falha na comunicação ou falta de documentação, levando os indígenas a buscarem o poder judiciário para sua obtenção.

Portanto, fica claro a relevância sobre do desempenho da assistência social junto aos povos indígenas. Mesmo existindo vários fatores que causam e agravam a vulnerabilidade destes povos, requerendo assim, a articulação de outras políticas públicas, não limitando a apenas a intervenção da assistência social.

2.1.4 – Estrangeiros.

Como exposto anteriormente, a Lei Orgânica de Assistência Social 8.742/93 (LOAS) em conjunto com a Lei n. 10.741/2003 instituem a garantia do BPC a pessoa portadora de deficiência ou idosa que comprove situação de miserabilidade econômica.

Nesse mesmo sentido, o art. 203 da Constituição Federal de 1988 garante a assistência social “a quem dela necessitar”, não fazendo, portanto, distinção entre brasileiros e estrangeiros.

Percebe-se que a solidariedade é um princípio constitucional, que dispõe a necessidade de uma responsabilidade social, no qual toda a sociedade é responsável pelo bem comum, sem levar em consideração a nacionalidade dos integrantes da sociedade. (PACHECO, 2010)

BONAVIDES (2002, p. 342) explica:

O Estado social no Brasil aí está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. Não há para tanto outro caminho senão reconhecer o estado atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem liberdade.

A LOAS, no Artigo 1º, dispõe que a Assistência Social é um direito do cidadão. O Decreto nº 1.744, que regulamenta o BPC, dispõe sobre estrangeiros, que serão considerados como beneficiários do BPC, os idosos e as pessoas portadoras de deficiência, estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do país de origem. (PACHECO, 2010)

O Decreto nº 6.564, de 2008, torna mais claro o critério estabelecido para a concessão do BPC aos estrangeiros.

Art. 7ª – O brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil, idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos neste Regulamento, que não perceba qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza indenizatória, observado o disposto no inciso VI do art. 4ª, é também o beneficiário do BPC.

Segundo (PACHECO, 2010), a questão do estrangeiro é importante e merece destaque, por causa do caráter de universalidade da Assistência Social e também o princípio à dignidade humana e de não distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação.

Portanto, o assunto sobre o ingresso do estrangeiro não naturalizado ao BPC requer mais atenção, tendo em vista a ocorrência da violação de seus direitos por se encontrarem muita das vezes em situação de pobreza e exploração.

BALERA (2010) fez um estudo sobre a emigração com um fundamento econômico, onde o desfavorecido economicamente sai do seu país de origem em busca de condições de oportunidades de trabalho, todavia, encontra no Brasil a situação de desqualificado para o trabalho estando sujeitos a ocupações indignas.

Os estrangeiros que não conseguem se regularizar no país, devido a restrições legais, ficam sujeitos à deportação. Como afirma BALERA (2010, p.42) que “o tratamento legal dispensado ao estrangeiro é mais rigoroso que o deferido aos criminosos. A solidariedade devida a todo o ser humano é substituída pelo valor econômico que pode ingressar no país”.

Assim, concessão de BPC aos estrangeiros, nos termos do caput do art. 5º da Constituição Federal, é assegura ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional.

Nesse sentido:

ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. IGUALDADE DE CONDIÇÕES. ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. 1. Para a concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993). 2. A condição de estrangeiro da parte Autora não a impede de usufruir os benefícios previstos pela Seguridade Social, desde que preenchidos os requisitos para tanto. Isto, pois, de acordo com o caput do art. 5º da Constituição Federal, é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional. 3. Sendo a assistência social um direito fundamental, os estrangeiros, residentes no país, e que preenchem os requisitos, também devem ser amparados com o benefício assistencial, pois qualquer distinção fulminaria a universalidade deste direito. 4. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício. 5. Agravo Legal a que se nega provimento.(TRF-3 - AC: 12072 SP 0012072-19.2013.4.03.9999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 09/09/2013, SÉTIMA TURMA)

O poder judiciário brasileiro tem dado relevância ao tema, pois a questão não é só Direito Constitucional é de Direito previdenciário, como também envolve Direito Internacional e tem decidido a favor da concessão do benefício assistencial ao estrangeiro residente no Brasil que esteja necessitado, quer por idade ou por moléstia incapacitante ao trabalho (PACHECO, 2010).

Portanto, o direito do estrangeiro, no que diz respeito ao seu acolhimento pelo benefício de prestação continuada, é um assunto importante para ser debatido, seja em nível nacional ou internacional, destaca-se que o principal foco é assegurar o tratamento digno do ser humano independente da sua origem.

2.1.5 Morador de Rua.

As pessoas que vivem na rua passam por vários tipos de necessidade e encontram-se num nível de vulnerabilidade extrema, pois, sobrevivem em condições de total desigualdade na sociedade e com muita dificuldade em ter acesso a assistência social.

Desde o surgimento do BPC, o morador de rua encontra muitas dificuldades no acesso ao benefício, principalmente para apresentar os documentos exigidos para o requerimento inicial, comprovar seu endereço e a sua composição familiar.

Assim, pessoas que estão nas ruas, vivem numa situação tão vulnerável que carecem de um acompanhamento mais próximo pelo Estado, no sentido de fazer com que as pessoas que vivem na rua transponham a dificuldade de buscar seus direitos, para obter um tratamento digno e igualitário. (PACHECO 2010).

Em alguns estados brasileiros existem normas que protegem moradores de rua, ressaltando a Lei nº 12.316 de 16.04.1997. Tal lei estabelece em seu artigo 1ª que:

O poder público municipal deve manter na Cidade de São Paulo serviços e programas de atenção à população de rua garantindo padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de mínimos sociais e dos direitos de cidadania a esse segmento social de acordo com a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município de São Paulo e a Lei Orgânica de Assistência Social.

A Lei vigente para o BPC permite aos moradores de rua que, ao pleitear o beneficio, apresente como endereço aquele referente ao serviço público ao qual mantém um vínculo de atendimento e que declare como pessoas com relação de proximidade aquelas com as quais o homem de rua mantém o seu ciclo de convívio e que poderão facilmente localizá-lo, (PACHECO 2010).

Existe um grande avanço na regulamentação no sentido de facilitar o acesso ao BPC para os moradores de rua. Todavia, ainda permanece presente uma grande dificuldade de acesso ao requerimento do benefício de prestação continuada.

MARQUES (2008) relata que tal dificuldade incide na situação de invisibilidade em que se encontram as pessoas que vivem nas ruas, para as quais, é necessário uma atenção especial da sociedade e, em especial, do poder público, no sentido de realizar um trabalho social intenso, sistemático e muito próximo à população de rua.

Nesse sentido, é necessário um investimento no sentido de fazer com que os moradores de rua adquiram a autonomia no sentido de buscar pelos seus direitos, como exemplo, o acesso ao BPC.

Assim, PACHECO (2010) ensina que as grandes barreiras são armadas pela própria sociedade ao demonstrar o preconceito, e a falta de respeito à dignidade humana das pessoas que se encontram em situação de rua.

MARQUES (2008, p.160) relata sobre algumas atitudes arbitrárias tomadas com relação aos moradores de rua, como:

uma conseqüência direta do predomínio dos interesses privados sobre tudo o que é coletivo. Trata-se da negação dos sentimentos de solidariedade e de respeito. Na sua forma absoluta, constitui a eliminação total do outro e de tudo o que ele contém de diferente, utilizando-se, inclusive da violência como recurso. É a negativa do reconhecimento da existência de direitos daqueles que não se amoldam aos parâmetros da sociedade.

Essas diversas situações apresentadas, sobre as restrições de acesso ao Benefício de Prestação Continuada, mostram as principais imperfeições existentes na legislação que regula o benéfico de prestação continuada, que na prática poderão causar algumas controvérsias na busca de efetivar o direito do cidadão de bem.

2.4 - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E O PODER JUDICIÁRIO.

 Após um longo período de insatisfação popular, o Brasil vivenciou um movimento de redemocratização do país, impulsionado pela busca do reconhecimento dos direitos fundamentais e anseio por uma sociedade menos desigual.

A Constituição Federal foi promulgada em 1988 e pode ser considerada o auge da estabilização do benefício de prestação continuada. Dentre muitas novidades, a Constituição deu um novo papel ao Judiciário brasileiro, pois teve seus desígnios ampliados.

Esse entendimento é trazido por VIANNA (2008), ao considerar que é, após aquele ano, com a ampliação dos instrumentos de proteção judicial, que o país passou a vivenciar um processo de judicialização da política pública, principalmente na área da assistência social.

A expansão e a ampliação das funções do Poder Judiciário trouxeram mudanças significativas no campo dos direitos, seja pelos novos atributos exigidos de seus operacionalizadores, aos quais passou‑se a requisitar sensibilização ante as manifestações da questão social, ou ainda pelo significado diferenciado atribuído a esse poder pela sociedade, que começou a notar e a utilizar esse mecanismo como um mediador estratégico junto aos poderes Executivo e Legislativo, na resolução de assuntos controversos. (SILVA, 2012)

De acordo com Maciel e Koerner (2002, p. 114),

Judicializar a política, segundo esses autores, é valer‑se dos métodos típicos da decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas arenas políticas em dois contextos. O primeiro resultaria da ampliação das áreas da atuação dos tribunais pela via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na constitucionalização

Ao longo dos anos, a expressão “judicialização de políticas” tem ganhado diversos outros significados. Aqui o sentido da judicialização é atribuído à influência própria dos sistemas democráticos exercida pelo Poder Judiciário ao interferir em funções que em tese seriam atribuições dos poderes Executivo e Legislativo. DINIZ (2009)

Todavia, ao se analisar as questões orçamentárias em que está submetido o desenvolvimento das políticas públicas, SILVA (2012) argumenta que este é finito e que muitas vezes, por meio de determinações judiciais, é gasto muito dinheiro público a favor de poucos, o que pode ser considerado uma atuação injusta.

Outro ponto que deve ser analisado refere‑se ao acesso à justiça, que ainda é bastante restrito, já que a maioria da população, com pouca informação ou sem condições financeiras para arcar com custas advocatícias.

Segundo SILVA (2012), existem ainda estudos que questionam o poder dos juízes em decisões políticas, já que esses não seriam legitimados pelo povo. O argumento é sustentado sob a defesa de que essa seria uma “justiça injusta”.

Cabe ressaltar a particularidade da judicialização no âmbito da Assistência Social, pois esta política que começou a se concretizar, a partir da Carta de 1988, com a instituição de um Sistema de Seguridade Social, nunca teve seu público bem definido como a Saúde e a Previdência Social. (SILVA, 2012)

Por causa da desigualdade e falta de provimento de serviços públicos, o Poder Judiciário tornou‑se um instrumento para a busca dos direitos. Pelo que se conclui que no Brasil é inevitável o desenvolvimento da judicialização da política de assistência social.  

Todavia, nos dias de hoje, o público da assistência social é muito grande, tendo em vista que a legislação fala que todo aquele que necessitar de assistência, e cada programa ou serviço determina os critérios de elegibilidade para o benefício, podendo gerar diversas discussões e futuros processos judiciais.

De acordo com Vianna, Burgos e Salles (2007, p. 41)

A invasão do direito sobre o social avança na regulação dos setores mais vulneráveis, em um claro processo de substituição do Estado e dos recursos institucionais classicamente republicanos pelo Judiciário, visando a dar cobertura a criança e ao adolescente, ao idoso e aos portadores de deficiência física. O juiz torna‑se protagonista direto da questão social.

De acordo com a Constituição de 1988, a Justiça Federal atua em lides que envolvam a União e seus órgãos, sejam como réu ou impetrante. Nesse sentindo, é justamente nessa esfera que o cidadão recorre quando sente que foi lesado de seu direito ao BPC.

A Justiça Federal brasileira é dividida em cinco regiões, que não coincidem com as grandes regiões, esse motivo pelo qual a análise foi realizada com base nas unidades da federação para identificação de sua correspondência nas regiões brasileiras. (SILVA, 2012).

De acordo com GARGARELLA (2008), o surgimento de conflitos na interação social, na convivência comunitária, na determinação dos direitos ou, mais especificamente, na área da execução de alguma ação pública, fornece o direito à parte lesada a possibilidade de reclamar seu prejuízo, desvantagem ou discriminação nas instâncias judiciárias.

Nesse sentido o Judiciário pode assumir o papel de guardião da efetivação tanto dos direitos individuais quanto dos sociais, e, portanto, do direito à assistência social (LEIVAS, 2008; PULIDO,2008).

GARGARELLA (2008) ensina que o controle judicial está em posição privilegiada para favorecer a deliberação democrática ao aperfeiçoar uma política pública, mas também “o controle judicial pode ser um instrumento crucial para enriquecer a deliberação pública a respeito dos direitos sociais”.

Principalmente, no caso do Brasil que possui uma experiência democrática jovem após um longo período de ditadura militar, além de ter firmado tardiamente, em relação a outros países, o conjunto de direitos sociais articulados aos princípios democráticos do Estado de direito (BUCCI, 2006)

Todavia, o papel do Judiciário não se restringe a apenas rever os casos de indeferimento de acesso ao BPC. O Poder Judiciário atualmente tem sido um meio responsável para questionar os critérios de acesso ao benefício assistencial.

O fenômeno da judicialização de política pública é crescente nos últimos anos no país, após as primeiras ações terem ocorrido por solicitação de medicamentos para tratamento do HIV (BORGES; UGÁ, 2009; MESSEDER et. al, 2005; VIANNA et. al, 2009; VIEIRA; ZUCHI, 2007).

Hoje, o crescente número de ações judiciais propostas por usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) para garantir o fornecimento de medicamentos tem sido apontado como motivo de alerta pelos gestores públicos, políticos e para especialistas na área de saúde. (BORGES; UGÁ, 2009).

Segundo BORGES e UGÁ (2009), os atuais processos judiciais dos usuários do SUS são de solicitação, principalmente, de medicamentos e o volume das ações judiciais tem crescido não apenas nos Tribunais Estaduais, mas ocupa espaço relevante também nos Tribunais Superiores do país.

Em audiência pública realizada em maio de 2009, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 566.471, o Supremo Tribunal Federal examinou a atribuição da judicialização de medicamentos com valores altos, e buscou responder, entre outras questões, se a judicialização da saúde ocorria por omissão ou por descumprimento da política pública (DINIZ 2009).

A busca de respostas para a pergunta se o processo de judicialização do BPC é decorrência de omissão, ou se pelo descumprimento da política social na fase de execução, é o ponto de partida para análise do controle judicial do benefício assistencial.

De acordo com DINIZ (2009), nos últimos anos do BPC, a legislação busca criar condições para a efetivação do direito das pessoas com deficiência e idosos ao benefício de proteção social. No entanto, podem acontecer momentos em que a efetivação do benefício sofre impedimentos de alguma ordem, levando o requerente do benefício recorrer ao Poder Judiciário para solicitar o benefício.

A implantação do BPC conta com as instâncias recursais do INSS para caso de necessidade de revisão de pedido quando um solicitante desejar. Esse desenho é A possibilidade de avaliação recursal no nível executivo da política pode ter impactos no número de abertura de processos judiciais de solicitantes do BPC que, tendo o pedido do benefício negado no INSS, recorre ao Judiciário para sua avaliação.

No entanto, essa importante fase de recursos ainda na execução da política social não impede que individualmente algum solicitante se sinta no direito de recorrer às cortes judiciais para avaliação do seu caso (DINIZ 2009).

O controle judicial tenta buscar aperfeiçoar ou corrigir alguma falha nessa engrenagem que permite que algum direito individual previamente estabelecido esteja sendo descumprido ou negligenciado ou a objeção às decisões administrativas que não concederam a política pública, por exemplo, o BPC não concedido no INSS, leva o indivíduo ao Poder Judiciário em uma tentativa de buscar outras matrizes de julgamento para estabelecer o direito individual ao benefício assistencial (PULIDO, 2008).

Nesse caso, o controle judicial pode favorecer tanto o cumprimento das demandas individuais, quanto à materialização dos direitos sociais no sentido da realização dos objetivos sociais sob os quais os direitos foram criados. (PULIDO, 2008; SARMENTO, 2008).

O Supremo Tribunal Federal, no Brasil, funciona como um instrumento democrático que busca interpretar em caso de conflito jurídico quais são os direitos individuais que as pessoas têm, por meio de critérios previamente acordados e legitimamente reconhecidos (DWORKIN, 2005).

A concessão do BPC acontece em todo o país nas agências do INSS. Mas também podem ocorrer às concessões pelo Judiciário, quando o benefício é negado nas autarquias federais e, inclusive, foram negados por suas instâncias recursais.

Segundo GARGARELLA (2008), os processos de pedido do BPC chegam ao Poder Judiciário, basicamente, por três motivos. Por uma tentativa dos requerentes do benefício de burlar o sistema de execução da política social, após terem o pedido negado em uma das autarquias federais do INSS.

Em segundo lugar, podem ocorrer casos quando há omissão ou descumprimento administrativo na execução do benefício no nível do INSS. Ou seja, por algum motivo, uma pessoa com deficiência atende aos critérios de elegibilidade do benefício, mas pela coleta de informações do histórico do solicitante ou no momento pericial acaba não sendo concedido o BPC para essas pessoas.

Outro motivo diz respeito àqueles casos em que a pessoa deficiente não cumpre algum ou todos os critérios de acesso, mas na tentativa de buscar no Poder Judiciário outras matrizes de julgamento sobre sua elegibilidade tentam o possível reconhecimento de seu direito para inclusão na proteção social.

O controle de constitucionalidade sobre o BPC pode ser analisado, entre outros momentos judiciais, pela avaliação da atuação dos juízes federais em processos judiciais de primeira instância, ou seja, o Poder Judiciário pode acompanhar o BPC no momento de sua execução por meio de instrumentos legítimos de controle de efetividade constitucional pela atuação dos juízes federais (GARGARELLA, 2008; TAVARES, 2008; SARMENTO, 2008).

Esse movimento pode fortalecer a atuação judicial e a implantação da política de assistência social, em particular, pois amadurece a ideia da assistência como direito social fundamental (TAVARES, 2008). Além de ter a capacidade de fortalecer os princípios democráticos bem como seu aperfeiçoamento.

Nesse sentido, pode se falar que o Poder Judiciário pode atuar nas ocasiões em que as decisões políticas, no que se refere à apropriada execução do benefício de prestação continuada, ameaçar ou fragilizar os princípios democráticos, principalmente, das minorias.

É papel do Poder Judiciário invalidar, por meio de instrumentos legítimos, as normas que desafiam a autoridade da Constituição Federal, principalmente, quando um marco legislativo é resultado de um processo político em que as decisões públicas e coletivas teriam pouco contribuído para endossar os valores da deliberação democrática, participativa e imparcial (GARGARELLA, 2008).

Para DWORKIN, (2005) o judiciário confere forma especial para as controvérsias políticas, pois as decisões devem ser baseadas em princípios tendo um modo de abordagem das questões que, pela sua complexidade social e abrangência das partes envolvidas facilitadas no Judiciário, a prática legislativa não tem mostrado tendência em favorecer.

Enquanto o que pode caracterizar o Poder Judiciário é a capacidade de atuar em casos de conflitos subjetivos em casos concretos, tornando o direito definitivo aplicado no caso analisado (FERRAZ, 2008; GARGARELLA, 2008),

Na maioria dos processos em que houve a concessão do BPC, a sentença favorável ao solicitante foi possível porque os juízes federais utilizaram um conceito de deficiência diferente do conceito utilizado pela perícia médica do INSS.

De acordo com DINIZ (2007), os juízes federais levam em consideração o contexto social em que a pessoa vive, buscando a experiência da deficiência como resultado da interação do corpo com condições de saúde e limitações funcionais em contato com ambientes sociais hostis, pouco inclusivos e na pobreza.

Tal alargamento do conceito de deficiência no judiciário pode ser resultado do enfrentamento do caso concreto por juízes em que há solicitação de uma política pública de reparação de desigualdade, na qual exige a demonstração da complexidade social das situações apresentadas pelos solicitantes, principalmente, como meios de gerar provas para fundamentar as decisões judiciais, e das perícias sociais realizadas durante o processo judicial – já que no INSS, na época do andamento dos processos, não havia perícias sociais, apenas médicas (DINIZ 2007).

Esse alargamento do conceito de deficiência se dá por uma aproximação com a ideia que reconhece que a deficiência não está inscrita primariamente no impedimento corporal, mas na interação entre o corpo com restrição de habilidades e ambientes sociais hostis à diversidade corporal (DINIZ, 2007; DINIZ et. al, 2009).

Nesse sentido, o processo judicial promove uma compreensão da deficiência mais próxima a do modelo social da deficiência a ideia de deficiência como uma interação existente entre o corpo com impedimentos corporais e um ambiente social pouco adequado às restrições de habilidades torna o conceito de deficiência algo além da simples desigualdade causada pela diferença corporal (DINIZ, 2007)

Observa‑se que os principais assuntos em que o Judiciário é chamado a se manifestar dizem respeito ao critério de renda e ao conceito de deficiência adotado pela política.

Essa análise aponta para um importante aspecto na judicialização do BPC, a identificação de lacunas das políticas públicas, por meio do diagnóstico propiciado pela observação das diversas ações individuais, nesse caso, a ineficiência do modelo de perícia médica que era utilizada para avaliação do benefício. Santos (2009, p. 20), afirma que:

a atuação do Judiciário em julgamento de casos de omissão ou inadequação da execução política não apenas cumpre o seu papel na manutenção dos princípios democráticos que regem a sociedade, mas pode ser capaz de interferir no desenho, funcionamento e no próprio escopo do BPC. Ao indiciar resoluções por análises de casos concretos, os operadores do direito, como os juízes e procuradores, acabam por redirecionar as diretrizes gerais que garantem o funcionamento das políticas públicas.

Assim, é inegável a importância da atuação do Poder Judiciário para a concretização do BPC como direito social. Em muitos momentos, a justiça brasileira protagonizou a busca pelo aprimoramento do BPC, especialmente ao atuar em ações coletivas.

No entanto, é importante analisar se os objetivos propostos pela constituição ao instituir um benefício a pessoas com deficiência e em idade avançada, sem condições de provimento de necessidades básicas, têm sido alcançados.

Um benefício com esse cunho só pode objetivar a diminuição da pobreza e da desigualdade social. Contudo, considerando o estudo empreendido e as desigualdades regionais do Brasil, o Poder Judiciário conforme está estabelecido não pode ser considerado como plena possibilidade de justiça social, já que por muitas vezes ele acaba por reforçar a desigualdade, quando se trata da judicialização do BPC. (SILVA, 2012).

Vale ressaltar que se o acesso à justiça é dificultado a população pobre, vê‑se que o público do BPC dificilmente será alcançável, já que se trata da população em situação de extrema pobreza, que tem ainda aliada a sua carência material e a falta de acesso aos bens públicos, suas limitações físicas e/ou mentais, muitas vezes desconhecendo seus direitos e principalmente os mecanismos para buscá‑los.

Ao entender essa lógica, torna‑se fundamental afirmar que, para além da demanda identificada pela pesquisa existe um público que sequer tem “direito a ter direitos” e está completamente alijado da justiça e da sociedade. (SILVA, 2012).

Por fim, é fundamental reafirmar que a justiça brasileira precisa superar as desigualdades regionais para constituir‑se como instância garantidora dos direitos sociais e se concretizar como um instrumento efetivo para a consolidação da cidadania e de reforço da democracia.

2.5 MUDANÇAS NO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

 Mesmo após a implantação, é comum a qualquer sistema receber mudanças na estrutura ou alcance no sentido de aperfeiçoá-lo. A legislação que dá suporte ao BPC nos últimos anos sofreu algumas mudanças que merecem uma análise detalhada.

As alterações têm vários determinantes e conteúdos, nesse sentido, FREITAS (2007) ensina que elas podem ser agrupadas em três tipos principais: (a) alterações nos critérios de elegibilidade e avaliações periciais, (b) alterações no gerenciamento, implementação e acompanhamento do benefício e (c) rearticulação do benefício assistencial com outras políticas públicas.

O primeiro grupo de mudanças é caracterizado mais pela relação com o público que se quer atingir, como irá atingir determinada população e por que irá atingir tal grupo e excluir outro.

O segundo conjunto de modificações é caracterizado pela relação com as instituições responsáveis pela execução do benefício assistencial em um nível mais administrativo e gerencial.

Enquanto que o terceiro grupo de mudanças verificáveis no desenho atual do BPC pode ser caracterizado pelas modificações nos princípios e objetivos esperados pela política pública na garantia dos direitos sociais.

Nesse sentido, as mudanças nos últimos anos do Benefício de Prestação Continuada foram provocadas, principalmente, pelo desempenho em conjunto de várias instituições em na esfera dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Na formulação da legislação que fornece o arcabouço legal ao BPC ou na execução administrativa e nas constantes avaliações judiciais a respeito da executabilidade do benefício (ACRE, 2007; PENALVA et. al, 2009; SANTOS, 2006; SQUINCA, 2007), a atuação dos três poderes foi fundamental para resultar nas alterações no perfil do benefício assistencial.

Para se ter uma ideia relacionada as mudanças do BPC desde a sua criação, é possível destacar as seguintes mudanças: o conceito de deficiência para fins de concessão do benefício foi alterado cinco vezes, o critério de idade para a concessão do BPC para idosos foi alterado duas vezes e houve três mudanças na composição do modo como as avaliações periciais dos solicitantes com deficiência deveriam ocorrer (BRASIL, 2007a; DINIZ et. al, 2007; GIONGO, 2007; MEDEIROS et. al, 2006; MEDEIROS et. al, 2007; SANTOS, 2006; VAITSMAN et. al, 2007).

O Poder Judiciário também foi responsável por constantes sugestões e questionamentos para alteração na forma de atuação do programa, sobretudo, no que diz respeito aos critérios de elegibilidade de renda e de incapacidade para o trabalho e vida independente para a concessão do benefício (ACRE, 2007; PENALVA et. al, 2009; SANTOS, 2006; SQUINCA, 2007).

Segundo GIONGO (2007), os principais conteúdos dos projetos de lei sobre o benefício assistencial podem ser agrupados em três tipos que se destacam: (a) aqueles que propõem alterar os critérios de renda e incapacidade para o trabalho, (b) os que visam alterações no valor da transferência repassada aos beneficiários e (c) aqueles que procuram propor a extensão do benefício também aos cuidadores de deficientes ou idosos.

Outro aspecto que tem influenciado as mudanças nas regras de funcionamento do benefício assistencial pelo Legislativo tem sido a aprovação de Estatutos e Políticas Nacionais direcionados a grupos específicos, como o Estatuto do Idoso, sancionado pela Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 e a já mencionada Política Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, instituída pelo Decreto n.º 3.289 de 1999. (GIONGO, 2007).

Com a aprovação do Estatuto do Idoso foi reduzida a idade das pessoas idosas para acessarem o benefício. Antes da aprovação do Estatuto, a idade para ser considerado elegível era de 67 anos o que foi alterado para 65 anos (BRASIL, 2003).

Essa mudança teve impactos significativos a respeito do alcance do benefício, modificando tanto o número de beneficiários quanto o tipo de proteção social pretendida com o benefício assistencial (BRASIL, 2007a; GIONGO, 2007).

Uma instituição que mudou a forma de atuação do BPC tem sido o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). O MDS foi criado em 2004 tendo o objetivo de, além da coordenação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), supervisionar, controlar e avaliar a execução dos programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, bem como aprovar os orçamentos gerais do Serviço Social da Indústria (SESI), do Serviço Social do Comércio (SESC) e do Serviço Social do Transporte (SEST) (BRASIL, 2009).

O MDS, ao longo do tempo, foi ganhando lugar dentro das demais políticas públicas ligadas à assistência social, dentre elas o gerenciamento, acompanhamento e avaliação do BPC.

Além disso, a partir da aprovação da PNAS em 2004, teve início a execução do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) em 2005. Nesse sentido, a conjuntura política após 2002 passou a dar maior ênfase em políticas de desenvolvimento social e de combate à fome, pobreza e à desigualdade socioeconômica. (IPEA, 2006).

Foram criadas condições para emergência e concretização de distintas ações públicas tanto governamentais, como o Bolsa-Família e o Fome Zero, quanto a aprovação de políticas consideradas de responsabilidade do Estado, como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição em 1999 (PINHEIRO; CARVALHO, 2008), e a PNAS e a implantação do SUAS.

A partir dos anos 2000, uma abrangente estrutura de políticas públicas e sociais passou a orientar a rede de proteção social em todo o território nacional, com o objetivo de garantir às pessoas o acesso a bens sociais essenciais que garantissem às necessidades humanas básicas (IPEA, 2006; MENDONÇA, 2008; VAITSMAN et. al, 2009).

Antes mesmo da formulação da PNAS aprovada em 2004, responsável por organizar a disponibilização das políticas, programas e benefícios da assistência de forma hierarquizada e descentralizada nas diferentes esferas do governo, desde 1998 com respaldo da Lei Federal nº 9.533, criou-se a possibilidade do Estado brasileiro conceder apoio financeiro aos municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas para crianças e adolescentes (BRASIL, 1997).

 A assistência passou a ser estruturada de modo a articular com as políticas de segurança alimentar e nutricional, ao sistema educacional e ao combate à violação de direitos básicos no caso de crianças e adolescentes (IPEA, 2006; VAITSMAN et. al, 2009).

O sistema de proteção social brasileiro que, desde os anos 1930 vincula-se ao trabalho, sobretudo, como medidas securitárias garantidas aos trabalhadores do regime formal de trabalho (BOSCHETTI, 2006; DRAIBE, 1989; SANTOS, 1987), passou a ter os objetivos e alcances ampliados nos últimos vinte anos, principalmente, pelas novas diretrizes demarcadas na Constituição e pela execução da PNAS a partir de 2004.

Portanto, nos últimos anos é possível verificar que a efetivação da assistência social recebeu novos contornos no Brasil, principalmente pelo aumento considerável do número de pessoas atendidas pela assistência social.

Assim, as mudanças que o BPC passou a comportar descritas acima, podem ser explicadas, principalmente, pelo amadurecimento da ideia da assistência social como política de seguridade social. 


3 - REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BPC.

Para que o cidadão receba o benefício de prestação continuada, não é necessário que tenha contribuído para a Previdência Social, mas alguns requisitos precisam ser considerados. O BPC destina‑se aos idosos com idade acima de 65 anos e pessoas com deficiência que atendam aos critérios para concessão, como renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo.

Atualmente, para elegibilidade ao benefício, são analisados: o grupo familiar, composto “pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (BRASIL, 2011a); a idade de 65 anos ou mais (para benefícios de idoso), a renda per capita bruta inferior a um quarto do salário mínimo, e nos casos de benefícios para deficientes, o critério de impedimentos de longo prazo, ou seja, aqueles cuja doença/deficiência incapacitam a pessoa para a vida independente e para o trabalho por no mínimo dois anos. (SANTOS, 2009).

Para avaliação do benefício são realizadas avaliações sociais e médicas, pelos assistentes sociais e peritos médicos do INSS. Caso o requerente tenha seu benefício indeferido inicialmente, tem a possibilidade de interpor recurso administrativo para avaliações de profissionais distintos aos do requerimento inicial, tendo alternativa antes de recorrer à justiça (SILVA, 2012).

Ressalta-se que este benefício é revisto a cada dois anos, cuja finalidade é verificar se a pessoa continua na mesma condição de pobreza, ou incapacidade para o trabalho de quando o solicitou, podendo Autarquia Federal cancelar o benefício.

Se o beneficiário ingressar no mercado de trabalho, o BPC será cessado. Por outro lado, caso perca o emprego por qualquer razão, não há impedimento para nova concessão do benefício, desde que atendi­dos os requisitos exigidos para sua concessão, conforme disposto no Decreto n. 6.214, de 26 de setembro de 2007.

SILVA (2012) ensina que quando o BPC é concedido a qualquer membro da família não será ser computado para fins de cálculo da renda familiar que define a linha de pobreza estabelecida para o ingresso ao benefício.

Quanto à possibilidade de mais de uma pessoa de uma mesma família receber o BPC, no caso de pessoas idosas, o valor do benefício da pessoa idosa já contemplada residente do domicílio não deve ser incluído no cálculo da renda familiar, de acordo com o Estatuto do Idoso.

Em situação análoga, para pessoa deficiente, o fato de já existir beneficiário do BPC na família, idoso ou também com deficiên­cia, exige que este valor entre no cálculo da renda familiar.

Este benefício é pago em dinheiro pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com recursos transferidos do Fundo Nacional de Assistência Social, e seu recebimento é feito com cartão magnético. (SILVA, 2012). Entretanto, ele não é vitalício, como visto, pode ser suspenso sempre que as condições que lhe deram motivo forem superadas.

Nesse sentido, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) provocada pela Defensoria Pública da União em meados de novembro de 2010, o cálculo do INSS para o recebimento do benefício foi mudado, obrigan­do o órgão a desconsiderar da renda familiar outro auxílio assistencial recebido por familiares. A decisão abre um importante precedente na Justiça para o reconhecimento de casos semelhantes.

A mudança de compreensão sobre a assistência social fornece novas características ao benefício de transferência de renda para deficientes, em relação às duas políticas anteriores criadas com objetivos semelhantes, pelo conteúdo que a assistência assume como direito social fundamental (LEIVAS, 2006; PULIDO, 2008; SARMENTO, 2008; TAVARES, 2008).

Durante a elaboração dos critérios para acesso ao BPC na construção da LOAS, as justificativas orçamentárias e de alegação como comprometimento ao financiamento da seguridade social, alegadas por entidades do Poder Executivo, se sobrepuseram aos princípios éticos, de igualdade e garantia da dignidade da pessoa humana que a assistência social promoveria. (SILVA, 2012).

Portanto, a maior dificuldade enfrentada pelo requerente idoso é a comprovação de sua vulnerabilidade social, pois em algumas situações, apesar de enfrentarem uma situação de quase miséria, ao declararem a renda per capta familiar, esta renda ultrapassa o limite em questão de centavos, causando assim, o indeferimento do benefício.

3.1 – REQUISITO IDADE PARA OS IDOSOS.

Sabe-se que muitos idosos têm dificuldade para conseguir este benefício que a eles é garantido, pois, para a concessão do BPC os idosos devem se encaixar perfeitamente nos parâmetros exigíveis.

Para serem elegíveis ao benefício, os idosos têm de ter mais de 65 anos, devendo viver em famílias cuja renda per capita mensal não ultrapasse ¼ de salário mínimo (BRASIL, 2009).

Com a necessidade de regulamentar e garantir uma proteção mais eficaz dos direitos das pessoas menos capacitadas e necessitadas fez-se necessário criar o Estatuto do Idoso, nele estão previstos seus direitos e garantias.

Colha-se o que dispõe o art. 2.º da Lei n.º 10.741/2003:

Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. 

Assim, é um dever do Estado, da família e de toda a sociedade garantir os direitos dos idosos, garantindo seu direito a vida, saúde, alimentação, educação, cultura, esporte, laser, trabalho, liberdade, dignidade, respeito e convivência familiar e comunitária.

Quanto aos benefícios de assistência social, o Estatuto do Idoso dispõe que a pessoa idosa com idade igual ou superior a 65 anos de idade terá direito a um salário mínimo se comprovar que não tem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo suprido por sua família.

Nesse sentido, o art. 34 do Estatuto do Idoso disciplina o que segue:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

É somente por meios da real situação do idoso, levando-se em consideração critérios de humanização que o Estado, com a Assistência Social será capaz de cumprir com seu papel de promover uma vida digna aos cidadãos, garantindo um mínimo existencial.

3.2 - REQUISITO DEFICIENCIA.

Com relação às pessoas com deficiência, o processo de avaliação é mais complexo, necessitando, além do critério de renda, avaliação da perícia médica comprovando a incapacidade para o trabalho.

Ao especificar o artigo 203 da Constituição Federal de 1988 que estabelece a norma para o BPC, a LOAS determinou que “para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”. Assim, não basta que a pessoa seja deficiente e pobre para a concessão do BPC, serão realizadas perícias médicas pelo INSS que determinarão se as pessoas são deficientes elegíveis ao benefício, por cumprirem os critérios de incapacidade para o trabalho e vida independente.

O uso dos qualificadores "incapacidade para o trabalho" e "para a vida independente", que especificou a pessoa deficiente para o BPC, pode ser explicado por, pelo menos, dois motivos. Primeiro, tais especificações na legislação assistencial podem ser uma tentativa de dar objetividade a quem seria o deficiente ao agregar indicadores, como trabalho e independência, para mensurar a desigualdade pela deficiência (SANTOS et. al, 2009; ACRE, 2007).

Apesar de levar em consideração os fatores socioambientais na determinação das incapacidades, para a Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF) a avaliação das incapacidades de uma pessoa não é sobre circunstâncias que não estejam relacionadas à saúde, como aqueles resultantes de fatores socioeconômicos (CIF, 2003).

SANTOS (2009) cita um exemplo que, quando uma pessoa sofre discriminação em razão de um tratamento desigual em função da cor da pele ou do analfabetismo, não pode ter tal situação de discriminação avaliada em termos das diretrizes da CIF.

Uma das principais críticas que se fazia ao BPC quando anunciava seu potencial a de uma política com alcance restritivo para garantir proteção social às pessoas com deficiência pobres no Brasil, era relacionado ao conceito de deficiência utilizada pela política pública. (SANTOS 2009).

A definição de deficiência utilizada para o BPC tem o duplo efeito no desenho da política: primeiro, pode ser um reflexo dos objetivos da política assistencial, como os de combater à desigualdade, opressão ou discriminação de determinado grupo de pessoas deficientes e não de outro e, posteriormente, o conceito de deficiência pode representar o alcance da política social, inclusive, em um nível que ultrapasse a política assistencial, caso o BPC esteja articulado a outras políticas públicas para os deficientes. (SANTOS et. al, 2009; ACRE, 2007).

Nesse sentido, embora a adoção da CIF como parâmetro para a legislação do BPC possa representar desafios sobre como as perícias sociais serão realizadas, a adoção do marco conceitual da CIF no Brasil poderá trazer novas perspectivas para o modo como as concepções do modelo social podem influenciar as demais políticas públicas no país. (LEIVAS, 2006)

Nela, a pessoa portadora de deficiência foi determinada como “aquela incapaz para o trabalho e para a vida independente incapaz de manter sua sobrevivência e que também não tenha suprido pela família”. (CIF 2003).

No entanto, segundo LEIVAS (2006) o INSS interpretou a incapacidade para a vida independente como incapacidade para desenvolver os atos da vida diária, entre os quais, a higiene, vestuário, locomoção, alimentação, excretores, manutenção permanente de cuidados médicos e de terceiros.

Essa interpretação comporta a orientação do acróstico “avaliemos”, publicado pelo INSS para facilitar as avaliações das pessoas deficientes, mas que a apesar de não ter mais validade orienta as perspectiva dos peritos sobre a deficiência (BRASIL, 2007b; SANTOS et. al, 2009; SPOSATI, 2004).

Outro requisito que gera muitas controvérsias para as pessoas que receberão o BPC, sendo estudado e discutido, é o conceito de deficiência e de incapacidade para o trabalho e para a vida independente contido na LOAS.

A partir da implementação do BPC foram adotadas várias definições operacionais sobre o conceito de deficiência. Uma delas a Lei nº 8.742, de 1993, se refere à deficiência como:

Toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Tal definição foi discutida pelo grupo de trabalho interministerial encarregado de revisar os critérios de seleção dos beneficiários: um dos objetivos desse grupo foi o de adequá-la à Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, proposta pela Organização Mundial da Saúde (OIT), segundo a qual a deficiência é “o resultado de uma interação de habilidades, capacidades e meio ambiente”. Essa reorientação foi absorvida no Decreto nº 6.214 de 26de setembro de 2007, que regulamentou o BPC e superou as regulações anteriores. (BRASIL, 2007b; SANTOS et. al, 2009; SPOSATI, 2004).

Os critérios que definem a incapacidade para o trabalho são controversos, pois nem todas as deficiências são consideradas incapacitantes. A incapacidade não considerada para a elegibilidade do benefício reflete na tentativa de inclusão dele no mercado de trabalho, em vista da desvantagem decorrente da experiência da deficiência e a restrição. (JACCOUD, 2009).

Para MIRANDA (2007), a capacidade para o trabalho pode ser temporária, contudo, deverá ser caracterizada pela completa incapacidade do indivíduo para esta atividade. O mínimo que seja de possibilidade laborativa desautoriza a concessão do benefício assistencial.

Para comprovar a deficiência, o solicitante terá que passar por uma perícia médica no Instituto Nacional do Seguro Social- INSS. Só nesta condição poderá se confirmar ou não a sua “incapacidade para vida independente e trabalho” (IBDEM, 2004, p.80).

Tal fator ainda é mais perverso para os doentes crônicos (AIDS, renal, câncer etc.), pois não há legislação que os ampare para receber o BPC. Em 2003, este tipo de invalidez representava 10% do número total das pessoas que recebiam o BPC, entrando no rol de pessoa com deficiência (SPOSATI, 2004).

Para SANTOS (2004), o artigo 203 da CF não mencionou critérios de impossibilidade ao acesso, apenas destinou a Assistência Social a quem dela necessitar. Assim, da forma como foi elaborada, a lei nº 8.742 acaba por ferir a Constituição maior e a dignidade da pessoa humana, na medida em que coloca padrões restritivos para acesso ao benefício, como por exemplo, a incapacidade para a vida independente.

MIRANDA (2007, p. 277) conceitua o que é vida independente da seguinte forma:

Incapaz para a vida independente e para o trabalho é aquele que não pode se sustentar, necessitando do auxílio ou atenção de terceiro para a execução de tarefas que lhe exija maior esforço. Enfim, o conceito de vida independente não significa situação de prostração física que impeça por completo o deficiente de se locomover e realizar as atividades elementares do dia-a-dia (v. g. asseio pessoal, vestir-se e comer). Não será independente aquele que para gerir satisfatoriamente sua vida dependa, em razoável grau, da assistência de outrem.

Contudo, as falas dos outros autores sobre as dificuldades encontradas para as pessoas com deficiência para adquirir o BPC mostra um caminho inverso. A comprovação da deficiência deve incapacitar a pessoa pra vida independente para além do que foi colocado aí como ratificamos.

Não fosse o requisito de INCAPACIDADE previsto apenas na LOAS, bastaria verificar se a deficiência encaixa-se nas definições legais já existentes. Mas não. Atualmente, uma pessoa dita “apenas cega” acaba não fazendo jus ao benefício de prestação continuada porque esta deficiência, apesar de muitas vezes impedir a pessoa de trabalhar e de qualquer fonte digna de renda, não a incapacita para vida independente. É realmente uma lástima que a lei ordinária, que deveria apenas disciplinar o ACESSO ao benefício, tenha praticamente inviabilizado este acesso, ou, quando não, transformado a obtenção do benefício num ATESDADO de incapacidade (FÁVERO, 2004, p 182-183).

Disso resulta que as condições sociais, de saúde e corporais a serem julgadas pela perícia social, devem ter como parâmetros de avaliação o quanto a doença, a deficiência ou os impedimentos corporais que restringem a participação social do indivíduo.

3.3 - REQUISITO ECONÔMICO.

O requisito da renda é responsável por direcionar o benefício assistencial para pessoas que não possuem condições de manterem sua sobrevivência ou de tê-la mantida pelo grupo familiar.

Nesse sentido, considera-se renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, comissões, pró-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, exceto quando se aplica a concessão do BPC a outro idoso na família. (FÁVERO, 2004)

Para efeitos do BPC, são considerados como integrantes da família: o requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o filho menor de 21 anos ou inválido, os pais e o irmão não emancipado, menor de 21 anos ou inválido. No caso de pessoa com deficiência, a condição de incapacidade para o trabalho deverá ser atestada por laudo da perícia médica do INSS. (MIRANDA 2007)

Por outro lado, desde a especificação dos critérios que regulamentaram o BPC na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) aprovada em 1993, o benefício assistencial tem seu conceito de deficiência questionado por estudos e especialistas sobre o tema (BRASIL, 2007b; DINIZ et. al, 2007; MEDEIROS et. al, 2007; SPOSATI, 2004).

A escolha de ¼ de salário mínimo per capita familiar como limite para que se concedesse o BPC a idosos e deficientes foi defendida por orientação do Executivo, tendo no horizonte o número de beneficiários estimados que seriam atendidos por este patamar, total estimado pelo Executivo e que não passava de possíveis 400 mil beneficiários em todo o país (BOSCHETTI, 2006).

Os patamares de miserabilidade continuaram sendo requisitos para obtenção do BPC. Um dos critérios de definição do valor para recebimento do benefício origina-se da divisão do salário mínimo pelo número de pessoas da família, ou seja, pelo “conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto” (IBDEM 2009), cujo resultado da divisão não pode ultrapassar o valor ¼ que é o mesmo que 25% do salário mínimo.

O critério legal de incapacidade de a família prover a própria manutenção não é realista, restrita a, apenas, 25% do salário mínimo, valor incompatível com a realidade social, pois o valor fixado pela União contradiz o disposto no art. 76 da CLT, que exige expressamente, como seu requisito, com relação aos trabalhadores, ser esse valor capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte (IBIDEM 2009, p. 330).

Esta assertiva robustece as peculiaridades das expressões da questão social brasileira, que marcam a vida de milhares de pessoas. A declaração de SIMÕES (2009) nos mostra que o valor da renda per capita, para requisitar o benefício está aquém da realidade consubstanciada na Constituição Federal para garantir a sobrevivência dos sujeitos.

Ele ainda menciona que pedidos são indeferidos quando a renda familiar ultrapassa os 25% do salário mínimo, portanto, afirma que:

se o laudo socioeconômico do Assistente Social comprovar carência, mesmo referida renda seja superior ao citado limite, o direito ao benefício deve ser reconhecido porque prevalece o art. 20 da LOAS (IBDEM, 2009) .

Segundo SIMÕES (2009), o benefício pode ser recebido por mais de um membro da família, porém, não gera pensão, se findando com a superação dos requisitos. Caso o benefício seja deferido após a morte do requerente, o dependente poderá recebê-lo por até seis meses.

O fato do BPC não gerar pensão nos mostra que, ao falecer um provedor que tenha este benefício, a família, cônjuge e/ou filhos ficam em situação de vulnerabilidade, pois esta renda, muitas vezes, é a principal fonte da família (SPOSATI, 2004).

 BARBOSA e SILVA (2003), SPOSATI (2004) e GOMES (2004) criticam o requisito de renda per capita para aquisição do benefício, uma vez que o benefício é individual, se tornando familiar somente no momento da concessão, em que se toma como referência a renda familiar. Deste modo, o benefício é contraditório e restritivo, uma vez que se exige uma renda per capita muito baixa, ao “nível da indigência” (GOMES 2004).

Receber, acessar um benefício social como um direito constitucional, independente do vínculo de trabalho, é sem dúvida, um marco significativo na extensão com contrato social brasileiro. Este, e talvez só este, seja o grande caráter inaugural desse beneficio. A legislação social brasileira sempre exigiu a apresentação prévia da condição de trabalhador formal, com carteira assinada para ter afiançado o acesso social. A distribuição não-redistributiva perversamente própria do modelo concentrador de renda adotado no Brasil sempre exigiu que o “suor do rosto”, provocado pelo esforço do trabalho, e formalmente atestado por outro, e não só pelo cidadão demandatário, chegasse antes de qualquer acesso a um benefício (SPOSATI, 2004, p. 129).

Na fala de SPOSATI (2004) vemos que o motor do capitalismo, “o trabalho”, sempre foi a condição para acesso a algumas políticas sociais, entendidas como fruto da contradição da relação capital e trabalho.

GOMES (2004) ensina que o direito social que esteve vinculado à relação de trabalho mostra que para ser protegido o cidadão tem que provar sua condição de trabalhador ou tê-la provado por outrem. Se o próprio sistema não abarca formalmente a mão de obra existente, o Estado, ao ser pressionado pelo diversos atores, dever criar mecanismos que proteja estas pessoas.

Cabe ressaltar neste processo, as intervenções do movimento social em defesa do Benefício de Prestação Continuada, entidades de trabalhadores do setor, de atendimento aos segmentos envolvidos, de defesa de direitos, parlamentares, conselhos de assistência, técnicos e pesquisadores, destacando-se as manifestações das duas conferenciais Nacionais e do Conselho Nacional de Assistência social. Tais intervenções, ainda que não tenham sido suficientes e apesar de não terem obtido êxito quanto à ampliação do acesso, pelo menos impediram, até o momento, retrocessos ainda maiores, como: tentativas de suspensão, desvinculaçãoo salário mínimo e restrição quanto à idade do idoso (GOMES, 2004 p. 204).

É por isto que SANTOS (2004) afirma que dentre os requisitos, para aquisição deste benefício, quando se fala em idade, como é o caso dos idosos maiores de 65 anos, não há maiores problemas. Mas, quando se trata da pessoa com deficiência, ela é duplamente avaliada.

Neste sentido, segundo SANTOS (2004) ela tem o dobro de chances de ter seu pedido a este direito negado. O critério da renda familiar mensal per capita exigida para a concessão do BPC faz com que a garantia de um direito individual a mínimos necessários à sobrevivência seja acessada somente se a família do requerente não for capaz de prover tais mínimos.

Enquanto a Constituição de 88 se refere ao benefício para o cidadão, à regulação do BPC define um critério de exigência de renda da família. SALIENTA SPOSATI (2004, p.133) que: “A restrição maior reside, porém, na transmutação do benefício do cidadão, portanto individual, em benefício familiar”.

Na sequência a Lei nº 8.213, de 24.07.91 e a Lei nº 9.720, de 30.11.1998 mostram que passaram a considerar para conceder o BPC, um novo conceito, considerado como impróprio para a Assistência Social, mais excludente e característico do Sistema Previdenciário.

Nesse sentido, o conceito de família definido na Leis nº 8.213, de 24.07.91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, estabelece, no art. 16:

São beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido;

II – os pais;

III – o irmão, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido;

IV – a pessoa designada, menor de 21 anos ou maior de 60 anos ou inválida.

1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado, o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições para o próprio sustento e educação.

3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal.

4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

SPOSATI (2004, p.127) chama a atenção para o critério de exigência da renda familiar per capita quando se refere ao BPC como:

o primeiro mínimo social, não contributivo garantido constitucionalmente a todos os brasileiros, independente da sua condição de trabalho atual, ou anterior, mas dependente da condição atual de renda.

A Constituição de 1988 estabelece o valor de um salário mínimo para a concessão do BPC, reconhecendo, dessa forma, que tal salário garante o mínimo de sobrevivência digna. Sendo o BPC um benefício destinado ao indivíduo, é contraditório que a LOAS crie a exigência da comprovação da renda mensal familiar per capita, e ainda e pior, que tal renda seja de até ¼ de salário mínimo para o acesso ao BPC.

Nessa lógica, como já analisado, o cidadão para se tornar requerente do benefício deve comprovar que depende de sua família e que os seus membros vivem cada um com um quarto do que a própria Constituição Federal considera como mínimo de sobrevivência.

Assim, como visto, existem dois tipos de beneficiários, idosos e pessoas com deficiência. Em ambos os casos, a questão da renda inferior a um quarto do salário mínimo é exigida. Contudo, para a pessoa com deficiência, seja mental ou física, além dela ter que estar dentro desta faixa de miserabilidade, deverá também ser incapacitada para a vida independente.


CONCLUSÃO

 O presente trabalho monográfico teve como objetivo, expor a dinâmica da assistência social, voltado para os requisitos estabelecidos em lei para concessão do beneficio de prestação continuada.

 Nesse contexto, foi abordado, de início, o histórico do sistema da assistência social, desde o seu surgimento, com as primeiras garantias assistenciais, até as legislações mais recentes, avaliando as diversas transformações de garantias que tiveram os deficientes e idosos.

 Assim, após a construção desse trabalho, ficaram mais visíveis as dificuldades dos beneficiários em ter acesso a assistência social, bem como o benefício de prestação continuada. E, ainda, ficou demonstrado o difícil caminho percorrido pelas pessoas que necessitam reclamar pelo direito do BPC.

 A busca de saídas para os problemas no acesso ao BPC mobilizam diversos campos oda sociedade. Nesse sentido, ficou demonstrado nesse estudo, a presença marcante de iniciativas do poder Judiciário.

Foram estudadas as melhorias na assistência social após os dois últimos decretos regulamentadores, de 2007 e 2008, que sem dúvida trouxeram um grande avanço para a sociedade.

O BPC é um tipo de benefício assistencial de transferência de renda que não requer contribuições por parte dos beneficiários, ou seja, é um direito social com o intuito de tornar efetivo o princípio de que todas as pessoas devem ter acesso a possibilidade de uma vida humana com dignidade.

 Todavia, o BPC, assim como qualquer outra política pública e social, enfrenta desafios na fixação dos critérios que tornam uma pessoa apta e elegível ao benefício.

Além disso, é possível mencionar que tanto o BPC quanto a assistência social de maneira geral, contam com embaraços quando se avalia o alcance dessas políticas a todos que delas necessitam.

Nesse sentido, os desafios estão presentes, porem, com o decorrer do tempo, a assistência social busca um aperfeiçoamento para que o benefício assistencial cumpra seu papel de garantidor de mínimos sociais às pessoas impossibilitadas de garantir sua sobrevivência.

 É a partir dessa formação da assistência social que passou a ser gerado um direito exigível. Assim, o Poder Judiciário passou a ser um dos responsáveis por efetivar judicialmente a garantia do BPC.

Este trabalho monográfico também buscou analisar o direito assistencial brasileiro sobre como o Poder Judiciário tem interpretado os critérios que levam o acesso ao BPC por pessoas deficientes e idosas.

Os estudos sobre as políticas públicas no país referente à assistência social, o BPC tem ganhado lugar no desempenho na redução das desigualdades sociais.

No caso do requisito de pobreza para o BPC, os questionamentos do Poder Judiciário têm sido no sentido de qual critério salarial seguir como limite para determinar quais são os idosos e deficientes elegíveis à proteção social do benefício.

Assim, não basta à constituição ter um texto acessível aos deficientes e idosos, deve existir também um aparato jurídico e um conjunto de políticas públicas que garantam o direito à igualdade e à dignidade humana das pessoas com deficiência.

Diante o exposto, conclui-se que beneficio de prestação continuada, concedido aos portadores de deficiência, bem como os idosos, é uma maneira de garantia para aqueles que não possuem mais condições físicas para o trabalho e, portanto, não possuem mais meios de subsistência, sendo uma forma de contribuir para que tenham uma vida digna.


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Autor

  • Francineto Silva

    Experiências Profissionais:

    Monitor de Direito Civil. Local: Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA)

    3º Vara dos Feitos da Fazenda e Registros Públicos. Local: Fórum da Comarca de Palmas.

    Central de Execuções Fiscais. Local: Fórum da Comarca de Palmas.

    Juizado Especial Federal. Local: Justiça Federal do Tocantins.

    Ministério Público Federal. Local: Procuradoria da República no Tocantins.

    Escritório de Advocacia. Local: D' Freire Advocacia e Consultoria.

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