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Responsabilidade civil do Estado quanto à prisão indevida

Responsabilidade civil do Estado quanto à prisão indevida

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Este trabalho tem por escopo discorrer acerca da responsabilidade objetiva do Estado quanto às prisões indevidas e aos danos decorrentes dela, uma vez que tais erros afetam não somente a liberdade do indivíduo, mas também a sua própria dignidade de ser.

INTRODUÇÃO 

Este trabalho tem por escopo discorrer acerca da responsabilidade objetiva do Estado quanto às prisões indevidas e os danos decorrentes dela. Durante as pesquisas e leituras realizadas acerca do tema, visando a escrita deste artigo, observou-se que muitos são os prejuízos inerentes à prisão realizada indevidamente, marcando para sempre a vida daqueles que a ela se submetem.

Portanto, discorrer-se-á sobre o conceito de prisão, abrangendo suas espécies e motivos, e ainda quanto aos diversos danos que a privação de liberdade, de forma indevida, causa aos indivíduos que por ela perpassam e, consequentemente, a indenização destes, uma vez que tais prisões atentam diretamente a dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição Pátria e, ainda, pilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, insta salientar que este artigo tem escopo meramente acadêmico e não visa ater-se às minúcias inerentes ao tema, pois, embora feito intentando a primazia, aquele que o escreve está apenas nos primórdios de sua proficiência no âmbito da responsabilidade civil.


1. PRISÃO: ESPÉCIES E CARACTERÍSTICAS

Muito embora esse instituto seja comumente conceituado de diversas maneiras, ensejando verdadeiros embates doutrinários, pode-se afirmar que, em linhas gerais, a prisão é, conforme QUIRINO (1999), a restrição da liberdade individual como consequência do cometimento de um delito.

Porém, não obstante o que fora mencionado supra, o cerceamento da liberdade individual deve ser tido como última ratio e, ainda quando houver motivos para sua aplicação, deve-se seguir estritamente o procedimento ditado nas vias legais. Diante disso, acrescenta-se que para que ocorra uma prisão de maneira devida, esta deve, em regra, advir de decisão condenatória transitada em julgado, emanada pela autoridade competente, após o devido processo legal. No entanto, como destacado anteriormente, em regra, deve ser assim, mas, como diz o brocardo: “toda regra tem exceção”. Neste instituto também não é diferente, uma vez que há situações que podem ensejar prisão, mesmo antes de decisão condenatória transitada em julgado. São os casos em que cabem as prisões processuais ou sem penas – prisões temporárias e prisões provisórias – e as prisões extrapenais – administrativas e civis.

Quanto às prisões processuais, arrima-se no que o Código de Processo Penal vigente leciona em seu art. 283: 

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Portanto, percebe-se que quando for causa de prisão temporária ou prisão preventiva, é lícito cercear a liberdade do indivíduo, ainda que não haja uma decisão condenatória transitada em julgado. Uma situação que, excepcionalmente, pode ensejar a prisão é o caso do devedor de alimentos, que tem, momentaneamente, a sua liberdade privada, como uma forma de impeli-lo a cumprir o seu dever de alimentante. Outra prisão extrapenal admitida pelo ordenamento pátrio é a prisão realizada durante o processo de extradição, uma vez que tem como objetivo assegurar a soberania do Estado e o efetivo controle sobre os indivíduos que atentam adentrar o seu território.

Diante de tudo o que fora afirmado, salienta-se que em qualquer dessas hipóteses podem haver prisões indevidas e, portanto, passíveis de indenização. O que gera uma repercussão no âmbito doutrinário é quanto ao que está insculpido no art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, verbis: "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".Tais repercussões existem quanto ao entendimento do que é erro judiciário e o que é prisão indevida. Com o intuito de esclarecer o que é cada uma, discorrer-se-á acerca delas.

a) Erro judiciário: O julgador incorrerá em erro judiciário sempre que declarar o direito ao caso concreto, influenciado sob uma falsa percepção dos fatos, divergindo a decisão da própria realidade, seja essa divergência quanto à sua interpretação ou à aplicação da norma, podendo o erro se dar através de uma decisão contrária aos autos ou até mesmo de uma interpretação errônea da lei.

b) Prisão indevida: É aquela que ocorre de maneira contrária à realidade dos fatos e aos requisitos formais exigidos para a sua ocorrência, tendo como característica a ilegitimidade e abusividade. Portanto, percebe-se que a prisão indevida não é somente aquela que foi decretada após regular transito em julgado da decisão, e, sim, qualquer privação da liberdade injustificada, destarte, passível de ser caracterizada como prisão indevida.

Porém, não obstante estarem no mesmo artigo e ostentarem características semelhantes, erro judiciário e prisão indevida não se confundem. Corroborando tal assertiva, assevera Santos (apud HENTZ):

O princípio da indenização da prisão do tempo fixado na sentença foi explicitado no direito constitucional juntamente com a reparação do erro judiciário e, embora haja pontos de contato entre os dois institutos de direito material, afirma-se que o erro judiciário não depende da verificação de prisão, assim como a indevida privação da liberdade não decorre necessariamente de erro de julgamento.


2. DANOS CAUSADOS E SUA DEVIDA INDENIZAÇÃO 

É notória a precariedade do sistema prisional brasileiro, o qual tem sido alvo de severas críticas pela mídia e pelos próprios órgãos que prezam pelos Direitos Humanos, afirmando ser inadequado para uma convivência condizente com a dignidade de uma pessoa humana. Como se não bastasse, o Estado se tornou, ainda, desacreditado perante a sociedade quanto a sua missão de ressocializar os indivíduos encarcerados, o que gerou uma estigmatização daqueles que estão nesta situação. Portanto, o que se escuta é que as prisões servem mais como uma escola do crime do que como uma escola de sociabilidade, devido à alta periculosidade daqueles que as compõem.

Destarte, para a grande parcela da sociedade, ser preso é ter sua dignidade manchada, é ter sua honra maculada e seu orgulho ferido. Por isso, espera-se da máquina pública um cuidado especial, quando se tratar de privar a liberdade de alguém e cercear o seu direito constitucional de ir e vir, segundo o art. 5°, inc. XV, da CF/88. A inobservância deste cuidado enseja ao erro do judiciário quanto à percepção dos fatos, podendo tal erro macular para sempre a imagem de uma pessoa, causando prejuízos irreversíveis para a sua vivência. Corroborando com tal afirmação, expressou-se, com primazia, Santos (apud Pitombo):

A prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta (..) aquém da grade, o tempo não se conta em dias, nem sequer em horas, porém, em minutos (..) prisão é constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa. Vale assentar: surge inerente à própria prisão. Dano que se mostra intrínseco, pois.

Portanto, percebe-se que não há o que se discutir quanto à ocorrência de danos morais e pessoais àqueles que são submetidos à prisão, indevidamente. Tais danos serão indenizados, por força do art. 5°, inc. X, que afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Resta salientar que o Estado será responsável por tal indenização, uma vez que assume, para si, a responsabilidade de resolver as mazelas que permeiam a sociedade e aos ônus decorrentes da sua atuação.

Ademais, salienta-se que não restam dúvidas acerca do direito de indenização ao indivíduo, encarcerado indevidamente, uma vez que, no próprio artigo 5°, inciso LXXV, da Constituição Federal, tornando-se claro o dever de indenizar por parte do Estado:

LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

Também se afirma o mesmo caminho, o artigo 630 do Código de Processo Penal Brasileiro, verbis:

Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.


3. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO EM INDENIZAR 

Como já fora demonstrado e argumentado, a prisão indevida é ilícita e afronta diretamente princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, como o direito de liberdade, de presunção de inocência bem como o do devido processo legal. O cerceamento da liberdade, quando realizado indevidamente, é um vilipêndio à moralidade e idoneidade do indivíduo, uma vez que, devido às situações precárias dos ambientes carcerários, como já fora demonstrado, gera uma mancha na reputação moral do cidadão.

Por causar tantos danos àquele que sofre deste erro, surge a necessidade de haver o real ressarcimento do sofrimento, ao menos de maneira compensatória, pois sabe-se a dificuldade que há em liquidar os danos sofridos pela privação indevida da liberdade. Tal indenização é alcançada através da imputação da responsabilidade ao Estado, tendo este que responder objetivamente pelos danos decorrentes de sua atuação.

Destarte, ratificando o que fora afirmado, a jurisprudência é assente no tema, como expresso nos julgados a seguir:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. INFORMAÇÃO DESATUALIZADA NO SISTEMA DA POLICIA MILITAR. FALHA DO SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. I - A responsabilidade na presente hipótese é objetiva, independentemente de prova de culpa, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, sendo suficiente para o reconhecimento do dever de indenizar a ocorrência de um dano, a autoria e o nexo causal. II - O autor foi detido e conduzido à Delegacia de Polícia em razão de informação desatualizada no sistema da Polícia Militar. III - Dano moral que se dá in re ipsa. Manutenção do montante indenizatório considerando o equívoco do réu, o aborrecimento e o transtorno sofridos pelo demandante, além do caráter punitivo-compensatório da reparação (R$ 2.000,00 - dois mil reais). Danos materiais não verificados no caso concreto. RECURSO DE APELAÇÃO DO ESTADO DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70054826656, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 26/09/2013).

Salientando a responsabilidade objetiva do Estado ao que tange às prisões indevidas, o Tribunal de Justiça do Maranhão decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO ILEGAL. OFENSA MANIFESTA À LIBERDADE INDIVIDUAL. ART. 5º, INCISOS LVII E LXI, DA CF. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. DANOS MORAIS. CONFIGURADOS. DANO MATERIAL. NÃO COMPROVADO. SENTENÇA REFORMADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Nos termos do § 6º do art. 37 da CF, para que a Administração Pública responda objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, basta comprovação do dano, o nexo de causalidade com o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pela vítima. II. O Estado deve responder por danos advindos de prisão ilegal de pessoa inocente, mantida sob custódia policial, sem situação de flagrância ou mandado judicial, não se admitindo cogitar-se em estrito cumprimento do dever legal, pois a legislação atual não permite a prisão para simples averiguação ou a agressão física ou verbal da pessoa custodiada. III. Cabe ao prudente arbítrio dos juízes e tribunais a adoção de critérios e parâmetros que norteiem as indenizações por dano moral, buscando evitar que o ressarcimento se traduza em enriquecimento ilícito ou em reparação insuficiente, sempre em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. A comprovação do dano material, que é requisito inequívoco do dever de indenizar, bem como de sua extensão, compete à parte autora, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, conforme a regra prevista no art. 333, I do CPC. V. Ante o exposto, conheço e dou provimento parcial ao apelo, para reformar a sentença recorrida, tão somente para condenar o Estado do Maranhão a indenizar o apelante por danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), acrescidos de correção monetária e juros legais.

Destarte, diante de tudo o que fora exposto, afirma-se que ao Estado cabe se responsabilizar pelas ilicitudes cometidas pelos agentes públicos, sendo que para o fim de indenizar, basta ser demonstrado o dano e o nexo de causalidade entre aquele e a conduta do agente público, cabendo ação de regresso do Estado para com este agente que praticou a ilicitude.


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Em um Estado Democrático de Direito, que tem como axioma de seu ordenamento jurídico a Dignidade da Pessoa Humana, torna-se necessário o respeito a sua honra, imagem, liberdade, entre outros direitos fundamentais, conforme está demonstrado no art. 5° da CF/88, em especial no seu inciso X, o qual leciona que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto, como se observou, uma vez que tais direitos forem sobrepujados pela força estatal, urge a necessidade de o Estado reparar as vítimas, ainda que não haja culpa ou dolo.

Conforme foi lecionado neste artigo, há a obrigação de o Estado responder de maneira objetiva, uma vez que a Magna Carta atribui a ele mesmo a função de reparar (art. 5°, inc. LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença), por meio de norma imperativa que o impele a arcar com os danos decorrentes de sua atuação.

Destarte, finaliza-se refletindo que a indenização, além de ter um caráter compensatório, deve-se ter um caráter punitivo, visando uma conscientização dos agentes públicos para não incorrerem em erros, que não somente privam a liberdade das vítimas, mas maculam de maneira quase irremediável sua honra e dignidade (de pessoa honesta e inocente), visando jamais submeter aqueles que não merecem a condição tão precária e degradante de vida.


REFERÊNCIAS

ALVARENGA, Letícia. A prisão ilegal e a responsabilidade civil do Estado. JusBrasil. Disponível em: <https://leticiaalvarenga93.jusbrasil.com.br/artigos/301967610/a-prisao-ilegal-e-a-responsabilidade-civil-do-estado>. Acesso em: 24 de out. 2017.

APUD Pitombo. SANTOS, Ítalo Demarchi dos. A prisão indevida e a responsabilidade do estado frente ao erro judiciário. PHMP. 01 ago. 2011. Disponível em: <http://phmp.com.br/noticias/a-prisao-indevida-e-a-responsabilidade-do-estado-frente-ao-erro-judiciario>. Acesso em: 24 de out. 2017.

APUD Stocco. SANTOS, Ítalo Demarchi dos. A prisão indevida e a responsabilidade do estado frente ao erro judiciário. PHMP. 01 ago. 2011. Disponível em: <http://phmp.com.br/noticias/a-prisao-indevida-e-a-responsabilidade-do-estado-frente-ao-erro-judiciario>. Acesso em: 24 de out. 2017.

BRASIL. TJ-MA - apl: 0171862014 ma 0001924-49.2008.8.10.0022, relator: Raimundo José Barros de Sousa, data de julgamento: 15/06/2015, quinta câmara cível, data de publicação: 16/06/2015.

BRASIL. TJ-RS - AC: 70054826656 RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Data de Julgamento: 26/09/2013, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/10/2013.

SANTOS, Ítalo Demarchi dos. A prisão indevida e a responsabilidade do estado frente ao erro judiciário. PHMP. 01 ago. 2011. Disponível em: <http://phmp.com.br/noticias/a-prisao-indevida-e-a-responsabilidade-do-estado-frente-ao-erro-judiciario>. Acesso em: 24 de out. 2017.



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