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Ativismo judicial e hermenêutica constitucional.

Uma análise da judicialização das relações diante o anseio pela concretização de direitos fundamentais.

Ativismo judicial e hermenêutica constitucional. Uma análise da judicialização das relações diante o anseio pela concretização de direitos fundamentais.

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Reflexões sobre a proatividade do Poder Judiciário em face das demandas sociais, e a omissão legislativa, que somente impulsiona o processo rumo à busca de solução para a concretização dos direitos fundamentais.

Sumário: 1- Introdução; 2- Do estado de direito ao estado democrático de direito e a evolução da hermenêutica jurídica; 3 - Considerações acerca do ativismo judicial no processo democrático diante do princípio da separação dos poderes; 4 - Hermenêutica constitucional, ativismo judicial e a concretização dos direitos fundamentais; 5 - Considerações Finais; Referências.

RESUMO: Neste trabalho, busca-se discorrer acerca da legitimidade da atuação proativa do poder judiciário perante a tentativa de viabilização de direitos fundamentais. Isto, diante do conceito e características da hermenêutica constitucional e compreensão do Estado de Direito e do Estado Democrático de Direito. Para tanto, se fez necessário uma compreensão dos conceitos envolvidos e uma análise questionadora sobre o princípio da separação dos poderes e as possíveis omissões dos demais poderes no que diz respeito à concretização de direitos fundamentais. Tais objetivos se fazem importante para o estudo dos ideais de funcionamento do Estado e da possibilidade da relativização de princípios em prol de interesses.

Palavras-chave: Ativismo judicial. Hermenêutica Constitucional. Direitos Fundamentais. Estado Democrático de Direito.


 1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende uma análise, através de conteúdo já desenvolvido, sobre o ativismo judicial à luz da hermenêutica constitucional. Este objetivo central desencadeia diversos outros temas de relevância que ajudarão na compreensão da evolução da hermenêutica jurídica e proporcionarão uma visão mais ampla sobre o desenvolvimento do ativismo judicial no Brasil, as barreiras legais e o impulso da atuação proativa do judiciário, além de relatar como o ordenamento e cultura brasileira caminham para o que alguns doutrinadores chamam de “judicialização da vida”.

Além disso, diante o cenário político social atual do Brasil, estudar acerca dos efeitos da interferência do poder judiciário nos outros dois poderes, que, por vezes, devido a interesses políticos, se omitem do papel devido, é de considerável importância para a formação de um olhar crítico sobre o sistema que rege os interesses sociais. Nota-se, então, o valor da pesquisa acerca de temas complexos para o crescimento acadêmico e pessoal.

A noção de separação dos poderes foi pensada inicialmente pelo filósofo Aristóteles. Visto que, em sua época, todas as decisões cabiam a um único sujeito, o monarca, é difícil visualizar que a tenha imaginado com o caráter de total separação entre as funções. Montesquieu, por sua vez, consagrou a teoria da tripartição dos poderes como contraposição ao absolutismo, definindo que cada poder exerceria somente sua função típica. A teoria se consolidou na Revolução Francesa, incorporando-se à concepção de constitucionalismo e tornando-se o cerne da organização do Estado. (FREIXO, 2014)

Nesta época, a hermenêutica jurídica consagrava-se na Escola Exegese, na qual a interpretação da lei era literal, pois havia o temor de que alguma forma de entendimento distinto pudesse vir a prejudicar o ideal trazido no texto da legislação. Desta forma, o juiz era tido tão somente como o transmissor da lei, sem caráter de intérprete. (MENEZES LIMA, 2008)

No entanto, com o passar do tempo notou-se que a lei não poderia normatizar todas as possibilidades de relações regidas pelo Direito. Na atualidade, admite-se a necessidade de um juiz intérprete, visto que, como elucida Miranda e Carvalho Júnior (2014, p. 93): “as normas jurídicas muitas vezes encontram-se eivada por omissões ou conceitos vagos e indeterminados”, podendo gerar “prejuízos” a uma das partes do processo se aplicada imediatamente sem ser unida a um princípio ou outras normas”.

Neste sentido, percebe-se que a interpretação constitucional possibilita, em virtude do pós-positivismo, a exploração das ambiguidades e omissões do direito, a fim de relativizar leis injustas e conformá-las, no caso concreto, aos princípios constitucionais e direitos fundamentais. A aplicação do Direito, desta forma, gera a construção de um novo Direito pautado na critica judicial ao trabalho do legislativo, viabilizando uma maneira de tutelar os direitos fundamentais, mas significando talvez uma violação da separação dos poderes. (MIRANDA; CARVALHO JÚNIOR, 2014)

Diante o disposto e, considerando também o que foi oportunamente dito por Barroso (2009, p. 71): “não podemos esquecer que a legitimidade política do Judiciário em si impede que ele se torne o regular promotor dos objetivos fundamentais da República brasileira”, questiona-se a legitimidade da atividade proativa do judiciário, causando maior interferência no espaço de atuação dos outros poderes, perante a hermenêutica constitucional e viabilização de direitos fundamentais.

A metodologia utilizada na construção do artigo trata-se da sondagem de referenciais teóricos organizados pela leitura de obras doutrinárias acerca do ativismo judicial no que diz respeito à hermenêutica constitucional, judicialização da relações, satisfação de direitos fundamentais e omissão dos demais poderes. Os objetivos em questão, considerada a pesquisa, foram de cunho exploratório, elaborada a partir de análise sobre vários autores que discorrem sobre o assunto. Por fim, quanto aos procedimentos técnicos, o método adotado foi o da pesquisa bibliográfica, uma vez que todo o assunto abordado no presente artigo, já tenha sido trazido anteriormente por outros autores. (GIL, 2010).


2 DO ESTADO DE DIREITO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A EVOLUÇÃO DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

A premissa presente ao se falar em Estado de Direito é a de que as relações sociais são reguladas pela lei. De acordo com Dworkin, o Estado de Direito pode estar centrado no texto legal ou nos direitos. Daquela forma o direito fica pautado à conformidade entre o comportamento dos cidadãos e as normas, pormenorizadas em regras públicas, que o determina; desta forma, todavia, há maior envolvimento entre justiça substantiva e Estado de Direito, de modo que ele reflita em seus ideais de aplicação os direitos morais presentes na sociedade. (DWORKIN, 2001, p. 6 - 7)

A concepção embasada nos direitos se harmoniza ao pensamento clássico alicerçado no senso de direitos naturais. De acordo com Montesquieu (2005, p.12), “antes da existência das leis elaboradas havia relações de justiça possíveis”. Bastiat (2010, p. 11) implementa ao afirmar que não seria possível a existência da lei caso não houvesse a vida, a liberdade e a propriedade. Logo, antes do homem se instituir em sociedade, já haviam leis estabelecidas: as naturais.

Neste sentido, as leis positivas, e o Estado de Direito centrado na lei, somente poderiam tornar-se válidas ao refletir os ideais de justiça presentes desde antes. Logo, “torna-se bem claro, perquiridas as origens do Estado de direito, que este visava a estabelecer o império da justiça, não da lei, vista esta como vontade do legislador” (FERREIRA FILHO, 1987, p. 17). Assim, o texto jurídico não atua como fonte exclusiva dos direitos morais, pois o Estado de direito não se finda no estabelecimento de leis, a concretização da justiça é essencial, de forma que o Estado de direito possa limitar o poder estatal e promover igualdade formal. (DWORKIN, 2001, p.15)

Atualmente, a doutrina entende que o Estado de direito foi substituído pelo Estado democrático de direito. Não mais se resume em proteger as liberdades negativas e a isonomia, se tem que visar também a proteção aos direitos sociais e econômicos para que, então, os cidadãos possam usufruir de suas liberdades individuais. Este aumento de perspectiva se deu como efeito do alto nível de desigualdade proporcionado pelo avanço do sistema capitalista, apesar deste sistema gerar bastante riqueza. (OLIVEIRA, 2016, p. 1.203-1.206).

Os objetivos supracitados somente são possíveis de serem alcançados a partir da aplicação das leis, do Direito, que se dá por intermédio da atuação de juízes. Esta, por sua vez, é pautada na atribuição do exercício de uma hermenêutica jurídica, para que seja possível entender a lei, o caso e, então, aplicá-la de forma mais próxima possível do ideal de justiça. Assim como o modelo de Estado e de organização social, a hermenêutica também acompanha uma evolução histórica na qual se tenta definir qual a maneira ideal de relacionamento entre o aplicador e a norma, quais as possíveis interpretações e qual o nível de liberdade do juiz. (PAIVA, 2007, p. 40-43)

Herkenhoff (2004, p. 22-30) divide as escolas hermenêuticas em três distintos grupos: um primeiro de escolas que tinham como essência estrito legalismo e dogmatismo, como a Escola da Exegese na França; o segundo grupo diz respeito às escolas que surgiram como reação ao estrito legalismo e dogmatismo, entre elas está a Escola Histórico-Dogmática desenvolvida por Savigny; e, por fim, as escolas que se abrem para uma interpretação mais livre, como a Escola do Direito Livre.

Atualmente, doutrinadores fazem distinções entre uma Velha Hermenêutica e uma Nova Hermenêutica, capaz de se adequar às necessidades objetivas do Estado Democrático de Direito. Enquanto a atividade interpretativa daquela se exauria através da subsunção do caso concreto à abstração da norma; à esta cabe a incumbência de construir o significado da norma através da interpretação. (MARTINS, 2014, p.1) Esta necessidade se dá devido a existência de princípios e regras no ordenamento jurídico. As normas constitucionais possuem conteúdo principiológico e são as peculiaridades do caso concreto que irão gerar o sentido da norma. (BARROSO apud CONSELVAN, 2008, p. 5.276-5.278)

Percebe-se, portanto, a necessidade de uma hermenêutica cujo papel decorre “dos princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito, que devem ser interpretados e concretizados na máxima extensão e profundidade possível” (GOMES apud CONSELVAN, 2008, p. 5.274). Assim, conforme a evolução do sistema jurídico, evolui também as maneiras de se interpretar as normas, sem, no entanto, abandonar o método clássico, mas aprimorá-lo.


3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DEMOCRÁTICO DIANTE DO PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

A separação dos três poderes representa uma forma organizacional de governo pensada primeiramente por Montesquieu, que consiste basicamente no poder legislativo sendo composto por pessoas eleitas pelo voto popular, e essas pessoas estão encarregadas de legislarem conforme o teor exigidos dos seus eleitores. Sabendo que muitos são os cargos a serem ocupados pelos representantes do povo, pelo menos na teoria toda a população deveria estar representada pelos seus candidatos eleitos e assim terem leis que regem a sociedade condizentes com suas intenções populares (PAULA, 2013, p. 274).

A outra forma de poder presente no estado democrático de Direito se dá mediante o executivo. Tal vertente também é ocupada mediante a intenção popular, o povo vota nos candidatos no qual eles “acreditam” serem os melhores no provimento administrativo. E por último, temos a terceira vertente considerada por muitos a menos democrática possível que é o judiciário, composto pelos magistrados. Ambos estão incumbidos de pegar a legislação criada pelo primeiro poder e aplica-la ao caso concreto, tendo em vista, que a depender do caso é preciso se fazer uma analogia com os princípios constitucionais a fim de promover a melhor sentença possível, evitando o juiz de ser um mero “boca da lei” (PAULA, 2013, p. 275).

Acontece que, atualmente, o sistema que deveria funcionar de forma coesa termina sendo afetado, por exemplo; pela omissão do poder legislativo. O medo de não ser eleito novamente termina impedindo o legislativo de criar leis exigidas pela demanda social, logo, tudo recai para o judiciário, que de maneira nenhuma pode se omitir a julgar. Logo o poder judiciário deveria somente revelar o direito, ou seja, apenas reproduzi-lo, fazê-lo vir à tona. Mas na prática o judiciário cria e aplica o Direito (PAULA, 2013. p. 273).

A omissão de um dos poderes provoca alguns fenômenos, dentre eles pode-se elencar a judicialização política, que consiste numa série de demandas sociais oriundas da população. Geralmente trata-se de questões de cunho social, moral e muitas vezes político; não tendo legislação e as vezes um executivo atuante, termina sobrando ao judiciário resolver tais conflitos adversos. Dentro dos casos mais comuns de judicialização no Brasil, encontra-se conflitos indígenas, casos de interrupção da gravidez, relação homoafetivas, ou seja, temas bem delicados do meio social que terminam sendo deixado para o judiciário tomar a decisão que achar cabível, tendo em vista que os outros poderes não querem se comprometerem a tratar os respectivos casos (BARROSO, 2013. p. 230).

A proporção com que o poder judiciário entra em cena, cada vez com maior rigor, vai descaracterizando a identidade de um estado democrático. A priori, ele deveria apenas cumprir seu papel num mesmo patamar dos outros, no entanto, termina ele produzindo e aplicando o Direito, e tendo em vista, que o poder judiciário é composto por homens, ele pode ser considerado um herói ou vilão, isso vai depender da maneira como o judiciário irá produzir e aplicar a norma ao caso concreto por meio da sua interpretação (BARROSO, 2013. p. 246).

Sabe-se que por mais imparcial que o juiz almeje ser em sua sentença, ele sempre estará expressando um juízo de valor ou tipo ideal daquilo que ele considera ser certo ou justo. E levando em consideração a omissão dos demais poderes e como consequência disso o relevante protagonismo do poder judiciário, fica ainda mais intenso a possibilidade de sentenças desfavoráveis. Logo, percebe-se que a teoria dos três poderes já apresenta falhas se funcionasse normalmente, quanto mais funcionando com um dos poderes destacando-se dentre os demais (JÚNIOR 2013, p. 403). 

Compreende-se que houve uma fusão entre direito e política, e que, na verdade, ambos sempre foram inerentes, porém, apenas se intensificaram ao ponto da política influenciar o Direito. O que na prática era pra funcionar semelhante à um sistema, no qual Direito e Política conviviam de forma harmônica, e somente em alguns casos específicos é que o Direito poderia interferia na política a fim de organiza-la. Termina sendo alterado, agora a política passa a influenciar o Direito, e isso repercute nos três poderes de maneira que alguns se omitem à atuarem e termina protagonizando o judiciário a cumprir o seu papel e os dos outros, provocando o risco de promover um governo despótico e autoritário em meio a democracia (PAULA, 2013. p. 273-274).

Através de uma análise da repercussão da quebra sistemática dos três poderes, percebe-se que uma longa luta por Direitos lograda pelo homem se desfaz. Em 1789 com o advento da Revolução Francesa temos a luta pelos Direitos de Primeira geração, relacionados a liberdade. Depois surge uma luta pelos Direitos de Segunda Geração que consiste exatamente na melhoria por fins sociais, o homem agora busca direitos trabalhistas, e melhorias do tipo. Depois temos os Direitos de Terceira Geração, considerados por muitos os direitos difusos, pois agora o homem busca melhorias para o meio ambiente, a luta passa a ser em prol da paz mundial e também na identificação de Patrimônios Culturais da Humanidade (MENDES; BRANCO 2012).

Bonavides afirma que os Direitos de Quarta Geração se trata da Democracia, o direito à informação e ao pluralismo. Tanto a informação quanto o pluralismo estão intimamente ligados a democracia, sem ela ambos outros não existem ou pelo menos são frágeis. Percebe-se uma jornada intensa de lutas e conquistas até chegarmos nos Direitos de Quarta geração, e no pleno gozo da Democracia está havendo desperdícios de tal estrutura de poder, pois há uma omissão do poder Legislativo e Executivo na sua atuação; permitindo um destaque do poder judiciário que se mostra um tanto centralizador nas suas decisões (BONAVIDES, 2000, p. 524-525). 

Portanto, muito se lutou para estruturar as formas de poder e de governo a fim de melhorias sociais, porém, dentro da própria organização tripartite existem falhas quando os poderes não atuam, desconfigurando o estado democrático e promovendo uma outra vertente no poder judiciário. 


4 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL, ATIVISMO JUDICIAL E A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A constitucionalização do Direito afastou o Código Civil de sua posição privilegiada e fez com que a Constituição se centralizasse de modo que todo o ordenamento jurídico passasse a ser regido pelos princípios estabelecidos em seu texto. Os direitos fundamentais são detentores de extrema proteção pela Carta Maior, sendo estritamente proibida emenda tendente à aboli-los, como definido no artigo 60, da Constituição Federal (BRASIL, 1988, p.1). Ingo Sarlet (2005, p.70) entende que: 

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.

Nesse sentido, nota-se que os direitos fundamentais possuem o intuito de resguardar a dignidade humana em todos os aspectos sejam eles: individuais, sociais, econômicos, culturais e relativos à solidariedade e fraternidade. (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 109-110)

Aquele que interpreta a lei, para a concretização do Estado Democrático de Direito, deve estar engajado com a concretização da Constituição, logo dos direitos fundamentais. Para que ocorra a efetivação de tais direitos no âmbito social, faz-se necessário a superação do modelo dogmático de interpretação, constituindo uma hermenêutica constitucional, pela qual seja possível o uso dos princípios constitucionais na interpretação. (GOMES apud CONSELVAN, 2008, p. 5.273)

Todavia, acerca deste tipo de interpretação, se tem discutido a extensão do poder do judiciário, considerando que o amplo espaço de interpretação e aplicação da norma resulte numa espécie de ato legislativo, o que gera uma relativização do princípio da separação dos poderes. O chamado ativismo judicial diz respeito à postura proativa da Suprema Corte brasileira com a intenção de resolver casos complexos e, por vezes, dar resposta às omissões realizadas pelos demais poderes. (LIMA, 2014, p. 6-9)

Questiona-se, entretanto, a legitimidade democrática desta atuação, visto que, como pontua Lima (2014, p.8):

O exercício do ativismo judicial pelo Poder Judiciário propõe um alargamento ou uma extensão dos conteúdos e significados das normas constitucionais e por isso é acusado de ensejar em uma criação de direito nociva ao princípio da separação dos poderes, uma vez que aquele Poder estaria extrapolando suas atribuições e adentrando nas competências designadas aos Poderes Legislativo e Executivo.

No entanto, a interpretação, que é dever do poder judiciário, pode gerar inovação quando diante de casos complexos. Trata-se de uma consequência natural da adequação do texto legal à realidade social, amparada no sentido sociológico da Constituição, defendido por Lassale como forma de efetivar o texto constitucional. No mais, como este novo sentido para uma norma advém da própria norma, a legitimidade democrática do ativismo judicial se encontra na própria vinculação dele com a lei interpretada e aplicada. (LIMA, 2014, p.10-17)

Percebe-se, portanto, como, numa espécie de sistema interligado, o constitucionalismo, com a proteção aos direitos fundamentais, influencia o desencadeamento de uma hermenêutica capaz de realizar os objetivos dos princípios trazidos no texto legal. Isto por sua vez institui uma atuação proativa do poder judiciário sobre os demais poderes ao interpretar e aplicar a norma de forma mais abrangente para que seja possível a concretização de direitos fundamentais.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O ativismo judicial é fruto da nova perspectiva constitucional de 1988. Trata-se não de um fato isolado da atualidade, mas representa a carga histórica contida nas constituições anteriores que foram evoluindo gradual e historicamente. Como cada período constitucional possui suas qualidades e falta destas, na constituição de 1988 não é diferente. Na prática, a tripartição dos poderes pode se tornar um defeito quando um deles não se mostra eficiente, pois a sociedade acaba sendo prejudicada em algum sentindo.

  Atualmente, se tem observado omissões sobre questões relevantes por parte do executivo e legislativo. Logo, o judiciário acaba completando a falta dos outros poderes na resposta aos anseios sociais. Desse modo, o que na teoria seria três poderes atuantes; na prática, o judiciário acaba se sobressaindo através de uma atuação extensiva.

De imediato questiona-se a validade de tal fenômeno, porém, uma análise possível é a de que o ativismo judicial não seja uma prática voluntária do judiciário, tratando-se de um fenômeno consequente. Na falta de atuação dos demais poderes, cabe ao judiciário operar, tendo em vista que mediante a lei ele não pode se omitir em julgar. Muitos são os motivos que trazem consequências para o ativismo judicial, principalmente quando se tem um poder legislativo e executivo eleito pelo voto popular, e em razão disso terminam se omitindo em suas atuações devido ao receio de se comprometer com o eleitorado.

A ideia é que o ativismo judicial é uma atividade que explora a constituição ao máximo possível para solucionar conflitos. Cabe ao judiciário interpretar, com auxílio da hermenêutica constitucional, as leis, e assim aplicá-las ao caso concreto. Por outro lado, tal postura poder causar desequilíbrio, uma vez que a interpretação do juiz pode não representar a vontade democrática. Logo, para que o diálogo entre os três poderes possa permanecer é preciso que o magistrado decida mediante os princípios constitucionais na aplicação de suas decisões. 

Portanto, muitas são as técnicas de interpretação a ser adotadas pelo magistrado. Todavia, precisam estar de acordo com os princípios constitucionais para que se tenha um ativismo judicial favorável, ou seja, controlado, eficiente e que possa fortalecer o texto constitucional quanto à tutela de direitos fundamentais e sociais. Logo, a hermenêutica se necessária para auxiliar na concretização dos direitos fundamentais e assim ajudar a estabelecer a realização de demandas sociais. 


REFERÊNCIAS

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