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A inconstitucionalidade ou não do instituto da usucapião familiar

A inconstitucionalidade ou não do instituto da usucapião familiar

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Reflete-se sobre a suposta inconstitucionalidade do instituto da usucapião familiar, sob o prisma da chamada "culpa" daquele que abandona o lar, observando-se a eliminação deste elemento do nosso ordenamento jurídico.

1 INTRODUÇÃO

O tema abordado gerou muitas discussões entre juristas renomados, uma vez que o artigo 1.240-A no Código Civil, inserido pela Lei 12.424/2011[1], menciona a expressão “abandonou o lar”, que gerou controvérsias acerca da real intenção do legislador, pois a Emenda Constitucional 66/2010[2] aboliu o elemento “culpa” para fins de divórcio.

Assim, este artigo visa a analisar se o abandono do lar mencionado no art. 1.240-A do Código Civil confunde-se com o elemento “culpa”, este último, requisito para a dissolução do casamento no Código Civil de 2002 até a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010. Ressalte-se que o presente estudo teve como ponto de partida a análise de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, embora escassos, tendo em vista se tratar de instituto relativamente novo, além de artigos publicados na internet.


2  AS PRINCIPAIS MODALIDADES DE USUCAPIÃO

Neste tópico será realizado um breve estudo das principais modalidades de usucapião com o propósito de estabelecer os parâmetros utilizados pelo legislador quando inseriu no Código Civil de 2002 o art. 1.240-A, que trata da usucapião familiar.

Ao abordar as modalidades de usucapião, por se tratar de estudo relativo à usucapião familiar, cumpre salientar que trataremos aqui apenas no que tange à aquisição de bens imóveis, visto que o objeto da usucapião também poderá recair sobre bens móveis, o que não nos interessa no presente estudo.

2.1  USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA

A usucapião extraordinária está previsto no art. 1.238 do Código Civil, com a seguinte redação:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.[3]

É a modalidade de usucapião que requer prazo de 15 (quinze) anos, o maior de todas as modalidades, para que o possuidor possa adquirir o domínio sobre o bem imóvel, estando presentes os demais requisitos, ou seja, sem interrupção, nem oposição.

Note-se que, nesta modalidade de usucapião, o usucapiente não necessita de justo título nem de boa fé, que, segundo Carlos Roberto Gonçalves, “sequer são presumidos: simplesmente não são requisitos exigidos. O título, se existir, será apenas reforço de prova, nada mais”[4].

Ainda, o prazo poderá ser reduzido para 10 (dez) anos se o possuidor comprovar que utiliza o bem imóvel como sua moradia habitual, tendo nele realizado obras para este fim.

2.2  USUCAPIÃO ORDINÁRIA

Nesta modalidade de usucapião, se faz presente a necessidade da comprovação, pelo possuidor, do justo título e boa-fé, bem como de que detém a posse do bem por pelo menos 10 (dez) anos, para que adquira o domínio do bem imóvel, segundo dicção do art. 1.242 do Código Civil:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.[5]

Essa modalidade de usucapião é mais complexa que a anterior (usucapião extraordinária), tendo em vista que se exige a comprovação pelo possuidor do justo título e de boa-fé.

Justo título é o documento no qual o possuidor acredita ser válido para fins de transmitir-lhe a propriedade, mas que padece de algum vício que o torne anulável. Na lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, entende-se por justo título:

[...] é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que lhe outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade, malgrado apresente algum defeito que impeça sua aquisição. Em outras palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade por padecer de um vício de natureza formal ou substancial.[6]

Entretanto, decorrido o prazo previsto no art. 1.242, caput, ou parágrafo único do Código Civil de 2002, os vícios do título serão sanados para o fim de usucapir.

A boa-fé deduz-se quando aquele que detém a posse acredita ser dono do bem imóvel, desconhecendo quaisquer vícios que venham obstar a transferência do domínio. Ressalte-se que, havendo dúvidas quanto à existência de vícios, não haverá, por óbvio, a presunção de boa-fé. Nesse sentido, preleciona Francisco de Paula Lacerda de Almeida:

[...] A ignorância ou erro indesculpável, as dúvidas e apreensões sobre a legitimidade do título de aquisição ou sobre o bom direito do alienante são impróprias para levar à aquisição, pois excluem a boa-fé.[7]

Observe-se que o prazo para a usucapião ordinária é de 10 (dez) anos e será reduzido à metade, na forma prevista no parágrafo único do artigo acima transcrito, se comprovado o cancelamento do registro após a aquisição onerosa do imóvel, como, por exemplo, quando tiver sido feito de forma equivocada e, mesmo assim, se o possuidor (usucapiente) residir no imóvel ou ali exercer atividade social e econômica.

2.3  USUCAPIÃO ESPECIAL

Além das modalidades de usucapião supramencionadas, podemos destacar, ainda, a usucapião especial, também chamada de usucapião constitucional, uma vez que prevista na Constituição Federal, e que se subdivide em usucapião especial rural e usucapião especial urbana.

2.3.1  Usucapião especial rural

Essa modalidade de aquisição por usucapião veio consagrada no art. 191 da Constituição Federal de 1988, conforme abaixo transcrito:

Art. 191- Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.[8] 

Assim, pela leitura do artigo em comento, verifica-se que não se exige apenas a posse do imóvel, mas também que aquele que ali se estabelece o torne produtivo, bem como ali resida com sua família, sendo o seu objetivo, segundo Carlos Roberto Gonçalves, “a fixação do homem no campo, exigindo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente”[9].

2.3.2  Usucapião especial urbana

A usucapião urbana está prevista no art. 183 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.[10]

Tal modalidade de usucapião é reproduzida integralmente pelo art. 1.240 do Código Civil, inclusive os parágrafos, sendo certo que aqui não se menciona o §3º da Constituição Federal, que veda a aquisição por usucapião dos imóveis públicos, assim como todas as outras modalidades de usucapião.


3  A USUCAPIÃO PREVISTA NO ESTATUTO DA CIDADE

Não se pode deixar de mencionar as modalidades de usucapião previstas no  Estatuto da Cidade, lei especial que regula dispositivo constitucional, e que entrou em vigor antes mesmo da vigência do Código Civil de 2002, quais sejam: a usucapião urbana individual e a usucapião urbana coletiva.

3.1  USUCAPIÃO URBANA INDIVIDUAL

O art. 9º da Lei 10.257/2001[11] (Estatuto da Cidade) vem com quase a mesma redação do art. 1.240 do Código Civil de 2002, com a diferença de que este último menciona “possuir, como sua área urbana”, enquanto aquele fala em “área ou edificação urbana”, uma vez que, por se tratar de lei destinada  à aquisição de moradia, não se pode falar apenas em área, sendo certo que se pode usucapir a área onde também esteja erigida construção para fins de moradia, não podendo ser ultrapassado o limite de 250 m², tanto para um como para o outro.

3.2  USUCAPIÃO URBANA COLETIVA

Trata-se de instituto de cunho social, que visa à regularização de moradias de grande concentração populacional e dirigido às pessoas de baixa renda, como se verifica da transcrição do art. 10 do Estatuto da Cidade:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.[12]

Os requisitos para a aquisição do bem imóvel por usucapião são praticamente os mesmos daqueles previstos na usucapião urbana, prevista no art. 183 da Constituição Federal, sendo que, aqui, se fala em área de mais de 250 m² e que os terrenos ocupados por cada possuidor não seja possível identificar.

Fica claro que tal modalidade de usucapião tem o objetivo de regularizar áreas de favela ou de grandes aglomerados habitacionais, onde não se possa haver a condição para a legalização do domínio do imóvel, situação esta cada dia mais frequente em nossa sociedade.

Ainda, mencione-se o fato de que a ação a ser proposta terá caráter coletivo, ou seja, todos aqueles que residam na área terão que compor o polo ativo da demanda, conforme prelecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

A lide é de caráter coletivo, envolvendo a regularização fundiária de áreas amplas, para que possa haver inserção do imóvel no plano de urbanismo municipal, prestigiando o princípio da função social da propriedade.[13]


4  USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

 Pela sua importância, e considerando a inovação trazida pela Lei 13.105/2015 (Novo Código Civil), merece destaque a usucapião extrajudicial, previsto no art. 1.071 do referido Diploma Legal, que acrescentou à Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73)[14] o artigo 216-A, que por sua vez regula os procedimentos da usucapião a ser requerido perante o oficial de registro de imóveis.

O procedimento em tela visa a conferir celeridade aos procedimentos de usucapião, inviável na via judicial, devido ao grande volume de processos, que acarreta demora na prática dos atos processuais.

Os documentos e requisitos necessários estão elencados no art. 216-A da Lei 6.015/73, tendo sido, recentemente, regulamentada a usucapião extrajudicial pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Provimento CGJ nº 23/2016, publicado em 12 de maio do corrente ano no Diário de Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro[15]. Ressalte-se que, na usucapião extrajudicial, a parte interessada deverá estar acompanhada de advogado, conforme previsto no caput do art. 216-A da Lei 6.015/73.

Outrossim, em havendo resistência ao direito de usucapir extrajudicialmente, por qualquer interessado, o oficial de registro de imóveis deverá remeter os autos ao juízo competente para o processamento e julgamento, devendo o requerente emendar a inicial a fim de adequá-la ao rito ordinário, conforme previsto no §10º do art. 216-A da Lei 6.015/73.


5  USUCAPIÃO FAMILIAR

A usucapião familiar, chamada também de usucapião por abandono do lar, usucapião conjugal, usucapião pró-família, entre outros, foi criado a partir do advento do Programa “Minha Casa, Minha Vida” pelo Governo Federal, cuja finalidade é permitir que famílias de baixa renda possam adquirir sua casa própria. O programa facilita o financiamento daqueles que comprovarem determinados requisitos, como a faixa de renda salarial, que será determinante para os subsídios a serem disponibilizados para a aquisição do imóvel.

A Lei 12.424/2011, a partir da criação do Programa “Minha Casa, Minha Vida", adicionou ao Código Civil o art. 1.240-A, o trata da proteção do cônjuge que permanece no imóvel após o abandono do lar pelo outro cônjuge, in verbis:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.[16]

Da norma em comento, extrai-se que o cônjuge que permanece no lar conjugal terá direito a usucapir o bem, desde que cumpridos os requisitos ali previstos, cumulativamente, quais sejam: exercer por 2 (dois) anos a posse direta do bem com exclusividade; estar o imóvel localizado em área urbana não excedendo o limite de 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados); ser o imóvel também de propriedade daquele que abandona o lar; e, finalmente, não possuir o cônjuge abandonado outro bem imóvel.

Quanto ao parágrafo primeiro acima transcrito, deduz-se que quem pretende usucapir o bem imóvel não poderá ter manejado ação de usucapião previsto no art. 1.240-A anteriormente.

Visa o presente instituto proteger o domínio sobre o bem imóvel do cônjuge que permanecer no lar conjugal, caso não seja possível conhecer o paradeiro do outro, tema que será esmiuçado adiante.

A usucapião familiar se aplica tanto em relação ao casamento, quanto em relação à união estável, podendo ser aplicado, ainda, nos casos de união homoafetiva, após recente decisão do Supremo Tribunal Federal em relação às uniões de pessoas do mesmo sexo, bem como previsto no enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil, in verbis:

A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.[17]

É de se notar que a usucapião familiar tem prazo inferior às demais modalidades de usucapião, o que gerou a aprovação de parte da doutrina, como é o caso de Flávio Tartuce, que afirma que “deve ficar claro que a tendência pós-moderna é justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo exige e possibilita a tomada de decisões com maior rapidez”[18].

Ressalte-se, por oportuno, que o prazo de 2 (dois) anos mencionado no referido artigo, tem que se dar de maneira ininterrupta, como também em outras modalidades de usucapião. Se, por exemplo, por algum motivo, o cônjuge que permanece no bem imóvel tiver que transferir sua moradia para outro lugar temporariamente, não fará jus ao benefício, pois descontinuada sua posse.

Portanto, ao retornar o cônjuge para o lar conjugal, o lapso temporal para que se possa adquirir o bem pela usucapião familiar, assim como em outras modalidades de usucapião, repise-se, deverá ter como termo inicial o dia em que retornou ao imóvel.

O art. 1240-A do Código Civil também menciona, como um dos requisitos para a concessão da usucapião familiar, que o usucapiente divida a propriedade do bem com seu ex cônjuge ou ex companheiro, ou seja, que sejam coproprietários do imóvel, portanto, a usucapião familiar alcança apenas o bem comum aos cônjuges ou companheiros, não havendo que se falar em usucapião de bem particular de apenas um deles.

Outra discussão acerca do instituto ora estudado se dá quanto ao modo de aquisição, se originária ou derivada. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Os modos de adquirir a propriedade classificam-se segundo critérios diversos. Quanto à procedência ou causa da aquisição, esta pode ser originária e derivada. É da primeira espécie quando não há transmissão de um sujeito para outro, como ocorre na acessão natural e na usucapião. O indivíduo, em dado momento, torna-se dono de uma coisa por fazê-la sua, sem que lhe tenha sido transmitida por alguém, ou porque jamais esteve sob o domínio de outrem. Não há relação causal entre a propriedade adquirida e o estado jurídico anterior da própria coisa.

A aquisição é derivada quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação da vontade, como no registro do título translativo e na tradição.[19]

Conclui-se que o modo de aquisição originária da posse é comum a todas as modalidades de usucapião, uma vez que se presume a ausência de consentimento do proprietário anterior, ou seja, não existe vínculo entre eles, ao contrário do modo de aquisição derivada, quando há o mútuo acordo entre o proprietário e aquele que adquire o imóvel, como, por exemplo, na tradição.

Entretanto, quanto à usucapião familiar, há os que defendem ser a aquisição de modo derivado neste caso, como Luciano de Camargo Penteado:

[...] nos modos de aquisição derivados, existe uma vinculação causal, no ato da transferência, que faz com que a situação jurídica suceda-se sem alteração qualquer que não seja a subjetiva. Deste modo, de um lado ocorre uma espécie de alienação, na que o titular anterior transfere a posição jurídica para o novo titular, fazendo com que no ato de transferência sejam preservadas suas características e que também se possa falar de uma autêntica transferência, ou seja, de um ato causal segundo o qual se orienta o egresso e o ingresso da situação jurídica no patrimônio dos envolvidos.”[20]

Em outras palavras, entende o renomado autor que, apesar da ausência de vínculo familiar, aquele que abandona o imóvel é conhecido e coproprietário do bem e ao ser transferido o bem a quem nele permaneceu, este adquiriu o quinhão pertencente ao outro, embora não tenha havido a demonstração do ato da vontade ou tradição, ocorrendo a transferência dos direitos sobre o imóvel de forma tácita.

Outro aspecto que se destaca no art. 1240-A do Código Civil é a menção de que somente será cabível a usucapião familiar sobre imóvel urbano, não contemplando o legislador os imóveis localizados em área rural. Esta norma, por seu caráter restritivo, não comporta interpretação extensiva, apesar de escapar à razoabilidade a preferência legislativa de preterir situação jurídica idêntica. 

Ao se observar as dimensões do país, com muitas áreas rurais, não se mostra razoável que, mesmo nos casos de abandono de lar, fenômeno também recorrente nessas áreas, seja necessário obedecer aos requisitos do art. 1.239 do Código Civil, notadamente quanto ao prazo mais elevado para a aquisição.

Quanto à competência para o julgamento da usucapião familiar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não firmou posição em relação ao instituto, tendo em vista se tratar de matéria recente, cabendo destacar um único acórdão, que se posicionou no sentido de que, em se tratando de discussão quanto a direitos reais e não de avaliação de qualquer situação referente ao direito de família, o juízo competente para julgamento da ação é o juízo cível, conforme abaixo transcrito:

0011721-85.2016.8.19.0000 - CONFLITO DE COMPETENCIA 1ª Ementa

DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA - Julgamento: 05/04/2016 - QUINTA CAMARA CIVEL 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. USUCAPIÃO FAMILIAR. 1- Demanda visando aquisição originária da propriedade, matéria a natureza cível, como que se depreende de sua posição topográfica no codex. 2- Art. 1.240-A, inserido no ordenamento jurídico pela Lei nº 12.424, de 2011, que está albergado no Código Civil no capítulo "Da Aquisição da Propriedade Imóvel, na seção I "Da usucapião". 3 - Não obstante a situação fática permeie a análise da posse com exclusividade oriunda de abandono do lar, trata-se apenas da verificação dos requisitos necessários à configuração da usucapião, não da avaliação de qualquer questão atinente ao direito de família.[21]

Podemos acrescentar que o recente entendimento proferido na decisão do Acórdão da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro se deu por conta da alteração do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro, que dispunha em seu art. 85, inciso I, alínea a, e §1º:

Art. 85 - Compete aos juízes de direito, especialmente em matéria de família:

I – Processar e julgar:

a) as causas de nulidade e anulação de casamento, desquite e as demais relativas ao estado civil, bem como outras ações fundadas em direitos e deveres dos cônjuges, um para com o outro, e dos pais para com os filhos ou destes para com aqueles;

[...]

§ 1º - A acumulação com pedido de caráter patrimonial não altera a competência estabelecida neste artigo.[22]

A Lei Estadual 6.956/2015[23] alterou o art. 85 do CODJERJ, suprimindo o primeiro parágrafo, o qual estabelecia que o pedido de caráter patrimonial não alterava a competência das Varas de Família, o que pressupõe, agora, serem as Varas Cíveis competentes para o julgamento da ação de usucapião familiar, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro.

Cumpre registrar que há outros poucos acórdãos da mesma Corte, todos no mesmo sentido do acima transcrito, que embora não destacados, para otimização do trabalho, foram também objeto de análise.

Em sentido contrário, Roberto Paulino de Albuquerque Júnior e Roberto Pinheiro Campos Gouveia Filho asseveram acerca da competência para o julgamento da ação de usucapião familiar:

[...] não será possível aplicá-lo sem reconhecer a relação familiar, que se no casamento é formal e pressuposta, na união estável exige prova específica. Por outro lado, é preciso igualmente fazer prova da separação de fato, em qualquer dos dois casos. Ademais, o reconhecimento da usucapião no prazo bienal afeta diretamente a partilha, por afastar dela o bem cuja meação foi usucapida. Logo, parece razoável concluir que a competência pertença ao juízo apontado, na lei de organização judiciária do estado-membro ou do Distrito Federal, como competente para conhecer da dissolução do casamento ou união estável e da partilha de bens, evitando a remessa à vara cível de questões que lhe são estranhas.[24]

 Outros autores, bem como entendimentos jurisprudenciais proferidos por outros Tribunais, entendem que a usucapião familiar não trata da aquisição de nova moradia ou propriedade, não versa o instituto sobre direitos reais, mas discute-se tão somente a comprovação de que se houve o abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro, concluindo-se, então, que a competência seria atraída para as Varas de Família.

Neste sentido, segue o entendimento jurisprudencial proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DE LAR. RELAÇÃO FAMILIAR PRÉ-EXISTENTE. TUTELA DO DIREITO DE PROPRIEDADE. PROTEÇÃO DO LAR. JUÍZO DE FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA. 1. A usucapião especial urbana por abandono de lar, como todas as espécies de usucapião, visa à declaração de titularidade de um direito real, qual seja, o direito de propriedade sobre determinado imóvel. Todavia, esse direito real decorre de uma relação familiar pré-existente, de modo que a nova modalidade de usucapião visa não apenas à tutela do direito de propriedade, mas, principalmente, a proteção do lar familiar e daqueles que lá residem. 2. O art. 1.240-A, do CC, destina-se à proteção do direito real de habitação do cônjuge ou companheiro supérstite, já presente em nosso ordenamento jurídico, bem como à proteção do lar e da unidade familiar erguida pelo ex-casal durante o período da vida em comum. Daí porque o referido dispositivo elenca requisitos que se inserem no âmbito do direito familiar, o que impõe a análise, por parte do magistrado, das seguintes questões: (i) a existência de uma relação familiar (casamento ou união estável); (ii) o regime de bens que vigorava durante a existência da relação familiar; (iii) a ocorrência de separação de fato; (iv) o abandono do lar por parte de ex-cônjuge ou ex-companheiro; (iv) a co-propriedade do imóvel por ambos os ex-cônjuges ou ex-companheiros. 3. Diante de todo o exposto, entendo que o juízo competente para conhecer da ação de usucapião especial urbana por abandono de lar é o que responde pelos feitos da família, dispensando-se, em princípio, a utilização do rito especial. 4. E, tendo em vista que a Lei nº 3.716/79 (Lei de Organização Judiciária do Estado do Piauí), em seu art. 43, inc. II, determina que a 3ª Vara Cível da Comarca de Parnaíba – PI possui competência exclusiva para processar e julgar os feitos da família, resta claro que a ela deverá ser redistribuída a presente Ação de Usucapião Especial Urbana por Abandono de Lar. 5. Isto posto, julgo procedente o presente Conflito de Competência, no sentido de que a Ação de Usucapião Especial Urbana por Abandono do Lar (Proc. nº 0003328-81.2011.8.18.0031) seja processada e julgada pela 3ª Vara Cível da Comarca de Parnaíba – PI, que possui competência exclusiva para os feitos da família, nos termos do inc. II, do art. 43, da Lei nº 3.716/79.

(TJ-PI - CC: 00001421220128180000 PI 201200010001420, Relator: Des. José Ribamar Oliveira, Data de Julgamento: 18/04/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03/05/2013)[25]

Assim, forçoso concluir que se afigura controversa a fixação da competência para o julgamento da ação de usucapião familiar, tendendo, entretanto, a doutrina e a jurisprudência consagrar como competente o juízo de família pelas razões expostas.

Por fim, impende salientar que a usucapião familiar não é direito somente daqueles que adquiriram bens imóveis por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, uma vez que sua previsão encontra-se no art. 1.240-A do Código Civil, que gera efeito erga omnes, desde que preenchidos os requisitos previstos na norma.


6 O ELEMENTO “CULPA” COMO REQUISITO PARA CONCESSÃO DA USUCAPIÃO FAMILIAR

A polêmica doutrinária e jurisprudencial acerca da interpretação do conceito jurídico indeterminado “abandono de lar”, requisito para a usucapião familiar, previsto no art. 1.240-A do Código Civil, gira em torno da concepção do elemento “culpa”, abolido pela Emenda Constitucional 66/2010.

Deste modo, deve ser analisado se a culpa confunde-se com a expressão “abandono de lar”.

Primeiramente, devemos entender o elemento culpa como requisito para a separação judicial, prevista no art. 1.572 do Código Civil:

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§ 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.[26]

Portanto, para que fosse declarada a separação judicial, deveria o cônjuge imputar ao outro grave violação dos deveres do casamento, conforme previsto no art. 1.573 do Código Civil de 2002, a seguir:

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.[27]

Assim, para que houvesse a separação judicial, seria necessário que um dos cônjuges atribuísse ao outro a culpa pelo fim do casamento, com base nos artigos supramencionados, ou seja, “o autor precisa apontar o réu como “culpado”, indicando os motivos de separação (CC 1.573)”[28].

A decretação judicial da separação judicial, decorrido o prazo de um ano do trânsito em julgado da sentença, assim como a separação de fato por mais de dois anos, eram requisitos para a conversão em divórcio, se assim o requeressem um dos cônjuges, conforme previsto no §6º do art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o referido artigo, suprimindo estas exigências, passando a vigorar com a seguinte redação: “§6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Deste modo, a Emenda Constitucional nº 66/2010 extinguiu, em tese, a figura da separação judicial do nosso ordenamento jurídico, não devendo mais, a partir de então, se perquirir a culpa pela dissolução do vínculo conjugal, tendo como efeito imediato o fato de que o divórcio passou a ser requerido de forma direta, revogando-se tacitamente os artigos 1.566 e 1.572 do Código Civil. Defensora desta tese, Maria Berenice Dias preleciona.

A verdade é uma só: a única forma de dissolução do casamento é o divórcio, eis que o instituto da separação foi banido - e em boa hora - do sistema jurídico pátrio. Qualquer outra conclusão transformaria a alteração em letra morta.[29]

Em direção oposta, outros autores insistem na tese de que a separação judicial persiste, uma vez que a Emenda Constitucional nº 66/2010 não foi clara ao deixar de mencionar a revogação dos artigos que tratam do assunto no Código Civil, o que pode ser entendido como a vontade consciente e livre dos interessados a escolha de separarem-se e, após decorrido o prazo legal, converter a separação judicial em divórcio, se assim o quiserem, ou, ao contrário, restabelecerem a sociedade conjugal em caso de dissipação das causas da separação, uma vez que, enquanto persistir a separação, os deveres matrimoniais ficam suspensos, não podendo os separados judicialmente contraírem núpcias, por exemplo, e, caso optem pelo divórcio após o prazo legal, só poderão restabelecer o vínculo matrimonial casando-se novamente.

Neste sentido, segue o entendimento do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Lourival Serejo:

Não há incompatibilidade nem conflito com a Constituição em considerar em vigor a separação judicial. Se o texto constitucional tivesse o mesmo teor do Código Civil e dali fosse suprimida a separação judicial aí, sim, poder-se-ia falar em extinção da separação judicial no nosso ordenamento jurídico.

A separação judicial foi revogada como etapa para pleitear-se o divórcio, como meio, como condição, como fase. Afora essa hipótese, ela continua vigorando.  Agora o divórcio é direto e prescinde da separação judicial  e da contagem do tempo de separação de fato. Se o casal quiser apenas separar-se judicialmente (nem levanto a hipótese de motivo religioso), o Estado não poderá obrigá-lo a divorciar-se. O casal entende que não está amadurecida a ideia de divórcio, mas, por qualquer motivo, não quer mais permanecer junto nem “largado”. Pede a separação judicial enquanto não se decide. É uma situação possível e previsível.[30]

Ultrapassadas estas questões, tratemos agora da expressão “abandono do lar” e se esta se confunde com o elemento “culpa”, levando em conta que este último elemento, como dito anteriormente, foi banido do nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 66/2010, segundo entendimento majoritário.

Uma das principais críticas que se faz a esta nova modalidade de usucapião é exatamente quanto ao possível retorno do elemento “culpa”, ao mencionar o abandono do lar conjugal como requisito, que denotaria um “abandono culposo”, e que, por isso, estaria o art. 1.240-A do Código Civil eivado de inconstitucionalidade.

Alguns autores entendem que basta o abandono puro e simples para que fique configurado o direito de se obter a usucapião na modalidade ora estudada, dentre eles Luciano de Camargo Penteado: “De acordo com nosso entendimento, tal abandono não depende de formalidades, bastando prova de que não se trata mais do domicílio do ex-cônjuge ou ex-companheiro de forma cabal.”[31]

De igual forma, entende Antonio Moura Borges: “A finalidade da lei é privilegiar o cônjuge que permanece na sua dignidade e punir o cônjuge ou companheiro dissidente e que abandona o lar.”[32]

Desta forma, segundo estes dois entendimentos, presume-se a culpa do cônjuge ou companheiro que abandona o lar, chegando o segundo autor acima mencionado a falar em “punição”, reacendendo a norma inserta no art. 1.573 do Código Civil de 2012, que trata dos requisitos geradores do que se configura grave violação dos deveres do casamento, dentre os quais, o abandono voluntário do lar.

Em que pese o notório conhecimento jurídico dos autores mencionados, é certo que fazem parte da corrente minoritária.

A corrente majoritária entende que o abandono do lar mencionado no art. 1.240-A deve se dar de maneira não apenas física, mas concomitantemente com o abandono material.

Para melhor compreensão, segue o teor do Enunciado 499 da V Jornada de Direito Civil:

A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.[33]

Mas referido enunciado traz em seu bojo, ao mencionar a expressão “descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais”, a possibilidade de novamente se perquirir a culpa como elemento fático para o direito de usucapir.

Entretanto, com o fim de eliminar de vez qualquer possibilidade de se imputar a “culpa” para fins de usucapião familiar, o Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil, sedimentou o entendimento de que não há que se falar neste elemento, uma vez que, segundo as razões adotadas para a proposição do Enunciado, não há que se adotar requisito que diz respeito ao Direito de Família:

O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.[34]

Assim, pela análise do acima exposto, tem-se que o instituto em estudo é constitucional, e visa dar segurança jurídica ao cônjuge que permaneceu no lar conjugal, geralmente arcando com as despesas inerentes à manutenção da moradia e da prole, sem qualquer tipo de assistência material ou afetiva do cônjuge que abandonou o lar de forma injustificada e voluntária.

Importante salientar que, em face da realidade brasileira, há que se verificar a vontade daquele que abandonou o lar, se o fez com o ânimo de não mais retornar e deixou a família desprovida de qualquer assistência, material ou afetiva, porque, em caso contrário, ou havendo manifestação expressa de que não abre mão do bem imóvel, assim como intentar ação de divórcio, ou até mesmo de separação judicial, não há que se falar em usucapião familiar, uma vez que ausente o requisito principal para a aquisição da propriedade por meio deste instituto.

Ressalte-se, ainda, que aquele que abandonou o lar por conta de violência sofrida, seja física, moral ou psicológica, tão comum nos dias de hoje, não poderá, por óbvio, sofrer as consequências advindas da usucapião familiar, uma vez que poderá se utilizar, em caso da violência sofrida por mulher, e na maioria dos casos o são, da proteção advinda da Lei Maria da Penha.


7  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica evidenciado que o presente instituto tem o escopo de garantir o direito à moradia, insculpida no art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil, e que a inserção da expressão “abandono de lar” criou enorme celeuma no meio jurídico, uma vez que referida expressão poderia ressuscitar o elemento “culpa” como requisito para a aquisição da propriedade imóvel por meio da modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil.

Como vimos, tal discussão foi afastada pelo Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil, devendo ficar aqui consignado parte das razões expostas para o afastamento da perquirição de culpa: “Não há razão para introduzir na usucapião um requisito que diz respeito ao direito de família, sendo certo que a doutrina especializada no direito de família também tem procurado afastar tal análise.”[35]

Desta forma, pela análise das razões expostas, podemos concluir que o requisito “culpa” ainda permeia o Direito de Família, mas que vem sendo mitigado para adequar-se à Emenda Constitucional nº 66/2010.

Outra conclusão a que podemos chegar pela análise das razões expostas pelo Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil é a de que ainda não está devidamente delimitada a competência para o processamento e julgamento das ações de usucapião familiar, isto porque fica claro que a discussão quanto ao instituto deve se dar no âmbito do Direito de Família, divergente, portanto, do acórdão proferido pela Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, colacionado neste estudo, devendo, com o decorrer do tempo e com o aprofundamento dos debates acerca da competência para o julgamento da usucapião familiar, a jurisprudência estabelecer a interpretação correta do preceito.

No que tange ao objeto do estudo, ou seja, se o instituto analisado neste estudo é constitucional, em que pese a opinião de poucos autores, podemos afirmar que sim, o instituto previsto no art. 1.240-A do Código Civil é constitucional, uma vez que o elemento “culpa”, como visto, não se confunde com a expressão “abandono de lar”, devendo a doutrina e jurisprudência firmar posição neste sentido.


REFERÊNCIAS

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SEREJO, Lourival. Artigo – A separação continua em vigor. Disponível em: <http://www.lourivalserejo.com.br/home/index.php/features/familia/57-a-separacao-judicial-continua-em-vigor>.


Notas

[1] BRASIL. Lei 12.424, de 16 de junho de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12424.htm>. Acesso em 19 de maio de 2016.

[2] BRASIL. Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc66.htm>. Acesso em 19 de maio de 2016.

[3] BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[4] GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. V: direito das coisas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 260.

[5] BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[6] FARIA, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2010. p. 292.

[7]  ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda, 1908, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. V: Direito das Coisas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 293.

[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

[9] GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. V: Direito das Coisas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 262.

[10] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

[11] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[12] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[13] FARIA, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2010. p. 313

[14] BRASIL. Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015original.htm>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[15] Diário de Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, em 12 de maio de 2012, p. 62-66. Disponível em: <https://www3.tjrj.jus.br/consultadje/consultaDJE.aspx?dtPub=12/05/2016&caderno=A&pagina=61>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[16] BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[17] Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados/coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012, p. 71. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/Livro15.pdf>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[18] TARTUCE, Flávio. A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL. Disponível em:

<http://www.flaviotartuce.adv.br/assets/uploads/artigos/201108010921370.Tartuce_novausucapiao.doc>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[19] GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. V: direito das coisas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, pag. 264.

[20] PENTEADO, Luciano de Camargo, 2008, apud SALERNO, Rodrigo João Rossolim. Artigo - A nova usucapião: forma originária ou derivada de aquisição da propriedade? Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21048/a-nova-usucapiao-forma-originaria-ou-derivada-de-aquisicao-da-propriedade>. Acesso em: 19 de maio de 2016.

[21]Disponível em: <http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201600800452>. Acesso em 20 de maio de 2016.

[22] Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/consultas/codrj_regimento_tjrj/codjerj_novo.pdf>. Acesso em 20 de maio de 2016.

[23] Lei nº 6.956, de 13 de janeiro de 2015. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/7954a68a437095b983257dcf00599dda?OpenDocument>. Acesso em 20 de maio de 2016.

[24] JÚNIOR, Roberto Paulino de Albuquerque. FILHO, Roberto P. Campos Gouveia. Primeiras anotações sobre os pressupostos e a Processualização da Usucapião Familiar. Revista dos Tribunais Online. Disponível em: <https://professorhoffmann.files.wordpress.com/2012/07/primeiras-anotac3a7c3b5es-sobre-os-pressupostos-e-a-processualizac3a7c3a3o-da-usucapic3a3o-familiar-roberto-paulino-de-albuquerque-2011.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2016.

[25] Disponível em: <http://tj-pi.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/294197814/conflito-de-competencia-cc-1421220128180000-pi-201200010001420> Acesso em: 20 de maio de 2016.

[26] BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[27] BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[28] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. pag. 311.

[29] DIAS, Maria Berenice. Artigo – EC 66/10 – E Agora? Disponível em:

<http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2287526/artigo-ec-66-10-e-agora-por-maria-berenice-dias>. Acesso em: 20 de maio de 2016.

[30] SEREJO, Lourival. Artigo – A separação continua em vigor. Disponível em: <http://www.lourivalserejo.com.br/home/index.php/features/familia/57-a-separacao-judicial-continua-em-vigor>. Acesso em: 23 de maio de 2016.

[31] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pag. 292.

[32] BORGES, Antonio Moura. Usucapião: Capítulo Especial Sobre Prescrição e Decadência. 3ª ed. Campo Grande: Editora Contemplar, 2013. p. 331.

[33] Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados/coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012, p. 70. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/Livro15.pdf>. Acesso em: 23 de maio de 2016.

[34] Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vii-jornada-direito-civil-2015.pdf>. Acesso em: 23 de maio de 2016.

[35] Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vii-jornada-direito-civil-2015.pdf>. Acesso em: 23 de maio de 2016.



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