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A (des)necessidade de intimação do comprador como requisito à declaração de fraude à execução em demandas fiscais

A (des)necessidade de intimação do comprador como requisito à declaração de fraude à execução em demandas fiscais

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O artigo discute a necessidade da intimação do comprador como requisito à declaração de fraude nas demandas fiscais.

Presta-se o presente artigo a responder a seguinte questão: a intimação do comprador é requisito prévio à declaração de fraude à execução nos executivos fiscais?

De que o novo CPC apresenta discussões deveras interessantes, poucos hão de discordar. Dentre essas, a necessidade de intimação do comprador do bem, como requisito à prévia declaração de fraude à execução é uma delas. Contudo, há algumas nuances que precisam ser observadas quando estamos diante de execução fiscal, dado haver aparente incompatibilidade entre aquilo que disciplina a Lei 13.105/2015 e a Lei de Execução Fiscal. Lança-se a dicotomia.

Segundo prescreve o art. 792 do CPC (com destaque na parte que interessa):

"A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V - nos demais casos expressos em lei.

§ 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.

§ 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.

§ 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

§ 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias".

Por sua vez o Código Tributário Nacional preceitua, em seu Art. 185, que:

"Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita".

Assim, enquanto os requisitos para a fraude civil vão desde a necessidade de ação ajuizada, com averbação da constrição no registro público, bem como outros requisitos, nas lides fiscais basta, unicamente, o débito estar inscrito em dívida ativa, não importando qualquer outro fato, inclusive a boa-fé do comprador. Nesse caso, desimportante saber a animus do adquirente.

De fácil percepção que inexiste qualquer disciplina na norma tributária indicando a necessidade de intimação de terceiro adquirente, como requisito à prévia decretação de fraude à execução.

Contudo, os juízes têm se inclinados pela intimação prévia do terceiro adquirente como requisito à declaração da fraude à execução fiscal, por força do art. 792, § 4, do novo CPC.

Há aparente erro de premissa nas decisões. Isso porque, a fraude, nos feitos executivos, é suscitada naquilo que prevê o art. 185 do CTN, não no que prevê o art. 792 do novo CPC. Os requisitos e contornos de cada uma das modalidades são distintos, como se extrai dos normativos acima colacionados.

Veja-se que o art. 185 do CTN decreta a presunção de fraude a partir de seus requisitos, o que, por si, já é incompatível com o rito processual estabelecido para as demais espécies de fraude à execução previstas no Código de Processo Civil.

Não menos importante é dizer que a Súmula 375 do STJ não se aplica às execuções fiscais. Neste caso, não importa se há registro de penhora do prontuário do bem. É que a referida Súmula se destina à fraude civil e não à fraude fiscal, cuja disciplina está delineada no art. 185 do Código Tributário Nacional.

Aliás esse é o entendimento do próprio STJ, consoante ementa que se segue, em recurso especial representativo de controvérsia, julgado em 19/11/2010 passado pela 1ª Seção, verbis.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO - DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE.

1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lexspecialisderrogatlexgeneralis), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais. (...) 4. Consectariamente, a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n.º 118/2005 (09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa. 5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas. 6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in repisa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. (...)9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (b) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das "garantias do crédito tributário"; (d) a inaplicação do artigo 185 do CTN, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraude a qualquer registro público, importa violação da Cláusula Reserva de Plenário e afronta à Súmula Vinculante n.º 10, do STF. 10. In casu, o negócio jurídico em tela aperfeiçoou-se em 27.10.2005, data posterior à entrada em vigor da LC 118/2005, sendo certo que a inscrição em dívida ativa deu-se anteriormente à revenda do veículo ao recorrido, porquanto, consoante dessume-se dos autos, a citação foi efetuada em data anterior à alienação, restando inequívoca a prova dos autos quanto à ocorrência de fraude à execução fiscal. 11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008. (REsp 1141990/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 19/11/2010).

Ato seguinte ao julgado supra, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adaptou seu entendimento, passando a acolher a tese do Superior Tribunal de Justiça, consoante aresto que segue:

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE BENS APTOS A GARANTIR A DÍVIDA. ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. ART. 185 DO CTN. PERDA DO OBJETO QUANTO AO MÉRITO PELA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE ANÁLISE EM RAZÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Tratando-se de execução fiscal de crédito tributário, não se aplicam os arts. 593 e 615-A, § 3ºdo CPC e, consequentemente, o enunciado nº 375 da Súmula do STJ, em razão da existência de regra especial que regula a matéria (art. 185 do CTN). A averbação de restrição ou penhora não é requisito indispensável para a caracterização da fraudeA mera alienação de bens pelo demandado, quando contra ele corria execução fiscal apta a reduzi-lo a insolvência, já tendo sido citado (anterior à LC 118/05), é suficiente para tornar o ato ineficaz perante o credorO interesse público sobrepõe-se à boa-fé do adquirente, sendo desnecessária a prova do consilium fraudis para o reconhecimento da ineficácia do negócio jurídico entabulado. Basta, para tanto, a transmissão a título gratuito ou oneroso realizada pelo devedor regularmente citado em execução fiscal, de modo a dificultar a atividade jurisdicional, tornando esta impraticável ante a insuficiência de patrimônio a garantir sua obrigação. Precedente do STJ em Recurso Especial Representativo de Controvérsia (RESP nº 1.141.990/PR, processado na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil). EMBARGOS INFRIGENTES DESACOLHIDOS. (Embargos Infringentes Nº 70043228881, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 05/08/2011).

Ainda que assim não fosse, quais as matérias que poderiam ser suscitadas pelo comprador? Nenhuma, dado que, se há execução fiscal em andamento, pressupõe-se que o débito já está inscrito em dívida ativa. E estando inscrito em dívida ativa, haverá fraude, frise-se, não importando qualquer boa ou má-fé do comprador.

Também os requisitos absolutamente objetivos à presunção de fraude na execução fiscal de crédito tributário tornam incompatível a prévia intimação do terceiro adquirente quando se está diante da fraude prevista no diploma legal específico. Nesse sentido, segue ilustrativa jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA E CITAÇÃO DO DEVEDOR. ARTIGO 185 DO CTN. Tratando-se de execução fiscal de crédito tributário, não se aplicam os arts. 792 e 828, § 4º, do CPC, nem o enunciado nº 375 da Súmula do STJ, em razão da existência de regra especial que regula a matéria (art. 185 do CTN). A averbação de restrição ou penhora não é requisito indispensável para a caracterização de fraude. A mera alienação de bens pelo demandado, quando inscrito em dívida ativa por débito capaz de reduzi-lo a insolvência (posteriormente à LC nº 118/05) é suficiente para tornar o ato ineficaz perante o credor. A alienação do imóvel foi efetuada após a inscrição em dívida ativa da vendedora, consubstanciando fraude à execução. O interesse público sobrepõe-se à boa-fé do adquirente, sendo desnecessária a prova de consilium fraudis para o reconhecimento da ineficácia do negócio jurídico entabulado. Precedente do STJ em Recurso Especial Representativo de Controvérsia (RESP nº 1.141.990/PR, processado na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973). AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070990791, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 14/12/2016).

Desse modo, havendo incompatibilidade entre a norma disciplinada no novo CPC com aquela lançada na LEF, desnecessária a intimação do comprador como requisito à prévia declaração de fraude nos executivos fiscais.


Autor

  • Leandro Brescovit

    Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

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