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Controle social informal na escola criminológica de Chicago

Aplicabilidade diante da realidade urbana brasileira

Controle social informal na escola criminológica de Chicago. Aplicabilidade diante da realidade urbana brasileira

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Explana-se a aplicação à realidade brasileira dos métodos de estudo da Escola de Chicago, que permitem uma compreensão das causas da criminalidade brasileira.

Resumo: Este artigo aborda o controle social informal na Escola de Chicago, como a desorganização social decorrente do desenvolvimento urbano e crescimento populacional, causada por migrações. Resulta na desorganização social e no enfraquecimento do controle social informal tendo como consequência um aumento da criminalidade nas grandes cidades. São abordados os métodos de pesquisa, baseados na observação da realidade urbana e as teorias da Escola de Chicago, como a teoria ecológica, que estuda o fenômeno da desorganização social, que obtiveram uma explicação sociológica para o problema da criminalidade urbana a partir dos estudos realizados na cidade de Chicago. É abordada a aplicação à realidade brasileira dos métodos de estudo da Escola de Chicago, que permitem uma compreensão das causas da criminalidade brasileira, do conceito de desorganização social e da consequente redução do controle social informal em razão de tal desorganização.

Palavras-chave: Escola de Chicago. Controle social informal. Escolas criminológicas. Realidade brasileira. 

Abstract:This article discusses the informal social control in the Chicago school, such as social disorganization resulting from urban development and population growth, caused by migration, results in social disorganization and weakening of informal social control resulting in an increase in crime in major cities. The research methods are discussed, based on the observation of urban reality and theories of the Chicago School, as the ecological theory, which studies the phenomenon of social disorganization, which received a sociological explanation for the problem of urban crime from studies in Chicago. It addressed the application to the Brazilian reality of the Chicago School’s study methods that allow an understanding of the causes of Brazilian crime, the concept of social disorganization and the consequent reduction in informal social control by virtue of such clutter.

Keywords: Chicago School. Informal social control. Criminological schools. Brazilian reality.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo estudar o controle social informal na Escola de Chicago e como a desorganização social interfere no controle social informal e quais as consequências dessa situação nos índices de criminalidade.

Um dos objetivos do estudo é a avaliação da aplicabilidade da Escola de Chicago à realidade brasileira, tanto a aplicação dos métodos de estudo como a possibilidade de aplicar as conclusões obtidas com o estudo da criminalidade na cidade de Chicago, principalmente ao se comparar a situação de Chicago com a de cidades brasileiras que sofreram um processo de desenvolvimento parecido, como é o caso das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Antes da Escola de Chicago as explicações para a criminalidade disponíveis eram as biológicas e psicológicas.

Inicialmente, é feita a abordagem das escolas sociológicas e da diferença entre as teorias do consenso e do conflito para situar a Escola de Chicago como uma escola sociológica pertencente às teorias do consenso.

Após é realizado o estudo da Escola de Chicago, suas características e dos pressupostos teóricos desta, como o estudo da cidade a partir de conceitos da ecologia, resultando na teoria ecológica.

A teoria ecológica é a teoria que estuda o conceito de desorganização social, a relação entre a desorganização social, o desenvolvimento das cidades e o fenômeno das imigrações e migrações internas na sociedade, bem como o seu impacto no controle social informal ao misturar pessoas com valores sociais diversos e o impacto de tal situação na criminalidade.

É realizada a verificação da possibilidade de aplicar os métodos de estudo bem como das conclusões dos estudos da Escola de Chicago, realizados inicialmente para entender a criminalidade de Chicago, mas válidos para outras cidades, podendo verificar se é possível entender as causas da criminalidade nas cidades brasileiras a partir da Escola de Chicago.


1 ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS SOCIOLÓGICAS

 1.1 CLASSIFICAÇÃO

As escolas criminológicas sociológicas podem ser classificadas, segundo Shecaira (2014, p.128) em teorias do consenso e teorias do conflito. A Escola de Chicago, as teorias da associação diferencial, da anomia e da subcultura delinquente são teorias do consenso enquanto a teoria do Labelling approach e Crítica são teorias do conflito.

Segundo Shecaira (2014, p. 128) nas teorias do consenso a finalidade da sociedade é atingida quando todos os cidadãos compartilham as regras sociais dominantes e compartilham os objetivos comuns aos cidadãos. Para as teorias do conflito a coesão social é baseada na coerção, na dominação por alguns e sujeição de outros.

 1.1.1  Teorias do conflito
1.1.1.1 “Labelling Approach”

De acordo com Shecaira (2014, p. 241) no Labelling Approach “a ideia de encarar a sociedade como um “todo sem fissuras interiores” é substituída pelo apontamento das relações conflitivas da sociedade que eram mascaradas pelo Estado de bem estar social, a reflexão passa do crime e do criminoso para o controle social e para o papel da vítima.

1.1.1.2 Teoria Crítica ou radical

As bases da teoria crítica são a crítica às teorias do consenso, possuem base marxista, pois o delito dependeria do modo de produção capitalista. As teorias criminológicas anteriores sofreram críticas sólidas, inclusive a teoria do Labelling Approach (SHECAIRA, 2014, p.p. 284 a 288).

1.1.2 Teorias do Consenso
1.1.2.1 Teoria da Associação Diferencial

A teoria da Associação diferencial, segundo Shecaira (2014, p. 172) foi a responsável pela expressão white-collar crime (crime do colarinho branco), que demonstrou muito pontos de semelhança entre essa criminalidade diferenciada e a comum. O crime não pode ser definido como inadaptação de pessoas menos favorecidas, o crime depende de um aprendizado, este é resultante de uma socialização incorreta, há um processo de aprendizagem que resulta na prática de atos socialmente reprováveis (SHECAIRA, 2014, p.p. 176,177).

1.1.2.2 Teoria da Anomia

A teoria da Anomia de Merton, segundo Shecaira (2014. p. 200), tem como hipótese central:

 ...que o comportamento aberrante pode ser considerado sociologicamente um sintoma de dissociação entre as aspirações culturalmente prescritas e os caminhos socialmente estruturados para realizar tais aspirações. (SHECAIRA, 2014, p. 200)

Merton afirma que a cultura americana acentua a ideia de ascensão social como “valor precípuo da sociedade”, o relevo a riqueza sem uma ênfase nas vias legítimas cria uma tensão que pode resultar em um desvio dos padrões normais de comportamento (SHECAIRA, 2014, p. 200).

1.1.2.3 Teoria das subculturas

Não existe um conceito muito pacifico do que seja subcultura segundo Shecaira (2014, p. 215), etimologicamente subcultura é “uma cultura dentro da cultura” , mas existe também o conceito de contracultura. Ambas as expressões surgiram dos “enfrentamentos desviantes” em relação a “cultura adulta tradicional”, mas as subculturas aceitam certos aspectos dos valores predominantes enquanto a contracultura “desafia a cultura e a sociedade dominantes”. Os grupos de subcultura se retiram da sociedade enquanto a contracultura contesta e confronta (SHECAIRA, 2014, p. 218).


2 ESCOLA DE CHICAGO

A Escola de Chicago surgiu unida ao departamento de sociologia da Universidade de Chicago (SHECAIRA, 2014, p. 134).

Chicago foi marcada por um grande desenvolvimento urbano, econômico e financeiro entre o final do século XIX e início do século XX. O crescimento demográfico ocorreu com a chegada de imigrantes de diversas nacionalidades em busca de emprego, além de um grande número de negros vindos do Sul.  A grande expansão da cidade do centro para a periferia criou graves problemas sociais, trabalhistas, culturais, morais e familiares que potencializaram a criminalidade (SHECAIRA, 2014, p. 135).

De acordo com García-Pablos de Molina a Escola de Chicago se caracterizou desde o princípio pelo empirismo e por uma visão pragmática e concentrou “suas investigações nos problemas sociais do momento” (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2013, p. 120).

A Escola de Chicago possui uma visão pragmática, baseada na observação direta da experiência e pela “análise de processos sociais urbanos” (FREITAS, 2004, p. 52). 

García-Pablos de Molina afirma que a finalidade prática da Escola de Chicago é “um diagnóstico confiável sobre os urgentes problemas sociais da realidade norte-americana de seu tempo.” Também declara que os primeiros integrantes da Escola de Chicago eram jornalista e não sociólogos ou juristas (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2012, p. 300).

As pesquisas são baseadas em 3 métodos: o primeiro é o trabalho de campo; o segundo é estudo da cidade, seus problemas sociais , problemas ligados a imigração, crimes, que se relacionam com a teoria ecológica e o terceiro é uma forma de psicologia social denominada “interacionismo  simbólico” (FREITAS, 2004, p. 52).

Os estudos realizados pelos sociólogos da Universidade de Chicago reuniram dados estatísticos que evidenciaram ser o crime um produto social da urbanização, até então eram conhecidas as causas biológicas e psicológicas da criminalidade (FREITAS, 2004, p. 54).

Segundo Penteado Filho os estudos da Escola de Chicago foram realizado por meio dos chamados inquéritos sociais para investigação dos fenômenos criminais, por meio de interrogatórios feitos por uma equipe especial com uma amostragem de pessoas. Foram também utilizados casos individuais para verificação de carreira delitiva. Os resultados foram colocados sobre o mapa da cidade (PENTEADO FILHO, 2014. p.66).

Os estudiosos de Chicago estavam ligados aos ramos da sociologia denominados formalismo e pragmatismo. O formalismo tem como objetivo captar as formas das relações sociais obtendo uma fórmula da vida social, cada situação social é única e faz parte de um quadro maior. O pragmatismo rejeita verdades absolutas considerando verdadeiro tudo que pode ser realizado com êxito, pode ser entendida como uma filosofia da ação ou da intervenção. Em razão dessa junção entendiam que o objetivo da pesquisa era entender o mundo social, que é formado pelas experiências práticas dos que vivem neste (FREITAS, 2004, p.p. 55, 56).

A Escola de Chicago possuía a ideia de intervenção social, como exemplo dois estudiosos, Dewey e Mead fundaram uma escola experimental primária dentro da Universidade de Chicago com o objetivo de contribuir com a melhoria da formação em razão de um currículo diferente das demais escolas primárias (FREITAS, 2004, p. p. 56, 57).

O pesquisador da Escola de Chicago Robert Ezra Park defendeu que os métodos de observação utilizados por antropólogos para o estudo de povos primitivos poderiam ser usados para o estudo das crenças, costumes e praticas de pessoas civilizadas (FREITAS, 2004, p. 64).

2.1 ELEMENTOS CONCEITUAIS DA ESCOLA DE CHICAGO 

Muito se discute atualmente sobre o conceito de cidade, os critérios estatísticos variam de um país para o outro. De acordo com Shecaira no entendimento de Pelletier e Delfante cidade é uma concentração de pelo menos 2 mil habitantes que possui como atividade principal a prestação de serviços que pode ser associada  à indústria (SHECAIRA, 2014, p. 142).

As grandes cidades criam um permanente anonimato, que proporciona maior liberdade pessoal, mas pode criar isolamento e alienação, permite eliminar os freios de controle externo do entorno. Nas cidades adota-se uma postura de distanciamento e não envolvimento com as pessoas, de competição pelos recursos da cidade, adota-se uma postura individualista que traz consequências para a criminalidade (SHECAIRA, 2014, p. 144, 145).

2.2 TEORIA ECOLÓGICA

A teoria ecológica considera que a cidade não é só um amontoado de pessoas e convenções sociais e não é somente ruas, parques, linhas de ônibus. A cidade não é meramente uma construção artificial, esta tem sua cultura, costumes, sua própria identidade. A cidade é resultado do trabalho de várias gerações (SHECAIRA, 2014, p. 143).

Garcia-Pablos de Molina aponta como integrantes da teoria ecológica os seguintes representantes: Park, Burgess, McKenzie, Thrasher, Shaw, McKay (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2013, p. 121).

A teoria ecológica parte do pressuposto que a criminalidade é determinada pelo grupo ao qual as pessoas pertencem, essa suposição foi baseada em estudos do século XIX que relacionavam em mapas 3 elementos; o crime, a localidade e fatores sociais, esses estudos concluíram que as condições da sociedade causavam a criminalidade (FREITAS, 2004, p. 66).

Shecaira (2014, p. 145) afirma que com o crescimento das cidades os habitantes passam a guardar características por áreas, as pessoas passam a se reconhecer, se relacionar, um círculo de vida criado em razão de interesses comuns, muitas vezes há uma vigilância mútua, esse mecanismo pode ser chamado de controle social informal exercido pela vizinhança (SHECAIRA, 2014, p. 145).

A vizinhança nas cidades não possui a mesma identidade que possui em comunidades pequenas, a facilidade de locomoção permite aos indivíduos viver em mundos sociais diferentes, afastando a intimidade da vizinhança (SHECAIRA, 2014, p. 145).

Valter Fernandes e Newton Fernandes afirmam que a industrialização eleva a criminalidade e que vários estudos demonstram que em paises pouco industrializados os delitos são significativamente menores do que em nações industrializadas. Tal situação seria consequência da reunião de pessoas em condições diferentes, sob o critério educacional, racial, econômico que ocorre em nações industrializadas (VALTER FERNANDES e NEWTON FERNANDES, 2012, p. 351).

A denominação ecologia humana utilizada nesta teoria surgiu em razão da analogia entre a distribuição da vida vegetal na natureza e a organização da sociedade. O comportamento humano é modelado pelas condições sociais, que limitam o poder de escolhas das pessoas (FREITAS, 2004, p. 67, 68).

Dois conceitos da ecologia biológica foram utilizados; o de simbiose e o de invasão, dominação e sucessão.  Simbiose é o auxílio mútuo de especies diferentes, A cidade é vista como um super-organismo com sua unidade determinada pelas relações entre as pessoas que possui áreas naturais, como por exempo a área dos italianos, dos chineses, e a comunidade dos negros, além das áreas industriais e comerciais (FREITAS, 2004, p. 68).

De acordo com Shecaira o isolamento de colônias cria uma “região moral onde indivíduos de uma mesma raça ou origem passam a intensificar a intimidade, a solidariedade dos grupos de vizinhança” (SHECAIRA, 2014, p. 145, 146).

Shecaira (2014, p. 146) aponta que a região moral pode surgir em razão da segregação.

No conceito de invasão, dominação e sucessão ocorre a modificação do equilíbrio em uma área, uma espécie pode invadir a área, dominá-la e afastar outras espécies, nas cidades também ocorrem certas formas de sucessão, que são consequência da invasão, como exemplo comércio e indústria pode tomar uma área que antes era residencial. Competição e cooperação coexistem no mesmo espaço (FREITAS, 2004, p. 69, 70).

De acordo com Shecaira qualquer organização ecológica está em constante mudança, é a mobilidade caracterizada pela mudança de emprego, de residencia, ascenção ou queda de nível social, a mobilidade tende a confundir e a desmoralizar a pessoa, o controle social informal exercido pelo cidadão sobre a vizinhança é menor quanto maior é a mobilidade, essa mobilidade é maior em áreas que possuem promiscuidade, vícios e onde há maior delinquência  juvenil (SHECAIRA, 2014, p. 146, 147).

A mobilidade social e a divisão de trabalho destruiram  formas clássicas de controle social como a família, vizinhança, grupos comunitários locais, a ruptura dos vínculos locais e o enfraquecimento de restrições e inibições é uma grande responsável pelo aumento da criminalidade em grande cidades (SHECAIRA, 2014, p. 146, 147).

García-Pablos de Molina (2013, p.122) esclarece que a Escola de Chicago se vale dos conceitos de desorganização social e de contágio para esclarecer a criminalidade, os primeiros a tratar da Teoria Ecológica são Park, Burgess e McKenzie, segundo eles a cidade produz delinquência.

De acordo com Shecaira a mobilidade das grande cidades se caracteriza pela ruptura dos mecanismos tradicionais de controle social. A desorganização e a reorganização social ocorrem em uma relação dialética com a rejeição de habitos e conceitos morais. O descarte dos hábitos pode ser acompanhado de conflito moral e senso de perda pessoal, posteriormente ocorre um sentimento de emancipação e busca por novas metas que resulta em um afrouxamento das influencias resultando em uma perda de raízes (SHECAIRA, 2014, p. 150, 151).

Esse processo de desorganização social ocorreu em Chicago, em razão do grande número de imigrantes e das imigrações do sul dos Estados Unidos e, segundo Shecaira, não é diferente do processo vivenciado no Brasil por São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília (SHECAIRA, 2014, p. 151). 

Valter Fernandes e Newton Fernandes afirmam que as migrações trazem consequências para o convívio social tanto para os que chegam como para os que já estavam no local em razão da possiblidade dos usos e costumes serem opostos. Tal situação pode gerar conflitos individuais e coletivos (VALTER FERNANDES e NEWTON FERNANDES, 2012, p. 354).

De acordo com Valter Fernandes e Newton Fernandes as migrações internas são criminógenas em países subdesenvolvidos em razão de dificuldades de assimilação dos migrantes no mercado de trabalho (VALTER FERNANDES e NEWTON FERNANDES, 2012, p. 354).

Shecaira afirma que a presença de áreas comerciais e industriais em cidades que estão crescendo e passando por diferenciação afasta as pessoas de maior poder aquisito, que moram em áreas exclusivamente residenciais, as áreas industriais são ocupadas por pessoas de baixa renda, que precisam tolerar fumaça, cheiro desagradável, sujeira, barulho da máquinas, tal situação faz surgir zonas despovoadas e superpovoadas, o que gera a desorganização social que resulta em aumento da criminalidade (SHECAIRA, 2014, p. 151, 152). 


3. A DESORGANIZAÇÃO SOCIAL

De acordo com Shecaira no Brasil a desorganização social é maior na periferia, onde não há presença forte do Estado, a ocupação é recente fazendo com que os laços entre as pessoas não existam, tal situação gera uma sensação de  anomia que potencializa o surgimento de justiceiros que substituem o Estado no controle da ordem (SHECAIRA, 2014, p. 152). 

 Esse fenomeno acontece no Sul de São Paulo, a alta criminalidade pode ser considerada resultado da desorganização social, da ocupação recente, não há uma sociabilidade antiga que uma as pessoas. Na áreas de menor sociabilidade são encontrados mais delitos (SHECAIRA, 2014, p. 152).

Outro conceito da Escola de Chicago importante, segundo Shecaira é o de gradient Tendency, nesse conceito as cidades se organizam em círculos concêntricos, em zonas ou anéis a partir da zona mais central, chada de Loop, que possui os bancos, armazéns, lojas, a administração da cidade. A segunda zona se situa entre a zona residencial e a zona central, está sujeita a invasão do crescimento da primeira zona e por isso pode sofrer a degradação, passa a concentrar uma população mais pobre por ser menos compatível com a habitação humana (SHECAIRA, 2014, p. 152, 153).

Na segunda zona encontram-se os redutos de imigrantes, em Chicago há a Chinatown e a Little Sicily, essa zona facilita a formação de guetos (SHECAIRA, 2014, p. 153).

A terceira zona é a área de moradia da população pobre e dos imigrantes da segunda geração, essas pessoas fugiram da área de decadência mas preferem ficar em um local com fácil acesso ao trabalho. A quarta zona é formada por pessoas de classe média, por sua vez a quinta zona, a mais periférica, é ocupada pela população de nível mais elevado  (SHECAIRA, 2014, p. 153).

Os estudos da escola verificaram a existencia de áreas de delinquência, cujos índices elevados de criminalidade estavam ligados a degradação física, doenças, segregação econômica, etnica, racial, constatou-se que 37% dos jovens da região próxima ao loop foram levados a delegacia e menos de 1% dos jovens na área proxima ao limite da cidade. Considerou-se que os crimes tendem a ocorrer em certas áreas mas tais locais não foram considerados causas da criminalidade (SHECAIRA, 2014, p. 154).

Freitas informa que a expansão da zona central leva as atividades industriais e comerciais a invadir a segunda zona, por isso essa zona não é desejada como local de moradia, ao longo do tempo a tendência é a segunda zona  perder moradores, quem mora nessa zona está em um constante estado de possibilidade de partida, ainda que não saia dela, por isso o morador dessa zona evita criar vínculos com ela (FREITAS, 2004, p. 75, 76).

A concentração de crimes existente na segunda zona é consequência da desorganização social, que é a forma pela qual a sociedade percebe o “processo pelo qual a autoridade e a influência de uam cultura anterior e sistema de controle são afetadas e eventualmente destruídas” (FREITAS, 2004, p. 77).

A desorganização social possui as seguintes características,  “há pouco ou nenhum sentimento de comunidade, relações são transitórias, níveis de vigilância da comunidade são baixos, instituições de controle informal são fracas  e as organizações sociais ineficazes” (FREITAS, 2004, p. 77).

A medida em que o comércio e a indústria invadiam a Zona em transição os laços de solidariedade social da comunidade eram destruídos, o que reduzia a resistência à criminalidade (FREITAS, 2004, p. 77).

Uma das resposta à desorganização social é a formação de gangues, que são substitutivos para o que a sociedade nega aos jovens, também são um meio de busca de identidade em razão da modificação da cidade. A norma e valores das gangues são contrários aos valores da macrossociedade (FREITAS, 2004, p. 79).

Como os imigrantes nos Estados Unidos em sua maioria eram originários da zona rural e estavam muito apegados a tradição nem estes nem a macrossociedade possuiam resposta para as necessidades de adaptação dos descendentes de imigrantes estes passaram a buscar as respostas por meio do ingressso em uma gangue (FREITAS, 2004, p. 79).


4. A ESCOLA DE CHICAGO NA REALIDADE BRASILEIRA

Freitas afirma que existem dificuldades na aplicação da teoria das zonas concêntricas em razão, entre outros fatores, da industrialização tardia do Brasil, que somente foi significativa a partir da década de 50 (FREITAS, 2004, p. 117,118).

Outro fator apontado por Freitas é o fato de no Brasil, usualmente o subúrbio é uma área pobre em razão da falta de investimento em transportes e rodovia, as áreas mais distantes, que são de difícil acesso são mais baratas, a classe média ocupa áreas próximas ao centro, pois um percurso entre local de trabalho e moradia longo prejudica a qualidade de vida (FREITAS, 2004, p. 118).

Freitas aponta que as cidades brasileiras que passaram pelo mesmo processo de industrialização, imigração  e crescimento acelerado da população e do espaço físico foram São Paulo e Rio de Janeiro, sendo São Paulo a cidade que mais se aproxima do modelo de desenvolvimento da Escola de Chicago (FREITAS, 2004, p. 118, 119).

Penteado filho aponta que a principal contribuição da Escola de Chicago se deu no campo da metodologia e da política criminal com destaque na prevencão (PENTEADO FILHO, 2014, p. 68).

Shecaira aponta a aplicabilidade e importância da metodologia da Escola de Chicago tendo com  um exemplo um estudo do “Centro de Estudos de Cultura contemporânea”, que elaborou um mapa relacionando dados quantitativos da violência urbana com as condições sociais em São Paulo, a cidades foi dividida em bairros nos quais se avaliou o risco das pessoa sofrerem homicídio considerando a taxa por 100 mil habitantes (SHECAIRA, 2014, p. 137).

Para avaliar as condições sociais foi criada uma nota socioeconômica com vários indicadores sociais como renda, escolaridade, desemprego, acesso a saneamento básico, os bairros com as menores notas socioeconômicas são os mais violentos enquanto os bairros com as maiores notas são os menos violentos com índices comparáveis à Europa (SHECAIRA, 2014, p. 137, 138).


 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Escola de Chicago é uma das escolas sociológicas pertencentes à categoria das teorias do consenso, que parte do pressuposto da possibilidade de haver um consenso sobre os valores sociais. As teorias do conflito em oposição não acreditam nessa possibilidade entendendo que a coesão social ocorre por meio da força.

Ela surgiu no departamento de sociologia da Universidade de Chicago e estudou a criminalidade daquela cidade por métodos empíricos e práticos, valorizando muito a observação da realidade.

Este método de investigação é uma das mais importantes contribuições da Escola de Chicago, sendo importante para o entendimento da criminalidade em todas as cidades.

A Escola de Chicago apontou como algumas das causas da criminalidade a desorganização social e a consequente redução do controle social informal surgida em razão do crescimento das cidades, especialmente em cidades que passaram por intensa urbanização causada por migrações internas e imigrações, que resultam no enfraquecimento do Controle Social Informal. Esse fenômeno das migrações ocorreu nas cidades do Estados Unidos e no Brasil, nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Estudos realizados no Brasil, seguindo a metodologia da Escola de Chicago, concluíram que a criminalidade é mais elevada nos bairros onde há maior desorganização social causada pela ausência do Estado e pela ocupação recente do espaço urbano, o que resulta em laços sociais fracos entre os habitantes e consequentemente na redução do controle social informal.

A teoria das zonas não pode ser integralmente aplicada ao Brasil, pois nos Estados Unidos a segunda zona é a que possui desorganização social enquanto nos subúrbios vive a população mais rica, mas no Brasil a desorganização social ocorre na periferia, onde mora a população mais pobre, enquanto a população com melhor poder aquisitivo vive próxima ao centro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Valter; FERNANDES, Newton. Criminologia Integrada. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço Urbano e Criminalidade: Lições da Escola de Chicago. São Paulo: Editora Método, 2004.

GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. O que é Criminologia. Trad. Danilo Cymrot. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Introdução aos Fundamentos Teóricos da Criminologia (Primeira Parte). In: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 8. ed. Trad. Luiz Flávio Gomes, Yellbin Morote García, Davi Tangerino. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 29-484.

GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 8. ed. Trad. Luiz Flávio Gomes, Yellbin Morote García, Davi Tangerino. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

LIMA JÚNIOR, José César Naves de. Manual de Criminologia. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.


Autor

  • Wilke Teixeira dos Santos

    Advogado, Analista Técnico Administrativo da DPU; especialista em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública pela Universidade Anhanguera-Uniderp; especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá; especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade Escola Paulista de Direito, EPD.

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