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Normas híbridas (material e processual) e o princípio da retroatividade benéfica

Normas híbridas (material e processual) e o princípio da retroatividade benéfica

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A norma que é, ao mesmo tempo, penal e processual penal (híbrida) retroage para beneficiar o agente?

Sumário: RESUMO. INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – ANÁLISE DAS NORMAS DE DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL  1 – Considerações Preliminares. 1.1 – A Norma Penal. 1.1.1 – A Lei Penal no Tempo. 1.2 – A Norma Processual Penal . 1.3 – A Norma Constitucional . CAPÍTULO II – O ORDENAMENTO JURÍDICO. 2.1 – O Sistema de Direito Positivo. 2.1.1 – Os Princípios no Âmbito do Direito Positivo. 2.1.2 – A Unidade do Sistema. 2.1.3 – Edição de Normas. 2.2 – As Antinomias e a Auto-integração das Normas. CAPÍTULO III – O ORDENAMENTO JURÍDICO..3.1 – Disposições Gerais. 3.2 – Modos de Aplicação da Norma Híbrida. 3.2.1 – Jurisprudência. CONCLUSÃO.. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 

RESUMO: O presente trabalho tem como escopo desenvolver análise concernente a aplicação das normas penais-processuais penais híbridas em face do magno princípio constitucional da retroatividade da lei benéfica ao agente. Eis que, da aplicação de referida norma aparentemente resulta certa antinomia, a qual por certo deve ser expurgada do sistema de direito positivo. Com efeito, a análise levará em conta o caráter da norma penal singularmente considerado, bem como da norma processual penal e da norma constitucional, para ao final ser atribuído tratamento específico à categoria das normas híbridas, a fim de solucionar a pergunta problema.

Palavras chave: Norma Penal, Norma Processual Penal, Norma Constitucional, Princípios, Antinomia, Direito Positivo.


INTRODUÇÃO

O escopo fundamental deste trabalho é oferecer suporte aos operadores do Direito, suscitar a reflexão por parte de acadêmicos, bem como analisar a jurisprudência predominante no que concerne às normas penais e processuais penais e a questão do princípio constitucional segundo o qual a lei penal benéfica deverá retroagir para favorecer o agente da prática de uma conduta tipificada em norma penal.

Como considerar referido postulado constitucional em relação às normas híbridas (de natureza penal e processual penal) quando confrontadas com o princípio da retroatividade benéfica? Eis que, referido questionamento ganha relevância, na medida em que é cediço que às normas processuais não retroagem tal qual a norma de direito material.

Para responder a este questionamento, a pesquisa a se desvelar baseia-se nos escólios doutrinários, analisando seus entendimentos sobre o tema, mostrando a divergência sobre certos aspéctos, assim como em legislação e jurisprudência.

Ora, desde já cabe estabelecer em linhas gerais a espécie normativa com a qual se pretende escalpelar neste artigo, todavia, antes disso, convém assinalar que no âmbito do Ordenamento Jurídico, há um conjunto de normas (entendidas estas como um complexo estrutural de regras e princípios, editadas pelas autoridades competentes, em estrita observância ao procedimento legislativo vigente, as quais sujeitam seus destinários por meios de comandos genéricos e abstratos, impondo comportamento ou abstenção de fato).

Com efeito, referidas normas integrantes do Ordenamento Jurídico, são, por assim dizer seu substrato e, em uma concepção mais ortodoxa do jurista Hans Kelsen, são normas de um modo geral, sem distinção entre si, salvo no que diz respeito à sua hierarquia.

Cabe ressaltar, outrossim, que às normas jurídicas são válidas para uma determinada sociedade, num dado momento histórico e estão incumbidas da função de disciplinar condutas humanas, de estabelecer organização social e evitar a ocorrência de conflitos intersubjetivos e, quando verifiados, resolvê-los através do manejo das técnicas de composição de litígios encartadas pelas referidas normas. Contudo, para tanto é imperioso evitar a ocorrência de antinomias.

Nessa linha de raciocínio, a cisão entre norma processual (norma de direito processual) e norma material (norma de direito substantivo), para o presente estudo, respectivamente, norma processual penal e norma penal é meramente didática, haja vista que no plano hierárquico das normas, ambas possuem o mesmo patamar, não havendo entre ambas sujeição, mas sim coordenação no plano horizontal.

Neste contexto, portanto, é imperioso encetar a ideia de sistema, que pode ser entendido de forma singela como um conjunto unitário integrado por diversas subpartes, as quais se interrelacionam harmoniosamente com base em certos princípios, os quais as mantém integradas.

Deveras, as normas jurídicas como um todo, compõem o sistema normativo, no caso do Brasil, às leis válidas e vigentes integram o Ordenamento Jurídico brasileiro. Assim, no âmbito de referido sistema é que se pretende desvendar a melhor solução para a pergunta problema, ao analisar o tema a luz da estática e da dinâmica na qual às normas jurídicas se relacionam no âmbito desse sistema.

Desta forma, o trabalho será realizado com uma introdução, seguida de três capítulos e ao final haverá uma conclusão.


CAPÍTULO I – ANÁLISE DAS NORMAS DE DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL

1 – Considerações Preliminares

Conforme já apresentado na introdução, três categorias de normas jurídicas serão consideradas no presente estudo, a saber: a norma penal, a norma processual penal e a norma constitucional, máxime a norma principiológica.

Deste modo, nos tópicos subsequentes segue-se a análise de cada uma dessas modalidades específicas.

1.1 – A Norma Penal

A norma penal compõem a tríade normativa a ser considerada no presente estudo, sua índole notadamente é de direito material, substancial, justamente por referir-se ao direito propriamente dito. E, para se ter uma ideia mais clara a respeito, importa trazer a lume o conceito de direito penal. Assim, segue abaixo o conceito suscinto e bastante adequado do professor Von Liszt, para quem “o direito penal é o conjunto das prescrições emanadas do Estado que ligam ao crime, como fato, a pena como consequência” (apud JESUS, 2015, p. 47).

Eis que, em matéria de direito penal, o direito tutelado é o da sociedade, na medida em que as normas penais protegem bens jurídicos com o escopo de proteger a harmonia e a paz sociais, protegendo por meio da tutela jurídica os bens jurídicos mais importantes do meio social, como também constitui-se um direito subjetivo[1] do Estado, o jus puniendi, que consiste no direito-dever-poder de punir o infrator da norma.

Insta salientar que, em matéria de direito penal, é imperioso conceituar o binômio “direito penal objetivo” e “direito penal subjetivo”. Para o professor Paulo José, tais categorias podem ser conceituadas da seguinte forma: “o direito penal objetivo é o conjunto de normas que descrevem os crimes os crimes, cominando sanções por sua infração”, e “o direito penal subjetivo é o direito de punir (jus puniendi). Só o Estado poderá exercê-lo, em função do seu poder de império” (COSTA JR. et all, 2010, p. 46).

1.1.1 – A Lei Penal no Tempo

Assentes tais premissas, convém aduzir que o tema está relacionado à retroatividade da norma penal, a qual, por sua vez encontra-se albergada no instituto da aplicação da lei penal no tempo.

Desta forma, necessário se faz examinar no Ordenamento Jurídico o instituto da lei penal no tempo. Assim, verifica-se no bojo do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), artigo 4ª, a seguinte disposição: “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”

Evidentemente, o Código Penal adota a teoria da atividade, pois, o momento do crime é definido no instante da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Acresce-se, ainda, que, no mesmo diploma legal, em seu artigo 3º, encontra-se a previsão da lei excepcional ou temporária, que consiste na “norma cuja vigência é previamente fixada pelo legislador. Findo o período para o qual foi promulgada, deixa de existir, sem necessidade de uma nova lei ab-rogatória” (COSTA JR., 2010, p. 81).

Já o artigo 2º trata especificamente da lei penal no tempo, com efeito, observe o que preconiza referido dispositivo:

Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Grifo acrescido)

Parágrafo único. A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que já decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Não obstante a clareza do dispositivo em apreço, é cediço que hodiernamente não está mais em voga o velho brocardo in claris cessat interpretatio, pois, a interpretação gramatical não é a única forma de se interpretar um dispositivo, bem como, pode haver imperfeições quanto ao sentido e alcance da terminologia empregada.

Deste modo, passando-se a elucidação do dispositivo, verifica-se, na análise de Manzione que: “o caput do artigo estabelece a irretroatividade da lei penal, que não poderá ser aplicada a fatos anteriores a sua vigência” (MANZIONE, 2001, p. 22) e segue aduzindo em relação ao parágrafo único deste mesmo dispositivo, que:

O parágrafo único no entanto, admite uma exceção, a de que a lei retroagirá quando trouxer benefício para o agente. Assim, frente a norma mais benéfica prevalecerá o princípio da retroatividade da lei mais favorável. (sic) (MANZIONE, 2001)

Ora, com base na interpretação sistemática da lei penal no tempo, observa-se que a norma excepcional ou temporária (artigo 3º), terá aplicação prefixada pelo legislador, já em relação à teoria adotada para o tempo do crime, o artigo 4º preconisa a teoria da atividade, e, o artigo central da temática – o artigo 2º - encampa dois princíos, quais sejam: o ‘princípio da irretroatividade da lei mais severa” e o da “retroatividade da lei mais benéfica”[2].

Há de se destacar em relação a estes dois princípio, que, para o professor Damásio, “esses dois princípios podem reduzir-se a um: o da retroatividade da lei mais benigna.” (JESUS, 2015, p. 115). Contudo, os professores Paulo José e Fernando José, adotam a antítese deste entendimento, ao aduzir que: “tentou-se debalde unificar ambos os princípios num só. São dois princípios similares, mas paralelos, que se conduzem rumo à justiça ideal. Impossível unificá-los (reductio ad unum), como se pretendeu.”

Em verdade, entende-se que as consequências da irretroatividade da lei mais gravosa e a retroatividade da lei mais benéfica redundam na conclusão de que a norma penal mais benéfica retroagirá ou até mesmo ultra-agirá para beneficiar o agente, ao passo que a norma penal mais gravosa, não retroagirá, como também não ultra-agirá. Com isso, depreende-se que a norma mais benéfica possui extra-atividade.

Não obstante, como referidas possibilidades são paralelas, também é possível concluir que igualmente hiperbólica é a assertiva atinente à impossibilidade de unificação dos dois princípios em um, dado o fato de que são correlatos. Entretanto, entende-se mais ortodoxo a adoção dos dois princípios, ainda que isto seja expletivo, a fim de se ampliar o alcance do instituto consagrado, bem como para não inferir de forma negativa (por exclusão) quanto ao princípio inverso.

Posto isto, resta assente que a norma penal mais benéfica possui extra-atividade (retroatividade e ultra-atividade) para beneficiar o agente, todavia, a lei mais severa não ultra-age e nem retroage.

1.2 – A Norma Processual Penal

Pondere-se, em matéria de norma processual penal que, não obstante o direito processual penal se caracterize pela aplicação da lei penal (direito formal ou adjetivo)[3], possui caráter instrumental, diferenciando-se da norma penal (de direito material ou substantivo), da qual se vale para que o Estado aplique o jus puniendi.

A vista do aduzido, imperioso se faz a menção do conceito de direito processual penal, e, para tanto, colaciona-se o conceito do saudoso professor Júlio Fabbrini Mirabete, que leciona o seguinte:

Este é o conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princípios e regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal. Sua finalidade é, assim, a aplicação do direito penal objetivo. - Grifos no original - (MIRABETE, 1997, p. 29)

Assentes o conceito do direito processual penal, bem como sua autonomia em face do direito penal, convém perquirir quanto a possibilidade da retroatividade ou não de suas normas. Haveria ou não alguma semelhança com o direito penal?

Certamente, a resposta mais clara para este questionamento se encontra na própria lei processual penal. Eis que, dispõe o artigo 2º do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), que: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.”

Com efeito, neste contexto nota-se a diferença entre a norma penal (substancial ou de direito material) e a norma (adjetiva ou de direito processual), porquanto, em relação à primeira opera-se o instituto da retroatividade da norma benéfica, ao passo que em relação a segunda, o mesmo não ocorre.

Contudo, o problema surge, na medida em que no sistema de direito positivo brasileiro, a despeito de sua harmonia e integridade, apresenta às normas penais-processuais penais (normas híbridas[4]) e, como confrontá-las em face do magno princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica[5]?

Acresce-se, ainda, em relação à norma processual penal, a luz do artigo 2º em apreço, que, referido dispositivo consagra o princípio do tempus regit actum, segundo o qual, a lei processual penal terá aplicação imediata (princípio da aplicação imediata ou do efeito imediato). E, por pertinente à discussão, observe-se abaixo o ensinamento dos juristas Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves,  referente ao princípio tempus regit actum, onde se consigna que:

De acordo com esse princípio, os novos dispositivos processuais podem ser aplicados a crimes praticados antes de sua entrada em vigor. O que se leva em conta, portanto, é a data da realização do ato (tempus regit actum), e não a da infração penal. - Destaque no original - (REIS & GONÇALVES, 2015, p. 38)

Posto isto, verifica-se que a norma processual penal pauta-se pelo princípio da aplicação imediata ou do efeito imediato, seja a norma posterior mais benéfica, ou não.

1.3 – A Norma Constitucional

A norma constitucional é a norma ápice do Ordenamento Jurídico, pois representa a lei fundamental do Estado. E, para o eminente jurista José Afonso da Silva, o direito constitucional configura-se “como Direito Público fundamental por referir-se diretamente à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política[6].” - Grifos no original - (SILVA, 2011, p. 34)

Nesta seara do direito, convém lembrar que para o austríaco jurista Hans Kelsen, a Constituição è a “norma fundamental hipotética”, na medida em que serve de fundamento para às demais normas do sistema e por regulamentar o modo de produção das demais normas jurídicas, destarte, situa-se no plano mais alto do Ordenamento Jurídico. E, nas palavras do autor:

o pressuposto da norma fundamental [...] coloca a constituição na camada jurídico-positiva mais alta – tomando-se a Constituição no sentido material da palavra -, cuja função essencial consiste em regular os órgãos e o procedimento da regulamentação jurídica geral, ou seja, da legislação. (KELSEN, 2012, p. 132)

Ora, em face da supremacia da Constituição, corolário disso, suas normas – entendidas estas como às regras e princípios – se sobrepõe em relação às demais normas do Ordenamento Jurídico e, justamente por esta razão às normas ulteriores à Constituição são denominadas normas infraconstitucionais, haja vista a necessidade observancia ao eixo de compatibilização vertical, portanto, toda norma infraconstitucional deve se submeter a Lei Maior.

Com efeito, na aplicação da lei penal ou processual penal, bem como dos demais ramos do direito, há de se ter em vista a supremacia da Constituição. E, referido argumento se impõe, na medida em que o artigo 5º da Constituição contempla uma série de normas fundamentais, sendo que uma boa gama delas são de índole penal e processual penal, a exemplo, em materia de direito penal, destaca-se: (inciso XXXIX – princípio da legalidade; inciso XL – princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica; bem como os incisos XLI a XLVIII, entre outros) e em matéria de direito processual penal, tem-se (inciso LIV – princípio do devido processo legal; LV – princípio do contraditório e ampla defesa; inciso LVI – princípio da inadimissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos; inciso LVII – princípio da presunção de inocência; etc.).

Neste sentido, nota-se a aplicação do princío da lei penal benéfica, também prevista no citado artigo 5º, no inciso XL - conforme já destacado acima - constitui um princípio de acentuada importância quando da aplicação da lei penal. Entretanto, mais uma vez convém lembrar que há no sistema normas híbridas, de natureza penal e processual penal com as quais o jurista e o hermenêuta se deparará (o que será melhor apreciado no capítulo II, tópico 2.2).

Por ora, resta acente que às normas constitucionais são preponderantes, de modo que sua aplicação é inexorável, sob pena de inconstitucionalidade, portanto, normas penais híbridas ou não, desde que mais benéficas, deverão, tanto quanto possível observar o preceito constitucional, portanto, resta verificar de que modo isso ocorre em relação às normas híbridas (penal-processual penal).


CAPÍTULO II – O ORDENAMENTO JURÍDICO

2.1 – O Sistema de Direito Positivo

Para introduzir este assunto, reemprega-se a conceituação encetada na introdução, na qual se diz que sistema é um conjunto unitário integrado por diversas subpartes, as quais se interrelacionam harmoniosamente com base em certos princípios, os quais as mantém integradas.

Corroborando com esta assertiva, segue abaixo uma definição léxica de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, para quem, sistema é:

1. Conjunto de elementos, entre os quais haja alguma relação. 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam estrutura organizada. 3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie. 4. Método, plano. 5. Modo, jeito. 6. Modo de governo, de administração, de organização social. [...]. (FERREIRA, 2002, p. 639)

Ressalta-se que, “a noção de sistema deve estar presente na mente do jurista, mesmo considerando a técnica da separação didática dos ramos do Direito, e além disso, do ponto de vista da ciência, o Direito é uno” (CARDOSO, 2009, p. 50).

Na mesma linha de raciocínio, Dirley da Cunha, apresenta o conceito de sistema com um enfoque mais jurídico do assunto, ao consignar que:

tem-se por sistema o conjunto ordenado e organizado de partes (normas jurídicas) componentes de um todo unitário, relacionadas entre si e interdependentes. O sistema jurídico consiste exatamente na reunião ou composição, numa perspectiva unitária, ordenada e organizada, coerente e harmônica, das diversas unidades normativas. – Grifo no original - (CUNHA JR., 2011, p. 34)

Posto isto, resulta esclarecido que o Ordenamento Jurídico é um sistema de normas oriundas do direito positivo.

2.1.1 – Os Princípios no Âmbito do Direito Positivo

Deveras, todo jurista ao encetar o tema “princípios”, inicia por destacar que referido termo é equívoco, porquanto apresenta uma pluralidade de significados. Outro ponto de consenso reside na ideia de que o termo em apreço exprime a noção de início. No sentido etimológico, apontado pelo tributarista Roque Antônio, princípio: “(do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer.” (sic) (CARRAZA, 2008, p. 36)

Para Maurício Godinho, princípio: “significa, ainda, ‘proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos’ e, nesta dimensão, ‘proposição lógica fundamental sobre a qual se apóia o raciocínio’” (DELGADO, 2006, p. 184).

Referido assunto, ganha importância na medida em que o estudo das normas é indissociávela da ideia de sistema (neste caso, diz-se princípios em relação ao sistema de direito positivo), os quais, por conseguinte, são estruturados sob certos princípios, dai a relevância de se analisar os princípios.

Observe-se que: “na presente análise, os princípios serão considerados em face do Direito, contudo, os princípios também guardam relação com a autonomia científica[7], a qual só se verifica quando um determinado ramo do saber passa a se sustentar por princípios prórpiros” (CARDOSO, 2009, p. 6).

Ademais, segue a definição mais recorrentemente citada, a do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, onde se diz que princípio:

é, por definição mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (MELLO, 2008, pp. 942-943)

Outrossim, importa aduzir que no âmbito do sistema de direto positivo, existem às normas que em seu conjunto compõem o sistema. Contudo, daí surge um problema, pois, parte da doutrina entende que às normas são regras e princípios.

Notadamente a doutrina majoritária classifica às normas como gênero das subespécies regras e princípios, nesse sentido (Dirley da Cunha Júnior, Roque Antônio Carraza, Paulo Bonavides e outros), na via oposta, encontra-se José Afonso da Silva, o qual, ao afirmar sua posição se vale de um escólio do eminente professor J. J. Gomes Canotilho, onde leciona que no sistema há normas e princípios. No entanto, ao fazê-lo adverte que o autor citado por ele divergiu no assunto em trabalhos distintos (SILVA, 2011, p. 92). Ora, a própria ressalva do autor enfraquece seu argumento.

Assim, para o presente estudo, opta-se por evitar o dualismo, portanto, adota-se a corrente majoritária, para a qual o sistema é composto por normas, a saber: normas-regras e normas-princípios, às quais interagem e mantém o sistema integrado como um todo unitário, sendo certo que suas subpartes interagem harmonicamente no afã de cumprirem o desiderato do sistema.

2.1.2 – A Unidade do Sistema

A essa altura, é intuitivo reconhecer que o direito é um sistema de normas, ou seja, de regras e princípios, sendo às regras os dispositivos expressos em texto de lei (comandos genériocos e abstratos); já os princípios, nem sempre se encontram positivados em norma, em geral possuem maior abstração do que uma regra.

Depreende-se, que ambas as espécies de normas interagem para reger condutas humanas a fim de garantir a harmonia e a paz social.

Para desenvolver este tópico, sintetiza-se às ideias mais aprofundadas na monografia “a atuação axiológico-normativa dos princípios no sistema de Direito Positivo brasileiro”[8], assim, conforme analisado em referido trabalho, o pressuposto fundamental de um princípio é a compatibilidade lógica das ideias que integram esse conjunto de elementos.

Nesse contexto, “se houver alguma incompatibilidade lógica entre as ideias de um mesmo sitema científico, duvidosas se tornam as referidas ideias, os fundamentos do sistema e até mesmo o próprio sistema” (DINIZ, 2003, p. 17)

Outrossim, há de se ter em vista a advertência de Paulo de Barros, quanto a pluralidade de sentidos da expressão “sistema”, onde se diz que:

Sistema jurídico é expressão ambígua que, em alguns contextos, pode provacar a falácia do equívoco. Com esse nome encontramos designados tanto o sistema da Ciência do Direito quanto o do direito positivo, instaurando-se certa instabilidade semântica que prejudica a fluência do discurso, de tal modo que, mesmo nas circunstancias de inocorrência de erro lógico, a compreensão do texto ficará comprometida, perdendo o melhor de sua consistência. (CARVALHO, 2003, p. 130)

De certo, as regras e princípios integram o sistema de Direito Positivo, como visto. Entretanto, imperioso se afigura que o sistema do qual ora se trata é o de normas e não o da Dogmática.

Em relação à correlação regra-princípio, Rizzatto Nunes, desta que: “os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa inincidência no plano da realidade”. (NUNES, 2008, p. 182)

Miguel Reale, por sua vez, destacou que os princípios são alicerces do sistema, de sorte que o estabiliza, visto que: “princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”. (REALE M. , 1999, p. 60)

Outra noção doutrinária importante e, por certo bastante correta é assertiva de Antônio Cappi e Carlo Crispim Baiocchi Cappi, ao asseverar que: “o Direito, como qualquer cálculo lógico, seria um sistema científico axiomático formal, unitário, coerente e completo”. (CAPPI, 2004, p. 61) Notadamente, referida obra aborda o caráter lógico do sistema, haja vista que o Direito também pode ser concebido como um sistema lógico linguistico, tal como a matemática.

Corolário disso, nota-se que o Direito Positivo é um verdadeiro sistema, que funciona de forma coerente e harmônica na consecução da regulamentação da conduta humana no âmbito social.

 2.1.3 – Edição de Normas

Assente o conceito de sistema de direito positivo, importa observar como nascem às normas jurídicas. Para tanto, vem a tona a ideia de separação das funções estatais em legislativa, executiva e judicial, sendo que, a atividade legiferante compete por óbivio ao Legislativo. Referida divisão, inicialmente esboçada por Aristóteles de Estagira (384 a 322 a.C.) e aperfeiçoada por Montesquieu em sua obra “De L’esprit des Lois” – “O Espírito das Leis” – (1689 a 1755), vem sendo reconhecida pelo Constitucionalismo como uma das exigências básicas de um verdadeiro Estado Democrático.

A par disso, sabe-se que a atividade legislativa, por óbvio pertence ao Legislativo, todavia, é imprescindível que referido mister seja desempenhado com regras precisas e claras a fim de que haja um rigor metodológico na elaboração das normas, com vistas a assegurar o interesse do povo, e a este processo atribui-se o nome de “processo legislativo”.

Com efeito, o Poder Legislativo realiza sua atividade típica de editar leis e para tanto, observa às regras atinentes ao processo legislativo, às quais se encontram previstas na Constituição, nos artigos 44 ao 69.

Eis que, conforme bem leciona o professor Dirley:

O processo legislativo pode envolver, basicamente, três procedimentos. Entende-se por procedimento o rito ou a forma de tramitação das propostas legislativas. A Constituição contempla: 1) o procedimento ordinário; 2) o procedimento sumário; e 3) os procedimentos especiais. (CUNHA JR., 2011, p. 1023)

Uma característica importante do processo legislativo, consiste na inovação da ordem jurídica, visto que, ao elaborar-se uma nova lei cria-se um direito novo, tutela-se uma nova conduta no meio social e, referida prerrogativa é pertencente (em sua forma típica) unicamente ao Legislativo.

É bem verdade que o Executivo e o Judiciário editam atos infranormativos, contudo, como o próprio nome sugere, tais atos encontram-se subordinados às leis e, por conseguinte, não inovam a ordem jurídica, mas apenas a regulamentam no sentido de conferir-lhe aplicabilidade.

Outrossim, em relação ao processo legislativo, pondere-se em linhas gerais suas fases internas[9], sendo elas:

a) apresentação do projeto, que, em regra, ocorrerá perante a Câmara dos Deputados [...]; b) exame do projeto pelas comissões permanentes, que emitirão pareceres a respeito; c) deliberação ou votação; e d) revisão na casa legislativa revisora, que, em regra, será o Senado, onde se repetirão todas as fases anteriores. (CUNHA JR., 2011, p. 1023) – [grifo no original]

Acresce-se, ainda, que às fases relacionadas à deliberação, são denominadas de fase constitutiva e a fase da promulgação e da publicação (que lhes são subsequêntes), são denominadas fase complementar, conforme lição de Pedro Lenza (2008, p. 406 a 409).

Outro dado dígno de nota, está relacionada às espécies normativas, às quais encontram-se insculpidas no bojo do artigo 59 da Constituição da República, quais sejam: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decreto legislativo e VII – resoluções. Observando-se que competirá à lei complementar dispor sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (nos termos do parágrafo único do citado dispositivo).

Ressalta-se que, a lei é instituída para viger, de modo que, em regra, uma lei deve viger até que outra a revogue ou modifique (artigo 2º, do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1.942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), ressalvado às leis temporárias e excepcionais, ex vi legis artigo 2º e parágrafo único, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1.940 (Código penal).

Pondere-se, ainda, que a norma terá sua vigência, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1.942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), depois de 45 (quarenta e cinco) dias oficialmente publicada e nos Estados estrangeiros, onde admitida, sua obrigatoriedade ocorrerá 3 (três) meses, depois de oficialmente publica. Destarte, o professor Fernando da Costa pondera o seguinte a respeito da vacatio legis:

Depois de elaborada, promulgada e sancionada, a lei é publicada. Mas, mesmo publicada, ela só começaa viger, via dee regra, depois de certo lapso de tempo, suficiente para se tornar conhecida. Esse lapso de tempo – vacatio legis – varia [...]. (TOURINHO FILHO, 1995, p. 89)

Quanto às espécies normativas é possível aduzir no sentido de que haja alguma hierarquia entre elas, com base na denominada “pirâmide de Kelsen”, mas não há consenso na doutrina se haveria ou não hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária, entretanto, entendemos que sim, posto que há distinção quanto o modo de elaboração de referidas normas e em alguns temas específicos o próprio legislador constituinte originário exigiu especificamente esta ou aquela modalidade normativa. Outrossim, conforme citado no parágrafo anterior, compete à lei complementar dispor sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, ora, por referida circunstância, não resta dúvida de que a lei complementar deve ser reputada como hierarquicamente superior à lei ordinária.

Portanto, uma vez editadas, às normas jurídicas passam a compor o sistema de direito positivo, estando apta a reger condutas, criar direitos, prerrogativas e sujeições; garantindo ou restringindo interesses, bem como transendo novo regramento no seio socioal.

2.2 – As Antinomias e a Auto-integração das Normas

 É importante salientar que, no âmbito do sistema de direito positivo, quando da análise de um caso em concreto é possível que o hermenêuta se depare com um determinado fato que aparentemente apresente mais de uma solução normativa possível. A este fenômeno normativo atribui-se o nome de antinomia.

Ab initio, convém destacar que tal qual o fenômeno da antinomia os denominados critérios de integração da norma jurídica, previstos no artigo 4º, do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1.942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) – analogia, costumes e princípios gerais de direito – em que pese o fato de igualmente auxiliarem quanto a aplicação da norma têm cabimento voltado para a hipótese de omissão da lei, pois, se eventualmente a lei for omissa, por outro lado o sistema não o é, de sorte que o próprio ordenamento jurídico vislumbrou a existência de tais institutos a fim de auto-integrar a norma e, por conseguinte, viabilizar solução em referidos casos.

Ora, evidentemente tais instrumentos não se aplicam para às hipóteses de antinomia, haja vista que neste último caso a lei não é omissa, antes pelo contrário, há em tese mais de uma norma possível a ser aplicada ao caso concreto. Depreende-se desta assertiva que o fenômeno da antinomia é solucionado por critérios próprios.

Observe-se, que para a caracterização da ocorrência do fenômeno da antinomia, são necessários alguns requisitos específicos, tais como apontado por Adriana:

são necessários os seguintes pressupostos: a) que sejam jurídicas; b) que estejam vigorando; c) que estejam concentradas em um mesmo ordenamento jurídico; d) que emanem de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito; e) que tenham comandos opostos, por exemplo, que uma permita e a outra obrigue dada conduta, de forma que uma constitua a negação da outra; f) que o sujeito a que se dirigem fique numa situação insustentável. (ESTIGARA, 2005)

Feitas tais considerações, passa-se agora para a os critérios específicos para a solução dos casos de antinomia. Assim, com base no escólio do eminente Norberto Bobbio, tem-se o seguinte:

As regras fundamentais para a solução das antinomias são três:

a)o critério cronológico;

b)o critério hierárquico;

c)o critério da especialidade. (BOBBIO, 2014, p. 94)

Evidentemente, os respectivos nomes dos critérios apontados sugerem seu conceito, assim, verifica-se: a) critério cronológico – lex posterior derogat priori; b) critério hierárquico – lex superior derogat inferiori, e c) critério da especialidade – lex specialis derogat generali.

Ressalta-se, ainda, que para referido autor, podem ocorrer às antinomias solúveis (aparentes), ou às insolúveis (reais) (idem, ibidem). Corolário disso, é possível cogitar em uma possível antinomia quanto ao regramento a ser aplicado na norma penal-processual penal híbrida, pois, para o direito penal vigora o princípio da retroatividade benéfica, enquanto que no direito processual penal vigora o princípio do tempus regit actum, seja como for, o tema será melhor apreciado no capíto III.


CAPÍTULO III – O ORDENAMENTO JURÍDICO

3.1 – Disposições Gerais

A esta altura, convém enfrentar a pergunta problema deste estudo, que consiste na indagação sobre: como considerar o postulado constitucional em relação às normas híbridas (de natureza penal e processual penal), quando confrontadas com o princípio da retroatividade benéfica?

Observa-se que na doutrina é possível encontrar o ensinamento do professor Nestor Távora, o qual, ao seu turno reconhece a importância da presente temática, ao consiguinar que: “Questão palpitante diz respeito à solução para aplicação da lei mista (ou híbrida), entendida como aquela que comporta aspectos de direito material e direito processual.” (TÁVORA & ROQUE, 2013, p. 11)

Problematizando, denota-se que encontram-se em cena um princípio constitucional, a norma penal material e a norma penal processual, sendo que o princípio, por ser de índole constitucional possui natureza transcedental, todavia, por ser mais difuso do que uma norma-regra, encontra suas condicionantes nas normas infraconstitucionais. E, neste plano é que reside em tese uma provável antinomia, no mínimo uma antinomia aparente (conforme retroanalisado no capítulo II, item 2.3).

É sabido que, às normas, penais-processuais penais e às normas em geral integram o sistema e devem coexistir harmonicamente, sendo certo que eventuais antinomias devem ser expurgadas pelo sistema com os mecanismos nele já previstos. Logo, na sequência passa-se a analisar como deverá ocorrer esta interação normativa.

3.2 – Modos de Aplicação da Norma Híbrida

A vista do exposto, antes de se aprofundar em questões doutrinárias, importa colacionar o texto do artigo 2º do Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1.941 (Código de Processo Penal), o qual estabelece que: “Art. 3.º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da valiade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.”

Como cediço, referida norma trata do princípio do tempus regit actum, ou princípio da aplicação imediata. E, avaliando a importância deste instituto, o professor Júlio Fabbrini, aduz que: “o fundamento lógico desse princípio é o de que a lei nova presumidamente é mais ágil, mais adequada aos fins do processo, mais técnica, mais receptiva das novas e avançadas correntes do pensamento jurídico.” (MIRABETE, 1997, p. 58)

Para o professor Fernando da Costa, não resta dúvidas de que às normas processuais penais diferenciam das penais, pois, para referido autor: “[...] a lei processual penal tem aplicação imediata. [...] Infere-se, pois, que a lei processual penal não tem, como já se pensou, efeito retroativo”. (TOURINHO FILHO, 1995)

Por outro lado, é certo que o entendimento retroexposto, embora largamente predominante, não é majoritário. Eis que, para os professores Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves, a norma mista deverá retroagir se for mais benéfica ao agente. Por pertinente à análise, segue abaixo o texto atinente às normas híbridas:

São aquelas que possuem conteúdo concomitantemente penal e processual, gerando, assim, consequências em ambos os ramos do Direito. Em tais casos, em atenção à regra do art. 5º, XL, da Constituição Federal, a lei nova deve retroagir sempre que for benéfica ao acusado, não podendo ser aplicada, ao reverso, quando puder prejudicar o autor do delito cometido antes de sua entrada em vigor. (REIS & GONÇALVES, 2015, p. 40)

Referidos professores seguem aduzindo no sentido que às normas híbridas mais severas não retroagirão. Neste caso, citam os exemplos de possível alteração legislativa no instituto da prescrição e decadência (norma de direito material) que por se referir à possibilidade de extinção da punibilidade, possuem conteúdo de natureza processual penal; bem como, menciona possível alteração mais gravosa no instituto da suspensão condicional do processo – artigo 89 da Lei nº 9.099/1.995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), não deveria retroagir. (idem, ibidem). Contudo, referidos autores tratam do tema “normas híbridas ou mistas” em apenas três parágrafos, sendo que no primeiro deles demonstram serem favoráveis à retroatividade da lei mista e ao não especificarem quanto ao aspecto material, leva a crer que também deverá retroagir.

Há também, o posicionamento de Aury (LOPES JR., s. a., p. 214 apud TÁVORA e ROQUE, 2013, p. 11) no sentido da admissibilidade da retroatividade não apenas da norma híbrida, mas também da norma processual propriamente dita, bem como há posicionamento contrário dos professores Nestor Távora e Fábio Roque, in verbis:

Percebemos que no Direito Processual Penal, não vigora o princípo da retroatividade ou princípio da retroatividade benéfica (art. 5º, XXXIX e XL, CF e art. 2º, CP), como ocorre no Direito Penal. Assim, benéfica ou maléfica, a lei processual será aplicada de pronto. Em sentido diverso, minoritário na doutrina, Aury Lopes Jr. sustenta que à norma processual penal aplica-se a regra da retroatividade benéfica, segundo a mesma rotina da lei material. (TÁVORA & ROQUE, 2013, p. 11)

Um dado interessante, reside na observação do professor Heráclito Antônio, para quem: “o princípio geral do efeito imediato é uma antinomia relativamente à retroatividade.” (MOSSIN, 2005, p. 9). Logo, surge a necessidade de resolver o problema, atribuindo-se tramento específico para a norma mista, pois, a norma penal é retroativa, mas a processual penal não o é.

Com efeito, já antecipando o entendimento ora adotado, destaca-se que em relação às normas híbridas, duas soluções são possíveis, sendo certo que para tanto o hermeneuta deverá focar no aspécto material da norma, portanto, conforme destacou o professor Nestor Távora, “se for benéfico, retroagirá, e a parte processual da lei terá aplicação a partir da sua vigência, já que os atos processuais eventualmente já praticados reputam-se válidos” (TÁVORA & ROQUE, 2013, p. 11). Por outro lado, destacou: “sendo maléfico, não há retroação, e aparte procerssual da lei só é aplicada aos crimes ocorridos após a sua entrada em vigor, ou seja, nenhum aspecto da norma é aplicado aos delitos que lhe são anteriores” (idem, ibidem).

Posto isto, referido posicionamento parece mais adequado para o tratamento específico das normas híbridas.

3.2.1 – Jurisprudência

No presente tópico, cabe frisar que o tema ora escalpelado encontra-se pacificado atualmente pela jurisprudência, como se observa no julgado colacionado abaixo:

TJ-RJ - HABEAS CORPUS HC 00509831820118190000 RJ 0050983-18.2011.8.19.0000 (TJ-RJ)

Data de publicação: 20/05/2013

Ementa: HABEAS CORPUS. DOIS HOMICÍDIOS QUALIFICADOS PELO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTE A DEFESA DO OFENDIDO, UM CONSUMADO E OUTRO TENTADO, EM CONCURSO MATERIAL (ART. 121 , § 2º , IV , E ART. 121 , § 2º , IV , C.C ART. 14 , II , N/F DO ART. 69 , TODOS DO CP ). ACUSADO QUE, APESAR DE CIENTIFICADO DA PRONÚNCIA E DO LIBELO, SE EVADE DO SISTEMA PRISIONAL, PERMANECENDO EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO. PROCESSO SOBRESTADO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NA ANTIGA REDAÇÃO DO ART. 451 , § 1º , DO CPP . DECISÃO DO JUÍZO DO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO QUE, EM RAZÃO DO ADVENTO DA LEI N.º 11.689 /08 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AOS ARTS. 420, 422 E 431 DO CÓDIGO DE RITOS , DETERMINOU A INTIMAÇÃO EDITALÍCIA DO RÉU PARA O JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI. NORMAS DE NATUREZA HÍBRIDA, QUE NÃO PODEM RETROAGIR EM PREJUÍZO DO ACUSADO. ORDEM QUE SE CONCEDE. 1. A nova redação de dispositivos do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 11.689 , de 09/06/2008, que entrou em vigor em 09/08/2008 estabeleceu a possibilidade de intimação editalícia da decisão de pronúncia do acusado solto que não for encontrado (art. 420 e seu parágrafo único), bem assim passou a permitir, em idêntica situação, que o réu seja intimado por edital para a sessão de instrução e julgamento (art. 431, c.c. o art. 420, parágrafo único) e que seja ele, caso não compareça, julgado à revelia pelo Tribunal do Júri (art. 457). 2. Cuidando-se, portanto, de normas de natureza processual e material, eis que influem no curso do prazo prescricional porquanto restará ele interrompido em caso de condenação do acusado pelo júri , é de se reconhecer a irretroatividade dos referidos dispositivos legais, que, por serem mais gravosos, não têm aplicação aos delitos cometidos anteriormente à sua vigência, impondo-se, pois, a anulação do processo a partir da decisão que determinou a realização de julgamento do paciente pelo Tribunal Popular sem a sua intimação pessoal, reconhecendo-se, em consequência, a ultra-atividade do disposto no § 1...

Referido entendimento também é encampado pelos Tribunais de Cúpula, conforme colacionado pelo professor Nestor Távora:

STF/589 – Aplicação da lei no tempo. Porte ilegal de arma. Denúncia e sentença. Aplicação da lei no tempo. Norma instrumental. Envolvida na espécie norma instrumental, como é o caso da revelada no art. 384 do CPP, tem-se a validade dos atos praticados sob a vigência da lei anterior – art. 2.º do CPP.//Denúncia e sentença. Porte ilegal de arma. Descabe cogitar de descompasso entre denúncia e sentença quando a primeira, baseada no art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei 10.826/03, muito embora consignando a posse ilegal de arma, retrata a apreensão em via pública, havendo ocorrido a prisão em flagrante, lastreando-se o título condenatório na posse ilegal. HC 96.296-RS, rel. Min. Marco Aurélio. (TÁVORA & ROQUE, 2013, p. 11)

Finalmente, ratificado o posicionamento retroexposto, segue abaixo mais um julgado pertinente ao tema:

Informativo Nº: 0509 - Período: 5 de dezembro de 2012 – 6.ª Turma.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. NORMA PROCESSUAL PENAL MATERIAL.

A norma que altera a natureza da ação penal não retroage, salvo para beneficiar o réu. A norma que dispõe sobre a classificação da ação penal influencia decisivamente o jus puniendi, pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa, portanto tem efeito material. Assim, a lei que possui normas de natureza híbrida (penal e processual) não tem pronta aplicabilidade nos moldes do art. 2º do CPP, vigorando a irretroatividade da lei, salvo para beneficiar o réu, conforme dispõem os arts. 5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP. Precedente citado: HC 37.544-RJ, DJ 5/11/2007. HC 182.714-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/11/2012.

Desta forma, resta destacado por meio do citado acórdão a posição predominante na jurisprudência dos Tribunais do País.


CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo fora analisada a norma penal, suas características peculiares, bem como da norma processual penal. Isso porque, para além de referidas normas, a proposta do trabalho visou solucionar o problema das normas híbridas (norma penal material e processual penal).

Com efeito, também se fez necessário lançar mão das normas constitucionais, pois, às retromencionadas normas híbridas deveriam ser confrontadas com o magno princípio da retroatividade in bonam partem.

Ora, se por um lado a norma penal de direito material, indiscutivelmente admite a retroatividade benéfica, o mesmo não se diz em relação às normas penais de natureza instrumental ou processual. E, de referida circunstância resulta a pergunta problema, por meio da qual indagamos inicialmente: como considerar referido postulado constitucional em relação às normas híbridas (de natureza penal e processual penal) quando confrontadas com o princípio da retroatividade benéfica?

Deveras, a pergunta problemas ao considerar às normas jurídicas e sua aplicação, necessário se fez abordar em linhas gerais o processo de elaboração das normas jurídicas, bem como, a análise também volveu-se ao âmbito de aplicação da norma jurídica, porquanto, da natureza dualista da norma híbrida, eventualmente seu manejo poderia render ensejo a antinomias, o que por sinal deve ser rechaçado pelo hermenêuta.

Neste contexto, observou-se que o próprio ordenamento jurídico, enquanto sistema de normas de direito positivo, é unico, harmônico e possui em seu âmbito meios próprios de solução de possíveis antinomias.

De resto, adentrando no cerne da questão, restou insito no capítulo III que da análise das normas híbridas o jurista deverá se ater precipuamente ao aspecto material da norma, sendo que, uma vez mais constatado no caso concreto como sendo mais benéfico ao agente, deverá retroagir para beneficia-lo.

Não obstante, o conteúdo de direito processual deverá ser aplicado a partir de sua vigência, uma vez que os atos processuais anteriores reputam-se válidos, com base no princípio do tempus regit actum.

Adverte-se, contudo, que a referida solução não consiste na cisão do conteúdo da norma jurídica híbrida, mas sim no enfoque do direito material, que constitui sua tônica para fins de análise da viabilidade da implementação do princípio da retroatividade benéfica, quando o caso concreto assim o admitir.

Outrossim, nos Tribunais do país, a despeito de posições contrárias apresentadas no texto, prevalece o entendimento ora adotado de forma pacífica.


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Notas

[1] Conforme Aníbal Bruno, apud Damásio de Jesus, ao analisar a natureza jurídica do jus puniendi, o considera como “um poder jurídico que se faz efetivo pela lei penal”. Assim, opõe críticas a corrente majoritária que entende o jus puniendi como um direito sujetivo, pois, segundo ele, “reduzí-lo a um direito subjetivo falsifica a natureza real dessa função e diminui a sua força e eficácia”. (JESUS, Damásio de. Direito Penal, volume 1: Parte Geral, 36.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 49).

[2] Cabe aduzir que, a norma mais benéfica, não apenas retroage, mas também poderá ultra-agir se for mais favorável ao agente. (JESUS, 2015, p. 116)

[3] A terminologia “direito adjetivo” recebe muitas críticas por parte da doutrina, pois, hodiernamente sustenta-se a convencionalmente denomida “autonomia do direito processual”, em vista de seu objeto (aplicação da lei), bem como de seus princípios (os quais não estão relacionados ao crime propriamente dito). Nesse sentido lecionou Leone, apud Fernando da Costa, o seguinte: “lo studio attento del processo penale dimostra largamente come sia facile riscontrare punti di contatto o di raffronto col processo civile piuttosto che col diritto penale sostantivo” (TOURINHO FILHO, 1995, p. 27). Referida assertiva reforça a autonomia do direito processual penal em face do direito penal.

[4] Conforme já encetado inicialmente na introdução deste estudo.

[5] No tópico atinente às antinomias será melhor apreciada esta questão (o que será melhor apreciado no capítulo II, tópico 2.2).

[6] Considerando que o presente trabalho trata da norma penal e processual penal em face de um princípio constucional específico, opta-se por não conceituar o “direito constitucional” no corpo do texto. Em todo caso, apenas para situar o leitor, emprega-se a conceituação deste mesmo autor, onde se diz que: “A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza  os elementos constitutivos do Estado.” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 35.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 37 e 38).

[7] A ciência do direito também recebe a terminologia de “dogmática” ou “Jurisprudência”, nesta acepção, com inicial maiúscula.

[8] Obra já citada, (CARDOSO, 2009, pp. 49-53).

[9] Conforme já aduzido, três são os procedimentos básicos em matéria de processo legislativo (o ordinário, o sumário e o especial), mas em linhas gerais, a tramitação da proposta de lei no órgão competente (o Congresso Nacional) obedece de forma generaliza a algumas características em comum. Com efeito, considerando que este não é o escopo deste estudo, trataremos do procedimento ordinário apenas, para demonstrar o processo por meio do qual às leis surgem no ordenamento jurídico brasileiro. Para maior aprofundamento do tema, ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 17.ª ed. São Paulo: Verbatim, 2013, pags. 446 a 463; SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 35.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pags. 524 a 429; LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pags. 385 a 443.


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