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O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica

O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica

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Este artigo analisa as formas de violência na família, principalmente contra o idoso, enquanto forma de desconstrução de sua figura valorativa no âmbito social e particular, assim como reflexo de uma resposta negativa às necessidades da idade avançada.

Introdução

A violência é fenômeno complexo, envolvendo fatores individuais, relacionais, comunitários e sociais. Ela está relacionada aos valores culturais, às expectativas em relação aos papéis de gênero, às desigualdades sociais e ao abuso nas relações de poder. É uma forma de resolução de conflitos mantida em nossa cultura, que pode ser revertida através de práticas sociais reflexivas e do desenvolvimento de formas pacíficas de solução. (ZUMA, 2004).

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) violência é “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (WHO, 1996, apud ZUMA, 2004).

No Relatório mundial sobre violência e saúde, publicado pela OMS em 2002, propõe-se uma tipologia em que a violência é dividida em três grandes categorias: a violência autoinfligida, a violência interpessoal e a violência coletiva. A violência na família e entre parceiro (a)s íntimo (a)s é uma das duas subcategorias da violência interpessoal e está definida como a que ocorre em grande parte entre os membros da família e parceiros íntimos normalmente dentro de casa, e inclui, além da violência entre os parceiros íntimos, os abusos contra crianças, adolescentes e idosos. Quanto à natureza, a violência pode ser categorizada como: física, sexual, psicológica e envolvendo privação ou negligência. (ZUMA, 2004).

Dentro dos processos violentos, a violência do tipo doméstica é um fenômeno caracterizado como um enigma que aborda a constelação familiar, em geral, de forma silenciosa e dissimulada. A questão atinge de forma hostil os seres mais indefesos da sociedade, acarretando danos biológicos e psicossociais aos mesmos, sobretudo quando esse tipo de violência advém da atmosfera familiar, envolvendo seus cuidadores ou outros.

Nesse contexto, esse trabalho analisa as formas de violência na família, com enfoque na violência familiar contra o idoso enquanto forma de desconstrução de sua figura valorativa no âmbito social e particular e também como reflexo de uma resposta negativa às necessidades que a idade avançada traz. A metodologia utilizada foi a pesquisa teórica, documental e a direta, com a entrevista de alguns objetos de estudo. Os resultados obtidos foram demonstrados na forma de discussão empírica em consonância com a literatura existente.


A evolução da família: alguns aspectos teóricos

A palavra família deriva do latim famullus, designando o conjunto de escravos e servidores que viviam sob a jurisdição do pater famílias, ou seja, o pai de família, o patriarca. Com sua ampliação tornou-se sinônimo de Gens que seria o conjunto de agnados (os submetidos ao poder em decorrência do casamento) e os cognados (parentes pelo lado materno). 

A família é uma sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laço de sangue ou de afinidade. Os laços de sangue resultam da descendência. A afinidade se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à entidade familiar pelo casamento.

A entidade familiar de início é constituída pela figura do marido e da mulher. Depois se amplia com o surgimento da prole. Sob outros prismas, a família cresce ainda mais: ao se casarem, os filhos não rompem o vínculo familiar com seus pais e estes continuam fazendo parte da família, os irmãos também continuam, e, por seu turno, casam-se e trazem os seus filhos para o seio familiar. Essa é a chamada família nuclear, na qual um casal heterossexual, unidos pelo casamento, criam todos os seus filhos biológicos.

No entanto, essa concepção de família já foi bastante desmitificada, pode-se admitir tal fato observando o controle da natalidade, a entrada da mulher no mercado de trabalho, o advento do divórcio e o avanço científico que levaram a mudanças na família propiciando novas formas de organização. Existe uma nova concepção de família, formada por laços afetivos de carinho e de amor. As novas formas de família se distanciaram do modelo da família nuclear, a família contemporânea se pluralizou, hoje, existem famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas, dentre vários outros tipos.

No fim do século XX, houve diversos avanços nas ciências biomédicas que transformaram concepção de família. Na década de 1960, a pílula anticoncepcional se popularizou, contribuindo para a consolidação de uma noção de sexualidade que independe da concepção e da reprodução. Nesse mesmo período, novas tecnologias reprodutivas deram um pulo que as levaria, nas décadas seguintes, a abalar as concepções convencionais de reprodução. A noção ocidental de “família natural” passou a ser questionada pelos pesquisadores, tendo eles chegado ao consenso de que não é possível decretar nenhuma “normalidade” com base apenas em dados biológicos. (FONSECA, 2012).

Nas últimas décadas, em contraposição a estereótipos ainda muito disseminados no senso comum, antropólogos passaram a rever as teorias clássicas da família. Diante desse contexto, é compreensível que juristas tenham dúvidas sobre o que são os direitos da família.

Graças ao movimento feminista, às campanhas pelos direitos da criança e a outras influências políticas e sociais, a legislação brasileira evoluiu enormemente nos últimos cem anos, tendo proporcionado maior igualdade entreos sexos, atenuado o pátrio poder e abolido a discriminação entre diferentes formas de filiação (legítima, adulterina, adotiva etc.). Mesmo assim, as práticas reais das pessoas ainda se encaixam, frequentemente, “nas frestas” da lei, exigindo dos operadores do direito uma compreensão da realidade que ultrapassa fórmulas normativas. (FONSECA, 2012, p.461).”

A família nuclear, entendida como um casal heterossexual unido pelo casamento que cria seus filhos biológicos parece cada vez menos relevante no mundo contemporâneo em termos tanto estatísticos quanto normativos. A unidade doméstica calcada na família nuclear não se manifesta com a mesma frequência estatística de 50 anos atrás, nem exerce em termos normativos a hegemonia de outrora. A antiga crença de que as diferentes práticas familiares convergissem para uma mesma direção se dissolveu. Não há um padrão universal de evolução familiar.  (FONSECA, 2012).

Diferenças de religião, tradições culturais e, em particular, de legislação e políticas sociais explicam grandes variações mesmo entre territórios geograficamente próximos. Encontramo-nos, portanto, sem antigas crenças consoladoras sobre a família; sem mito de origem nem crença num destino fixo. Alguns pesquisadores sugerem que se deveria deixar de lado a noção de “família”, carregada de termos valorativos, e adotar a de parentesco, entendida como um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue, o casamento, a adoção ou o apadrinhamento ritual, estabelecendo entre si conexões duradouras e afetivamente intensas, bem como reconhecendo-se em função de direitos de deveres recíprocos, criados, sobretudo pela presença de crianças nascidas ou criadas por elas.(FONSECA, 2012).


Tipologia da violência na família

Violência familiar é um termo aplicado ao mau trato físico ou emocional de uma pessoa por alguém numa relação íntima com a vítima. O termo inclui violência doméstica, maus tratos, negligência e abuso sexual a criança, maus tratos a pessoas mais velhas e muitas vezes agressão sexual. A violência familiar representa um problema primário de saúde público em virtude das muitas mortes, danos e consequências psicológicas adversas causadas. O dano físico e emocional pode se apresentar de forma crônica ou até mesmo invalidez permanentes em muitas vítimas. A violência familiar é associada a crises de depressão, ansiedade, abuso de substância, agressão a autoestima e, inclusive, suicídio. (Resolução de Somerset West - Violência familiar, 1996).

A violência familiar é o grau extremo do abuso nas relações desenvolvidas em âmbito familiar e pode se manifestar de formas distintas, mais ou menos explícitas. Trata-se de um fenômeno que decorre da própria configuração das relações familiares socialmente construídas. A violência familiar diz respeito não apenas a um ato, mas também a relações violentas que se dão entre pessoas conhecidas e aparentadas. (SARTI, 2012).

O fenômeno da violência possui o caráter relativo dos fatos sociais.

“Nomear a “violência” é uma construção social, ou seja, um ato que é considerado uma forma de violência e passível da mais rigorosa punição numa determinada sociedade, representada por sua instância jurídica, pode ser reconhecidocomo prática legítima em outros contextos sociais. Desse modo, a violência familiar se define por referência aos valores e modos de se relacionar em família, numa perspectiva que implica considerar não só os atores envolvidos no ato violento (o agressor e a vítima), como também o contexto de violência que lhe confere significados. (SARTI, 2012, p.502).”

A literatura antropológica sobre o tema sugere que a violência familiar não pode ser reduzida à lógica do agressor e da vítima, uma vez que se passa no âmbito de relações que se desenrolam num contexto social dado e dão sentidos muito diversos a um mesmo ato (Oliveira & Vianna, 1993; Muniz, 1996; Fonseca, 2000 apud SARTI, 2012).

“Dadas as hierarquias de gênero e de idade que estruturam socialmente as famílias e são internalizadas pelos sujeitos, a violência familiar é a expressão de relações de poder que incidem, principalmente, sobre aqueles que ocupam lugares mais vulneráveis: crianças, mulheres e idosos. Os lugares de vítima e agressor, todavia, não são fixos; eles participam de um mecanismo relacional, cujas personagens podem mudar de lugar. (SARTI, 2012, p.503).”

Há dificuldade de se pensar a violência como um fenômeno social, feito no âmbito das relações que os seres humanos estabelecem entre si sob dinamicamente e que se explicaria pela própria lógica dessas relações. É mais fácil representá-la como uma aberração, estranha ao universo moral de uma sociedade que se considera justa. (SARTI, 2012).


A construção do idoso brasileiro como sujeito no Direito e de direitos

Os resultados da I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada pela Organização das Nações Unidas em 1982, certamente influenciaram a inserção na Constituição Federal de 1988 de formulações para garantir a proteção ao idoso. No art. 228, por exemplo, se estabelece que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”; e no art. 230 que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida”. (ZUMA, 2004).

Além da ênfase sobre os deveres inerentes aos vínculos familiares, a Constituição avança em relação às leis civis vigentes até então, pois estas colocavam os idosos no patamar das crianças ou quase interditos. No entanto, o texto ainda fica aquém das preocupações da Organização Pan-Americana de Saúde, pois, enquanto a Constituição preocupa-se em garantir o direito ao bem-estar e à dignidade, o organismo transnacional enfatiza o resgate da cidadania, ao fazer menção a questões como a participação do idoso no mercado de trabalho ou sua inserção entre os economicamente ativos. (ZUMA, 2004).

Ainda na garantia dos direitos do idoso, é preciso mencionar que o Governo Federal, através da Lei nº 8.842 de 04 de janeiro de 1994, definiu e consolidou a Política Nacional do Idoso, regulamentada pelo Decreto Federal nº 1.948, de 3 de 11 julho de 1996. Uma legislação considerada avançada, mas que esbarra no déficit estrutural do nosso sistema de saúde, que não dispõe de meios para cumprir o proposto na lei.

Entrou em vigor em 1º de janeiro de 2004 o Estatuto do Idoso. Aprovado em setembro de 2003 e sancionado pelo presidente da República em outubro de 2003, ele garante direitos e estipula deveres para os cidadãos com mais de 60 anos no país. Mais abrangente que a Política Nacional do Idoso, institui penas severas para quem desrespeitar ou abandonar cidadãos desta faixa etária.

O Estatuto do Idoso determina, em seu art. 4º, que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão e todo o atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.”.

O presidente Lula assinou, em 18 de junho de 2004, a Lei 10.886/04, que tipifica a violência doméstica no Código Penal Brasileiro. A Lei, além da definição jurídica do que é o crime de violência doméstica, prevê a pena para o autor da violência. Agressões cometidas contra “ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro”, antes enquadradas como lesão corporal, são agora um crime específico, com pena de detenção de seis meses a um ano.


Inversão do valor da idade: a modificação da imagem do idoso enquanto sujeito social

A violência contra o idoso, semelhante à praticada contra a criança, é, certamente, uma de suas formas mais cruéis. Isso porque esses indivíduos tendem a ser vulneráveis devido às suas incapacidades funcionais. Na sociedade atual, observa-se um visível paradoxo: ao mesmo tempo em se estimula as formas de prolongamento da vida, pouco se valoriza quem envelhece. Acaba-se por exigir que o idoso seja autônomo e saudável. Ou seja, a pessoa deve ser longeva, mas preservando o vigor e o frescor da juventude. (SILVA et al, 2008).

Com o passar dos anos e o decorrente desenvolvimento do país, a pirâmide demográfica brasileira que contava com base larga foi se alterando e invertendo esse quadro. Tanto as taxas de natalidade quanto as de mortalidade foram diminuindo cada vez mais, resultando no aumento da expectativa de vida do brasileiro. Contudo, ao mesmo tempo em que o número de idosos aumenta, é possível perceber que o respeito, atenção (estima, acolhimento) para com eles também diminui.

A velhice, através dos anos, vem passando por uma grande desvalorização. Os idosos vêm sendo cada dia mais desrespeitados. A juventude parece se esquecer de que o tempo passa para todos e, em alguns anos, ela comporá a terceira idade. Um aspecto negativo que pode ser percebido, se encontra no fato de muitas pessoas jogarem sobre os idosos a culpa pelas crises de previdência, pois eles obrigariam os adultos em idade produtiva a trabalhar para sustentá-los. Contudo, o que é esquecido, quando não deveria ser, é que esses idosos também já foram jovens e trabalhavam por muito tempo, o que os torna merecedores de suas aposentadorias, posto que isso seja um direito deles, e não um privilégio imerecido.

O principal ponto de partida para a crescente desvalorização do idoso se encontra na industrialização e urbanização do Brasil, que acabaram por modificar a posição que o idoso tinha dentro da família como instituição e da própria sociedade.

Até a década de 60, o Brasil era um país agrário, assim, sua população estava, em grande parte, no campo. Contudo, após a modernização e industrialização brasileira, ocorreram algumas mudanças que tem relação íntima com a consequente modificação do lugar socialmente ocupado pelo idoso. Entre elas, podemos destacar as alterações ocorridas na estrutura de empregos, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a ocorrência do êxodo rural, o crescimento das cidades e a substituição da família grande, (família relacional), pela família conjugal (família celular). Dessa forma, o poder do idoso, que era ligado à posse do território familiar, foi quebrado.

Na cidade, o idoso era o dono do negócio da família e na zona rural, ele era o fazendeiro, o mais velho da casa. Assim, o poder estava em suas mãos, pois ele abrigava todos os filhos e suas respectivas famílias, possibilitando que estes só chegariam ao poder quando o idoso morresse, e, a essa época, eles próprios já seriam considerados idosos. Em suma, o poder era baseado na posse, seja da fazenda ou do negócio e isso acabava por criar um modelo de respeito e veneração pelas figuras mais velhas que se estendiam a todas as classes sociais.

Contudo, após a modernização, a família teve sua estrutura alterada, da família relacional, composta por muitos parentes sob o poder do mais velho, foi reduzida à família celular, composta por apenas o pai, a mãe e os filhos. Dessa forma, não mais o idoso abriga os filhos em sua casa. Agora os filhos passaram a abrigar os pais quando eles envelhecem.

Atualmente, o idoso é, na maioria dos casos, um aposentado e não pode mais contar com o apoio da extensa parentela para lhe garantir bem-estar. Vive quase como que de favor na casa de seus filhos, e é exatamente aí que surge o espaço para a violência, seja ela física, psicológica ou financeira. Os filhos e netos não têm paciência com o idoso, porque ele não tem mais a agilidade e a rapidez de outrora e por isso precisa de ajuda para realizar até mesmo as mais simples tarefas.

Como consequência, o idoso, além de ser acometido por doenças físicas trazidas pela própria idade, ele também fica exposto a transtornos psicológicos causados pelo tratamento violento que recebe, pela infantilização de suas atitudes por parte de seus cuidadores, ou até mesmo pela falta de estímulo para que exerça alguma atividade, causando nele um sentimento de inutilidade que pode levar a quadros depressivos.

Assim, além de enfrentar a hostilidade e o desrespeito nos lugares públicos, como em ônibus ou bancos; em casa, muitos são violentados por filhos, netos ou cuidadores, pessoas mais jovens que não conseguem entender a fragilidade que a velhice impõe, e não sabem valorizar como outrora a sabedoria e a experiência daquele que viveu muito mais que eles.

A falta de respeito expressa pela maioria dos idosos nas suas relações cotidianas traduz o discurso da “desconstrução” da pessoa idosa, o que se constitui em uma antinomia, uma vez que as políticas voltadas a este grupo buscam exatamente o contrário. Assim, seus direitos instituídos nos termos das leis são ignorados, desrespeitados ou até ridicularizados, chegando ao limite da violência física. (SILVA et al, 2008).

Dados do IBGE revelam que a expectativa de vida no Brasil tem crescido a cada ano. Essa pesquisa prevê que, até 2020, o país terá a população mais velha do mundo, serão aproximadamente 40 milhões de pessoas idosas. Porém, os brasileiros não estão sabendo valorizar esse grupo social, que é uma relíquia para o país, pois são pessoas com experiências carregadas de tradições, e com culturas e olhares diferentes sobre a vida.

Entretanto, junto ao crescimento da expectativa de vida dos idosos brasileiros, cresce também o número e o grau de violência contra eles. Não importa se o idoso mora no campo ou da cidade, a violência acontece do mesmo jeito. E a maioria delas acontece no núcleo familiar.

Na Zona Rural, no município de Montes Claros-MG, só neste ano de 2015 já foram recebidas no Conselho Municipal do Idoso mais de 32 denúncias de maus tratos contra pessoas idosas. Todas essas denúncias estão caracterizadas com o trabalho escravo, cárcere privado, abuso financeiro e violência psicológica. Os idosos em sua maioria gostariam de ter outro lugar para ficar, porém eles não querem uma instituição de longa permanência, mas um local com aspectos familiares. Entretanto, ainda não existe um lugar adequado no município.

Como se não bastasse todos os casos de maus tratos citados acima, há um caso horrendo que aconteceu com uma idosa de 90 anos, deficiente visual, que foi estuprada na Zona Rural de Mirandiba no Sertão de Pernambuco, no dia 07 de abril deste ano de 2015.

Mas, no que diz respeito à violência contra idosos na zona urbana, principalmente no município de Montes Claros é que os crimes se assemelham aos da Zona Rural, sendo que a gravidade é maior pelo desprezo, o abuso para que os idosos se tornem babás e responsáveis por fazerem serviços domésticos pesados, e também responsáveis por fazerem serviços de bancos dentre outros. Porém, na maioria dos casos mesmo estão relacionados a maus tratos, abandono e negligência. 

Por exemplo, no ano de 2014 o número de casos de violência contra idosos registrados no município de Guarapuava, na região central do Paraná, passou de 120 casos, segundo dados do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) do município. Além disso, os registros de violência contra pessoas da terceira idade na cidade aumentaram de 83 para 239, entre 2007 e 2013.O Creas aponta que as mulheres idosas são as que mais sofrem com a violência em Guarapuava-PA.

 Numa grande parte, esses casos estão relacionados a maus-tratos, abandono, negligência e omissão. Entretanto, a problemática dos casos é que na maioria deles não existe um entendimento por parte dos familiares de que o direito do idoso deve partir da família e que todos os membros têm obrigação de prestar cuidados ao idoso.

Por exemplo, na cidade de Montes Claros, há muitos moradores de rua que são idosos e que preferem morar na rua de que ficar com a própria família. Outros, já estão na rua porque não têm família. Porém, não há políticas públicas eficazes que conseguem resolver a demanda e os idosos são quem mais sofrem com isso. Por um lado são descartados pelas famílias e por outro sofrem com o descaso do poder público.

Na verdade, todos esses casos de violência contra esse grupo social é um problema não somente dos familiares, mas também um problema político. As autoridades, tanto Executivo, como o Legislativo e o Poder Judiciário precisam tomar providências para que esse descaso com os idosos, tanto na zona rural quanto na zona urbana sejam sanados, pois se, ao invés de tomarem providências para que cessem os abusos, as autoridades competentes “engavetam” esse problema, não só cometerão um crime contra a cultura, mas também contra a dignidade da pessoa humana.


Inversão de perspectiva: o olhar do idoso

Para conceituar a velhice, deve-se ter em mente a compreensão de sua totalidade, pois esta é um fenômeno biológico com consequências psicológicas, tendo em vista que alguns comportamentos já ganharam rótulos de serem característicos da velhice. Além disso, deve ser entendida como uma etapa da vida, em que, devido à avançada idade cronológica, ocorrem diversas mudanças de caráter biopsicossial que afetam as relações do indivíduo no contexto social em que vive. (FERNANDES E GARCIA, 2010).

De acordo com relatos coletados em diversos trabalhos de pesquisa, é possível ratificar que esse fenômeno está estreitamente relacionado às formas materiais e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo. Existem diversos fatores que sustentam essa diversidade da velhice, dentre ele os que estão ligados ao gênero, à família, às gerações e ao trabalho. Com isso, certifica-se que muitas vezes não é tão bem-querida pelos idosos, estes possuem medo da dependência e da rejeição, quando questionados acerca do pensam sobre a velhice, verifica-se que suas respostas estão sempre ligadas a sentidos comuns, como “finitude”, “doença” e “problemas e limitações”. (FERNANDES E GARCIA, 2010).

Finitude

“[...] que a pessoa está se acabando devagarinho. É o fim da carreira (Sr. D, 74 anos)”.

Doença

“[...] quando uma pessoa envelhece, não tem por onde não ter uma dor de cabeça. É uma AVC [Acidente vascular Cerebral]! É um infarto! O sujeito não deixa de ser diabético, de ter pressão alta, tudo isso faz parte de velhice (Sr. G, 73 anos)”.

Medo

“[...] tenho medo, penso em ficar acamada, é disso que tenho medo (Sra. E, 66 anos)”.

Problemas e limitações

“[...] vêm na minha mente muitos problemas. A gente não é mais jovem, não é mais. Tudo muda. Mas, eu vou levando com o poder de Deus [...]. Mas, não falta problema. É mais doença, mais desprezo, limitações no corpo (Sra. N, 61 anos)”.

Feiura

“[...] na minha mente a velhice é muito feia. A velhice é muito feia! Porque a velhice só tem ruga, canseira, cansaço, o povo enjoa a gente! [...]. É uma coisa feia! (Sra. P, 70 anos)”.

É importante ressaltar que cada indivíduo vê/espera a velhice de uma forma, isso só pode ser afirmado porque a velhice é a soma de todas as experiências da vida, é o resultado de todas as decisões e escolhas feitas em seu percurso, tornando-a, assim, um fenômeno individual, onde cada um o encara de um jeito. Portanto, nada mais adequado, para o esclarecimento da velhice, do que se basearem em estudos de relatos dados pelos próprios protagonistas desse fenômeno, os idosos. (FERNANDES E GARCIA, 2010).


Violência familiar contra o idoso

Violência, segundo a Rede Internacional para a Prevenção de Abusos ao Idoso, é “o ato único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento onde haja uma expectativa de confiança que cause dano ou angústia a uma pessoa mais velha”. (SILVA et al, 2008).

Para a o Ministério da Saúde as características familiares listadas a seguir, podem ser consideradas como fatores de risco para a ocorrência de violência familiar contra o idoso: várias doenças crônicas ao mesmo tempo;

  • Dependência física ou mental;

  • Déficits cognitivos;

  • Alterações do sono;

  • Incontinência urinária e/ou fecal;

  • Dificuldades de locomoção;

  • Necessidade de cuidados intensivos ou de apoio para realizar atividades da vida diária, como alimentar-se, ir ao banheiro, trocar de roupa ou tomar medicamentos.

Os idosos mais vulneráveis aos maus tratos são os dependentes física ou mentalmente, principalmente, aqueles que possuem déficits cognitivos, alterações de sono, incontinência ou dificuldades de locomoção, necessitando por isso de cuidados intensivos em suas atividades da vida diária. Situações que representam risco elevado são comuns quando o agressor é dependente econômico do idoso, quando o cuidador consome abusivamente álcool ou drogas, apresenta problemas de saúde mental ou se encontra em estado de elevado estresse na vida cotidiana. No entanto, a violência contra o idoso não chama tanto a atenção como aquela perpetrada contra mulheres e crianças. Estes casos ocupam, diariamente, destacados lugares em nossos meios de comunicação. (SILVA et al, 2008).

De acordo com o núcleo de defesa do idoso da Defensoria Pública do Distrito Federal (2015) têm-se os seguintes tipos de violência contra o idoso:

Violência Física: Uso da força física para obrigar a pessoa idosa a fazer algo que não deseja, para ferir, causar dores, incapacidade ou morte do idoso. Exemplo: tapas, socos, puxões de cabelo, empurrões, ferimentos com arma. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Violência Psicológica: Agressões verbais ou gestos que visem afetar a autoestima, a autoimagem, a identidade ou aterrorizar a pessoa idosa. Exemplo: insultos, xingamentos, ameaças, humilhações, chantagens, restrições do convívio social e familiar. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Violência Sexual: Ato ou jogo sexual realizado com a pessoa idosa, sem o desejo e o consentimento desta. Exemplo: carícias e/ou relações sexuais não desejadas pelo idoso, exibicionismo. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Violência financeira ou patrimonial: Exploração indevida da renda e apropriação do patrimônio do idoso. Exemplo: obrigar o idoso a contrair empréstimos contra a sua vontade, utilizar a renda do idoso para fins diversos do autorizado por ele, não permitir que o idoso decida sobre a destinação de sua renda e patrimônio, tomar posse dos bens do idoso ou deles dispor sem o seu consentimento. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Abuso financeiro ou material é caracterizado por extorsão e controle do dinheiro da pensão. Sobre os fatores de risco de maus tratos na relação idoso-cuidador, um estudo mostrou que 92% dos idosos com risco de sofrer maus tratos, eram beneficiários da previdência social, recebendo apenas um salário mínimo. Este também era constituído por um grupo de idosas, sobretudo viúvas, em processo de fragilização e dependência funcional, mas continuando a ser a pessoa de referência na família, por ser quase exclusivamente a principal provedora do sustento desta. Assim, uma situação de risco elevado para violência contra o idoso é aquela em que o agressor é seu dependente econômico. (MELO et al, 2008).

No Estatuto do Idoso, Capítulo II Dos crimes em espécie, Art. 102, é destacado que se apropriar de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da sua finalidade, pode levar a reclusão de um a quatro anos e multa. Sobre isso, uma pesquisa documental sobre maus tratos em idosos, revelou que das queixas registradas em um órgão oficial de denúncias contra violência, 27% destas estavam associadas à apropriação indébita de aposentadoria. Essa situação, portanto, está de acordo com a literatura e denota uma realidade social atual, onde por conta do desemprego, a renda do idoso com a aposentadoria, tem sido a principal fonte mantenedora em muitas famílias. (MENEZES et al, 2008).

 Violência Institucional: Violência praticada pelos órgãos de atendimento ao idoso, através da recusa em prestar o atendimento ou prestá-lo com má qualidade. Exemplo: fazer o idoso peregrinar por vários serviços, negar atendimento ou não garantir a prioridade à pessoa idosa, tratar com descaso ou rispidez, dificultar o acesso às informações. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

 Negligência: Falta de atenção para com as necessidades da pessoa idosa. Exemplo: não prover alimentos e moradia, descuido com a saúde, segurança e higiene da pessoa idosa. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Negligência do cuidado pessoal e do ambiente de moradia se constitui numa recusa ou falha em desempenhar a obrigação de cuidar do idoso, podendo ou não envolver uma tentativa consciente ou intencional de infligir sentimento físico ou emocional a este. Ocorrências de maus tratos observadas em uma pesquisa mostraram que 67% destas se referiam a abandono do idoso, e dos que recebiam assistência da família, 38% sofriam negligência por parte desta. A negligência pode ser ativa, quando o cuidador tem conhecimento dos cuidados adequados, porém não os utiliza, ou passiva, quando há falta de conhecimento dos cuidados apropriados por parte do cuidador. Dessa forma, os idosos mais vulneráveis são os dependentes física e mentalmente. Os maus tratos ocorrem especialmente quando estes apresentam déficits cognitivos, alterações do sono, incontinência e dificuldades de locomoção, necessitando, portanto, de auxílio em suas atividades da vida diária. Em muitos casos, os maus tratos acontecem pelo estresse do cuidador. Esse, com relativa frequência, além do papel de cuidador, desempenha outras funções domésticas, atividades no trabalho e cuidados com outros membros da família. Além disso, é comum apresentarem também idade avançada e problemas de saúde, tendo que assumir, na maioria das vezes, de modo solitário o idoso dependente. (MENEZES et al, 2008).

O Estatuto do Idoso, em seu Art.3º, parágrafo Único tópico V, mostra que é priorizado o atendimento do idoso por sua própria família em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. Ainda no Estatuto do Idoso Capítulo II, Art. 99, diz que expor a perigo a integridade e a saúde física ou psíquica do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado, pode levar a pena de detenção de dois meses a um ano e multa. (MENEZES et al, 2008).

Abandono: Ausência ou recusa dos responsáveis, sejam eles familiares ou órgãos governamentais e não governamentais, em prestar socorro e auxílio à pessoa idosa que necessite de proteção. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

 Autonegligência: Conduta da pessoa idosa que ameaça a sua própria saúde ou integridade física e mental. Exemplo: não se alimentar, não tomar remédios ou seguir recomendações médicas, não cuidar da higiene pessoal, acumular lixo, recusar ajuda de familiares, amigos ou de agentes públicos. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Estudos mostram como a concepção de família fundada no modelo patriarcal configura uma referência que justifica atos violentos, como assassinatos em nome da legítima defesa da honra e estupros e agressões, cometidos em nome de determinada representação da sexualidade masculina ou feminina. (SARTI, 2012, p.504)

Trata-se de entender as práticas violentas ocorridas em contextos familiares como condutas que se inscrevem numa ordem de sentido que as tornam explicáveis e, frequentemente, justificáveis do ponto de vista moral para quem age, embora contra o sistema jurídico. São condutas referidas a valores sociais que mantêm estreita relação com a concepção de família dominante na sociedade brasileira. (SARTI, 2012.)

A possibilidade de tornar visível a violência familiar

“[...] como problema social se relaciona, portanto, não só com o enfraquecimento do modelo patriarcal de família como referência social e política, mas também com a emergência da noção de individualidade, baseada no princípio da cidadania moderna que faz do indivíduo um “sujeito de direitos”. (SARTI, 2012, p.505).”

Em outras palavras, “a extensão dos direitos individuais de cidadania a mulheres, crianças e, cada vez mais, idosos, reconhecendo-os como “sujeitos de direitos”, permitiu qualificar como violência passível de punição criminal atos até então invisíveis, quando não tolerados ou legitimados pela lógica privada do modelo patriarcal instituído como lei absoluta sobre a família”. (SARTI, 2012, p.505).


 Estudo de caso

A violência contra os idosos se expressa de maneira variada nos níveis individual, familiar, institucional, comunitário e em âmbito nacional e internacional. No interior das famílias ela ocorre de modo mais pronunciado, pois é nesse cenário em que mais veementemente os valores arcaicos, condicionados historicamente e cristalizados pelas pessoas mais velhas, são questionados pelos mais jovens, gerando conflitos intergeracionais. (FERNANDES E GARCIA, 2010). Neste trabalho serão mencionados estudos já realizados em pesquisas anteriores.

O primeiro foi realizado por acadêmicos do curso de Medicina da Faculdade Atenas, em Paracatu, Minas Gerais, no ano de 2007. O estudo trata-se de um estudo de caso de uma idosa que tem sido agredida pelo filho mais novo no qual foram realizadas visitas domiciliares os acadêmicos de medicina para acompanhar aquela determinada família durante um ano, registrando os depoimentos, sintetizando problemas, elaborando hipóteses de solução e aplicando na realidade.

Sr. (a) E., viúva atualmente com 76 anos, é aposentada que sustenta seu filho D., duas netas, V. e W. (desempregados) e a ela mesma com o dinheiro da aposentadoria. Ainda sustenta a ex-mulher de D, a R. e suas duas filhas. Tem um relacionamento com A. que não frequenta sua casa devido a problemas de agressões do filho mais novo tanto da mãe quanto do seu namorado. Sr. (a) E. sofre de alguns transtornos mentais e quando era mais nova, teve vários problemas com bebidas alcoólicas. Percebe-se que nesta família paira certa agressividade entre seus componentes, inclusive por parte do D., que já chegou a espancar E. O filho D., é alcoólatra frequente, que ao estar embriagado demonstra muita agressividade como a mãe obrigando ela a fazer serviços domésticos como lavagem de roupas independente de seu estado de saúde. Possivelmente está envolvido com drogas ilícitas. Nos relatos da agente comunitária designada daquela área o filho D. que seria o agressor foi denunciado e acabou sendo preso, mas a mãe se arrependeu e contratou um advogado para retirar o filho do presídio. Atualmente ele continua cometendo maus tratos físicos e psicológicos e a mãe acaba concordando com a aquela situação. (ROCHA E BUENO, 2007).

A implementação do Estatuto do Idoso resultou em que a questão dos maus-tratos passasse a contar com um instrumento legal que regula os direitos às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, com previsão de pena pelo seu descumprimento. De acordo com o Estatuto, prevenir a ameaça ou violação dos direitos dos idosos passa a ser um dever de toda a sociedade brasileira, bem como torna obrigatória a sua denúncia aos órgãos competentes. A partir da sanção da referida Lei emergem questões sobre a disponibilidade, as condições de funcionamento dos serviços de denúncia e proteção aos idosos e sobre a necessidade de criação de serviços específicos para este grupo populacional. No caso da Sr. (a) E. já foram comunicadas as autoridades do caso de agressão, só que ela não quer que o filho dela seja preso. A mulher tente a internalizar e reproduzir a agressão, contribuindo para que as estruturas que a transformam em vítima sejam mantidas. Nesse cenário, destacam-se os casos de mães que colaboram ativamente no “endurecimento” de seus filhos, transformando- os em “machos agressivos”. (ROCHA E BUENO, 2007).

O segundo caso é assim descrito: Masculino, 88 anos, divorciado, católico não praticante. Aposentado pela UFBA, com renda individual de aproximadamente 900 reais. Pai de 13 filhos com múltiplas companheiras. Procurou apoio dos membros da equipe do SMURB em 2004, relatando maus tratos no domicílio tipo empurrões, na tentativa de arrombamento do seu armário pela filha que mora com o mesmo, a fim de apropriar de sua renda mensal para arcar com todas as despesas da casa. Essa queixa, de acordo com o comunicante, foi levada à delegacia de polícia. O episódio induziu o idoso a procurar uma casa de acolhimento, entretanto, a interferência de uma sobrinha fez com que o mesmo fosse residir com ela. Esta informou ser o idoso uma pessoa considerada de difícil temperamento, tendo inclusive dificuldades para manter com assiduidade cuidadores contratados para assistência, e que não recebe atenção dos filhos. Atualmente encontra-se matriculado no PADI (Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso), com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), hemiplégico à direita, com dificuldades de deambulação e dependente de cuidados de saúde. Voltou a residir com a família que anteriormente tentou extorqui-lo, pois se recusa a morar no abrigo. (MENEZES et al, 2008).

Terceiro caso: Feminino, 81 anos, solteira, doméstica, católica não praticante, reside na casa da única filha, que é a atual cuidadora, em quarto anexo à residência principal, a qual acomoda, no período noturno, a neta. Deambula com dificuldade em consequência da sequela provocada pelo AVC e pela obesidade. Após a visita domiciliar de rotina, foi observado que a idosa dorme em um quarto com precárias condições de higienização, ventilação e iluminação, dormindo com um felino, apesar de ter problemas respiratórios. Possui condições inadequadas de higiene pessoal, revelando um visível estado de negligência e abandono. Constatou-se, em relação a visitas anteriores, quando a paciente era assistida por um cuidador remunerado, que as condições de higiene pessoal e ambiental eram mais favoráveis, contudo esse teve que ser demitido por falta de condição da família em mantê-lo. (MENEZES et al, 2008).

Os estudos contribuem para confirmar a hipótese da existência de violência doméstica contra os idosos. Dentre as formas de maus-tratos observadas, sobressaem-se o abandono e as agressões físicas, provavelmente em função do tipo de serviço analisado ser voltado para o recebimento de denúncias. A gravidade e a visibilidade típicas das agressões físicas parecem contribuir para o delato dos maus-tratos. Possivelmente, a análise de informações obtidas a partir de outras instâncias, como, por exemplo, os centros de convivência, que envolvem outro tipo de aproximação com a vítima, apresente um perfil diferente.


Considerações finais

Os estudos antropológicos oferecem relevante contribuição aos operadores do direito, uma vez que favorecem o estranhamento das formas pelas quais eles vivenciam a família e, consequentemente, dão maior visibilidade ao modo artificial como se delimita legalmente a percepção do que é uma família. (LOREA, 2012).

A violência familiar chega ao sistema jurídico sob a forma de atos violentos, reconhecidos por marcas visíveis que representam o grau extremo de algo que se constitui num sistema de relações.  A lógica de atuação nesse sistema tende a descontextualizar os conflitos, a enquadrá-los em seus termos, abstraindo-os do contexto onde ocorreram e que lhes dá sentido, razão pela qual se verifica um descompasso entre os dois momentos que, frequentemente, impede que a Justiça seja um locus efetivo para a resolução de conflitos. (SARTI, 2012).

Ver qualquer tipo de agressão contra idosos, mesmo que em vídeo, causa um incômodo muito grande, além de um sentimento de revolta, pois essas pessoas se encontram em um nível de fragilidade imposto pelo simples passar dos anos.

É importante frisar que todas as pessoas se encaminham para a velhice, então qualquer tratamento agressivo para com essa classe, demonstra falta de compaixão e até mesmo de amor próprio, pois um dia todos se tornaram idosos.

Maltratar um idoso que não pode se defender é uma das mais cruéis formas de agressão. A paciência, o cuidado e o carinho para lidar com idosos são muito importantes, pois o passar dos anos acaba por tirar-lhes a rapidez e a agilidade da juventude, tornando-os dependentes, até mesmo em atividades simples.

Outro aspecto importante é que restringir o idoso de atividades comuns pode causar nele um sentimento de frustração, que resultará em um quadro depressivo. Dessa forma, ele deve ser incentivado a exercer as atividades que estiverem ao seu alcance físico e psicológico, pois é importante que ele se sinta útil e pertencente ao meio social.

Qualquer pessoa pode denunciar a violência praticada contra idosos. Eles compõem uma classe com direitos garantidos em uma legislação própria, o Estatuto do Idoso.  Assim, o desrespeito a qualquer direito do idoso mostra um grande retrocesso da sociedade, ao ferir direitos de uma classe de pessoas que tanto já fez por seu povo.

A literatura antropológica ressalta que a noção popular de justiça não coincide necessariamente com a noção de Justiça definida pelos marcos legais.

A conflitualidade não se resolve por meio de sua redução à polaridade vítima e agressor. Trata-se de atuar sobre as relações e entender o contexto em que estas se dão. O foco deve incidir sobre todos os atores que compõem a cena da violência: o agressor, a vítima e o contexto da violência, numa abordagem interdisciplinar. (SARTI, 2012).

As relações familiares estão ganhando nova vida. Trata-se de uma rede extensa de parentes que adquire importância crucial justamente quando a conjuntura econômica piora e as políticas públicas se mostram insuficientes para garantir boas condições de sobrevivência. É preciso, todavia, lembrar que, para além desses fins práticos, parentes se mostram igualmente importantes na organização do lazer. Em particular, as gerações mais velhas, vivendo cada dia mais e gozando de melhores condições de saúde, tornam-se centrais na preparação de encontros familiares, surgindo, por meio dessas conexões, um novo tipo de clã, que agrupa, sobretudo, parentes consanguíneos e seus respectivos companheiros atuais. (FONSECA, 2012).

No que se refere aos significados que os idosos imprimem à velhice e à sua experiência diante do envelhecimento, eles estão impregnados mais por um esforço de manutenção dos atributos que lhes são postos socialmente do que por uma busca de novas aquisições. Vale ressaltar que mesmo num grupo, de algum modo possuidor de características homogeneizadoras como a condição geracional, a de renda, e mesmo no âmbito de um gênero particular (homem ou mulher), observamos que o discurso dos informantes desta pesquisa evidencia a heterogeneidade da velhice e do “ser velho”, presente tanto em seu imaginário como em sua vivência. (FERNANDES E GARCIA, 2010).


Referências:

CMI (Conselho Municipal do Idoso) de Montes Claros- MG.

DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL. Núcleo de Defesa do Idoso. Cartilha de Conscientização: 15 de junho – Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. 2015. Disponível em: http://www.defensoria.df.gov.br/wp-content/uploads/2012/07/CARTILHA_DO_IDOSO_WEB.pdf. Acesso em 14 de junho de 2015.

FERNANDES, M. G. M.; GARCIA, L. G. O sentido da velhice para homens e mulheres idosos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 771-783, 2010. Disponível em: www.scielo.br/pdf/sausoc/v19n4/05.pdf. Acesso em 14 de junho de 2015.

FONSECA, Cláudia. (Coordenação). Direito e Família. In: Antropologia e direito: temas antropológicos para estudos jurídicos – Brasília / Rio de Janeiro / Blumenau: Associação Brasileira de Antropologia / laced / Nova Letra, 2012.

MARIANO, Ana Beatriz Paraná. As mudanças no modelo familiar tradicional e o afeto como pilar de sustentação destas novas entidades familiares. Tese, Unibrasil 2009. Disponível em: http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/ana-beatriz-parana-mariano.pdf. Acesso em 08 de Junho de 2015.

Melo VL, Cunha JOC, Falbo Neto GH. Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. [Internet]. 2008 [cited 2008 dec. 31]; 6 Suppl. 1:S43-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v6s1/30503.pdf.

MENEZES, Maria do Rosário; et al. A violência doméstica contra o idoso identificada em um de assistência domiciliar: estudo de caso. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008; 10(4): 1050-6. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a17.htm. Acesso em 12 de junho de 2015.

NOGUEIRA, Mariana Brasil. A Família: Conceito E Evolução Histórica E Sua Importância. Tese, Universidade Federal de Santa Catarina, 2007. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/18496-18497-1-PB.pdf . Acesso em 08 de junho de 2015.

RESOLUÇÃO DE SOMERSET WEST. Sobre Violência Familiar. Adotada pela 48ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Somerset West, República da África do Sul, outubro de 1996. Disponível em: http://www.malthus.com.br/mg_total.asp?id=169. Acesso em 30 de Maio de 2015.

ROCHA, André Mauricio Braga de Sousa ; BUENO, Helvécio . Violência doméstica contra o idoso: estudo de caso. Disponível em: http://www.atenas.edu.br/faculdade/arquivos/NucleoIniciacaoCiencia/1SEM2010/artigo%203%201%202010.pdf. Acesso em 12 de junho de 2015.

SILVA, Maria Josefina da; et al. A violência na vida cotidiana do idoso: um olhar de quem a vivencia. Revista Eletrônica de Enfermagem [Internet]. 2008;10(1):124-136. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n1/v10n1a11.htm. Acesso em 30 de maio de 2015.

ZUMA, Carlos Eduardo A violência no âmbito das famílias identificando práticas sociais de prevenção. Monografia de Especialista em Gestão de Iniciativas Sociais, LTDS/COPPE/UFRJ e SESI/DN. Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: http://www.noos.org.br/acervo/A-violencia-no-ambito-das-familias-identificando-praticas-sociais-de-prevencao.pdf. Acesso em 30 de maio de 2015.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Caroline Gabriele Trindade; DOMINGOS, Adriana Santos et al. O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5432, 16 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64617. Acesso em: 27 abr. 2024.