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Apontamentos sobre o mínimo existencial como pressuposto dos direitos fundamentais no Estado contemporâneo brasileiro

Apontamentos sobre o mínimo existencial como pressuposto dos direitos fundamentais no Estado contemporâneo brasileiro

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O presente artigo faz uma análise objetiva e pontual dos pressupostos constitucionais para os chamados Direitos Fundamentais no Estado Contemporâneo, tendo como ponto de partida, as observações que decorrem do Mínimo Existencial.

Resumo: O presente artigo faz uma análise objetiva e pontual dos pressupostos constitucionais para os chamados Direitos Fundamentais no Estado Contemporâneo, tendo como ponto de partida, as observações que decorrem do Mínimo Existencial. A reflexão que se pretende está focada não só ao processo histórico evolutivo a partir do Estado absolutista, para chegarmos ao Estado atual, como ao contexto brasileiro do aludido mínimo existencial como pressuposto de tais direitos, notadamente porque nosso país, em sua carta constitucional vigente, consagrou tais princípios, tendo-os reconhecido com o advento e participação na carta de São José da Costa Rica.

Summary: This article makes an objective and punctual analysis of the constitutional assumptions for the calls Fundamental Rights in the Contemporary State. Starting from the observations that arising from the Existential Minimum. The reflection intended is focused not only to the evolutionary historical process from the Absolutist State, to reach the current state, but also on the Brazilian context of the alluded existential minimum as a requirement of such rights. Notably because our country, in its current constitutional charter, consecrated such principles, with the advent and participation in the letter of Saint Joseph of Costa Rica.

Palavras-chave: Mínimo Existencial – Estado Contemporâneo Brasileiro – Direitos Fundamentais - Convenção Americana dos Direitos Humanos

Key words: Minimum Existential - Brazilian Contemporary State - Fundamental Rights - American Convention on Human Rights


Razões do tema a pretexto de uma introdução

Ao invocarmos o tema titular acima, buscamos demonstrar quão importante é a existência de um mínimo de condições para que o cidadão possa exercer seus direitos fundamentais, tendo por pano de fundo, evidentemente, a realidade brasileira, nosso texto constitucional e nossa jurisprudência enfim.

Evidentemente que tal posicionamento carece de uma pré-estrutura que lhe dê a devida sustentação, e, para tanto, sem que nos aprofundemos demasiadamente no tema (o que sugeriria muito mais a se escrever e potencial perda do foco) e privilegiando a pretensão inicial, visamos a um enfoque crítico do modelo adotado no Estado brasileiro contemporâneo que nos traz enorme preocupação ante a realidade econômica, financeira e institucional que atravessamos e que se reveste em enorme crise não só governamental, mas uma verdadeira crise de Estado.

A análise da realidade brasileira, a pretexto do Estado Contemporâneo Brasileiro, frente a tais direitos se torna necessária, pois já tivemos a oportunidade de afirmar em outro texto por nós produzido (MEIRA JUNIOR, 2016)[2], o grau de preocupação quanto à sua efetividade, senão vejamos:

O Estado social brasileiro encontra-se em crise (doente diriam alguns) e a menção ao conhecido enigma da esfinge[3] nos permite tentar demonstrar algumas das origens deste problema que enfrentamos hoje, sendo sob nossa ótica, importante a contextualização da problemática a fim de entendermos porque chegamos ao estágio em que a opção pelas ações interventivas pode ser a alternativa à resolução do problema de escassez de recursos públicos.

A análise disso sob a ótica do ser e do dever ser kelseniano (KELSEN, 1998, p. 13) figura como observação importante para o mesmo Estado[4], propondo-se, ao final, a reflexão natural quanto ao fato de estarmos ou não atingindo esse ideal pré-estabelecido ao longo dos anos ante a realidade em que vivemos em nossa nação e também quais os obstáculos a serem vencidos para que tenhamos um verdadeiro Estado Democrático de Direito tão sonhado.


A crítica do distanciamento entre o pretendido e obtido por falta de exercício da dialética

Ao observarmos o momento atual vivido e a figura interventiva do Estado, podemos notar, até mesmo diante de um perfunctório esforço histórico (em nosso tópico posterior), ao longo da história mundial e brasileira, que há uma distância abissal[5] entre o que se pretende e o que se obtém como resultado, sendo forçoso buscar a relação natural a que alude o pensamento kelseniano (KELSEN, 1998, P. 70), segundo o qual:

... a conduta humana prescrita por uma norma é condicionada por uma outra conduta humana. O pressuposto, como a conseqüência, é um ato de conduta humana.

... as normas de uma ordem social não têm de se referir apenas à conduta humana: podem referir-se também a outros fatos.

A pretexto da aplicação prática dos aspectos teóricos da atuação do Estado Social, BAUMGARTEN (2007, p. 6), assim se pronuncia:

... na perspectiva político cultural, é a caracterização do capitalismo maduro, acompanhada da idéia de que a sobrevivência das sociedades de capitalismo maduro depende de crescente intervenção do estado na estrutura econômica, possibilitando a manutenção da infra-estrutura material e social e investimentos diretos em empresas de alto custo e baixo rendimento.

Ainda, a pretexto do Estado social (BAUMGARTEM, 2007, p. 18) e da intervenção, temos que:

Analisando a atuação do estado social, Habermas afirma que seus programas utilizam em larga escala o medium do poder a fim de ganharem força de lei, poderem ser financiados pela administração pública e implementados no mundo da vida de seus beneficiários. A esses instrumentos concatenou-se uma práxis de singularização dos fatos, normatização e vigilância de uma brutalidade reificante e subjetivante, que levou a fortes deformações no mundo-da-vida. Sua hipótese é que o projeto sócio-estatal aloja uma contradição entre fins e meios. Seu objetivo seria a criação de formas de vida estruturadas igualitariamente, garantindo liberdade de movimentos para a auto-realização e espontaneidade individuais, entretanto, esse objetivo não pode ser diretamente alcançado pela transposição jurídico-administrativa de um programa político (Habermas, 1987b).

É evidente que a intervenção estatal, mesmo que represente uma orientação constitucional e seja respaldada nos Direitos Fundamentais, nem sempre é vista com bons olhos, pois a intervenção representa como consequência a necessidade de sanção administrativa[6],[7], significando, a grosso modo, a exteriorização de uma política repressiva típica do século XIX, como assevera Alejandro Nieto (2000, p. 29) ao tratar da relação dos particulares em caso pontual:

Los particulares suelen protestar por el excesso de intervencionismo administrativo, por la multitud de reglamentos que predeterminan hasta las más mínimas actividades de la vida cotidiana; pero luego, cuando sucede un accidente (incendio em una discoteca, envenenamientos masivos) reprochan a la Administración su negligencia o tolerancia, es decir, el no haber controlado lo suficiente al causante. Con la tecnología moderna, la vida colectiva es un “estado de riesgo” que resulta forzoso admitir si no queremos volver al siglo XIX. Assunción que implica la intervención pública, puesto que ni los particulares están em condiciones técnicas de percatarse de la calidad de los bienes y servicios que consumen y usan, ni el mercado puede regularia por sí mismo. Pues bien, si se acepta la regulación pública, hay que aceptar la sanción por su incumplimiento. Lo que significa que no podemos pedir la protección del Estado contra las manipulaciones peligrosas de alimentos y luego quejamos de que se sancione a quien há alterado la proporción de unos aditivos de nombre enrevesado. No podemos exigir que al Estado que nos garantisse la seguridade del tráfico y luego quejamos de las multas que se imponem por no respetar las señales de um semáforo. Hay que ser congruentes.

Essa intervenção estatal no domínio econômico é conceituada por Diógenes Gasparini (2001, p. 614), como sendo:

... todo ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em dada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais.

A pretexto desse raciocínio, e até mesmo com um viés crítico, mostrando-se um certo distanciamento entre o ideal pretendido e o que se obteve como resultado ao longo dos anos, por falta de dialética[8] e de busca dos objetivos, encontramos o pensamento de Habermas[9] (1975, p. 300), que, em seu Conhecimento e Interesse, demonstra a importância da dialética do conhecimento instrumental e do conhecimento comunicativo, e, por decorrência, o processo de crítica, pois intermédio desta, da autorreflexão e do autoquestionamento, os momentos reprimidos do processo histórico do conhecimento podem ser reelaborados e conscientizados, expressando-se da seguinte forma:

Somente quando a filosofia descobre no curso dialético da história os traços da violência deformantes de um diálogo continuamente tentado, leva avante o progresso do gênero humano rumo à emancipação. (...) A unidade do conhecimento com o interesse verifica-se numa dialética que reconstrua o elemento reprimido a partir dos traços históricos do diálogo proibido.

Desta forma, quando observamos uma total ausência de dialética[10] no processo evolutivo pela busca dos direitos fundamentais e o distanciamento entre a teoria e a prática, constatamos que do Estado Social para o Estado subsidiário, pouco ou quase nada se fez para que o Estado Contemporâneo respondesse adequadamente a tais designíos, pois, como se verá adiante, a grande questão que se coloca em tal contexto, até mesmo como ponto de partida para o exercício pleno da dignidade, seria a efetividade de um mínimo existencial que deveria estar mais distante do que veremos um mínimo vital.

Por certo a falta de diálogo entre a questão levantada e os resultados não é o único motivo pelo distanciamento da realidade, mas seria um início adequado para se resolver a debilidade nacional reinante quando o tema é dignidade humana e que abordaremos em tópico posterior.


UM POUCO DA EVOLUÇÃO DO ESTADO AO LONGO DOS ANOS ATÉ O ESTADO CONTEMPORÂNEO

Ao observarmos nossa previa crítica do resultado obtido com os direitos fundamentais no Estado Contemporâneo e o que se pretendia, notadamente a partir do Estado Social, não podemos radicalizar a ponto de não se observar mudanças ao longo dos anos, e para tanto, buscamos o entendimento de DALLARI (1998, P. 70, Apud SPARAPANI, 2002), segundo o qual, em sua análise sobre o modelo de Estado brasileiro contemporâneo, é possível considerar-se uma natural evolução do Estado ao longo da história mundial, partindo do absolutismo, para o que temos hoje, pois o Estado organizado da instabilidade política, das lutas sociais, dos conflitos, como se pode ver abaixo:

O panorama anterior ao nascimento do Estado moderno refletia um período permeado por instabilidade política, lutas sociais, conflitos entre o Sacro Império Romano-Germânico e a Igreja Católica, guerras internas e externas (estas ligadas às invasões bárbaras) que geravam dificuldade de desenvolver o comércio, sujeição e submissão da camada mais pobre da população aos senhores feudais, e múltiplos centros de poder (DALLARI, 1998, p. 67). O quadro era de insegurança permanente, que só gerava prejuízo para a vida econômica e social.

Segundo a autora ainda (SPARAPANI, 2002), evoluímos, a partir do liberalismo, na segunda metade do século XVIII, para o Estado Liberal, que dominou a política da Europa e dos Estados Unidos no século XIX, que acabou por evoluir no chamado Estado Social como assevera SPARAPANI:

Ao defender os interesses da burguesia e do seu status de classe dominante, o liberalismo fez com que as contradições sociais se evidenciassem e agravassem cada vez mais o quadro de diferenças existentes no século XIX.

Para tentar dirimir essa situação, abriu-se caminho para uma progressiva atuação por parte do Estado em vários setores: da economia à educação, dentre outros. Era o despontar do intervencionismo estatal.

A autora, em seu histórico, demonstra a relevância do tema, como consequência do liberalismo, em especial o não intervencionismo e a importância dos direitos de liberdade e propriedade demonstraram a necessidade de intervenção do Estado, originando o que se passou a chamar de Estado Social a que nos referimos anteriormente.

Segundo SPARAPANI ainda, o cenário do protecionismo e magnitude do Estado Social, em que se questionava sua eficiência e economicidade, acabou por produzir, a partir da segunda metade do século XX o que veio a se chamar de Estado Subsidiário, assim descrito pela autora:

... abriga essencialmente três ideias básicas: a primeira relaciona-se aos direitos individuais, em que se reconhece que a iniciativa privada tem primazia sobre a iniciativa estatal; neste sentido, o Estado deve-se abster de desempenhar atividades que o particular tem condições de exercer por sua própria conta e com seus próprios recursos; sob esta ótica, o princípio acarreta uma limitação ao intervencionismo estatal. A segunda ideia diz respeito ao fato de que o Estado deve ser fomentador, colaborador e fiscalizador da livre iniciativa, a fim de possibilitar aos particulares a consecução de seus propósitos empreendedores, sempre que estiver ao alcance do ente estatal fornecer condições para tanto.  E uma terceira ideia ligada ao princípio da subsidiariedade seria a relacionada à parceria entre o público e o privado, no sentido de auxílio do Estado à iniciativa privada quando esta for deficiente (DI PIETRO, 2002, pp. 33-34).

Nesse sentido ainda, Celso Lafer[11], referenciado por Vicente Bagnoli (2009, p. 85), reconhecendo a importância dessa evolução histórica, expressa que “os valores fundantes da democracia provêm de ‘um processo histórico incessante de integração de valores de convivência’, composto de vários legados.”

Mais que isso, Bagnoli (2009, p. 84), a pretexto dessa evolução histórica, que optamos com abuso da expressão chamar de processo de maturação democrática, observa, por sua vez:

A Constituição Federal de 1988, como a maioria das cartas que seguem a da República de Weimar, influenciada por sua vez pela Encíclica Rerum novarum de 1891 e por dois acontecimentos de 1917, a Constituição Mexicana e a Revolução Russa, tem em eu corpo a preocupação com o econômico e o social, elevando esses dois conceitos a preceitos constitucionais observados e garantidos pelo Estado.[12]

Ana Paula de Barcellos ainda (2006, p. 56), quando das suas observações acerca do neoconstitucionalismo, dos direitos fundamentais e do controle das políticas públicas[13], acabando por reconhecer o fim essencial da promoção dos direitos fundamentais no texto constitucional nacional vigente, observa e reconhece a escassez dos recursos públicos, bem como s importância das escolhas de gastos e políticas públicas, entende que:

... as políticas públicas constituem o meio pelo qual os fins constitucionais podem ser realizadas de forma sistemática e abrangente, mas envolvem gasto de direito público.

E é, ora sob o enfoque do Estado Social e ora sob o enfoque do Estado subsidiário que encontramos a realidade do modelo adotado pelo Estado Brasileiro Contemporâneo, que nos permite uma relativa análise do grau de profundidade do conceito dos atuais Direitos Fundamentais em nosso atual estágio, tendo-se, como pano de fundo a figura da dignidade humana.

Essa preocupação chegou ao texto constitucional, tendo Ingo Wolfgang Sarlet (2008) em texto sobre os “Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988” assim se pronunciado:

Dentre os temas preferidos pela doutrina (e que acabam refletindo, com maior ou menor intensidade, na esfera jurisprudencial, legislativa e administrativa) destacam-se, notadamente em matéria dos assim chamados direitos sociais, tanto as teses que questionam a própria constitucionalização de tais direitos sociais (sustentando até mesmo que, no todo ou em parte, tais direitos sequer deveriam estar na Constituição!) quanto as vozes daqueles, que, embora admitam a possibilidade de ter tais direitos previstos no texto constitucional, refutam a sua condição de autênticos direitos fundamentais. Além disso, assume particular relevância a controvérsia em torno do regime jurídico-constitucional dos direitos sociais, uma vez reconhecida a sua condição de direitos fundamentais, o que, por sua vez, remete ao problema de sua eficácia e, por conseguinte, de sua efetividade.

De outra parte, resulta evidente que a mera previsão de direitos sociais nos textos constitucionais, ainda que acompanhada de outras providências, como a criação de um sistema jurídico-constitucional de garantias institucionais, procedimentais, ou mesmo de outra natureza, nunca foi o suficiente para, por si só, neutralizar as objeções da mais variada natureza ou mesmo impedir um maior ou menor déficit de efetividade dos direitos sociais, notadamente no que diz respeito aos padrões de bem-estar social e econômico vigentes. Saber em que medida os direitos sociais, a despeito do regime jurídico que lhes foi atribuído pela Constituição (em que pese a controvérsia sobre qual exatamente é este regime jurídico), de fato representam mais do que manifestação de um constitucionalismo simbólico, já seria matéria mais do que suficiente para ocupar uma monografia de envergadura ...


OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS E A CARTA DOS DIREITOS DO HOMEM

Ao falarmos em Direitos Fundamentais, lastreados no entendimento de BRANCO (2002, p. 105), encontramos o arcabouço histórico para os direitos humanos na filosofia de São Tomás de Aquino, que, por sua vez, defendia um direito natural, partindo de um pressuposto de que a concepção do homem produziu uma criatura feita à semelhança de Deus, e, como tal, devendo ser tratado.

Quando observarmos os princípios estabelecidos em nosso texto constitucional observa-se a preocupação com a manutenção da dignidade humana, mesmo que tenhamos como histórico, ao longo do tempo, a discussão de uma maior ou menor intervenção estatal, o que, por si só já justifica a ação regulatória do Estado.

Se formos buscar os primórdios da intenção constitucional, podemos acrescentar ao que se disse o posicionamento da Convenção Americana dos Direitos Humanos[14], datada de 1969, que inicia, em tom de exortação (até mesmo por conta da soberania de cada Estado), a obrigação dos Estados-Membros em respeitar direitos do homem, de onde tiramos o respeito à dignidade humana anteriormente observada.

O referido artigo46 assim expõe, “ipsis litteris:

Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Mais que isso, as palavras preambulares da referida Carta demonstram um pouco do que nossos princípios constitucionais tentaram demonstrar, na mesma esteira dos países mais civilizados e que nos permitem encerrar efetivamente tais considerações (ressaltando que isso não significa esgotar o tema) com intenção reflexiva[15]:

Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais;

Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos;

Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional;

Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos;

Ressalte-se, no entanto, que o tema já vinha sendo discutido até mesmo antes da referida Convenção, considerando-se como ponto de partida mais recente a Constituição de Weimar de 1919, que em grande parte, segundo SARLET e FIGUEIREDO (2008) serviu de inspiração à nossa Carta de 1988, que assim se pronunciaram:

No caso do Brasil, embora não tenha havido uma previsão constitucional expressa consagrando um direito geral à garantia do mínimo existencial, não se poderia deixar de enfatizar que a garantia de uma existência digna consta do elenco de princípios e objetivos da ordem constitucional econômica (art. 170, caput), no que a nossa Carta de 1988 resgatou o que já proclamava a Constituição de Weimar, de 1919.[16]

Segundo os autores, ainda,

... os próprios direitos sociais específicos (como a assistência social, a saúde, a moradia, a previdência social, o salário mínimo dos trabalhadores, entre outros) acabaram por abarcar algumas das dimensões do mínimo existencial, muito embora não possam e não devam ser (os direitos sociais) reduzidos pura e simplesmente a concretizações e garantias do mínimo existencial, como, de resto, já anunciado. Por outro lado, a previsão de direitos sociais não retira do mínimo existencial sua condição de direito-garantia fundamental autônomo e muito menos não afasta a necessidade de se interpretar os demais direitos sociais à luz do próprio mínimo existencial, notadamente para alguns efeitos específicos...

Tomam o cuidado de observar que há relação profunda entre o mínimo existencial e os direitos fundamentais de maneira geral, mas observam que o conteúdo da dignidade humana equivale necessariamente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, assentando o entendimento de que, em sua ótica, “não é certo que todos os direitos fundamentais tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana e, portanto, um conteúdo certo em dignidade, assim como não é correto afirmar que o conteúdo em dignidade dos direitos (que sempre é variável) seja sempre equivalente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.”

A pretexto de nossa constituição e suas influências, do ponto de vista metodológico formal, segundo Ana Paula de Barcellos (BARCELLOS, 2005, p. 84), temos que o constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais.

São elas:

(i) a normatividade da Constituição, isto é, o reconhecimento de que as disposições constitucionais são normas jurídicas, dotadas, como as demais, de imperatividade;

(ii) a superioridade da Constituição sobre o restante da ordem jurídica (cuida-se aqui de Constituições rígidas, portanto); e

(iii) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos, por força do fato de que os demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados a partir do que dispõe a Constituição.

.Segundo a referida professora, ainda:

... essas três características são herdeiras do processo histórico que levou a Constituição de documento essencialmente político, e dotado de baixíssima imperatividade à norma jurídica suprema, com todos os corolários técnicos que essa expressão carrega.

Assim, quando nos referimos ao histórico anterior para chegarmos ao contexto atual, o que inclui a carta de São José retro comentada, buscamos justificar o viés político social que os direitos fundamentais possuem em nosso contexto e que não pode ser desprezado, cabendo ao Estado Contemporâneo, garantir a efetividade de tais direitos.

Neste contexto, a pretexto da efetividade dos direitos fundamentais e da conexa obrigação do Estado, assim se pronunciou a Professora Daiana Malheiros de Moura (MOURA, 2014, p. 1-2), quando do XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea[17]:

O Estado Contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das prestações, incumbe a ele garantir e preservar os direitos de seus cidadãos, bem como agir em favor de toda a Sociedade na busca do bem comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais.

Dentre os direitos fundamentais que o Estado tem o dever de garantir, destacamos o direito a dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio.

O certo é que nosso texto constitucional incorporou as orientações da Convenção americana dos Direitos Humanos como fruto natural do processo evolutivo histórico porque passou o mundo e o nosso país, a tal ponto, que nossa constituição atual é reconhecida como a “Constituição Cidadã”, justamente porque ousa colocar como prioridade o indivíduo, o ser humano e a sua dignidade humana.

Não seria exagero inclusive, entender-se que o Estado brasileiro contemporâneo, fruto dessa evolução natural e das constituições anteriores, permitiu-se, notadamente com o advento da promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, definir-se como um Estado Democrático de Direito, pelo menos em tese, e isso, na teoria, é indiscutível, pois há extrema consonância entre o que se prega numa democracia e em um verdadeiro Estado de Direito, a tal ponto que em seu artigo 1º, inciso III, estabeleceu que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,.

Neste sentido, aliás, Canotilho (2003, p. 93), demonstrando haver conexão entre os fatos, assim se pronuncia:

Eis aqui as duas grandes qualidades do Estado constitucional: Estado de direito e Estado democrático. Estas duas qualidades surgem muitas vezes separadas. Fala-se em Estado de direito, omitindo-se a dimensão democrática, e alude-se a Estado democrático silenciando a dimensão de Estado de direito. [...] O Estado de direito constitucional democrático de direito procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de direito.


O MÍNIMO EXISTENCIAL COMO PRESSUPOSTO DE ATINGIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DA DIGNIDADE HUMANA

Ao tratarmos do tema dos Direitos Fundamentais em tópico anterior, buscamos respaldo no pensamento de São Tomás de Aquino para justificar o Direito Natural do ser humano, então visto como a imagem e semelhança da divindade, e que como tal, deve ser visto com a dignidade que lhe seria peculiar, deixando antever que há uma aura necessária de respeito ao ser humano.

Segundo Simone de Sá Portella (2007), que também parte do conceito inicial de São Tomas de Aquino, termos, a pretexto da evolução histórica do conceito de mínimo existencial o seguinte histórico:

Nos séculos XVII e XVIII surgem as teorias contratualistas, que determinavam aos soberanos o exercício da autoridade com limite no direito natural, decorrendo a primazia do indivíduo sobre o Estado.

As Constituições surgem no Estado Liberal, como meio de afirmação e realização dos direitos humanos, em oposição ao absolutismo.

A proteção dos direitos humanos em face do Estado surgiu como reação ao poder das monarquias absolutistas. As mais graves ameaças à liberdade e à dignidade do homem, no limiar do constitucionalismo, provinham do Estado. Assim, diante da superação do absolutismo, a primeira expressão dos direitos humanos foi de identificação com a idéia de limitação do poder estatal.

As teorias contratualistas deram origem às Declarações de Direitos, como as Declarações de Virgínia, de 1776, a francesa e a Declaração Universal de direitos do homem, de 1948.

No direito tributário, durante o Estado Patrimonialista, período que compreende a derrocada do regime feudal até o final do século XVIII, não havia imunidade tributária dos pobres, e sim, da nobreza e do clero, o que Ricardo Lobo Torres, denomina de privilégios odiosos.

A proteção do mínimo existencial se dá com o Estado de Polícia.  Alivia-se a tributação dos pobres e transfere-se para o Estado a proteção dos mesmos. Há a crítica da proporcionalidade, e se inicia com o cameralismo a defesa da progressividade tributária, com limite no mínimo existencial, com a retirada da incidência tributária sobre as pessoas que não possuem riqueza mínima para o seu sustento.

No Estado Fiscal de Direito se modifica o tratamento dado à pobreza, com a estruturação jurídica da imunidade do mínimo existencial e a assistência social aos pobres. A tributação passa a ser feita com base no princípio da capacidade econômica e no subprincípio da progressividade, que ingressam nas Constituições da França e do Brasil, com a proibição de tributação sobre a parcela mínima necessária à existência digna, aquém da capacidade econômica e, portanto, uma reserva de liberdade que limita o poder fiscal do Estado.

No Estado Social Fiscal, correspondente ao atual Estado de Direito, acentua-se a reflexão do mínimo existencial dentro dos direitos humanos.

...

A razão de Estado no Estado Democrático de Direito implica a concretização e efetividade dos direitos fundamentais, aplicando-se os instrumentos adequados, conforme a realidade de cada sistema. Deve-se considerar a finalidade existente em uma determinada Constituição, de modo a atingir uma solução útil e compatível com o Estado Democrático de Direito. Dentro desta perspectiva, a tributação se transforma em direitos e deveres, expressos no catálogo de princípios constitucionais, com imediata aplicação (art, 5º, § 1º, da CF).

Segundo o Professor Thadeu Weber (2013), ao tratar da ideia de um "mínimo existencial" de J. Rawls e fazer a conexão possível entre o “Mínimo Existencial” e a Dignidade assim se pronunciou:

A dignidade da pessoa humana como preceito ético e fundamento constitucional exige do Estado não só respeito e proteção, mas garantia de efetivação dos direitos dela decorrentes. Toda a pessoa é sujeito de direitos e deveres e como tal deve ser tratada. Quando, do ponto de vista jurídico, falamos de um "mínimo existencial" estamos tratando de algo intrinsecamente ligado à realização dos direitos fundamentais, que representam a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. A ideia que o norteia refere-se à preservação e garantia das condições e exigências mínimas de uma vida digna. Isso significa dizer que o direito ao mínimo existencial está alicerçado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana. Que esta seja respeitada, protegida e promovida é dever do estado. Mas o que é dignidade? Estará assegurada quando da realização efetiva dos direitos fundamentais? Mas não há aqui o risco de uma argumentação circular? Para explicitar o conteúdo da dignidade referimos os direitos fundamentais como sua concretização e para elaborar uma lista destes recorremos à dignidade. A propósito, cumpre apenas salientar, o que não é objeto desse trabalho, que os direitos fundamentais não esgotam o conteúdo da dignidade da pessoa humana e, também, como afirma Sarlet, "não é certo que todos os direitos fundamentais tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana". Para o autor não há equivalência entre "o conteúdo em dignidade" e o "núcleo essencial dos direitos fundamentais”.

O Professor Ricardo Lobo Torres (p. 29-30), ao tratar do Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais, tratando da pobreza, assim se pronunciou:

Há um direito às condições mfnimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas.

O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão.

Carece o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente não-fundamental (direito à saúde, à alimentação etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável. Não é mensurável, por envolver mais os aspectos de qualidade que de quantidade, o que toma difícil estremá-lo, em sua região periférica, do máximo de utilidade (maximum welfare, Nutzenmaximierung), que é princípio ligado à idéia de justiça e de redistribuição da riqueza social. Certamente esse mínimo existencial, se o quisermos determinar precisamente, é uma incógnita muito variável".

O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza. Aqui também há que se distinguir entre a pobreza absoluta, que deve ser obrigatoriamente combatida pelo Estado, e a pobreza relativa, ligada a causas de produção econômica ou de redistribuição de bens, que será minorada de acordo com as possibilidades sociais e orçamentárias. De assinalar, todavia, que inexiste definição apriorística de pobreza absoluta, por ser variável no tempo e no espaço e, não raro, paradoxal, surgindo tanto nos países ricos como nos pobres.

O desrespeito à figura da dignidade da pessoa humana é impensável sob todos os pontos de vista e trata-se, segundo Marcella Gomes de Oliveira e Paulo Ricardo Opuzka (2014, p. 454), referenciando SARLET, como se vê:

A dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, constituindo um elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade.

Interessante ainda a observação feita por Fábio Konder Comparato (2016, p. 31)[18], onde entende não haver pleonasmo algum no uso da expressão pessoa humana, tendo em vista uma concepção religiosa do mundo:

A segunda fase na história da elaboração do conceito de pessoa inaugurou-se com Boécio, no início do século VI. Seus escritos influenciaram profundamente todo o pensamento medieval. Ao rediscutir o dogma proclamado em Niceia, Boécio identificou de certa forma prósopon com hypóstasis, e acabou dando à noção de pessoa um sentido muito diverso daquele empregado pelo Concílio. Em definição que se tornou clássica, entendeu Boécio que persona proprie dicitur naturae rationalis individua substantia (“diz-se propriamente pessoa a substância individual da natureza racional”).

Neste contexto, ganha efetiva importância a figura do mínimo existência, como pressuposto para que se atinja a pretendida dignidade humana e enfim sejam respeitados os direitos fundamentais do cidadão e isso foi considerado em nosso texto constitucional que, estabelece, em síntese: os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 7º, IV)[19]

O certo, em que pese haver outros dispositivos que buscam o mesmo objetivo, é que esse, em especial espelha um pouco de nossa crítica anterior à distância abissal da realidade ante à teoria principiológica que nossa Carta Constitucional prega.

Segundo Clayton Reis (2016, p. 81), ”a partir da ideia de mínimo social, a sociedade pode assegurar bens mínimos para a sobrevivência do homem. ”

Esta preocupação reincidente daquilo que se pretendia, ante a realidade nua e crua do dia-a-dia, deixa antever que o Estado Contemporâneo brasileiro, não atende ao clamor do cidadão até mesmo em situações que envolvam o mínimo existencial a que alude John Raws (1995, p. 218-219), em sua obra clássica “Liberalismo Político”, que por sua vez, sustenta que o mesmo independe de lei, sendo também um princípio constitucional essencial, assegurado independentemente do poder legislativo.

Portanto, deve suplantar até mesmo o texto legal e ser tratado como valor natural e intrínseco de quem compreende e persegue como objetivo a dignidade humana.

Rawls, ao tratar desse conteúdo mínimo, sustenta que o mesmo deixa de ser um fim a ser atingido pelo legislador, independentemente de atuação legislativa, mas um meio, sendo, a nosso ver, o próprio substrato (dito como um pressuposto lógico) para que sejam atingidos os Direitos Fundamentais anteriormente preconizados e a própria dignidade humana pretendida.

Ressalte-se que, para o autor, tais prestações que excedam a esse mínimo dependeriam de lei, em conformidade com as políticas públicas voltadas ao atendimento da justiça social preconizadas pela carta magna.

Nesse sentido, vale a transcrição de John Rawls (1995, p. 217-218):

Observese que existe, ademas, outra importante distincion entre los principios de justicia que especifican los derechos y las libertades básicas em pie de igualdad y los principios que regulan los asuntos basicos de la justicia distributiva, tales como la liberdad de desplazaimiento y la igualdad de oportunidades, las desigualdades sociales y económicas y bases sociales del respeto a si mismo.

Un principio que especifique los derechos y libertades basicas abarca la Segunda clase de los elementos constitucionales esenciales. Pero aunque algun principio de igualdad de oportunidades forma parte seguramente de tales elementos esenciales, por ejemplo, un principio que exija por lo menos la liberdad de desplazamiento, la eleccion libre de la ocupacion y la igualdad de oportunidades (como la he especificado) va mas alla de eso, y no sera un elemento constitucional. De manera semejante, si bien un minimo social que provea para las necesidades basicas de todos los ciudadanos es tambiem un elemento esencial, lo que he llamado el “principio de diferencia” exige mas, y no es un elemento constitucional esencial.

O conceito de mínimo existencial[20], com nítido viés de origem socialista (com algumas ressalvas liberalistas mais radicais de direita), já é considerado até mesmo no campo liberal, que também pressupõe a existência assecuratória de condições básicas de vida como garantidoras da possibilidade de pleno gozo da liberdade humana.

Robert Alexy (2003, p. 37) defende e usa a expressão “mínimo existencial”, estando o mesmo relacionado à garantia de prestações básicas que permitam a todos os cidadãos viver dignamente, sendo, simultaneamente, um direito universal, e, nos Estados organizados pelo princípio social um dever do poder público.

Até mesmo John Raws, citado por Daniel Sarmento (2005, p. 167-217), em obra posterior, em que trata da Teoria da Justiça (1994), entendeu que uma “sociedade justa, atribuíra absoluta prioridade à proteção, igual para todos, das liberdades individuais básicas”, complementando:

[...] e só depois de assegurado plenamente esse princípio de maximização das liberdades, passar-se-ia à aplicação do segundo princípio de justiça, que ele chamou de princípio da diferença, segundo o qual as desigualdades econômicas deveriam ser distribuídas de forma que: (a) beneficiasse as pessoas menos favorecidas; (b) mantivesse sempre abertas oportunidades iguais para todos.

Nesta mesma linha, fazendo conexão com os direitos fundamentais como exigência e concretização do princípio da dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 96) assim leciona:

[...] verifica-se ser de tal forma indissociável a relação entre a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá – apenas a partir desse dado – concluir que não se faça presente, na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

O chamado mínimo existencial não pode ser confundido com o conceito de conteúdo vital ou um mínimo de sobrevivência (ou até mesmo um mínimo possível), uma vez que este último não abrange as condições de sobrevivência digna e de uma vida com relativa qualidade.

Não se permitir que alguém padeça de fome seria apenas o primeiro passo em termos de garantia do mínimo existencial, não sendo, necessariamente, o suficiente, mas influenciou quem sustentava a ideia de que a obrigação do Estado estaria limitada à garantia do mínimo vital, posição minimalista perto do conceito de mínimo existencial.

Observa-se, portanto, aqui, o que se acostumou chamar de teoria da “Reserva do Possível”, que, na sua origem, não se relaciona exclusivamente à existência de recursos materiais/financeiros, suficientes para a efetivação dos direitos sociais, mas, sim, à razoabilidade da pretensão proposta frente à sua concretização.

SARLET e FIGUEIREDO (2008), a pretexto desse conceito de “Reserva do Possível”, se posicionaram da seguinte maneira:

A construção teórica da “reserva do possível” tem, ao que se sabe, origem na Alemanha, especialmente a partir do início dos anos de 1970. De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a “reserva do possível” (Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a idéia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público. Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador.

SARLET e FIGUEIREDO, na mesma obra, sustentam que essa reserva do possível possui dimensão tríplice que abrange:

a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.

Nessa esteira, os dois autores, acerca dessa tríplice dimensão, que.

todos os aspectos referidos guardam vínculo estreito entre si e com outros princípios constitucionais, exigindo, além disso, um equacionamento sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, possam servir não como barreira intransponível, mas inclusive como ferramental para a garantia também dos direitos sociais de cunho prestacional.

O fato é que, após tantas considerações, e feitas as devidas diferenças entre o mínimo existencial para o dito mínimo vital e também para a reserva do possível, por certo estes últimos não tem o condão de garantir a aplicação dos direitos fundamentais e até mesmo colocando em risco a dignidade humana, pois a realidade brasileira do Estado Contemporâneo (que abordaremos no tópico posterior) serve de limitador a tal desiderato, não sendo demais considerar que temos, na atual conjuntura nacional, um triste e lastimável quadro do mínimo possível, aquém, portanto, até mesmo daquilo que seria minimamente exigível (mínimo possível) e anos-luz do sonhado mínimo existencial, o que, por via direta, desrespeita os direitos fundamentais do cidadão brasileiro, e, com repetida frequência, a sua dignidade.


O SUCATEAMENTO DO ESTADO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO COMO INIBIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em observações anteriores já demonstramos haver distância entre o que se deseja para atingir ao respeito pleno dos direitos fundamentais e a distância existente para a realidade existente no Estado Contemporâneo brasileiro.

Do que se observa, do que já se disse até aqui, é que houve, desde o advento de nossa Constituição vigente, que ousou ampliar o que alguns chamam de rol de direitos e garantias individuais, um sucateamento do Estado brasileiro, que não vem atendendo nem mesmo às necessidades básicas (ditas fundamentais) e até mesmo o quanto ao “mínimo vital” anteriormente comentado, que estaria ligado apenas ao conceito de sobrevida, enquanto o que se busca é a dignidade humana preconizada em nosso texto magno.

O certo, do que já se disse e dos fatos de amplo conhecimento público, é que o Estado encontra-se em crise, pelos mais variados motivos, notadamente porque com o texto constitucional de 1988 sua intervenção se acentuou, como assevera Leila Cuéllar (2001, p. 55), permitindo-nos, em apertada síntese, observar, quanto ao Estado Contemporâneo brasileiro, haver uma combinação desastrosa de má gestão, gigantismo e ineficiência[21] como registra em seus comentários ao tratar de uma necessidade de reforma do que se convencionou chamar de Estado Social,[22],[23]:

O crescimento desmesurado do Estado Social, determinado pela ampliação de suas atribuições (passou o Estado a assumir responsabilidade por inúmeras atividades e serviços, como as grandes infraestruturas de transporte e comunicação, por exemplo) e de sua atividade interventiva, a forma burocrática de organização, os níveis elevados de gastos públicos, a crise financeira, dentre outros fatores, acarretaram a ineficiência do Estado no desempenho de muitas de suas atividades. Esse quadro traduz-se na crise de um modelo de Estado, apontado a necessidade de sua revisão.

Também observando esse crescimento desmesurado do Estado social de Direito e suas consequências negativas, assim se pronunciou Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999, p. 21): [24]

Verificou-se um crescimento desmesurado do Estado, que passou a atuar em todos os setores da vida social, com uma ação interventiva que coloca em risco a própria liberdade individual, afeta o princípio da separação dos Poderes e conduz à ineficiência na prestação de serviços.

Acrescentemos ainda ao quadro apresentado as dificuldades de atendimento de funções mínimas de cunho social do Estado, que chegaram a um estágio preocupante pelas dificuldades financeiras do Estado Brasileiro, que são somados, evidentemente, a outras causas, mas que produzem uma preocupação natural para se atravessar essa crise e induzem à busca de soluções de curto, médio e longo prazo.[25]

Essa precariedade de nosso Estado atual já era observada por Boaventura de Souza Santos (SANTOS, 1988, p. 55-57) quando de sua tese de doutorado, quando analisou o complexo de Jacarezinho (RJ) e a estrutura de um Estado paralelo ao Estado de Direito, naquilo que o autor lusitano chamou de “Direito de Pasárgada”[26], em evidente observação ao poema de Manuel Bandeira.

No caso do direito de Pasárgada, os instrumentos de coerção ou são inexistentes ou muito incipientes. Mesmo com a possibilidade de a associação se valer de destacamento policial local, não o faz pela razão de que o envolvimento policial deslegitima a própria associação. Neste modelo, a coerção se dá pelo discurso da violência, da ameaça. Entretanto, como raras são as ocasiões aonde de fato a violência é colocada em prática, este discurso não passa de retorica de força, de um topos de intimidação.

A partir de SANTOS (1988, P. 57), em referência ao seu estudo datado de 1977, encontramos uma intrigante afirmação, que, em condições normais, soaria anacrônica, mas considerando um distanciamento evidente entre a teoria e a práxis do nosso Estado Contemporâneo brasileiro, apresenta, exatos 40 (quarenta) anos passados, uma terrível e indisfarçável realidade e que nos alertam para a urgência de se voltar às origens pretendidas em busca dos pretendidos direitos fundamentais típicos de um Estado Democrático de Direito:

...resulta com clareza que nas sociedades que o direito apresenta baixo nível de institucionalização da função jurídica e instrumentos de coerção pouco poderosos, o discurso jurídico tende a caracterizar-se por um amplo espaço retórico.

A urgência aqui tratada, ante a insegurança econômica, não se limita aos fatos experimentados na atualidade brasileira, trazendo evidentes prejuízos à liberdade do cidadão como se pode observar do pensamento de Amartya Sen (2010, p. 30) ao falar dos problemas econômicos e da falta do seu desenvolvimento, que parece ser o ponto nodal de nosso Estado Contemporâneo:

O desenvolvimento econômico apresenta ainda outras dimensões, entre elas a segurança econômica. Com grande frequência, a insegurança econômica pode relacionar-se à ausência de direitos e liberdades democráticas.

Ante ao quadro atual, fica evidente que o papel do Estado e sua função social poderiam e precisam ser revistos, sabendo-se, no entanto, que essa seria uma dura empreitada, de indigesta discussão, e estaria vinculada a uma questão de fundo, que exigiria saber-se qual o nível de intervenção estatal desejado pelo cidadão (seja ela a mais privilegiada ou a dita ralé brasileira[27]), o que só seria possível após ampla discussão[28], e que certamente resultaria em uma eventual convocação de assembleia constituinte.

Evidentemente que isso se trata de solução de médio e longo prazo, que não atenderia ao desiderato de nossos comentários, uma vez que entendemos haver certa urgência de transição, existindo outros mecanismos passíveis de adoção e de resultado mais efetivo neste instante em que o imediatismo se sobrepõe ao idealismo[29], visando-se a um Estado de bem-estar social mais condizente com os princípios da Carta de São José da Costa Rica e de nossa Constituição vigente, de forma a atender ao preceito da dignidade humana que os circunda.

Para Emerson Gabardo (2009, p. 180-182) ao adotar-se a ideia de um Estado de bem-estar social, é preciso que se faça uso de uma interpretação moral da Constituição, evitando-se uma visão simplista de que o direito se limita ao contido ao texto escrito da lei, mas um pressuposto de validade que representa o verdadeiro substrato de uma sociedade digna e justa, que valoriza o ser humano e privilegia os direitos fundamentais mais lídimos e que estão mais próximos de um Estado dito subsidiário.

Segundo ele, os fundamentos éticos de um Estado de bem-estar seriam a tolerância e a solidariedade, tendo-se como fundamento implícito deste entendimento, a redistribuição de riqueza.

Nessa linha de raciocínio, Gabardo (2009, p.171) identifica três princípios básicos a serem considerados:

A partir desta relação indissociável entre a Constituição e o Estado, torna-se possível identificar três princípios básicos de ordenação das instituições políticas no regime democrático: a) o reconhecimento de direitos fundamentais, que o poder deve respeitar; b) a representatividade social dos dirigentes e da sua política; e c) a consciência de cidadania, do fato de pertencer a uma coletividade fundada sobre o direito.

A discussão sobre os novos papéis do Estado e de suas estruturas administrativas resultaram em doutrina nacional decorrente dos valores estabelecidos na Constituição Federal de 1988, que traz consigo princípios de verdadeiro exercício de democracia que é o verdadeiro telos aristotélico[30] do Estado Democrático de Direito.

No entendimento de Paulo Augusto de Oliveira (2016, p. 103), considerando a evolução histórica da figura do Estado brasileiro, transpusemos o estágio de um Estado executor (prestador) para um Estado de regulação justamente em função da escassez anteriormente comentada, buscando-se um aperfeiçoamento no modelo de governança pública, uma espécie de “renew deal”[31]:

O atual contexto de escassez vai acarretar uma substancial alteração comportamental do Estado Administrativo, em uma reforma/aperfeiçoamento da Administração Pública, do direito administrativo.

Emerge, assim, da atual conjuntura política, econômica e social, o direito administrativo da escassez, que enxerga notadamente no direito administrativo da regulação (Regulierungsverwaltungsrecht) um viés para alcançar os fins objetivados pelo Estado Regulador e Garantidor.

Considerando as dificuldades do Estado Contemporâneo em cumprir com o seu papel constitucional, até mesmo para atender os mais básicos direitos, o cidadão se vê diante de situação que afeta à sua própria dignidade como outrora comentado, demonstrando que os direitos fundamentais têm sido relegados e desatendidos pelo Estado brasileiro de forma sistemática.

Ou seja, tanto no cotidiano em ações comuns ao Estado deve haver a preocupação no atendimento dos direitos fundamentais, como nas ações interventivas pontuais de forma a regular as atividades se não puder exercê-las diretamente e lançando mão, muitas vezes de agentes regulatórios criados para tais fins.

Para que tenhamos o desenvolvimento esperado, faz-se mister que o Estado seja minimamente eficiente, pois instituições fortes e desenvolvidas produzem resultados que voltam ao próprio mercado como já pregava Amartya Sen (2000, p. 169) em suas observações finais da Economia do Desenvolvimento:

Os indivíduos vivem e atuam em um mundo de instituições. Nossas oportunidades e perspectivas dependem crucialmente de que instituições existem e do modo como elas funcionam. Não só as instituições contribuem para nossas liberdades, como também seus papéis podem ser sensivelmente avaliados à luz de suas contribuições para nossa liberdade.

Não bastasse isso, Clayton Reis (2016, p. 109) nos lega como ensinamento a importância do respeito à função social evidente do Estado Contemporâneo e que deve se apresentar-se como reserva legal, nos seguintes termos:

A função social é reserva legal reforçada que utiliza da técnica de reenviar a matéria para o legislador futuro, e mesmo para o aplicador do direito, como espécie de mandato de ponderação objetiva de elementos a respeito da funcionalização em cada situação proprietária concreta ou a cada categoria de bens;

Na esteira das sugestões que demandariam longa discussão, ressuscitando o pensamento de Habermas anteriormente apresentado quanto a necessidade dialética, ante a escassez de recursos atual, além da própria revisão do papel do Estado (numa evidente diminuição de atribuições não consideradas essenciais) e aliado a uma revisão tributária (quando se trocaria a tributação do consumo pela tributação da propriedade), buscamos inspiração em Thomas Piketty (2014, p. 492)

Embora possa parecer tema desconexo, sempre é bom lembrar que o economista francês também entende pela importância do mínimo existencial, fornecendo outra alternativa para a revisão do caos em que se transformou nosso Estado Contemporâneo brasileiro.

É nítida a existência de um grande abismo de desigualdades sociais e de renda no Brasil e das próprias expectativas dos direitos fundamentais. Observa-se que os debates que envolvem males desse problema são inúmeros, mas sintetizados, como ponto de partida, na corrupção do setor público[32], bem como uma carga tributária desproporcional e extremamente mal distribuída, onerando os mais necessitados, quando o mundo mais civilizado já parte da tributação do patrimônio.

Importa observar que, considerando a realidade brasileira, a busca de um Estado de Direito terá que passar pelo fim das mazelas aqui apontadas, dentre as quais citamos a corrupção generalizada e a letargia conivente do cidadão, pois a construção de um verdadeiro Estado Social, em que se respeite os Direitos Fundamentais e em que o Mínimo Existencial não seja um engodo serão apanágio para aquilo que se vem sustentando no presente arrazoado, não havendo mais espaço, na lição do ítalo-argentino José Ingenieros[33] (1913) para a o exercício da mediocridade, pois ela só continuará existindo se optarmos por isso, pois não se confunde com incapacidade, mas com autolimitação espontânea.


considerações finais e complementares

O Estado Contemporâneo, em sua essência, representa o Estado Democrático de Direito, no qual devemos encontrar a segurança jurídica por intermédio das normas pré-estabelecidas em nosso texto constitucional, que por sua vez, são guiadas por princípios teleológicos que visem a busca do bem-estar social através da garantia dos direitos fundamentais, servindo como esteio para o que se habituou chamar de dignidade humana.

Nossa carta magna, em artigo 1º, inciso III, estabeleceu que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ficando patente no presente texto nosso posicionamento que há um enorme distanciamento entre o pretendido e obtido, havendo total ausência de nexo causalidade entre o antecedente e o consequente.

Fica patente em nosso ordenamento constitucional que o ser humano é o objetivo primordial de todo o ordenamento constitucional, dando fundamento para todo o sistema, de forma que seja efetivada em toda a sua amplitude esta proteção, mas que, como vimos, acaba por frustrar os idealistas ante a realidade atual do Estado Contemporâneo brasileiro.

Do que pudemos constatar, a dignidade da pessoa humana constitui o arcabouço de todo instrumento jurídico democrático, para que se alcance a liberdade e igualdade, fonte dos direitos fundamentais, ficando nítido o divórcio entre a pretensão e o resultado quando não se consegue prover um mínimo existencial, que está, conforme nossas observações, distante, até mesmo de um mínimo vital e muito mais próximo de um medíocre mínimo possível, frustrando a construção do verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Apesar de tais considerações, e até mesmo de medidas ditas paliativas, o caminho da inclusão social para receber os desiguais e os hipossuficientes representa parte do respeito que se deve à dignidade humana.

Neste sentido, faz-se mister a observância do mínimo necessário para a garantia dessa propalada e pretendida dignidade humana como meio de atingimento do respeito aos direitos mais fundamentais.

Do contexto aqui apresentado, fica patente a crise de governabilidade gerada pelos dispositivos constitucionais positivados em nossa CF/88, que trouxeram enorme ônus pelas garantias a esses direitos sociais, que são os meios para a aplicabilidade legal, pois se efetivam através de serviços prestacionais nas diversas áreas sociais de forma a visar o bem-comum.

Trata-se de tarefa de difícil execução, impondo aos governantes a verdadeira Espada de Dámocles ante a escassez de recursos, aliada à gestão temerária dos referidos recursos e a necessidade de viabilização dos direitos sociais (condicionados, por sua vez, à existência de recursos orçamentários que permitam tal desiderato), restando um entendimento que o Estado apesar de ser obrigado a cumprir as normas garantidoras de prestações sociais e de ter assumido tais compromissos, poderá se omitir a tal obrigação, sob a alegação de indisponibilidade ou escassez de recursos, não tendo no entanto, capacidade de revisão de seu papel e do caos gerencial da coisa pública.

Parece-nos, em grau de conclusão, que tal fim só será possível quando o Estado Contemporâneo brasileiro adequar-se a essa realidade, não se limitando ao medíocre atendimento do mínimo vital ou da comentada reserva do possível, devendo formular (e cumprir) políticas sociais exequíveis e agindo com responsabilidade no sentido do Estado deve adequar ao seu papel constitucional, ou seja, formular políticas públicas sociais para que possa planejar com responsabilidade as ações, evitando, com isso, a redução de serviços prestacionais sociais essenciais, assegurando ao menos a garantia do mínimo existencial, que em síntese, representa a menor porção necessária para se manter a dignidade humana.


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Notas

[2] “Uma Análise Pontual da Intervenção Estatal como meio de obtenção dos Direitos Fundamentais ante a Realidade Atual do Estado Brasileiro” - Artigo produzido como pré-requisito para avaliação da disciplina "INTERVENÇÃO DO ESTADO (E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA) NA ATIVIDADE ECONÔMICA E SOCIAL" no Programa de Mestrado da UNICURITIBA – Professor Dr. DANIEL FERREIRA, no ano de 2016.

[3] Ao fazermos menção do enigma da esfinge, lembramo-nos da figura mitológica de Tebas, que teve seu enigma decifrado por Édipo, filho de Laio, que enfrentou a esfinge e conseguiu decifrar seu enigma respondendo: “O homem, pois engatinha na infância, anda ereto na idade adulta e necessita de bengala na velhice. ” (in DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. "Esfinge"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/mitologia/esfinge.htm>. Acesso em 22 de novembro de 2016.

Sabe-se que a máxima da esfinge representa a escolha do homem entre o decifrar ou ser devorado, e esta expressão está a significar, no seu bojo, que temos uma história, com princípio, meio e fim, sendo mister que se conheça um pouco de nossa origem a fim de entendermos nosso presente e lançarmos base para nosso futuro.

[4] Segundo o filósofo austríaco “O valor, como dever-ser, coloca-se em face da realidade, como ser; valor e realidade - tal como o dever-ser e o ser - pertencem a duas esferas diferentes”.

[5] Decorrente de interesse natural de quem observa o momento em que vivemos e o distanciamento dos pressupostos fundamentais para a plena existência da dignidade humana prescritos como ideais.

[6] Acerca da sanção administrativa e sua delimitação, Daniel Ferreira (2001, p. 32-33) in Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros Editores nos ensina que “Toda e qualquer sanção terá natureza administrativa desde que aplicada no exercício dessa mesma função. Assim sendo, o que poderia parecer um pleonasmo vicioso de fato não o é, na exata medida em que o conceito de função administrativa vem à tona.

Considerada a função administrativa em sentido estrito como sendo o dever-poder operativo, compulsoriamente exercitado no uso das prerrogativas públicas e em prol da coletividade, concretizador dos comandos primários, gerais e abstratos contidos na norma legislativa ou excepcionalmente, na norma constitucional, desde logo ressai sua perfeita distinção das outras funções estatais – daí por que sua simples inserção na elaboração de um conceito de sanção administrativa é mais do que suficiente para afastar qualquer confusão acerca da categoria que se pretende delinear.”

[7] Acerca da Sanção Administrativa ainda, Daniel Ferreira (2009, p. 10), in Alternativas Legais à Sanção Administrativo-Ambiental: Uma Eventual Questão de Dignidade Humana e de Sustentabilidade da Atividade Empresarial, assim se pronunciou: “... as sanções administrativas visam a desestimular o infrator, como resposta jurídica restritiva de direitos por sua incursão em infração administrativa. As medidas de polícia (medidas administrativas), por sua vez, têm objetivo diverso. ”

[8] A mera intervenção se não for efetiva e sem critérios não produz resultados, observando-se, a pretexto da dialética, que seria mister que se buscasse mais a discussão do tema para que se amoldasse a uma realidade contemporânea de nossa sociedade e de nossa condição econômico, financeira e política vigentes.

[9] Em sua crítica do estado e da sociedade, o autor tenta demonstrar a conexão entre a teoria e a prática.

[10] Usada aqui no seu sentido genérico de busca de opostos e discussão dos conflitos originados pela contradição existente entre os princípios teóricos ou os fenômenos empíricos.

[11] LAFER, Celso. Direito e Poder na Reflexão de Miguel Reale. In REALE, Miguel. Miguel Reale na UnB. Brasília: UnB, 1981, p. 61.

[12] Na nota de rodapé da obra referenciada, o autor continua: “A Carta Constitucional de 1988, portanto, implanta uma nova ordem econômica no cenário nacional, exigindo do Estado e dos agentes econômicos postura inédita para estarem adequados à nova realidade legal, inserida no contexto mundial. Tal prática demonstra a preocupação do legislador no controle do poder econômico, a fim de coibir abusos, para o pleno exercício da democracia, No art. 5º da Constituição Federal de 1988, observam-se direitos à igualdade, segurança e propriedade, sem os quais uma economia de mercado não conseguiria prosperar, e nos incisos XXIX e XXXII desse mesmo artigo a garantia do direito dos inventos industriais, marcas, nomes e signos distintivos em vista do desenvolvimento tecnológico e econômico do País, bem como a promoção da defesa do consumidor. Nos arts. 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 11, estão disciplinados os direitos dos trabalhadores. Já o art. 21 dispões em seus incisos sobre as competências da União que, dentre outras, deverá elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, e explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, determinados serviços. No art. 24, além da União, são também competentes os Estados e o Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre direito econômico, produção e consumo, responsabilidade por meio ambiente e ao consumidor. Mas é no Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira, art. 170, que se observam os princípios gerais da atividade econômica. Já a repressão ao abuso do poder econômico está disposta no § 4º do art. 173. ”

[13] Em obra sobre os direitos fundamentais, em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres.

[14] Também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22.11.1969, tendo sido ratificada pelo Brasil em 25.09.1992, ou seja, após nosso texto constitucional vigente.

[15] Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 27 jan 2017

[16] Para os autores, ao tratar-se do mínimo existencial, conceituaram-no “como todo o conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida condigna, no sentido de uma vida saudável”.

[17] VII Mostra de Trabalhos Jurídicos Científicos.

[18] Observação decorrente de sua nota de rodapé 26.

[19] “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

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IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; ”

[20] As normas constitucionais de direitos econômicos e sociais, se diferenciam do mínimo existencial, na medida em que este último se trata de norma de eficácia plena, enquanto que boa parte dos direitos econômicos sociais constitucionais estão insculpidas no contexto das normas de eficácia contida ou de eficácia limitada e é aqui que reside a grandeza da gravidade (se é que seja possível tal redundância) de desatendimento das obrigações estatais no atual momento brasileiro para com o cidadão comum,

[21] Sem nos esquecermos dos casos de desvios e corrupção que todos os dias a imprensa vem demonstrando.

[22] CUELLAR, comentando o Estado social, e seu modelo, também em nota de rodapé da obra referenciada, assim se pronunciou: “111 O modelo de Estado Social se caracteriza pelo intervencionismo estatal na ordem econômica e social, como se manifesta Modesto Carvalhosa, afirmando que, no Estado Social, a ordem econômica possui finalidade de justiça social, almejando garantir a todos condições dignas de vida, de bem-estar comum e desenvolvimento. (Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 61).”

[23] CUELLAR ainda observa, fazendo menção a Maria Sylvia Zanella Di Pietro (in Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 21), que o Estado Social de Direito se transformou em Estado prestador de serviços, Estado empresário e Estado investidor.

[24] Complementa ainda a autora (no texto referenciado), dizendo que “O acréscimo de funções a cargo do Estado – que se transformou em Estado prestador de serviços, em Estado empresário, em Estado investidor – trouxe como consequência o fortalecimento do Poder Executivo e, inevitavelmente, sérios golpes ao princípio da separação de poderes. Já não se vê no Legislativo o único Poder de onde emanam atos de natureza normativa. O grande volume de atribuições assumidas pelo Estado concentrou-se, em sua maioria, em mãos do Poder Executivo que, para atuar, não podia ficar dependendo de lei, a cada vez, já que sua promulgação depende de complexo e demorado procedimento legislativo. ”

[25] O noticiário nacional cotidiano tem dado conta das dificuldades econômicas que alguns Estados têm passado (vide a decretação oficial da difícil situação de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul como exemplos), ou ainda, as sistemáticas e angustiantes rebeliões do exaurido e ultrapassado sistema prisional brasileiro, com o requinte da criação de um verdadeiro Estado Contemporâneo paralelo, dito por Boaventura Santos, como o Direito de Pasárgada (SANTOS, 1988, p. 55-56). Outros exemplos cotidianos poderiam ser adicionados no campo da saúde pública, na educação, dentre outros frustrados direitos fundamentais do cidadão e que vem sendo sistematicamente vilipendiados.

[26] Boaventura de Sousa Santos publicou em português, uma versão da sua tese de doutoramento na Universidade de Yale, referente a um estudo do direito no Jacarezinho, uma favela do Rio de Janeiro, conhecida pelo nome fictício de Pasárgada, que foi publicado na íntegra em inglês, no México, em 1974. Três anos depois, numa importante revista anglo-saxónica de sociologia do direito, saiu um longo artigo, também em inglês, com os principais resultados da tese. E, numa revista de direito da Universidade de Coimbra, em 1980, foi publicada a versão portuguesa do quadro teórico da mesma tese. Disponível em https://www.publico.pt/2014/10/10/culturaipsilon/noticia/o-direito-do-jacarezinho-1672277. Acesso em 06 fev 2017.

[27] SOUZA, Jessé. Ralé Brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: Ed. Da UFMG, 2009.

[28] Algo impensável no momento ante as radicalizações e encastelamento de posições que tornam o consenso uma utopia nacional.

[29] Em nossa concepção, tratamos isso como meramente paliativo (embora de observância diuturna e necessária), mas cremos que o ponto nodal (fulcral por assim dizer) seria uma revisão do papel do Estado para uma realidade mais próxima do que temos de forma a não comprometer gerações futuras, observando a partir da natureza modificativa do homem, segundo Hans Jonas (2015, p. 29) que “Toda ética até hoje compartilhou a condição humana (conferida pela natureza do homem e das coisas), permitindo-se entender o que é bom para ele, tendo-se a partir da ação humana, a sua responsabilidade.”.

[30] No sentido de objetivo, in Parva Naturalia.

[31] Algo como renovação do negócio.

[32] E que o judiciário e a Polícia Federal brasileira vem demonstrando não se limitarem a ele, havendo ramificações em todos os sentidos sugerindo, tal qual a saga mitológica de Teseu e do Minotauro, haver um novelo de lã interminável que não permite vislumbrar o fim disso tudo.

[33] Ingenieros analisa a opção pela sociedade mediocrática e o temor que esta tem do 'diferente' (aquele que, nas palavras do autor, ousa pensar com a própria cabeça), havendo uma verdadeira conspiração pela mediocridade, que é, em nosso entendimento, opção de autolimitação.


Autor

  • José Julberto Meira Junior

    Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: [email protected]

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