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Ativismo judicial: Instrumento assecuratório do direito fundamental à saúde através do acesso ao canabidiol

Ativismo judicial: Instrumento assecuratório do direito fundamental à saúde através do acesso ao canabidiol

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Resumo: O presente trabalho possui o desiderato de trazer à baila a forma como o ativismo judicial pode contribuir para efetivação do direito fundamental à saúde, no que tange a medicamentos que possuem como elemento principal o canabidiol, um composto presente na planta da maconha (cannabis sativa), traçando um paralelo com a sua ainda controvertida matéria no Brasil. Buscou-se analisar sob o enfoque da querela do Poder Judiciário brasileiro interferir na alçada dos Poderes Executivo e Legislativo diante da sua inércia frente à violação do direito à saúde. Destarte, o alcance a saúde através do ativismo judicial sob a ótica do acesso a tratamentos à base da maconha será analisado no presente trabalho, buscando elucidar de que maneira o judiciário pode concretizar o direito fundamental a saúde.

Palavras-chave: Ativismo Judicial; Canabidiol; Maconha; Saúde.


INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito foi erigido no Brasil por intermédio da Constituição Federal de 1988, no entanto, antes de se chegar ao conceito do que seria o Estado Democrático de Direito e em como este poderia contribuir para o bem estar social, foi vital estabelecer o conceito de Estado de Direito e o modo que poderia contribuir para a sociedade mais justa. Assim, surgiu da necessidade de afastar o absolutismo através da limitação de poder e imperatividade da norma, baseando-se na teoria dos freios e contrapesos, onde instituiu a divisão de poderes, afastando a sobreposição da vontade do monarca sobre a lei.

Conquanto, a limitação de poderes entre si não foi o suficiente, pois, o governo ainda era detentor do poder, nascendo assim a necessidade de instaurar o Estado Democrático de Direito capaz de transferir a titularidade do poder para o povo. Assim, o poder passou e emanar do povo, constando como premissa maior da Carta Magna estabelecendo que o Estado é mero gestor.

Não obstante tal avanço ter representado um progresso significativo para o país, a Carta Federal, embora possua caráter soberano no ordenamento jurídico, por vezes tem sido violada principalmente no que se refere aos direitos fundamentais nela assegurados, pois, embora resguardados com caráter inviolável e imprescindível para a vida com dignidade, a ausência da tutela Estatal tem lesionado e comprometido do mínimo existencial da população. A falta de políticas públicas, ou a ineficiência dessas, bem como a ausência de fiscalização do legislador, tem violado os direitos básicos do artigo 5º da Lei Maior, principalmente no setor da saúde, que carrega fragilidades e deficiências encontrando-se em condições precárias para atendimento da população.

A ideia que se tem é que, algumas ilegalidades definidas por lei afetam diretamente o direito fundamental a saúde e o próprio poder público acaba por obstar o acesso a saúde, ou seja, algumas substâncias que já tiveram sua eficácia terapêutica comprovada ainda sofrem diversas controvérsias por causa das formalidades e burocracias por parte do Estado. É o que ocorre com o canadibiol (CDB), substância que integra parte da cannabis sativa (maconha), o qual em virtude do caráter ilícito da erva no Brasil, a utilização de seus compostos para tratamento medicinais ainda enfrenta porfias, mesmo que já comprovada sua efetividade e que já tenha medicamento registrado pela Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA, o governo ainda não foi capaz de fornecer tais terapias e, tendo em vista o alto custo, boa parcela da população não consegue acesso, violando o direito do acesso a saúde, deixando como única alternativa o pleito na esfera judicial, para que, através do posicionamento dos tribunais as pessoas possam conseguir acesso à saúde.


1. ORIGEM DO ATIVISMO JUDICIAL

Em que pese o termo Ativismo Judicial ter sido utilizado pela primeira vez em 1947, a eclosão deste fenômeno ocorreu antes mesmo desta data. O comportamento ativo do Poder Judiciário teve sua gênese em 1803 nos Estados Unidos, quando a Suprema Corte americana declarou em caráter incipiente a inconstitucionalidade de uma lei federal sem que estivesse previsto na Constituição. Trata-se do caso Marbury vs. Madson, no qual, diante do cenário político que vigorava, a Suprema Corte optou por não julgar o madamus e declarar lei inconstitucional, frente ao receio em ir contra os ideais do presidente Thomas Jefferson.

Ademais, em 1857 foi a vez do escravo Dred Scott, caso em que o judiciário americano versou sobre matéria controversa declarando inconstitucional o The Misouri Compromise, que limitava a escravidão ao norte da linha Mason-Dixon. No julgamento do caso, a corte estabeleceu que os escravos, ainda que tenham residido por algum tempo em um Estado abolicionista continuariam sendo escravos, indeferindo o pleito de Dred Scott, que havia requestado perante a justiça federal sua liberdade respaldado no fato de que não mais residia em Estado escravagista. No entanto, a Corte não decidiu apenas sobre o caso concreto, versou ainda no sentido de que os negros não eram considerados cidadãos dos Estados Unidos e por isso não eram sequer dotados de legitimidade para ajuizar ações na justiça federal.

Cem anos após Mabury vs. Madison, foi julgado o caso do padeiro Lochner, em que a lei de Nova York que limitava a jornada de trabalho dos empregados das padarias, estabelecendo 60 horas semanais e 10 horas diárias, foi declarada inconstitucional, pois, segundo os magistrados tal lei infringia a liberdade contratual, bem como o devido processo legal previsto na XIV Emenda.

Mesmo após constantes manifestações do ativismo judicial na corte americana, esta terminologia somente foi utilizada pela primeira vez em 1947, quando foi publicado um artigo pelo jornalista Arthur M. Schlesinger Jr., na Revista Fortune, que estava traçando o perfil dos juízes que integravam o judiciário dos Estados Unidos de acordo com seus posicionamentos, eram os campeões do ativismo judicial e os campeões da autorrestrição judicial, sendo o primeiro grupo formado por magistrados que acreditavam na solução de litígios através de interpretações legais, que possuía como desiderato o bem estar social, e o segundo grupo era integrado por juízes militantes da concepção de que a Corte existia para assegurar a concretização do que estava positivado, não podendo fazer interpretação extensiva de acordo com o caso real.

A origem terminológica coube ao historiador estadunidense Arthur Schlesinger Jr., que o utilizou publicamente, pela primeira vez, em um artigo intitulado The Supreme Court: 1947, publicado na revista Fortune , vol. XXXV, nº 1, no mês de Janeiro de 1947. Em avaliar a Suprema Corte 1947 - A Vision Court -, o autor dividiu os Justices em “campeões do ativismo judicial” e “campeões da autorrestrição judicial”: juízes ativistas substituem a vontade do legislador pela própria porque acreditam que devem atuar ativamente na promoção das liberdades civis e dos direitos das minorias, dos destituídos e dos indefesos; ao contrário, juízes “campeões da autorrestrição judicial” entendem que a Suprema Corte, em razão da natureza judicial, não deve intervir no campo da política e, por isso, deve agir com a máxima deferência à vontade do legislador. (CAMPOS, 2014, p. 342).

Assim, o crescimento do ativismo judicial foi marcado pela segregação de dois extremos dentro do judiciário americano, pois, havia magistrados adeptos a teorias liberais e magistrados defensores de ideais conservadores, sendo que, estes últimos ao assumirem postura conservadora interferiam negativamente nos planos do New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt que, através de medidas socioeconômicas possuía o desiderato de recuperar a economia norte-americana do impacto que A Grande Depressão provocou.

Diante do atraso que o comportamento dos conservadores causava à política do New Deal, Roosevelt começou a investir no Courting Packing-Plan. Tratava-se de um plano que objetivava enfraquecer a bancada conservadora, o qual obteve êxito depois de um tempo, visto que, para os magistrados conservadores não parecia boa ideia laborar em ideais opostos aos do presidente do país. Assim, o ativismo judicial conservador conhecido como a Era Lochner, que teve início no caso Marbury vs. Madison, chegou ao fim tendo como motivos articulações meramente políticas da mesma forma que se iniciou.

Corte Warren

Os magistrados que integravam a Suprema Corte americana foram gradativamente amoldando-se aos ideais liberais e reconhecendo as bases teóricas que possibilitavam a prática do ativismo judicial liberal voltado a reconhecer os direitos básicos do homem. A nova corte que se formava em 1953, que mais tarde ficou conhecida como a Corte Warren, baseava-se em jurisprudências e precedentes que ambicionavam alcançar a plenitude dos direitos civis, conferindo à Constituição Federal interpretação extensiva e inovadora dos seus dispositivos, promovendo a ausência de segregação racial nas escolas públicas, às novas delimitações dos distritos eleitorais e redistribuição proporcional de cadeiras nos legislativos federais, estaduais e locais, estabeleceu o direito constitucional de privacidade, garantiu o direito de todo cidadão criticar o governo, e ampliou os direitos dos acusados de crimes.

A Corte Warren foi o grande momento jurisprudencial norte-americano dos direitos e liberdades civis do século XX. Ela enxergava a Constituição como um “documento vivo” (living document) e procurava avançar seus significados na direção das importantes mudanças sociais do pós- Segunda Guerra. O seu ativismo judicial desafiou, principalmente, os estados e se caracterizou pela interpretação criativa dos princípios constitucionais, expandindo seus sentidos e afirmando direitos implícitos ou apenas vagamente definidos para promover a igualdade, notadamente na questão racial. Promoveu a nacionalização das liberdades civis e a equidade do processo democrático, superando o status da Suprema Corte como reduto do conservadorismo antidemocrático e anti-igualitário. (CAMPOS, 2014, p. 344)

Nascia então o ativismo judicial com uma faceta mais humana e racional, levando em consideração os direitos básicos do homem promovendo a valorização da dignidade humana, desligando-se do conservadorismo e das decisões retrógradas que por muito tempo vigorou na Suprema Corte americana.


2. ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

Em âmbito nacional, o comportamento ativista do Poder Judiciário não ocorreu com feição distinta, pelo contrário, tendo em vista o terror causado pelo pós- segunda guerra, o cenário mundial sentiu a necessidade de ser transformado, a ideologia totalitarista precisava ser afastada, pois, representava atraso diante das mudanças que estavam acontecendo no campo científico, filosófico, social e político, criando a necessidade de editar o ordenamento jurídico a fim de possibilitar a adequação da lei à nova realidade social, iniciando o neoconstitucionalismo.

Entendemos que o neoconstitucionalismo caracteriza uma nova visão acerca da função da Constituição nas estruturas jurídicas contemporâneas. Tal visão tem por pressuposto que a Constituição exerce uma função de supremacia em relação aos demais diplomas legais. Sendo que tal supremacia vai além do controle de constitucionalidade e da tutela da esfera individual de liberdade. Ela exerce a função de norma diretiva fundamental, que se dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores constitucionais (direitos sociais, direito à educação , à subsistência, à segurança, ao trabalho etc.) (TOLEDO, 2011)

Embora o neoconstitucionalismo tenha ganhado caráter robusto no pós- guerra em alguns países como Alemanha e Itália, no Brasil teve como marco histórico a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe consigo a transição para um Estado democrático de direito sólido cada vez mais distante de vicissitudes que causavam insegurança jurídica. A Carta Federal ganhou supremacia e solidez de forma lenta e gradual, onde, carregada de princípios, direitos e obrigações transformou-se em um manual para o bom funcionamento da maquina estatal, resgatando a ideia de democracia que há muito não se ouvia falar.

Ocorre que, para compreender o neoconstitucionalismo, é salutar conhecer outros coeficientes que o propulsionaram. Além do fator histórico, o campo filosófico também influenciou na construção do novo modelo constitucional que emergia, através do pós- positivismo a filosofia desconstruiu a ideia de que o direito positivo e o jus naturalismo devem ser trabalhados de guisa segmentada, pelo contrário, o pós- positivismo aproximou o direito da moral com a prerrogativa de levar ao campo jurídico, através de princípios explícitos e implícitos na Carta Magna, o conjunto de regras morais e éticas que regem o meio social, conferindo às normas caráter mais humano.

No Brasil, é a partir da Constituição de 1988 que se evidencia de maneira mais manifesta o processo de afirmação da Constituição como diploma jurídico supremo. Os anos seguidos de ditadura militar e a edição de Cartas Constitucionais eivadas de uma incontestável ilegitimidade talvez possam ser apontados como motivos para este retardo. Como consequência, temos ainda um processo de constitucionalização do Direito infraconstitucional, bem como das decisões do Poder Judiciário, até então impregnadas de um excessivo apego aos ditames da lei, olvidando-se de princípios básicos norteadores da moderna hermenêutica constitucional e do próprio Direito em si. (SANTOS, [2007])

A mutação no cenário histórico e no pensamento filosófico veio acompanhada pelas transformações teóricas, que, interferiram diretamente no novo modelo constitucional, baseando-se no reconhecimento da força normativa da Constituição, na expansão da jurisdição constitucional e no desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional.

No entanto, afirmar que a nova face constitucional ocorreu de forma consensual e pacífica é falacioso, pois, antes de o Supremo Tribunal Federal conquistar a força e a autonomia que hoje detém, os tribunais passaram por um período instável em que se discutia a respeito das garantias constitucionais, pois, diante da inconsistência que a recém-democracia se encontrava, as normas fundamentais por muito tempo foram consideradas programáticas, tratando-se apenas de uma projeção do que poderia vir a se concretizar, paralelamente, a imperatividade dos direitos fundamentais também estava em voga, onde, alguns juízes se posicionavam no sentido de que os princípios constitucionais possuem caráter compulsório tendo em vista se tratar de valores inerentes ao homem.

Nesta nova fase, a doutrina brasileira passa a enfatizar o caráter normativo e a importância dos princípios constitucionais, e a estudar as peculiaridades da sua aplicação. Neste contexto, há uma verdadeira febre de trabalhos sobre teoria dos princípios, ponderação de interesses, teorias da argumentação, proporcionalidade e razoabilidade etc. Também cresce muito o interesse doutrinário pelos direitos fundamentais, sobretudo os direitos sociais. Se antes estes eram vistos preponderantemente como normas programáticas, passa-se a discutir a sua eficácia jurídica a partir de novas bases, que incorporam ao debate a argumentação moral. Neste campo, a ênfase na análise dos enunciados normativos, que caracterizava a doutrina da efetividade, é substituída por uma discussão marcada pela preocupação com valores e democracia, repleta de novas categorias, importadas sobretudo do Direito germânico, como o "mínimo existencial", a "reserva do possível" e a "proibição do retrocesso". (SARMENTO, 2009).

Assim, a autonomia da hermenêutica do Poder Judiciário encontrou dificuldades em se concretizar durante muito tempo, vindo a ganhar espaço de forma gradativa, haja vista que o ativismo que ainda se mostrava possuía traços que remetia ao ativismo judicial conservador, considerando o processo de redemocratização lento e gradual, com traços ainda do período ditatorial.

O Judiciário foi se flexibilizando e atribuindo às políticas públicas caráter vinculante de maneira paulatina, não sendo possível determinar com exatidão o momento em que as decisões jurisprudenciais ganharam força.

Os tribunais foram conquistando o poder que possui hoje, até chegar a casos como imposição aos parlamentares da fidelidade partidária, decidiu o destino dos mandatos entre os partidos e as coligações partidárias nos casos de vacância, renúncia ou licença do candidato eleito e, decidiu a validade da Lei da Ficha Limpa. Adentrou também nos direitos fundamentais, dispondo sobre a pesquisa com células tronco embrionárias, a união homoafetiva, aborto de fetos anencefálicos e validou a política de cotas.

Assim como sucedeu em outros países, o ativismo judicial no Brasil decorreu da necessidade de assegurar a democracia, igualdade e resguardar os direitos humanos, tendo como principais causas a redemocratização, a constitucionalização abrangente de direitos e o sistema de controle de constitucionalidade.


3. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

A máquina estatal existe precisamente para servir ao povo, tendo em vista que é prerrogativa constitucional que sejam assegurados a todos, sem distinção, os direitos básicos para a dignidade da pessoa humana.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm).

Conforme depreende-se do caput do artigo 5º, a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país são assegurados seus direitos, os quais é dever do Estado tutelá-los da forma mais eficiente possível. Para que tal preceito seja alcançado, foi introduzido o Princípio da Separação de Poderes, paradigma político de direito que vige no Brasil, onde atribui aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário funções específicas atribuídas pela Constituição Federal. Constante no artigo 2º da Constituição, vincula cada esfera à suas funções, sendo o Executivo responsável pelas políticas públicas, o Legislativo pela criação do direito e o Judiciário pela aplicação da lei ao caso concreto.

“Pelo disposto na Constituição, os poderes da União são divididos em Legislativo, Executivo e Judiciário. Em verdade, o poder é um só, ocorrendo uma divisão de atribuições e funções do Estado.” (GAMA, 2014, p. 155)

Assim, a separação de poderes está intimamente ligada ao surgimento do Estado de Direito que, teve como base a imperatividade das normas limitando o poder que até então era controlado pela vontade do monarca, distribuindo as funções estatais e estabelecendo a independência e harmonia entre elas.

Deste modo o Estado de Direitos está intimamente ligado a Teoria do Checks and Balances, pois de nada adianta frear o povo, as massas, se não impusermos freios também aos mandos e desmandos dos detentores dos altos cargos da administração (aqui usada em sentido amplo). (MAGALHÃES, 2016)

Formava-se então o Estado de Direito, onde estabeleceu limite ao poder, o subordinando a lei, instituiu a separação dos poderes para que se alcançasse uma sociedade equilibrada e garantiu os direitos fundamentais, positivou o que já pertencia à essência do homem, e em virtude do ideal de soberania da norma em detrimento à vontade dos governantes, as garantias fundamentais passaram a ser imperativas.

Este cenário que o Estado de Direito formava preparou a sociedade para o que mais tarde viria a surgir e ser chamado de Estado Democrático de Direito, que com fundamento nas diretrizes do Estado de Direito, levando em consideração a distribuição de poderes e a imperatividade das normas positivadas, a concepção de poder se estende ao povo onde deixaram de ser apenas subordinados ao Estado, pelo contrário, a população passou a ser a detentora do poder e o Estado apenas gestor.

A democracia que o Estado democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre justa e solidária (art. 3º. lI), em que o poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes na sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício. (SILVA, 1988)

Assim, surgiu o modelo de Estado que vigora atualmente, sendo afirmada no artigo 1º da Constituição Federal e no preâmbulo a vigência do Estado Democrático de Direito, onde todo o poder emana do povo e os poderes são apenas gerenciados pelos representantes escolhidos pela própria sociedade.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I- A soberania;

II- A cidadania;

III- A dignidade da pessoa humana;

IV- Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- O pluralismo político

Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termo desta Constituição. (BRASIL, 1988)

A limitação dos poderes entre si pressupõe o dever de agir em conjunto e dentro de suas peculiaridades para evitar a concentração de poder. Laborando em consonância, possui como prerrogativa comum o bem estar social, utilizando leis e políticas públicas para assegurar à população os direitos essenciais para a concretização da eminente dignidade da pessoa humana.


4. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO

A essência dos direitos fundamentais reside na preocupação que o homem possui com a dignidade da pessoa humana, fundamenta-se em respeitar as diferenças e condições entre as pessoas agindo com equidade visando garantir o mínimo existencial. Consiste nos aspectos básicos e necessários positivados na Constituição Federal.

Direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual. (DIMOULIS & MARTINS, 2014, p. 41)

Os direitos fundamentais possuem seu núcleo nos Direitos Humanos que, embora sejam condições básicas para a subsistência digna do homem, nem sempre estiveram presentes, sendo incorporadas ao contexto social de forma gradual e de acordo com a peculiaridade de cada momento histórico, o qual são denominados como dimensões dos direitos fundamentais.

A face dos direitos fundamentais começou a ser traçada na Revolução Francesa, período em que o cenário politico estava marcado pelo despotismo, o meio social era segregado de acordo com a condição econômica, e a religião era algo imperativo totalmente distante dos ideais da laicidade, delineando características da monarquia absolutista. Aflorou-se então a premência do afastamento do Estado das relações sociais, onde a burguesia, influenciada pelo pensamento iluminista de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, buscou retirar do meio social a participação estatal, o que foi trouxe significativas mudanças e vantagens no que tange à conquista dos direitos individuais.

A ausência da atuação do Estado, embora tenha significado a ascensão da independência individual da burguesia, ensejou consequências no meio social, pois, apenas quem portava condições para pleno gozo dos novos direitos adquiridos eram os detentores de maior poderio econômico, começando assim a corrida pela produção de capital que causou por consequência a opressão de forma horizontal, ou seja, não era o Estado que exercia poder sobre o povo, pois aquele já não estava mais presente no cenário social, mas o povo passou a exercer poder sobre si. Ocorre que, pouco adiantou o homem adquirir liberdade e igualdade civil se ele não possuía condições para dispor de tal, posto que, o Estado, ao assegurar a livre iniciativa e os direitos políticos, desencadeou a crise do liberalismo.

A igualdade no Estado liberal era uma igualdade formal, todos os homens pertencentes às diversas classes sociais eram considerados iguais perante a lei. Essa igualdade não se verificou na prática, pois as pessoas tinham uma situação de desigualdade real, ou seja, eram desiguais entre si em diversos aspectos, principalmente econômico, e, portanto, não poderiam ser tratadas de forma igualitária com a simples abstinência do Estado em relação a elas. (GALINDO, 2003, p. 61)

A crise do liberalismo ocorreu em consequência da abstenção do Estado na sociedade. Quando o governo se ausentou das relações sociais, retirou da sociedade sua tutela, resultando na sobrevivência do mais forte dando ensejo a um modelo capitalista motivado principalmente pela livre iniciativa, impulsionando a Industrialização. A corrida pelo acúmulo de capitais segregou a sociedade, fazendo com que as camadas menos favorecidas se submetessem a condições desumanas. Esta peripécia pode ser identificada principalmente nas fábricas, que não ofereciam nenhuma condição de segurança e proteção à saúde do proletariado, as condições de moradia eram precárias e completamente distantes do medular para a sobrevivência digna, bem como as jornadas extensas de trabalho a que eram submetidos devido à necessidade dos proprietários das fábricas para acumular riquezas, prejudicando a saúde da população.

O livre mercado não solucionou os problemas econômicos e sociais das classes menos favorecidas; antes os agravou com a industrialização. As condições materiais dos trabalhadores em geral eram de completa inacessibilidade às liberdades fundamentais do liberalismo, não adiantando a liberdade e igualdade garantidas legalmente, se na realidade o operário tinha que vender o seu trabalho a preços módicos, pois não detinha capital para exercer a liberdade de iniciativa, restando a ele submeter-se a salários ínfimos e condições precárias de trabalho. Como o Estado deveria se abster de atuar em favor de quem quer que fosse, terminava por fazer prevalecer a lei do mais forte, que era o dono do capital, em detrimento do operariado que somente possuía a sua força de trabalho. Essas contradições do liberalismo ensejaram o advento do Estado social, justamente um Estado com uma proposta de realização dos direitos fundamentais econômicos e sociais de segunda dimensão. (GALINDO, 2003, p. 62)

A nova conjuntura fez surgir a necessidade de o Estado voltar a intervir na sociedade, apenas na esfera socioeconômica, proporcionando através da prestação de serviços públicos o amparo àqueles que não possuíam acesso ao mínimo existencial. Surgira assim os direitos fundamentais de segunda dimensão, imersos em contexto de obrigação de fazer do Estado, avocando o poder-dever de proporcionar o bem-estar social.

Direitos Humanos de Segunda Dimensão Os direitos humanos de segunda dimensão surgiram no final do século XIX tendo um cunho histórico trabalhista embasado no marxismo, devido à busca de se estimular o Estado a agir positivamente para favorecer as liberdades que anteriormente eram apenas formais. (FIRMINO, 2013, p. 156)

Assim o Estado passou a dispor do dever de garantir à sociedade a saúde, educação, habitação, cultura e lazer, fornecendo suporte aqueles que figuravam o polo hipossuficiente, buscando o equilíbrio social.


5. DIREITO À SAÚDE

Consoante disposto alhures, é assegurado a todos o direito a saúde sendo incumbido ao Estado o ônus de prestar assistência para que seja alcançada por todos e, assim seja concretizado o que está insculpido na Carta Federal.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doente e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

Após a conquista dos direitos de segunda dimensão, a máquina estatal passou a intervir de forma positiva nas relações sociais desempenhando o papel de garantir as pessoas o acesso à saúde, considerando que, esta é condição básica para a dignidade caracterizando direito inviolável garantidor da qualidade de vida.

Diante do caráter substancial que o direito a saúde dispõe, foi instituído pela Constituição Federal de 1988 o Sistema Único de Saúde- SUS, mais tarde regulamento através da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Constitui reflexo da Reforma Sanitária que aconteceu no início de 1970 onde as pessoas almejavam mudanças no setor da saúde.

Diante da necessidade e da árdua peleja por melhores condições de saúde, foram estabelecidas as diretrizes, gestão e princípios, bem como toda a estrutura do SUS para que viabilize o atendimento das necessidades da população. O escopo basilar da criação do SUS amolda-se exatamente no que está gravado na Lei Maior, e como tal, visa atingir seu fim social que é materializar os direitos de segunda dimensão conquistados outrora. Assim, a saúde passou a ser subvencionada pelo Estado promovendo a acessibilidade a consultas, exames, tratamentos e medicamentos.

Malgrado o SUS ter sido inserido em um contexto social diferente do que se vivencia hoje, os fins pelos quais ele foi criado perpetuam-se com o tempo tendo em vista tratar-se de resguardar direito imprescritível, logo depreende-se que as necessidades continuam as mesmas e até mesmo tem se intensificado. Ocorre que essa relação tem se tornado inversamente proporcional, pois, a medida que a necessidade da população aumenta, a assistência à saúde por parte do Estado tem diminuído cada vez mais, tornando demasiado oneroso às pessoas suportarem tal déficit.

No entanto o Poder Público tem invocado o Princípio da Reserva do Possível para justificar a deficiência na prestação da saúde. Segundo posicionamentos do Estado, a falta de eficiência no setor da saúde pública encontra justificativa na escassez de recursos públicos, considerando o período de crise econômica que o país está passando e a disponibilidade orçamentária não comporta todos os custos.

No entanto, a reserva do possível não se resume apenas em cálculos exatos, tendo em vista que o Estado não pode eximir-se de fornecer acesso à saúde baseado na falta de dinheiro, pois, a má administração orçamentária do gestor não justifica o desamparo à população, porquanto, o Estado deve ser assegurador do mínimo existencial conforme os preceitos constitucionais.

“Afinal, o princípio da reserva do possível não pode servir de justificativa ou desculpa para o mau gestor público justificar a sua inércia na promoção dos direitos fundamentais em sua perspectiva social.” (FILHO, 2016)

É vedado ao poder público deixar de fornecer à população o mínimo existencial, pois, são direitos que se encontram inerentes ao homem, não só no aspecto positivado, mas na essência natural do ser humano, constituindo o básico para a dignidade devendo ser tutelado pelo Estado proporcionando, através das políticas sociais e da criação do direito, a saúde. Neste sentido a Suprema Corte se posicionou em situações onde o poder público invocou a reserva do possível para se abster de promover reforma em um presídio.

Em decisão unânime, o STF decidiu que o Executivo não pode justificar sua omissão em cumprir o que manda a Constituição com argumentos baseados na conveniência da administração. A decisão foi tomada em recurso com repercussão geral reconhecida, por isso, a tese definida nesta quinta se aplica a todos os recursos que tratam da matéria em trâmite na Justiça. (CANÁRIO, 2015)

Então o que deve ser analisado é o cotejo da necessidade frente a sua realização, ou seja, a exigibilidade do direito social é apreciada de acordo com o caso concreto, a necessidade e a imprescindibilidade da assistência frente às justificativas do gestor público, posto que, o que deve sempre ser priorizado é a dignidade da pessoa humana, não podendo o povo ficar desamparado já que possui como prerrogativa o mínimo existencial, e a saúde é bem primordial para a dignidade humana.

O direito à saúde, conforme ex positis, alberga a universalidade de coeficientes que contribuem para a promoção da saúde e qualidade de vida. Assim, já estabelecido que o Estado é o detentor do múnus de fornecer o acesso a saúde, esta ação não se resume apenas em campanhas, tratamentos, consulta e exames, mas ao se falar em conjunto de fatores que viabilizam o acesso a saúde e bem estar, é de suma importância que os medicamentos para tratamento sejam ressaltados, visto que, estão imersos na integralidade do auxilio a saúde, consistindo na extensão do auxilio a saúde fora das repartições das unidades de saúde.

Ao estabelecer que a saúde deve ser integral, ou seja, abranger tudo o que é necessário para prevenir e curar doenças, o Sistema Único de Saúde (SUS) organiza a sua assistência farmacêutica através do Decreto Federal nº 7508, que regulamenta a Lei Orgânica nº 8080/90. Esta legislação estabelece a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), com uma seleção e padronização de medicamentos indicados para atendimento de doenças ou de agravos pelo SUS. (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, Acesso em 04 de março de 2018)

A distribuição de medicamentos oferecidos pelo SUS tornou-se um método eficaz para os hipossuficientes fazendo com que o a mão assistencial do Estado chegue até eles. Ocorre que o amparo farmacológico é um processo burocrático que exige uma série de testes e experimentos para que possam ser distribuídos, analisando a magnitude e os riscos que determinado medicamento pode trazer, bem como o custo de sua incorporação e os impactos no orçamento.

Para que ocorra a efetiva distribuição de medicamentos pelo SUS é imprescindível que seja analisado o binômio capacidade de distribuição-orientação farmacológica, ou seja, para que o medicamento entre em circulação através do SUS é necessária a observância da segurança, eficácia e qualidade, controle este realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, laborando em consonância com Política Nacional de Medicamentos (PNM).

A garantia da segurança, da eficácia e da qualidade dos medicamentos é feita por meio do cumprimento da regulamentação sanitária, estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), enquanto que o desenvolvimento e a capacitação de recursos humanos propiciam a articulação intersetorial e, consequentemente, a operacionalização da PNM. (De Paula et al, 2009, p. 1119)

Apesar de toda a política do SUS e da distribuição de medicamentos, bem como todos os mecanismos criados para sua concretização, o acesso a remédios ainda enfrenta controvérsias. Levando em consideração a legislação brasileira de modo panorâmico, os vários ramos do direito devem se conectar para que as leis funcionem de maneira harmônica, fato este que, embora transpareça organização, também possui efeitos que em determinadas circunstâncias causam impactos negativos.

É o que acontece com a distribuição de medicamentos a base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capaz de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos materializando o acesso a saúde na sua mais pura forma. Um exemplo claro são os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido ilicitude da erva no Brasil.

Em que pese já exista medicamento registrado pelo Anvisa a base do canabidiol, a sua distribuição às pessoas que precisam fazer uso do medicamento ainda não é uma realidade no país, caracterizando retrocesso no ideal de direito a saúde.


6. EFICÁCIA DO CANABIDIOL

Integrando um dos compostos da cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD), que constitui grande parte da planta representando cerca de 40% da sua totalidade, possui arcabouço químico com potencial medicinal e produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral, sendo eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados com caráter comprobatório atestaram a eficácia do composto em comento capaz de auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças sem causar dependência ou efeitos psicoativos.

O primeiro teste clínico em grande escala de um derivado da Cannabis sativa, o canabidiol, mostrou ser capaz de reduzir a frequência das convulsões epilépticas graves em 39%, informaram os pesquisadores nesta quarta-feira (24).O canabidiol (CBD) é derivado da Cannabis sativa, planta também conhecida como maconha. O estudo, publicado no "New England Journal of Medicine", se concentrou em pacientes jovens com síndrome de Dravet, uma forma rara da epilepsia. (PRESSE, 2017)

Não obstante a descoberta do CBD ter ocorrido em meados de 1940, o canabidiol foi utilizado pela primeira vez para fins medicinais em 2737 AC, através do imperador ShenNeng da China, quando este prescrevia chá de maconha para o tratamento de gota, reumatismo, malária, e memória fraca. No entanto apenas em 1963 foram realizados os primeiros estudos a respeito desta substância e, diferentemente do que se sucedeu com a própria maconha o qual a curiosidade a seu respeito aumentava a cada dia, foram veiculadas poucas informações a respeito daquele composto isolado.

O ponto inicial para compreensão do SE é a descoberta dos fitocanabinoides: Canabidiol (CBD) em 1963 e, um ano depois, a descoberta do ∆9 tetraidrocanabinol (THC) que são canabinoides de origem vegetal, pelo Professor Raphael Mechoulam e seu grupo de pesquisa em Israel com colaboração de pesquisadores de outros países. Os pesquisadores acabaram por descobrir que a ação dos fitocanabinoides, no Sistema Nervoso Central (SNC), se dava através de ligação específica com um receptor de membrana celular (figura 01) denominado CB1. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 03 de março de 2018)

Pouco se mencionava sobre a capacidade farmacológica do canabidiol, quando em 1981 o Grupo do Prof. Dr. Elisaldo Carlini (UNIFESP) publicou no J ClinPharmacol, um eminente periódico internacional, estudo duplo cego realizado em oito pacientes o qual comprovou os impactos benignos no tratamento de convulsões.

O fato impulsionou a comunidade cientifica a aprofundar mais sobre os benefícios que o CDB confere a saúde, incentivou os pesquisadores a mergulharem no funcionamento do organismo humano e em como a cannabis sativa pode auxiliar no tratamento de doenças. Por volta dos anos 90 o sistema endocanabinoide passou a integrar os holofotes da ciência.

Sistema endocanabinoide começa a ser elucidado pela ciência. Após a descoberta dos canabinoides internos, produzidos pelo próprio corpo humano, anandamida (N-araquidoniletanolamida) e 2-araquidonilglicerol (2-AG), dos receptores de canabinoides CB1 e CB2, e das enzimas relacionadas ao metabolismo dos mesmos, um sistema especializado se consolida. A comunidade científica focou na investigação do seu potencial clínico, com resultados encorajadores em muitas áreas. Os receptores canabinoides são identificados em várias células e sistemas, além do sistema nervoso central, e a ciência avança na área da imunologia e oncologia. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 03 de março de 2018)

Diante do avanço das pesquisas no uso medicinal do canabidiol, a comunidade científica passou a abalroar progressivamente na investigação do modo que esse composto poderia ser otimizado e utilizado para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

A partir de então, a ideia negativa que se tinha a respeito da maconha foi relativizada, tendo em vista a comprovação de que, alguns de seus compostos isolados podem ser utilizados para a produção de medicamentos capazes de amenizar em grande parte a limitação e as dificuldades de pessoas que sofrem com patologias físicas e psicológicas.

O interesse médico se amplia de maneira acelerada em conjunto com a publicação de novos estudos científicos relacionados aos canabinoides e sua aplicabilidade clínica. Em consulta ao site PubMed.gov, da US National Library of Medicine National Institutes of Health, utilizando a palavra cannabinoid na caixa de pesquisa, observamos o crescente número de publicações a partir do inicio da década de 60. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 03 de março de 2018)

Assim, os efeitos benéficos do canabidiol restaram comprovados no tratamento de diversas doenças que se alocam em alguns grupos como imunologia, metabologia, neurologia, oncologia e psiquiatria. No que se refere a imunologia, a substância da cannabis sativa auxilia no bem estar dos pacientes portadores do vírus de HIV, promovendo o sono e o apetite e influenciam na melhora da imunossupressão, possuem efeito anti-inflamatório embaraçando a propagação de leucócitos, impulsionando a apoptose moléculas pró-inflamatórias, atua também no tratamento de artrite diminuindo a inflamação e inibindo de células T patológicas e macrófagos e reprimem a secreção de citocinas que são a síntese dos osteoclastos.

O estudo utilizou experimentos in vitro para observar o efeito do canabidiol e dois de seus análogos nas células do sistema imunológico que sintetizam citocinas inflamatórias – os macrófagos. O resultado obtido foi semelhante ao dos medicamentos anti-inflamatórios esteroides, porém, sem os seus efeitos colaterais, que incluem retenção de líquidos, aumento da pressão arterial e alterações metabólicas. (MARGATO; VASSALO, 2015)

No que tange à metabologia, o canabidiol contribui no tratamento para osteoporose e diabetes tipo II, pois, denota capacidade terapêutica em distúrbios metabólicos e retarda os danos das célula B na diabetes tipo II.

Estudo experimental, com participação do Prof. Raphael Mechoulam, mostrou controle expressivo da diabetes tipo 2 em modelo experimental. Oitenta e seis por cento dos ratinhos, alimentados com dieta restrita a carboidratos, desenvolveram diabetes contra somente 30% dos que receberam CBD. Tais resultados foram possíveis devido à redução significativa dos níveis plasmáticos de citocinas pró-inflamatórias que proporcionaram expressiva redução do infiltrado inflamatório em ilhotas pancreáticas além de redução de células T ativadas e macrófagos peritoneais. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 03 de março de 2018)

No campo da neurologia, o CBD auxilia no tratamento da epilepsia/epilepsia refratária, autismo, dor neuropática, esclerose múltipla, síndrome de Parkinson, doença de Alzheimer, fibromialgia, glaucoma e esclerose lateral amiotrófica.

O secretário da Sociedade Mineira de Neurologia Mauro Eduardo Jurno, e coordenador do Departamento Científico de Cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia explica que o canadibiol pode ser indicado para o tratamento de várias doenças neurológicas. Os benefícios no tratamento de cada enfermidade são diversos. “Nas epilepsias, o medicamento ajuda no controle das crises convulsivas. Na esclerose múltipla, auxilia nos sintomas sensitivos. Já na Doença de Parkinson, o canabidiol possibilita um melhor desempenho motor”, cita. (ACADEMIA BRASILEIRA DE NEUROLOGIA, 2016)

Dentre outros, a substância da cannabis sativa possui relevante eficácia na seara oncológica, possuindo efeitos positivos no tratamento de câncer, além de oferecer suporte na quimioterapia, neuroblastoma, glioblastomas, linfomas e leucemias.

Atualmente, os canabinoides são usados com mais frequência do que anteriormente como drogas de suporte nos tratamentos paliativos de uma variedade de cânceres. Suas propriedades contra náuseas e tonteiras são de relevância clínica para pacientes com câncer tratados com quimioterapia e em estágio avançado, muitas vezes terminal. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 06 de março de 2018)

Além de ser eficaz no tratamento de patologias físicas, o CBD também mostrou eficiência no que se refere ao tratamento de doenças psíquicas como anorexia nervosa, transtornos relacionados a ansiedade, depressão, psicoses e dependência química, devido a, entre outros fatores, atividade no sistema límbico responsável pelas emoções, o qual é incitado pelo aumento de canabinoides, auxiliando em tratamentos de depressão.

A ativação dos receptores de serotoniana 5-HT pelo CBD também demostra ter efeito antidepressivo em modelos experimentais. Do mesmo modo, a neurogênese hipocampal, via de tratamento de algumas drogas antidepressivas, também é estimulada pelo CBD. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 03 de março de 2018)

Resta comprovado de maneira cristalina que, o CBD possui elevada relevância no que atine a saúde, portando a capacidade de contribuir para a qualidade de vida de quem se encontra acometido por certas enfermidades, seja ela física ou psicológica, haja vista que, desde de tempos mais remotos o canabidiol tem se mostrado eficaz para terapias levando mais saúde e qualidade de vida a quem faz uso desse composto.


7. ATIVISMO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE ACESSO AO CANABIDIOL

A eficácia comprovada do canabidiol não foi o suficiente para que tal composto fosse permitido no Brasil. Apesar da existência de reiterados estudos comprobatórios sobre a capacidade medicinal do CBD e em diversos países já ter sido legalizado o uso, o Brasil ainda resistia no que se refere a sua utilização, tendo em vista que tal substância deriva da maconha.

Ocorre que, a burocracia enfrentada por quem precisa de remédios à base do ativo atrasa seu acesso à saúde básica, posto que, até 2015 a substância integrava a lista de proscritos da Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA, inserido no grupo de “substâncias psicotrópicas de uso proscrito”. A diretoria da autarquia aprovou em janeiro de 2015, por unanimidade, a alteração do CBD para a lista C1 de substâncias controladas.

O primeiro passo em direção ao acesso do composto da cannabis sativa foi dado em 2014, quando foi permitida pela primeira vez a importação do medicamento a base de CDB no Brasil graças a uma decisão judicial. Trata-se do caso de Anny Fischer que aos 4 anos de idade foi diagnosticada com síndrome de Rett CDKL 5, problema genético, raro e sem cura que causa epilepsia grave e, entre outros problemas desencadeava até 80 convulsões por semana, retardando seu desenvolvimento, e segundo retrata a mãe, Katiane Fischer, a filha voltou a ser recém- nascida e tornou-se inerte pois não conseguia realizar ações básicas como sentar. Os pais já haviam tentado outros tipos de tratamentos e medicamentos, porém ineficazes.

Foi quando tomou conhecimento da eficácia de um medicamento a base do canabidiol que seria capaz de auxiliar na promoção do bem estar de Anny, no entanto, a substância integrava a lista de produtos proibidos da ANVISA dificultando o acesso.

Apesar de toda burocracia e proibições do Estado, a família já havia importado de forma ilegal o remédio por três vezes e o seu uso era efetivo, reduzindo significativamente a quantidade de convulsões.

O tratamento alternativo começou em 11 de novembro de 2013, quando Anny pesava 12 kg, aos 5 anos e meio, alimentava-se por sonda e não conseguia sequer sentar. Os pais importaram o medicamento de forma ilegal três vezes. (MENEZES, 2014)

A família recorreu ao Poder Judiciário para conseguir ter acesso ao produto quando na quarta importação o medicamento foi retido na alfândega de Curitiba – PA pela ANVISA e pela Receita Federal sob a alegação de que se tratava de uma substância ilegal no país. Foi proferida sentença de 1º grau pela Terceira Vara Federal do Distrito Federal permitindo a entrada do produto, pois, o acesso aquele remédio traria qualidade de vida à garota, promovendo seu bem estar e concretizando o direito fundamental à saúde, o que de fato ocorreu, segundo os pais a filha renasceu, não estando mais inerte voltando a interagir.

Assim, o primeiro passo havia sido dado para que outras pessoas que passavam pelos mesmos problemas pudessem ter acesso à saúde, pois, o que se depreende da solução oferecida pelo Judiciário é que a saúde como princípio fundamental, estando intrínseco ao homem, deve sobressair-se a qualquer formalidade, pois compõe o mínimo existencial para a dignidade da pessoa humana. Assim, graças a este impulso, mais de mil pessoas foram autorizadas a utilizar este composto, promovendo em larga escala o direito a saúde.

A compra do CDB e do TCH era ilegal porque os compostos são encontrados em uma droga ilícita. Ao contrário do entorpecente, as substâncias não alteram sentidos nem provocam dependência. Norberto Fischer diz que no início de novembro o Brasil atingiu a marca de mil autorizações individuais concedidas para importação excepcional de produtos à base dos dois produtos derivados. (FORMIGA, 2015)

Notório observar que, foi através da tutela judicial que as pessoas conseguiram ter acesso ao medicamento, pois, as políticas públicas e a própria legislação burocratizavam e criminalizavam o acesso a tal composto, violando o caráter absoluto do direito à saúde. A partir de então diversas pessoas pleiteara na justiça a permissão para o uso da maconha medicinal, pleitos estes que foram concedidos sob o crivo de que o direito fundamental à saúde é inviolável sendo o básico para qualidade de vida.

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. PACIENTE COM EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE (CID: 6.40); DISTONIA INCAPACITANTE (CID: G-24.8) E AUTISMO (CID: F-84.0).CONCESSÃO DE LIMINAR PARA O IMPETRADO FORNECER O MEDICAMENTO NECESSÁRIO À SAÚDE DA IMPETRANTE (CANABIDIOL). PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA EM RAZÃO DA NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA AFASTADA. NECESSIDADE DO MEDICAMENTO ATESTADA POR PROFISSIONAL DA ÁREA MÉDICA CAPACITADO. RECENTE AUTORIZAÇÃO DA ANVISA, PERMITINDO A RECEITA E IMPORTAÇÃO DO CANABIDIOL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO DE PLANO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. DEVER DO ESTADO (APLICAÇÃO DO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). ATENDIMENTO AOS PROTOCOLOS CLÍNICOS DE DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. --1Em Substituição à Desª. Maria Aparecida Blanco de Lima.-- DESNECESSIDADE. PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A VIDA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL, DO ACESSO UNIVERSAL E IGUALITÁRIO. TESES REJEITADAS. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

(TJ-PR, MS 1474214-0, Relator: Hamilton Rafael Marins Schwartz, Data de Julgamento: 26/07/2016, 4ª Câmara Cível em Composição Integral, Unânime, Data de Publicação: DJ: 1868 22/08/2016)

No entanto o difícil caminho para que a saúde fosse alcançada na sua integralidade estava apenas começando. O alto custo de importação, bem como a burocracia que perdura até os dias atuais para a entrada da mercadoria no país, ainda distanciava as pessoas do acesso ao CBD, considerando que, as pesquisas científicas sobre o uso medicinal da maconha ainda estavam iniciando e ainda não se tinha certeza, por parte do poder público, se flexibilizar a ilegalidade da maconha era uma boa ideia.

Em 2015 foi proferida decisão do Tribunal Regional da 1ª Região determinando que ANVISA retirasse o ∆9-Tetra-hidrocannabinol (THC) da lista de proscritos.

Em novembro de 2015, sentença proferida pelo MM Juiz Marcelo Rebello Pinheiro, da 16ª Vara Federal do TRF 1ª Região, determinou que a ANVISA retirasse o ∆9-Tetra-hidrocannabinol (THC), substância presente na maconha, da lista de substâncias proibidas no Brasil. Pela decisão, que é provisória, está liberada a importação de remédios que contenham THC e CBD na fórmula.

(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 04 de março de 2018)

A importação do óleo rico em CBD foi liberada em caráter difuso, subsistindo ainda a exacerbada burocracia e a alta despesa pecuniária, devendo ser preenchidos requisitos impostos, dificultando o acesso ao medicamento, principalmente para as pessoas que não possuem condições econômicas para tanto. Contudo a saúde é um direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurado aos brasileiros e residentes no país, preceito este resguardado pela Constituição Federal que possui como prerrogativa levar o bem estar social a todos através das políticas públicas e da edição de normas que sejam capazes de concretizar o direito.

“Entre 2015 e 2016, o número de pessoas que entraram com ação contra o Ministério da Saúde solicitando o fornecimento do composto quase triplicou, passando de 17 no primeiro ano para 46 no seguinte, segundo a pasta.” (CABRICOLLI, 2017)

É possível inferir através da observância do histórico do canabidiol que a utilização deste composto no Brasil apenas teve impulso através de demandas judicias, onde o Poder Judiciário assegurou por meios próprios o acesso ao medicamento a base do composto da maconha, permitindo sua importação mesmo sendo considerado ilícito no país. Ressalta-se que o critério observado para a flexibilização do composto no Brasil foi a promoção do direito fundamental a saúde, pois, este configura a base para existência humana com dignidade.

Independentemente de princípios constitucionais como a separação de poderes e a determinação da lei sobre a ilicitude do canabidiol, o direito a saúde está intrínseco ao homem, e diante da omissão do Poder Executivo e do Poder Legislativo a população tem visto seus direito básicos violados e encontrado na tutela judicial o caminho para alcançar a plenitude dos direitos fundamentais.

Assim o ativismo judicial encontra base na ideia de que, a Constituição Federal enquanto lei suprema não pode portar apenas caráter simbólico e programático, pois, não é razoável possuir uma Constituição repleta de direitos que protegem a dignidade da vida e não efetivá-los em virtude da formalidade que já não está sendo suficiente para garantir o bem estar social, pois o que se objetiva é proporcionar ao meio social o bem comum.

Uma vez tendo em mente a necessidade de proteção da supremacia da Constituição, bem como da garantia de sua normatividade, os poderes constituídos aparecem inarredavelmente vinculados ao que a Carta Política lhes prescreve. É que existem dispositivos constitucionais que não são dotados de executoriedade imediata, dependendo, desse modo, de intermediação legislativa para serem concretizados. E, uma vez que o legislador deixa de agir, no sentido de concretizar comandos normativos dele dependentes para alcançar efetividade, poderá, o agente político, incorrer em omissão inconstitucional. (PEREIRA, 2014, p. 168)

Baseado nessa ideia, em 2017 foi registrado pela ANVISA o primeiro medicamento a base do canadibiol, todavia, ainda se trata de uma matéria controversa, tendo em vista que não é distribuído pelo SUS e seu acesso possui um custo demasiado elevado, e considerando a condição financeira de boa parte dos brasileiros, impossível de suportar.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro do medicamento específico Mevatyl (tetraidrocanabinol (THC), 27 mg/mL + canabidiol (CBD), 25 mg/mL), canabinoides obtidos a partir da Cannabis sativa, na forma farmacêutica solução oral (spray). É o primeiro medicamento registrado no país à base de Cannabis Sativa. (ASCOM/ANVISA, 2017)

Contudo, mesmo diante da força que os tribunais têm conferido na luta para que a saúde seja alcançada através do direito de utilizar a cannabis sativa para fins medicinais, as pessoas ainda esbarram na burocracia e na falta de condição financeira para custear o uso. É evidente que apesar das recentes progressões no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da maconha medicinal, a questão ainda enfrenta dificuldades.

Recentemente a Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal do Brasil – Cannab requereu na justiça da Bahia liminar para pesquisar, cultivar e produzir óleo de maconha para fins medicinais, o pedido foi requestado para atender a 50 pessoas mas pode beneficiar mais de 300 pessoas.

A Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab) entrou com um pedido de liminar na Justiça da Bahia pelo direito de pesquisar, cultivar e produzir o óleo de maconha para fins medicinais. A substância, o canabidiol, já é utilizada em diversos tratamentos neurológicos pelo mundo, mas, no Brasil, o acesso ao medicamento ainda esbarra em questões burocráticas e, principalmente, financeiras. (ROSSI, 2018)

Ademais é notório que o Judiciário tem insistido na ideia de que saúde é direito inderrogável e, independentemente de qualquer formalidade contida na legislação, deve ser concretizado, como a permissão concedida para a associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), em João Pessoa, para cultivar a maconha para que atenda 151 pacientes. A decisão foi proferida pela Justiça Federal da Paraíba.

A magistrada estabeleceu ainda que a Anvisa receba esse pedido de Autorização Especial no prazo de 45 dias. Ao falar sobre a evolução do uso medicinal da maconha, a magistrada federal fez o registro de decisões da 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e da 1ª Vara da Paraíba, autorizando pacientes a importar tais produtos, o que ainda foi considerado um entrave para famílias carentes em virtude dos custos envolvidos. "O custo mensal pode superar R$ 1.000,00, valor que pode torná-lo inacessível para famílias de baixa renda", afirmou ela. (G1 PB, 2017)

Embora a maconha ainda arroste dificuldades devido à burocracia e o alto custo, a esperança que se tem é que na inércia do Poder Público os tribunais venham a servir como um instrumento promotor do direito fundamental a saúde, na sua plenitude.


CONCLUSÃO

O ativismo judicial, embora periodicamente considerado um fenômeno vil e anárquico que transparece vilipêndio ao princípio da separação de poderes, tem desempenhado papel de extrema importância no que ser refere ao direito fundamental à saúde. Não obstante ainda visto sob a lente positivista como um comportamento audacioso por parte do Poder Judiciário brasileiro, o ativismo tem colaborado para que a justiça social alcance a todos, sem distinção, tendo em vista que coloca a dignidade da pessoa humana acima de qualquer norma positivada e burocracia no acesso à saúde.

O Judiciário brasileiro tem ganhado destaque principalmente no tocante a utilização de substâncias derivadas da maconha para fins medicinais. Ocorre que já foi comprovado o potencial terapêutico do canabidiol em diversas doenças, tanto físicas quanto psicológicas, porém devido a ilicitude da planta em território brasileiro o uso do composto é algo difícil, distanciando as pessoas do acesso à saúde, pois, traz qualidade de vida e permite que algumas limitações causadas pelas enfermidades fossem superadas, levando esperança para quem possui sua vida comprometida.

Influenciado por esse pensamento, o Poder Judiciário permitiu a primeira importação legal do óleo a base do CBD, o que antes era feito de maneira ilegal. Este foi um significativo avanço na luta prol o acesso a saúde tendo em vista que, a partir da decisão dos tribunais a tendência a aceitação do produto no país foi aumentando de forma gradativa, até chegar nos dias atuais, onde o canabidiol deixou de integrar a lista de produtos proibidos da ANVISA e agora completa a lista de produtos controlados, sendo que em 2017 foi registrado o primeiro medicamento a base da cannabis sativa.

Em que pese já seja permitido o uso do CDB no Brasil, a matéria ainda é controversa pois, não há pacificação para o uso em todos os tipos de doenças, embora já comprovada a eficácia, e a questão ainda precisa ser levada aos tribunais, pois, diante do alto custo do medicamento a maior parte do público alvo do produto não possui condição de custeá-lo, e o SUS não o distribui, distanciando a população mais uma vez do acesso integral a saúde, visto que o custeio de medicamentos pelo Poder Público comporta o sentido completo do direito à saúde.

Assim, diante do comportamento do Poder Público em obstar o acesso a tal produto através de burocracias, as pessoas têm recorrido ao Poder Judiciário para que a tutela estatal do direito à saúde chegue a cada uma delas de forma integral, incluindo o acesso gratuito a tratamentos já comprovadamente eficazes.

Isto posto, é notório que ativismo judicial tem contribuído para a promoção da saúde. Ora, é mais plausível aceitar que o Poder Judiciário esteja exercendo prerrogativas próprias do Legislativo e Executivo com o objetivo de promover o bem comum, do que deixar a população desprovida do mínimo existencial, sob a alegação de estar violando o princípio da separação de poderes, modelo este introduzido em contexto diverso ao que se vivencia hoje.


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Autores

  • Giovanna Matos Silva

    Giovanna Matos Silva

    Faculdade Católica do Tocantins Bacharelanda em Direito Estagiária na Advocacia-Geral da União- AGU

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  • Vinicius Pinheiro Marques

    Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

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