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Conhecendo o novo Código de Processo Civil - Parte III

Conhecendo o novo Código de Processo Civil - Parte III

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Traça-se um panorama dos principais institutos e caminhos trilhados pelo CPC/2015.

Sumário: 1) Litisconsórcio. 2) Intervenção de Terceiros. 2.1) Assistência. 2.2) Denunciação da lide. 2.3) Chamamento ao processo. 2.4) Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. 2.5) Amicus Curiae. 3) O Juiz. 3.1) Tratamento Isonômico entre as Partes. 3.2) Velar pela duração razoável  do Processo. 3.3) Prevenir e reprimir atos contrários a dignidade da Justiça e protelatórios. 3.4) Assegurar medidas que tornem eficazes as decisões. 3.5) Promoção da Autocomposição. 3.6) Alteração de prazos e ordem de produção de provas. 3.7)  Poder de Polícia. 3.8) Determinar comparecimento das partes e efetuar sua oitiva. 3.9) Saneamento do Processo 3.10) Providências para Ações Coletivas. 3.11) Julgamento por equidade, adstrição da sentença e responsabilidade por ato jurisdicional.   4) Auxiliares da Justiça. 5) O Ministério Público 6) Advocacia Publica. 7) A Defensoria Pública         


1) Litisconsórcio

O litisconsórcio se caracteriza pela presença de mais de uma parte, seja como autor, seja como réu, em processo judicial, seja ele de conhecimento ou execução, podendo tal condição resultar já da propositura da demanda ou ser ulterior.

No mais das vezes o litisconsórcio está associado às obrigações solidárias, especialmente as relacionadas à responsabilidade civil e ações anulatórias de atos jurídicos onde mais de um interveniente exista no ato que se busca anular.

Há uma tendência generalizada no sistema brasileiro de que o litisconsórcio, em regra, represente situações de litisconsórcio unitário, ou seja, aquele onde a decisão tem de ser idêntica para um pólo. Exceção está nas demandas regressivas contra seguradoras, que representa boa parte dos casos, e onde pode haver decisão de teor diverso[1].

O artigo 46 do revogado CPC trazia 04 hipóteses que legitimavam a presença de litisconsórcio. Três delas são repetidas no novo CPC, tendo sido suprimida, a do inciso II, qual seja “os direitos e obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito”. 

A rigor não há prejuízo à abrangência das hipóteses de cabimento, pois a do inciso III do artigo 113 acaba contemplando os casos do inciso não repetido.

A existência de “comunhão de direito ou obrigações relativamente à lide”, tem em mira, principalmente[2], justamente as situações de co-obrigados ou presença de solidariedade creditória. Isso pode ocorrer quando se pretende obter uma sentença que a todos condene ou a todos beneficie, ou já diante de execução de um título, ou com mais de um credor ou mais de um devedor, seja judicial ou extrajudicial esta última.

A segunda hipótese concerne às causas onde houver “conexão pelo pedido ou pela causa de pedir”. É o próprio CPC que define a conexão no artigo 55, a qual ocorre quando for comum o pedido ou a causa de pedir.

Aqui é preciso lembrar que temos um pedido mediato e um imediato, e que a causa de pedir pode ser remota e próxima.

Para compreensão da diferença entre pedido imediato e mediato basta atentarmos para a estrutura do pedido como ele é feito na inicial.

Pedimos que o julgador condene a uma obrigação; declare uma situação jurídica, que decrete uma anulabilidade. Enfim, primeiro pedimos uma providencia jurisdicional abstrata dentre as cinco eficácias possíveis[3]. Após segue-se a especificação do conteúdo da providência postulada. Postula-se a condenação a determinada obrigação pecuniária ou de fazer, ou a declaração de nulidade de determinado contrato, por exemplo.

Ou seja, o pedido de tutela abstrata (imediato) precede o conteúdo específico (mediato). Desta forma, pedida condenação a uma reparação pecuniária, a condenação é o pedido imediato, ao passo que o valor pretendido é o pedido mediato.

Já a causa de pedir tem um fundamento jurídico (quase sempre legal em nosso sistema) e um fundamento fático. Este último nada mais é do que o suporte fático in concreto que é juridicizado, ou seja, o fato do mundo empírico, real, que se amolda a uma previsão legal.                       

A causa de pedir próxima ou imediata é representada pelo fundamento jurídico invocado. Em nosso sistema, que é de Direito positivado (Civil Law, ou escrito), no mais das vezes o fundamento jurídico é equivalente a um fundamento legal, porque o direito subjetivo material que embasa o pedido terá respaldo normalmente em previsão de uma normal legal lato sensu (lei em sentido amplo).  Por outras palavras, a pretensão terá estribo ou na incidência direta da lei ou na sua interpretação e aplicação ao caso concreto.

A causa de pedir remota ou mediata é representada pelo fato em si, vale dizer o fato ocorrido no mundo real (suporte fático in concreto) que irá se amoldar ao suporte fático in abstrato (previsão legal que é o fundamento legal), que constitui a causa de pedir imediata ou próxima.

Para a presença de conexão (inclusive para legitimar litisconsórcio), não basta a coincidência do pedido imediato ou da causa de pedir próxima.  Não basta que duas demandas sejam condenatórias e invoquem o artigo 186 do CC.

É preciso que o pedido mediato, ou a causa de pedir remota, sejam as mesmas, ou seja, um mesmo fato (suporte fático concreto) esteja ensejando pedidos por mais de uma parte ou contra mais de uma (ainda que pedidos diversos), ou que mais de uma parte esteja fazendo pedido ou tenha contra si formulado pedido tendo por alvo o mesmo objeto específico (bem da vida). 

Já a situação tratada no inciso III, que menciona “afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito”, é mais ampla do que a conexão, que se baseia em comunhão e não em mera afinidade. Aqui também devem ser tomados em linha de conta o pedido mediato e a causa de pedir remota, mas a afinidade não significa identidade. São, aqui, fatos individualizados, mas parecidos. Temos exemplos destas situações em demandas ajuizadas por funcionários públicos pleiteando um direito comum ou de correntistas de um banco que resolver controverter as mesmas questões conjuntamente.

No caso dos servidores, se temos, por exemplo, um aumento previsto em uma lei, a sua incidência em cada caso de cada servidor constitui um fato individual. O fato de haver uma origem jurídica comum não torna as situações dos servidores uma mesma e única, e pode mesmo haver decisões diferentes em cada caso dependendo das condições. A incidência da lei sobre a condição de cada um é independente.

No caso dos correntistas, cada qual tem seu contrato. O direito invocado pode ser comum (CDC, por exemplo), mas cada contrato constitui um suporte fático próprio e individual.

Nestes casos, como o objeto de cada um é individualizado ou o fundamento de fato é próprio, ainda que o pedido imediato e a causa de pedir próxima seja a mesma (direito invocado), não há conexão, mas há afinidade de questões que permite o litisconsórcio.

No litisconsórcio facultativo, que existe nas três hipóteses supra, poderá o juiz limitar a quantidade de partes, previsão que já havia no revogado CPC, e que tem em vista a celeridade processual, hoje guindada a direito fundamental na Constituição (art. 5º, inciso LXXVIII).[4]

A suspensão do prazo de resposta ou manifestação permanece enquanto não decidido pedido de limitação como era no revogado CPC.

Quando a decisão deve ser tomada de forma conjunta em favor de mais de um autor ou contra mais de um réu, tem-se o litisconsórcio necessário, que pode ser unitário ou não.

Nestas hipóteses, há necessidade de integração de um dos pólos, ou dos dois, por todos os litisconsortes. O revogado CPC falava que a eficácia da sentença depende disso. O novo CPC repetiu a dicção, mas amplia as hipóteses.  

Segundo os incisos deste artigo, o efeito da ausência de integração do contraditório serão diversos em caso de litisconsórcio unitário ou simples, ou seja, conforme a decisão tenha de ser uniforme ou não para todos os litigantes. No caso de litisconsórcio unitário, a falta de presença de todos implicará nulidade, que diz respeito ao plano da validade. Já se a situação for de listisconsórcio simples, haverá ineficácia em relação a quem não integrou a demanda (plano da eficácia)[5].

Assim, o que se tem é que em caso de litisconsórcio necessário, a falta de presença de todos implica ineficácia da sentença em vista deles. Caso este litisconsórcio além de necessário seja unitário, haverá nulidade da sentença em vista de todos, tenham ou não participado da demanda. Caso o litisconsórcio seja necessário, mas simples, isto é, com possibilidade de decisões diversas, haverá ineficácia em relação a quem não participou.

Caso a hipótese de litisconsórcio seja facultativa, a sua não ocorrência nenhuma repercussão tem sobre a parte que não participou da demanda, que será terceiro em relação a ela, como qualquer outro terceiro nada podendo reclamar e não sendo atingido pela decisão.

Assim como no CPC de 1973, a integração da demanda por todos os réus em caso de litisconsórcio necessário é condição para o prosseguimento do feito, e desta forma pode e deve ser determinada pelo juízo, em prazo razoável, sob pena de extinção do feito. É um pressuposto de constituição e regularidade da relação processual.

Assim como ocorria no artigo 48 do revogado CPC, o atual determina que os litisconsortes são considerados em suas relações com a parte adversa como partes distintas, vale dizer, em regra não se prejudicam ou se beneficiam. Porém o atual CPC incorpora uma regra que, apesar de não escrita no código de 1973, era aplicada por força de lógica, qual seja, a de que em caso de litisconsórcio unitário, os atos praticados por um dos litisconsortes pode beneficiar, mas não prejudicar, aos demais

Tal fato decorre de que os atos de defesa de direitos próprios de um litisconsorte nestas situações necessariamente interferem na validade ou eficácia de atos do processo de forma que atingem a todos ou operam no plano do direito material com mesma característica. Pelo fato de que as partes de cada pólo estão atreladas, o benefício acaba repercutindo nas demais. Mas omissões ou faltas de cada um não alcançam aos demais.        


2) Intervenção de Terceiros

O problema da definição de quem é parte no processo, condição para definir quem é o terceiro, é dos mais tormentosos, a despeito da aparente simplicidade que denota. Parte seria quem propõe ou contra quem se propõe demanda. Ocorre que a extensão de poderes do assistente litisconsorcial, por exemplo, é tão ampla quanto a de autor e réu. Neste caso, a simples iniciativa de propositura ou o momento de ingresso na demanda é que seria o fator de definição, já que a aparência da atuação nada teria de significativo para separação de uma ou outra condição.  

Outrossim, é imperativo divisar o conceito de parte processual de “parte” em vista da relação de direito material. Como cediço, a relação processual é distinta das relações de direito material que embasam a demanda. A condição de “parte” na relação de direito material não implica, ipso facto, a condição de parte processual, embora no mais das vezes isso ocorra.

2.1) Assistência

Quando ocorre esta situação de dissociação da parte material da parte processual, poderá ocorrer a figura da assistência. Ela se apresenta pela existência de um interesse jurídico, cuja presença se torna muito provável em vista de uma parte de direito material que ficou de fora da relação de direito processual. Mas não só estes podem ser assistentes, qualquer um com interesse jurídico na relação de direito processual pode.

O interesse jurídico é um interesse aparentemente (status assertionis) albergado pelo Direito e escudado no fato de que a relação processual instaurada possa efetivamente atingir a esfera de direitos da parte que se propõe a ser assistente. Esta qualificação serve para separar este interesse daqueles meramente morais ou especulativos.

A parte que intervém tem de demonstrar a presença, em tese, de um direito subjetivo que titula ou de uma condição jurídica que serão potencialmente atingidos pelo resultado da demanda proposta. Direito subjetivo este que seja, obviamente, lícito e tutelado pelo ordenamento. Isto é um dos fundamentos primários do pedido de intervenção.

A assistência implicará na atuação da pessoa que se coloca nesta condição em favor de uma das partes, com vista a favorecer sua condição própria ou a preservação indireta de direito subjetivo seu.

Há precedentes que separam interesse jurídico de interesse econômico[6]. O primeiro se caracterizaria pela existência de uma relação jurídica entre o assistido e o assistente[7]. Mas esta ultima asserção é infirmada por outros julgados, que mencionam que “não há necessidade de que o terceiro tenha, efetivamente, relação jurídica com o assistido, ainda que isto ocorra na maioria dos casos.”[8]

Como resolver esta questão? O que é o interesse jurídico e onde ele se separa do interesse meramente econômico? É necessário que o assistente tenha relação jurídica com o assistido ou a parte adversa?

Penso que a presença de interesse jurídico não carece de que o assistente tenha relação com alguma das partes no caso da assistência simples. A feição econômica de um interesse não é fator para caracterizá-lo como juridicamente relevante. Aliás, em regra, a maioria dos interesses jurídicos tem, ainda que de forma indireta, uma feição econômica.[9]

A assistência poderá ocorrer em qualquer fase do processo em qualquer tipo de procedimento. Estaria, ai, incluída a execução? Uma primeira tentativa de responder a esta pergunta passa pela análise feita no artigo 119, parágrafo único, do CPC atual, que corresponde ao artigo 50, parágrafo único, do revogado CPC.

É que se fala em “procedimentos”, que são formas diversas de cada tipo de processo ou tutela. A menção à assistência é feita em qualquer tipo de procedimento, mas está dentro do livro do processo de conhecimento, ou seja, estaria restrita aos procedimentos desta espécie de tutela.

Porém, o revogado CPC já preconizava a aplicação subsidiária do livro do processo de conhecimento ao processo de execução (art. 598).

Em termos doutrinários e jurisprudenciais, a tendência é negar a possibilidade de assistência no processo de execução, pois o interesse do assistente seria a obtenção de uma sentença em seu favor. Mas nada há que, de forma expressa, impeça a concepção de assistência na execução, e a possibilidade ficaria à conta de se verificar hipóteses de aplicabilidade do instituto dentro de seu espectro de requisitos e que não fossem de encontro a princípios como a celeridade processual, não prejudicassem o direito do exeqüente, ou, mesmo antagonizando com estes, protegessem outras espécies de direitos tutelados, tornando a intervenção forma mais célere ou simplificada[10].

É de pensar na situação do devedor com responsabilidade subsidiária que, vendo a ocultação de bens do devedor principal, e a possibilidade de a execução voltar-se contra si. Dir-se-á que, acionado pela dívida do devedor principal, poderá valer-se da sub-rogação e contra este se voltar, mas isso demanda um tempo, e diversos incômodos da condição de executado, além de custos.

O novo CPC mantém as duas figuras previstas no revogado, quais sejam, a assistência simples e a litisconsorcial, mas o faz de forma muito mais clara e sistemática, ainda que mantidas as mesmas regras.

O assistente simples é aquele que, não sendo parte, intervém no feito sem ter relação jurídica com o adversário do assistido. Sua intervenção é ad coadjuvandum tantum, ou seja, ele não é um ator independente no processo, que tenha plena disponibilidade do objeto do mesmo.

Embora possa praticar os mesmos atos, receba todas as intimações e possa interferir em todos os atos, sua presença não impede que o assistido disponha do direito material objeto do processo, por reconhecimento, transação, desistência.

Inovando em relação ao diploma anterior, o novo CPC, em caso de revelia do assistido, estipula que o assistente será considerado substituto processual, ao contrário do gestor de negócios que antes era seu status. A diferença se manifesta no grau de independência.[11]

A assistência é uma hipótese que demanda criteriosa avaliação do sujeito que pretenda assumir tal condição acerca da sua conveniência e custo/benefício. Isto porque o assistente recebe o processo no estado que se encontra, não podendo refazer atos. Da mesma forma, uma vez assistente, estará sujeito aos efeitos da coisa julgada, inclusive material, da qual só escapará se provar que: a) Pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; b) Desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.

A assistência litisconsorcial tem azo quando ao assistente tem uma relação jurídica com o adversário do assistido e o resultado da demanda possa vir a implicar em influência nesta relação. Exemplificativamente, se o assistente litisconsorcial tem uma relação jurídica diversa da discutida nos autos com o autor da demanda, sua condição de assistente litisconsorcial resultará da assistência em vista do réu.

O assistente litisconsorcial é considerado litisconsorte, ou seja, tem total independência, é como se parte fosse e como tal atua livremente.

Postulada a assistência, em petição onde a parte indica o seu interesse jurídico, a partes são intimadas e o juiz decidirá com ou sem impugnação sobre sua admissão, em decisão sujeita a agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso IX, do CPC)             

2.2) Denunciação da Lide                               

A denunciação da lide ou à lide, como também é chamada, é, ao contrário da assistência, uma forma de intervenção provocada, e que está intimamente ligada ao direito de regresso. O CPC revogado continha três hipóteses de situações que legitimavam a denunciação, ao passo que o atual tem somente duas.   

O CPC de 1973 contemplava os casos a) Do alienante que poderia ser denunciado pela parte em ação movida por terceiro, tendo por objeto coisa. b) Do possuidor indireto ou proprietário pelo possuidor de fato quando citado em nome próprio em demanda. c) Dos obrigados regressivamente.

No novo CPC estão contemplados: a) Do réu ao alienante imediato da coisa disputada com terceiro a fim de resguardar os direitos da evicção. b) Aos obrigados por lei ou contrato a indenizar regressivamente.

A fórmula nova não traz verdadeiro prejuízo a despeito de menos extensa em hipóteses.

E, dirimindo celeuma que perdurou anos a fio, o novo CPC afasta a obrigatoriedade da denunciação, asseverando que o direito de regresso, pedra de toque das duas hipóteses previstas, poderá ser exercido em ação autônoma[12], assim como limita as denunciações a somente mais uma sucessiva, que pode ser feita pelo denunciado[13]. O direito de regresso dos seguintes será por ação autônoma obrigatoriamente.

Tanto o autor como o réu podem promover denunciação. Quando feita pelo autor, o pedido constará da inicial, e o denunciado pode aditar a inicial. Quando feita pelo réu, constará da contestação. Em ambos os casos o julgador decidirá de plano pela sua admissibilidade em decisão sujeita a agravo de instrumento.

Quando formulada pelo réu, o curso dos acontecimentos dependerá da atitude tomada pelo denunciado. Ele pode contestar tanto a denunciação em si como o pedido do autor; pode contestar a denunciação em si somente ou só o pedido do autor; ou pode, ainda, se tornar revel. Se com sua atitude de revelia ou de confissão dos fatos da inicial ele não se opõe à pretensão do autor, o réu e litisdenunciante se assegura do direito de regresso, e pode mesmo concordar com o pedido do autor.

A denunciação só terá seu mérito julgado se o denunciante restar vencido, e isso não vincula seu acolhimento. Caso ele saia vencedor, perde objeto a análise do direito de regresso e a sucumbência deve ser analisada a luz do princípio da causalidade, hoje previsto no art. 85, parágrafo 10º, do CPC, e, neste caso, o derrotado é que deu causa ao processo e irá pagar a sucumbência ao denunciante e ao denunciado.

Já se o denunciante for vencido e ainda for derrotado na denunciação, ele é quem irá pagar sucumbência para a parte contrária e para o denunciado.

Por fim, se o denunciante for derrotado na demanda e vencedor da denunciação, irá receber sucumbência do denunciado e pagar para a parte contrária.

É importante gizar que a denunciação, se acolhida, condena o denunciado a ressarcir o que tiver despendido o denunciante e na medida da extensão do direito de regresso, que pode sofrer limitação legal ou contratual. Por outras palavras, o denunciado não é condenado frente ao adversário do denunciante, mas só em relação a este.

2.3) Chamamento ao Processo          

O chamamento ao processo é uma forma de litisconsórcio provocado no pólo passivo da demanda, que contempla os casos dos fiadores e dos devedores solidários.

Postula-se na contestação e deve ser promovido em 30 dias ou dois meses se residir em comarca diversa, pena de ineficácia.[14]

O objetivo é lograr uma decisão que sirva de título para que o que efetuar o pagamento do valor venha a se ressarcir perante os demais devedores solidários.

Importante salientar a desnecessidade disso quando houver previsão contratual de solidariedade em contrato que seja título executivo, pois neste caso basta sub-rogar-se na execução.

2.4) Desconsideração da Personalidade Jurídica

Em boa hora, o novo CPC regula o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, genericamente incorporado no CC, artigo 50, e que ingressou em nosso sistema jurídico pela via do direito tributário.

O conceito clássico da teoria geral do direito era o da independência da pessoa física em relação à jurídica, e assim foi por séculos. Mas com a difusão das pessoas jurídicas e o incremento de suas atividades no século passado, não tardou a que se constatasse toda sorte de abusos encetados a base da cobertura que a pessoa jurídica provocava quando utilizada como cortina.

A desconsideração da personalidade jurídica passou a ser aceita pela jurisprudência à guisa da sua presença no CTN, e seu reconhecimento grassou acolhida legislativa no CC de 2003, mas ela ainda não tinha uma regulação de seu procedimento. Esta disciplina é criada no novo CPC no artigo 133 e seguintes.

A desconsideração tem azo, nos termos do artigo 50 do CC quando “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”                     

O abuso caracteriza o dolo de utilização da pessoa jurídica com finalidade de prejudicar terceiro, especialmente para se furtar ao cumprimento de obrigações ou da responsabilidade patrimonial[15]. Já a confusão patrimonial pode até resultar de simples culpa, mas também tem a tônica do prejuízo a outra parte de relação jurídica seja porque dificulta a informação seja porque desvia bens[16].

A desconsideração também pode ser inversa, vale dizer, ao invés de levar à responsabilidade da pessoa jurídica para uma física, faz o contrário, levando a responsabilidade inicial de uma pessoa física para uma jurídica.[17] 

Esta extensão poderá ter aplicação tanto em processo de conhecimento como de execução ou fase de cumprimento.

A desconsideração pode ser requerida com a inicial ou incidentalmente. No primeiro caso, não há suspensão do processo e o que ocorrerá simplesmente é a citação da pessoa física ou jurídica indicada. Neste caso, cabe ao juiz admitir previamente e somente para efeitos de citação, o cabimento da desconsideração, podendo rever tal decisão após a resposta da pessoa indicada. Ter-se há, portanto, uma decisão e não mero despacho de recebimento da inicial.   

Se proposta em forma de incidente, haverá suspensão do processo, onde a pessoa indicada, sócio ou a pessoa jurídica (no caso da inversa) será citada para responder e postular as provas que entender cabíveis em 15 dias, com decisão do incidente, o  qual, se acolhido, implica ineficácia em relação ao postulante dos negócios entabulados em fraude[18]. 

Tanto em um quanto em outro caso, a petição deverá indicar quais fatos estribam a presença de abuso ou a confusão de bens, e se possível indicar precisamente quais bens foram objeto da ação fraudulenta ou prejudicial.

Não há preclusão em vista do momento da alegação, mas a ineficácia é decretada com efeitos ex nunc, operando somente a partir de então. Desta forma, quanto mais tempo deixar a parte para suscitar a questão, maior risco corre, além de poder ser responsabilizada pelas custas de atos praticados no feito que se tenham de repetir (art. 93).          

A decisão pode ser questionada através de agravo de instrumento (art. 1015, inciso IV) ou agravo interno (art. 136, parágrafo único).

2.5) Amicus Curiae

A figura do amicus curiae não é da tradição do processo de origem romano-germânica, o qual, por muitas razões históricas, centrou-se no conceito de ação como veiculo de resolução de lides atomizadas, com partes certas, e em vista de conflitos que são exclusivamente seus.

O paradigma em nosso processo são demandas com partes certas, determinadas, que controvertem um objeto igualmente limitado, que diz respeito a sua exclusiva esfera de direitos. É a velha formula de Tício versus Mévio.

No direito processual de inspiração anglo-saxã, as class actions já previam demandas onde envolvidos direitos múltiplos, até difusos, que demandariam intervenções de terceiros não necessariamente titulares dos direitos subjetivos discutidos.

A configuração de novos direitos como os de terceira geração (exemplo meio ambiente) ou os direitos do consumidor, levaram a um novo perfil de processo, onde existem direitos de natureza coletiva, transindividual ou difusa. Na mesma linha os processos de controle concentrado de constitucionalidade (processos objetivos)[19].    

Nestes processos há um conteúdo objetivo, transcendente da dimensão da esfera de direitos apenas das partes envolvidas, justificando-se a franquia à manifestação de outros interessados, previamente conhecidos ou não.

Daí surge a figura do amicus curiae, que, sem ser parte, intervém no processo, com poderes limitados, podendo, de acordo com o CPC, apenas no que concerne aos recursos, interpor embargos de declaração e recorrer do incidente de resolução de demandas repetitivas.

A admissão do amicus curiae se dará de forma provocada ou de ofício pelo julgador, em primeiro grau ou instância recursal, que irá determinar quais os seus poderes, tendo prazo de manifestação de 15 dias.

Qualquer pessoa poderá solicitar esta admissão, e esta solicitação não é necessariamente a sua própria. O amicus curiae poderá ser pessoa física ou jurídica, órgão ou entidade especializada.

Sua admissão se dará a critério do julgador, em decisão irrecorrível, levando em conta “considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia” (art. 138 do CPC). Não importa a natureza do amicus curiae, não haverá alteração da competência.    


3) O Juiz

O juiz é a figura central da jurisdição, e, a despeito de muitos ignorarem o fato, também exerce função de gestor administrativo da unidade jurisdicional, a qual se compõe de um gabinete e de um cartório. Nesta condição, muito da funcionalidade do órgão jurisdicional depende do impulso pessoal que o juiz dá as atividades administrativas. Porém, não raro, há magistrados que se colocam alheios às atividades administrativas e cartorárias, o que é um erro, pois da sincronia de atividades depende o bom desempenho do órgão como um todo. Muitos se preocupam com o número de processos conclusos, e acabam por limitar a quantidade de conclusões de processos por mês, gerando represamento nos cartórios, o que é feito com o fito de mascarar a morosidade.[20]

É preciso que o juiz tenha consciência que o serviço jurisdicional que presta é medido ao final da atividade do gabinete e do cartório ou secretaria, ou seja, não há como dissociar estas atividades para que se obtenha a tutela final almejada. Ao revés, antes de procurar mascarar morosidade mantendo o gabinete com poucos processos conclusos, deve o juiz, lembrando que chefia globalmente o órgão, fiscalizar a movimentação cartorária, não só quanto ao volume, como a isenção e imparcialidade com que é feita. Não se podem admitir situações corriqueiras que ocorrem Brasil a fora onde o magistrado raramente freqüenta o cartório e acredita que sua responsabilidade se limita ao seu gabinete.

Não devemos olvidar, a partir desta premissa, que muitas das atividades do juiz são de natureza administrativa, e como tais sujeitas ao artigo 37, caput, da CF/88 sujeitas, portanto, à aplicação do princípio da eficiência.  

Assim como o anterior CPC, o vigente traz uma série de deveres ao juiz na condução dos feitos, mas em quantidade bem maior. Em certa medida, isso reflete a constatação do proeminente papel do juiz na condução da jurisdição, e espelha uma visão que já vinha se consolidando na práxis e na jurisprudência, a qual atribui ao julgador um papel que não se limite ao paradigma do juiz inerte, tradicionalmente cultivado na tradição romano-canônica. Imparcialidade não deve ser confundida com distanciamento e alheamento.

Os deveres do juiz estão previstos no artigo 139 do CPC vigente. Vejamos.

3.1) Tratamento Isonômico entre as Partes

Esta previsão repete aquele do artigo 125, inciso I, do revogado CPC. A paridade de armas, que se materializa na necessidade de tratamento isonômico entre os contendores, é uma das pilastras do devido processo legal e consectário lógico imediato da imparcialidade. É uma consequência necessária da aplicação dos artigos 5º, caput, e 37, caput (princípio da impessoalidade), da CF/88. 

O sistema jurisdicional não seria legítimo se as partes não o percebessem com a devida imparcialidade e não o entendessem como uma instância onde estarão nas mesmas condições de alegar e provar daquelas de seus opositores.

Porém, esta paridade de armas não implica necessariamente tratamento idêntico às partes em todas as situações, mas sim o dever de a produzir segundo os ditames da lei, que pode prever tratamentos diferenciados conforme as condições peculiares de cada parte[21].

Outro aspecto importante reside no fato de que esta paridade relativa deve estar presente em todo e qualquer ato do estado-juiz, ou seja, abarca também a tramitação cartorária do processo, e não somente aspectos decisórios.

Parte importante do cumprimento deste deve, portanto, reside em coibir qualquer tipo de vantagem em relação a conhecimento de atos, intimações, cargas de processos ou prática de atos cartorários.

Em apertada síntese, pode se afirmar que este dever impõe ao magistrado a obrigação de produzir o máximo equilíbrio entre as partes em conformidade à lei, ou, em um sentido negativo, lhe impõe o dever de coibir qualquer diferenciação que não tenha expressa previsão em lei ou justificativa satisfatoriamente demonstrada.

3.2) Velar pela duração razoável do Processo

O revogado CPC previa o dever de velar pela rápida solução do litígio. Muda a redação, mas não o conteúdo da obrigação funcional.  

A duração razoável do processo judicial e administrativo foi alçada a foros constitucionais pela Emenda nº 45, que inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5º da CF/88.

Na atualidade, mais do que nunca, ressoa inquestionável a célebre asserção segundo a qual a justiça tardia é, em verdade, injustiça manifesta.

Deve ser instilada a compreensão e a consciência no magistrado de que o processo é um inimigo que deve ser combatido. Deve ser evitado, e quando ainda assim ocorrer, deve ser tratado como um mal que deve ter seu fim no mais breve tempo possível.

Não pode o julgador se render à idéia (mais comum do que se imagina), que um processo a mais tramitando é apenas mais um dentre milhares, e que o seu julgamento não fará diferença. Faz, sim, para as partes que nele litigam. Não se pode exercer a judicatura imbuído da busca do ideário de se reduzir os processos a um nível aceitável como objetivo maior e definitivo, ainda que esta deva ser uma meta secundária e permanente. A tendência será sempre o aumento da litigância. Os processos nunca terão fim, e o seu número provavelmente nunca diminuirá significativamente, pelo contrário. Ainda assim, a pressa cautelosa e prudente deve ser uma característica do julgador. Cada caso solucionado faz diferença, se não nas pilhas, nas vidas daqueles que confiaram na Justiça e nela depositaram a esperança de uma solução justa e célere. 

Outro aspecto que não pode passar despercebido, sobretudo do julgador de primeiro grau, é que a jurisdição acaba, na prática, se escalonando em instâncias obrigatoriamente. É da nossa cultura a litigância e o uso do recurso. Por outras palavras, a sentença de primeiro grau em regra é apenas uma fase do processo. Partindo de tal premissa, o julgador deve recordar que, dentre as virtudes da condução do processo, está a de dar-lhe rapidez com um mínimo razoável de conteúdo e substância.

Por outras palavras, e sendo absolutamente direto, o juiz de primeiro grau não deve supervalorizar sua atuação e querer produzir compêndios de doutrina e jurisprudência a cada decisão em detrimento da sua celeridade. Aqueles que já exerceram a judicatura, todos sem exceção, já foram confrontados com situações onde decisões produzidas com invulgar afinco e profundidade são fulminadas com meia dúzia de linhas de um acórdão, ou, ao revés, com decisões que poderiam ter sido melhor fundamentadas e que acabaram sendo elogiadas e citadas. Isso demonstra que o que mais importa é bem decidir de forma simples e rápida.

Tudo o que é supérfluo em uma decisão acaba custando tempo. E o tempo é um fator dos mais relevantes ao processo e a sua percepção como instância legítima de solução do conflito.[22] 

Notem que não estou aqui dizendo que o julgador deva se render à tentação de análises superficiais e fundamentações rasas e genéricas a bem da produtividade e celeridade pelo simples fato de que o Tribunal irá corrigir o que não estiver de acordo. O que estou dizendo é que a jurisdição é um serviço estatal que somente é eficiente e eficaz quando prestado com celeridade razoável. Tudo o que não seja essencial deve ser evitado. Quem quiser exercitar sua intelectualidade ou satisfazer seu ego, que se utilize da atividade catedrática ou doutrinária para tanto, searas apropriadas e que não redundarão em prejuízo de terceiros.

Desta forma, preservadas as garantias das partes e produzida uma decisão minimamente fundamentada e coerente com os autos, tudo quanto se puser ou realizar de desnecessário não cumpre ao comando do artigo 139, inciso II, do CPC.

O dispositivo fala em duração razoável do processo. Certamente que “razoável” é não só um termo vago, como sujeito a sazonalidades. Dependerá de se aferir a natureza dos feitos, o pessoal disponível, condições específicas de cada região.

Exemplificativamente, processos de sucessão ou de falência, tanto mais quando complexos, não podem ter para si invocado um padrão de uma execução fiscal ou de uma demanda condenatória que verse somente sobre aspectos legais e já sumulados.

Por isso que, antes de elementos externos, é a consciência e o compromisso do julgador que fazem a diferença, mas sem prejuízo da atuação fiscalizadora que as corregedorias deveriam exercer. 

A despeito das dificuldades de se encontrar um critério universal, é possível comparar juízos semelhantes e formar uma idéia razoavelmente precisa acerca de como determinado juiz está conduzindo os processos. A partir disso, é possível e viável a cobrança por celeridade, desde que rompido o corporativismo inerente as corregedorias, as quais jamais serão totalmente eficientes enquanto não tiverem em sua composição elementos externos à magistratura.[23]  

Mas e uma vez que o direito à razoável duração do processo não esteja sendo respeitado, o que fazer? Norma sem sanção está destinada à ineficácia.

3.3) Prevenir e reprimir atos contrários a dignidade da Justiça e protelatórios

Este dever já constava do inciso III do artigo 125 do revogado CPC, embora ele não fosse expresso ao falar de atos protelatórios. A rigor todo ato protelatório é atentatório à dignidade da função jurisdicional.

A moderna visão da jurisdição não prescinde da sua dimensão de serviço publico relevante e essencial do Estado. A visão privatista que outrora focava no litígio das partes, agora volta atenção para o interesse do Estado, interesse, portanto, público, de que o processo tenha andamento consentâneo aos ditames da celeridade e da boa fé, ou, em outras palavras, de que o processo seja permeado, como atividade estatal, por um conteúdo ético, que obriga ao Estado e às partes. A chicana, a protelação, ainda que albergadas por lei, ferem a ética e comprometem interesses públicos imanentes ao processo enquanto serviço estatal, e não somente os direitos da parte contrária.

A premissa de que o litigar em juízo permite todo e qualquer recurso ou meio legalmente previsto deve ser vista cum granum salis. A situação específica de cada caso pode verificar na hipótese concreta não o exercício regular de um direito, mas um abuso de direito.

A prevenção implica o indeferimento de atos que sejam visivelmente protelatórios ou cuja eficácia pretendida seja primu ictu oculi constatável como despropositada e irrazoável. O caso mais típico disso ocorre na postulação de provas, tema que será adiante tratado.

A repressão deveria se manifestar na aplicação das penalidades de litigância de má-fé, na vedação de carga, dentre outras medidas.

Infelizmente a constatação que se pode fazer ao analisarmos de forma geral a aplicação destes institutos em nosso processo civil, indica que a cultura e a práxis judiciais são extremamente condescendentes com a litigância de má-fé, e isto é especialmente válido para os Tribunais.[24] 

Há alguns anos escrevei texto[25] onde já demonstrava como o sancionamento por litigância de má-fé era um mecanismo subempregado. Este quadro não parece ter se modificado. Melhor aplicado, poderia ter significativa eficácia na celerização dos feitos e na redução de trabalho[26]. 

O resultado da leniência com que práticas de notória litigância de má-fé e protelação são tratadas é seu uso cada vez mais disseminado, sobretudo, o que é mais grave, em demandas que envolvem de um lado consumidores, e, de outro, grandes empresas.[27] 

Esta exortação restará como letra morta enquanto não houver mudança de mentalidade e coragem moral para aplicar as sanções quando devidas.

3.4) Assegurar medidas que tornem eficazes as decisões

Diz o inciso IV do artigo 130 do CPC que o julgador deverá determinar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

A disposição não tem paralelo no CPC de 1973 e representa uma mudança importante de paradigma, a qual reflete o caráter público subjacente ao processo, tenha ele o objeto que tiver.[28]

Outrora, o postulado da inércia do juiz era absoluto. Não podia agir sem pedido específico e em vista de medidas que não tivessem expressa previsão legal.

A dicção do dispositivo não deixa dúvida que de a efetividade do comando judicial não é somente interesse da parte, mas também do Estado-juiz, que poderá agir com liberdade na tomada de medidas conducentes ao cumprimento de decisão judicial e conforme a natureza da demanda e do direito subjetivo que lhe é objeto.

Indução implica mecanismos sem atuação direta sobre a parte, o que a diferencia da coerção, esta última ocorrendo quando o comportamento contrário ao comando judicial (seja ele positivo ou negativo) é sancionado. A técnica mais utilizada no caso de coerção é a multa diária (astreintes), sem prejuízo dos aspectos penais envolvidos em eventual desobediência. A mandamentalidade ocorre em medidas a serem tomadas em regra pelo Poder Público ou pessoas exercendo faculdades ou poderes públicos por delegação. Ela ocorre quando inviável a sub-rogação, por serem medidas relacionadas a competências administrativas próprias de determinados agentes ou órgãos. Porém ela não é incompatível com a utilização de técnicas de coerção.

Enquanto que a coerção mais se presta as obrigações de fazer e não fazer, a sub-rogação é técnica que mais se amolda às obrigações de dar coisa fungível ou de pagar quantia certa (sub-rogação patrimonial). Conforme adiante se verá, o CPC previu diversas medidas para assegurar a eficácia do cumprimento de sentenças.

A previsão em comento tem o condão de servir de regra aberta e geral, permitindo ao julgador agregar à decisão medidas tendentes a compelir ao seu cumprimento, podendo livremente (de forma fundamentada) adaptar a técnica ao caso específico, ainda que ausente previsão expressa de determinada medida associada.

O principal aspecto que se extrai do dispositivo é que a eficácia da decisão não é mais só um problema da parte beneficiada. Trata-se de uma questão relacionada à eficácia e prestígio da função jurisdicional.      

3.5) Promoção da Autocomposição                

Sabiamente já se disse que a sentença está sempre fadada a desagradar a um ou aos dois lados, sempre. Por vezes, mesmo o lado vencedor não fica satisfeito. Não existe melhor solução para um litígio do que aquela construída diretamente pelos litigantes. Esta ostenta a concreta possibilidade de realmente dirimir um litígio e promover verdadeira pacificação, o que por vezes não ocorre com decisões judiciais.

A exortação à autocomposição já constava do CPC revogado, inciso IV do artigo 125. A nova redação acresce a possibilidade preferencial do uso de mediadores e conciliadores.

O CPC foi extremamente infeliz e confuso ao tratar da diferença de mediadores e conciliadores que receberam tratativa nos artigos 165 a 175. O diferencial seria a presença ou não de “vínculo anterior entre as partes”, conceito vago e impreciso. Se o vinculo mencionado é processual, pois que se fosse claro em dizê-lo. Na verdade a diferença decorre da condição do litígio e da técnica de interferência utilizada, sendo a mediação menos invasiva.

De qualquer sorte, o emprego destes auxiliares é regulado automaticamente pelos tribunais nas respectivas áreas de atuação pouco competindo ao magistrado fazer no caso concreto[29]. A exortação do artigo deve assim ser interpretada como uma orientação para que o magistrado a todo momento tente uma solução consensual, inclusive, quando for o caso, ele mesmo atuando concretamente para aproximar as partes e gerar um quadro favorável ao diálogo.

O julgador deve ter o cuidado de não chegar ao ponto de forçar uma solução consensual, através de insinuações de como julgará o mérito, as quais às vezes chagam quase a ser ameaçadas veladas e se tornam pressões indevidas. Da mesma forma, deve compreender que nem todo conflito se presta a esta atuação, e que todo conflito tem um  ponto limite que marca até onde uma tentativa de conciliação pode ser conduzida sem piorar ou acirrar o conflito.

Isso é importante para que não se perca tempo com audiência de conciliação  desde já sabidas ineficazes ou de resultado inócuo, gerando gastos e, quiçá, as vezes piorando a situação, dela saindo as partes com vontade renovada de conflitar por confitar.

Este tipo de percepção não se ensina em faculdades ou cursos. Decorre da vivência diária. Daí que ressai que o fator importante a ser extraído da exortação é o de que, preenchidas condições favoráveis e observada a razoabilidade, sempre deve ser priorizada a composição a partir do entendimento das partes, e o julgador deve questioná-las sempre que tiver oportunidade para tanto sem prejudicar o andamento normal do processo.

Se não tiver este senso de razoabilidade, incorrerá, o magistrado, no erro crasso que já se tem visto de forma muito comum, de o julgador marcar audiência inicial de conciliação mesmo quando uma da partes desde já avisa que não quer acordo. Perda de tempo e dinheiro apenas para contar no mapa da Corregedoria mais uma audiência inútil e que prejudica não só as partes do processo, mas outras, pela perda de tempo que poderia ser dedicado a outras atividades pelo julgador relativas a outros feitos em curso. 

3.6) Alteração de prazos e ordem de produção de provas

O inciso VI do artigo 139, em disposição sem precedente no anterior Código, preconiza que pode o juiz “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.”

Não há restrição na disposição quanto à natureza do prazo, se dilatório ou peremptório, pelo que se deve entender incluídos os segundos também. Aliás, os prazos meramente dilatórios sequer careceriam de autorização para poderem ser alterados pelo julgador.

A ordem de produção de provas concerne, sobretudo, à oitiva de testemunhas.

Todo cuidado deve ser tomado para que a utilização desta faculdade não incorra em quebra da isonomia. Ela deve ser aplicada justamente para repor a paridade de condições de uma das partes frente a outra quando a aplicação das regras ordinárias se revelarem produtoras de desequilíbrio manifesto, e sempre com clara e sólida fundamentação.

Mas o CPC ressalva que a dilação somente poderá ocorrer antes de encerrado o prazo regular. Resta vedada a repristinação de prazo.

3.7)  Poder de Polícia

Embora não constasse de forma geral e ampla no CPC revogado, nunca houve dúvida acerca desta atribuição do juiz, e já constava disposição acerca disso em vista das audiências.

A audiência ainda é o momento onde mais se pode exigir o exercício do poder de polícia. São pouco comuns incidentes onde o magistrado tenha de fato de exercer esta faculdade. A oportuna intervenção antes que os ânimos se acirrem é fundamental. O juiz não pode ser um observador atônito e deve conduzir a audiência percebendo o momento e as expectativas das partes. A imediata intervenção evita que medidas mais drásticas tenham de ser tomadas.

Isso é especialmente válido nas causas que envolvem direito de família, onde o componente emocional é latente e a predisposição ao confronto maior.

3.8) Determinar comparecimento das partes e efetuar sua oitiva

A despeito da ausência de previsão no CPC de 1973, o juiz poderia se valer do recurso de determinar o comparecimento das partes e proceder a sua oitiva. Agora há previsão expressa de um expediente que poderia e deveria ser mais utilizado.

Não raro, as petições iniciais e contestações não são claras, objetivas e diretas. Há o mau vezo de pensar que o juiz é um incauto que precisa ser ensinado sobre conceitos básicos de Direito e as partes (rectius: seus patronos) se perdem em enfadonhas e confusas narrativas permeadas por trechos de doutrina e jurisprudência desnecessários e maçantes, quando deveria ater-se à menção direta dos fatos. Em alguns casos, mesmo uma pacienciosa leitura ainda não é suficiente para descortinar qual é de fato o litígio e seus fundamentos.

Outras vezes, o erro não está nos causídicos, mas na narrativa que lhes foi feita pela parte.

Em ambas as situações o chamamento das partes e sua oitiva até mesmo informal é medida das mais úteis à compreensão da demanda.

Não deve ser descurada a necessidade de contraditório e bilateralidade, de forma que à oitiva de uma ou de ambas as partes devem ser convocados todos os envolvidos. Não se trata de tomada de depoimento, e, por conseguinte, não se faculta à parte contrária fazer perguntas e tampouco incide a pena de confesso.

Hoje, dada a média de disponibilidade de pautas, a medida deve ser relegada a casos onde se verifique a real necessidade, não se confundindo a medida com a audiência de conciliação.

Esta mesma questão de disponibilidade de pauta poderá fazer desta possibilidade letra morta. Nesta, como em muitas outras estipulações do CPC, o legislador parece não ter apanhado corretamente a realidade atual do Judiciário.

3.9) Saneamento do Processo    

Cuida-se de outra previsão que é novidade legislativa, mas não prática. A possibilidade de saneamento do feito, vale dizer, de correção de aspectos relativos à condições da ação e pressupostos processuais era, e é, uma decorrência lógica do princípio da instrumentalidade das formas.

A instrumentalidade das formas se contrapõe ao “fetichismo das formas”, que empresta maior importância à forma do que ao conteúdo e finalidade do ato processual. Em parte, este desvio de perspectiva se inicia ainda no ensino, onde o ato processual é abordado como um fim sem si mesmo e não associado a uma finalidade, o que acaba por incutir no estudante a equivocada noção de rigidez formal e de uma ritualística fechada, olvidando-se que todo ato almeja uma finalidade concreta.

Ora, a forma serve a um fundo, a uma finalidade. Atingida a finalidade a forma pode ser flexibilizada e relativizada.

Outros três aspectos ainda despontam. Primeiro, a jurisdição é um serviço estatal e é relativamente cara e dispendiosa. Cumpre uma função essencial ao Estado. Uma vez que o Estado é provocado a agir sub especie jurisdicionis, é imperativo que o escopo pacificador da jurisdição seja atingido. Em sendo o processo o veiculo desta atuação, ele deve ser preservado e direcionado à conclusão da finalidade magna de pacificação. A extinção prematura da relação processual (que tem natureza triangular) sem que o seu objetivo seja atingido somente se justifica quando a falta de determinada formalidade implique prejuízo a direitos subjetivos outros, ainda que de ordem processual.

A partir da Constituição e passando pela legislação infraconstitucional, direitos materiais, com projeção dentro do processo e feição formal, são criados, sendo exemplos a ampla defesa, o contraditório, a imparcialidade, o juiz natural, a fundamentação das decisões.

Somente quando tais direitos tiverem sido atingidos e não for possível uma correção saneadora, a extinção do processo se legitima sem a resolução da lide.

De outro lado, e aqui surge o segundo aspecto, o jurisdicionado hoje tem direito a um processo célere. Logo, a extinção do processo, com necessidade de recomeço, implica comprometimento desta celeridade.

Por fim, uma dimensão comumente esquecida do processo revela que ele envolve uma série de atividades administrativas, levadas a cabo pelos auxiliares do juízo. Estas estão abarcadas pelo princípio da eficiência, por força do artigo 37, caput, da CF/88. Visto o processo como um todo, o máximo de eficácia deve ser extraído dele, não cabendo extingui-lo, com perda de todo o esforço, sem motivos significativos.

Por conta de tudo, isso, a finalidade deve sempre preponderar sobre a forma.

Tudo quanto possa ser corrigido no curso do processo sem prejuízo às partes ou aos interesses do Estado-juiz, deve ser saneado.

O juízo acerca da possibilidade de saneamento e suprimento estará em disposição expressa e fechada, ou será aberto e chamará à manifestação do juízo optando pela providência ou pela extinção do feito. É nesta segunda hipótese que a matriz hermenêutica conclama a um posicionamento que preserve quanto possível a relação processual.  

3.10) Providências para Ações Coletivas   

O último inciso do artigo 139 traz a possibilidade de que o juiz “quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva”.                 

A bem da verdade, a tentativa de implantar no Brasil as denominadas ações de classe ou coletivas não vingou a contento. Há exemplos destas demandas que lograram êxito, mas seu uso está muito aquém das possibilidades.

A tentativa de importar um instituto do Direto anglo-saxão esbarrou em aspectos culturais próprios dos países latinos, apegados à litigância atomizada e individual.

A idéia por trás da disposição é que, detectada situação de demandas repetitivas, que no mais das vezes versam somente sobre matéria de Direito, pudesse o julgador, oficiando aos legitimados para demandas coletivas, abreviar a propositura de milhares de demandas, e lograsse provocar a atuação destes legitimados em uma única demanda que serviria de paradigma.

Ainda que tenham se tornado cada vez mais freqüentes as demanda de massa, calcadas em situações repetidas, esta não parece ser uma disposição que venha a  ter significativa aplicação, inclusive porque os legitimados acabam tomando conhecimento da sua existência por outras formas.

Fora isso, há uma verdadeira industrialização de demandas por segmentos da advocacia, a quem não interessam perder a possibilidade de ajuizamento individual.      

3.11) Julgamento por equidade, adstrição da sentença, e responsabilidade por ato jurisdicional

O novo CPC manteve a excepcionalidade do julgamento por equidade e a disciplina geral da responsabilidade por ato jurisdicional.

O julgamento por equidade surge quando regra de direito positivado específica não é aplicada, e nem se utiliza o julgador de elementos para suprimento da lacuna legal. Por outras palavras, é um julgamento feito a partir de um paradigma pessoal de justiça. Por diversas questões históricas e culturais esta modalidade de julgamento é exceção nos sistemas de inspiração romano-canônica vigentes na América Latina e Europa continental. É mais comum nos sistemas de origem anglo-saxã.

Somente quando assim o autorizar a lei, poderá a equidade ser utilizada. Um dos exemplos onde isso ocorre, temos no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC.

O CPC mantém expressamente o princípio dispositivo ou da demanda, o qual tem por corolário o princípio da adstrição da sentença. É a parte que determina os contornos da demanda, cumprindo ao julgador limitar-se a estes lindes, salvo quando permitida, de forma expressa, sua atuação oficiosa em conhecer questões não suscitadas.

Em regra, as questões que podem ser suscitadas de ofício dizem respeito a aspectos processuais, voltados à regularidade da relação processual, como exemplificativamente litisconsórcio necessário ou pressupostos processuais.

Mas é preciso lembrar que vige o princípio iura novit curia. Não é defeso ao julgador aplicar o direito não invocado. Este se aplica aos fatos alegados ainda que nada tenham dito as partes acerca de sua pertinência, cabendo ao juiz fundamentadamente invocá-lo e dar-lhe incidência. Portanto, quando se fala em questões para efeitos da limitação de atuação, estamos falando de pontos controvertíveis de fato, ou de pontos controvertíveis de direito em vista dos quais a lei expressamente prevê preclusão e iniciativa da parte.

O julgador não pode se sobrepor às partes suprindo pedidos que não foram feitos, considerando fatos que não foram alegados ou aplicando direito que depende de invocação da parte (este último caso é exceção).  Igualmente devem ser levadas em conta as inovações de fato operadas no objeto da demanda mediante contraditório prévio (art. 493 do CPC). A lide a ser julgada é aquela que se apresenta ao final do processo e nem sempre é mesma que está na inicial.    

Igualmente necessário recordar que o caráter público de algumas questões, mesmo que envolvam direito material, as pode tornar conhecíveis de ofício.

Salvante as hipóteses excepcionais de atuação oficiosa, a sentença que extrapolar o material ventilado pelas partes incorrerá no vício de ser ultra ou citra petita e poderá ter o excesso cassado.

Na disciplina da responsabilidade civil do juiz, o CPC manteve a regra do revogado, vale dizer, ela somente existe regressivamente e ligada ao dolo.

3.12) Impedimento e Suspeição

O novo CPC sistematizou melhor o impedimento e a suspeição do julgador. A redação anterior, que não era clara quanto à suspeição, continha seis incisos. O artigo 144 traz nove hipóteses.

Dentre estas, figura uma que anteriormente era caso de suspeição (herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de uma das partes). Foi acrescida a hipótese de mover ação contra a parte ou seu advogado, mas não consta fato comum de ser vítima ou agente de delito contra a parte ou o advogado. Já vi juiz que promoveu representação criminal contra advogado não se dar por impedido ou suspeito em processos ajuizados depois pelo advogado em favor de parte, o que de fato foi absurdo[30].

Na hipótese anteriormente prevista no inciso IV do artigo 134 do revogado CPC, foram inseridas as condições de estar atuando cônjuge, companheiro ou parente até terceiro grau como membro do Ministério Público ou da Defensoria Pública. A extensão agora igualmente se opera aos escritórios de advocacia onde figurem parentes no quadro.

Outra hipótese inserida contempla casos onde figure como parte instituição de ensino para a qual preste serviços o julgador, hipótese, hoje, muito comum.

Nos casos de suspeição, houve redução de um inciso. As hipóteses foram reduzidas para quatro    

O processamento da exceção de suspeição ou impedimento tinha previsão nos artigos 304 a 306 e 312 a 314 do revogado CPC. O prazo era de 15 dais a contar do conhecimento do fato e implicava suspensão do processo principal. O julgador podia se dar por impedido ou suspeito ou então oferecer resposta em prazo de 10 dias.

O prazo de resposta passou para 15 dias e o relator no Tribunal poderá dar efeito suspensivo ao incidente. No meio tempo entre a propositura do incidente e a determinação dos seus efeitos, tutelas de urgência serão requeridas ao substituto legal imediato.

Em boa hora, o CPC novo determina que o causador da condição de impedimento ou suspeição não poderá argúi-la ou se a parte já tiver manifestado aceitação do julgador (preclusão lógica). 


4) Auxiliares da Justiça

Em regra as unidades jurisdicionais apresentam uma partição em cartório ou secretaria e gabinete. Ambas são responsabilidade do magistrado embora isso por vezes não seja bem compreendido, nem externa nem internamente.

Não é raro ver magistrado que se tornam totalmente alheios ao andamento do expediente cartório, olvidando que a presença de um responsável naquela competência administrativa não lhe subtrai a chefia geral e a responsabilidade.

Também não é incomum magistrados que se preocupam com o número de feitos conclusos exclusivamente, buscando ter número baixo de feitos aguardando despacho ou decisão e que acabam gerando represamento dos processos no cartório ou secretaria como já referi acima.

Ora, à parte pouco importa onde o feito estará parado, o fato que importa é que ele estará represado. Trata-se de um subterfúgio inútil, pois embora pareça que o gabinete está “em dia” a percepção da jurisdição daquele órgão como um todo certamente não será das melhores na perspectiva do consumidor da jurisdição.[31] 

A secretária ou cartório é onde é feita a parte administrativa da tramitação processual após o feito voltar da conclusão ao gabinete, com o fito de se dar cumprimento a despachos ou decisões. É chefiada por um escrivão ou chefe de secretaria que gerencia o pessoal e as atividades mas sob responsabilidade geral do magsitrado.

O novo CPC introduz importante competência (rectius: atribuição) na esfera do escrivão ou chefe da secretaria, qual seja, a de praticar atos ordinatórios mediante delegação do juiz.

Entre tais atos, compreendem-se aqueles de mero impulso processual em cumprimento à sequência legal de atos processuais, e que não demandam decisão em seu conteúdo ou podem ser decididos de uma só vez. 

Trata-se de uma fórmula bastante útil, pois um despacho inicial pode conter vários comandos relativos a etapas seguintes que poderão ser executados sem nova conclusão. O julgador, porém, deve estar atento para o fato de que nas contestações podem haver preliminares que demandem solução imediata.

Tendo em vista a ordem de precedência de processos, igualmente cabe a este servidor organizar a lista de recebimento cronológico.


5) O Ministério Público

No anterior CPC, a disciplina de atuação do Ministério Público estava nos artigo 81 a 85. Hoje nos artigos 176 a 181.

Antes de se ingressar na tratativa das mudanças na atuação do MP, é preciso destacar que, desde antes da vigência do novo CPC, já vinha se avolumando um movimento interno pela redução da atividade interventiva do MP no processo cível enquanto custus legis.

Afiançava-se, então, que a instituição havia se tornado em uma espécie de “assessoria de luxo” do juiz, e que isso estaria tirando o foco da atuação institucional em vista de outras searas mais relevantes e próprias das funções típicas do órgão.    

O sinal mais saliente desta postura principiou pelos feitos fazendários, onde paulatinamente o órgão passou a declinar de intervir. Na sequência, foi a atuação em ações alimentares como substituto processual[32].

Neste mesmo ínterim, ganhavam estruturação crescente as Defensorias Públicas que foram preenchendo o vácuo deixado.

O fato que hoje se constata é que a motivação declinada para este posicionamento não-intervencionista, que era ter mais tempo para a atuação típica da instituição, acabou não se confirmando, e o MP acabou perdendo, com isso, grande parte da projeção e importância que tinha, tanto mais quando Defensoria Pública também passou a propor ações civis públicas[33].

No CPC de 1973, a atuação do MP como custus legis (cuja participação mais saliente é a emissão de parecer prévio à decisão), se fazia presente em casos de incapazes, ações de estado, de ultima vontade, litígios coletivos de posse de terra e causas em que a natureza ou condição da parte evidenciassem interesse público.

Na disciplina do novo CPC, as hipóteses de intervenção foram visivelmente diminuídas tendo sido suprimidas aquelas do inciso II do artigo 82 do revogado CPC. Mantido o interesse de incapaz, os incisos I e III do artigo 178 do CPC contemplam litígios coletivos pela posse de terras, sejam urbanas ou rurais, e casos de interesse público ou social[34]. Porém, o parágrafo único do mesmo artigo informa que o simples fato de a Fazenda Pública participar do feito não implica por si só caso de intervenção.

A disposição legal galvaniza o posicionamento acima mencionado que já vinha se cristalizando de longa data por conta de declinação levada a efeito pela própria instituição.      

A fórmula ainda é aberta e imprecisa. Pode se afirmar que demandas exclusivamente pecuniárias, como sejam ações de cobrança de diferenças, tributárias ou execuções fiscais e seus incidentes certamente enquadram-se na hipótese de exclusão do parágrafo único.

Porém, demandas indenizatórias decorrentes, por exemplo, de anulação de atos administrativos, decorrentes de casos de assédio ou que possam ter alguma repercussão na seara da improbidade administrativa, já caracterizam casos onde a certeza da exclusão não é uma conclusão indene de sérias dúvidas.

Na dúvida, deve ser intimado o órgão ministerial para que ele, com exclusividade, diga de sua intervenção, descabendo ao magistrado juízos apriorísticos quando a dúvida é razoável, pois a conseqüência da falta de intimação é uma nulidade absoluta e imprecruível, na forma do artigo 279 do CPC.

O novo CPC estabelece expressamente o prazo em dobro para o MP (salvo quando houver prazo próprio previsto em lei) sendo sua intimação pessoal. Não apresentando tempestivamente manifestação os autos são requisitados pelo juízo a fim de impedir postergação da decisão que será proferida mesmo sem presença do parecer.            


6) Advocacia Pública

Na advocacia pública está incluída a defesa dos interesses do Estado (lato sensu), ai incluída a Administração Direta e Indireta.

Ai se inserem a AGU, as Procuradorias Estaduais, Municipais e autárquicas agora sendo contempladas com disposições específicas, dentre elas figurando o prazo em dobro, salvo quando houve prazo próprio previsto em lei.

A advocacia pública poderá ser intimada por carga, remessa ou meio eletrônico,  assim como o MP.


7) A Defensoria Pública

Se há uma instituição que hoje se convolou no verdadeiro bastião maior de defesa da cidadania esta é, sem dúvida, a Defensoria Pública.

Desde a CF/88, a Defensoria vem granjeando espaço, estruturando-se e tomando para si as tarefas e atribuições indesejadas e que não dão holofotes e prestígio midiático, mas imprescindíveis ao objetivo de uma ordem jurídica justa e igualitária, com efetiva aplicação do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Mais recentemente, com a modificação do inciso II do artigo 5º da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 11.448/07, as Defensorias tiveram suas atribuições ampliadas e foram munidas de instrumentação eficaz para dar cumprimento as suas demandas institucionais, podendo propor ações civis públicas.[35]

A exata compleição desta faculdade da Defensoria ainda pende de definição, dado o atrelamento das suas atividades à condição de hipossuficiência dos assistidos.    

A Defensoria contará com a prerrogativa dos prazos em dobro, salvo quando houver prazo próprio legalmente estabelecido em lei, e sua intimação se faz nos moldes daquela da advocacia pública.

O prazo em dobro foi estendido também para os escritórios de prática de universidades que se destinem a prestação de serviços aos necessitados.   


Notas

[1] Embora quase sempre o ingresso da seguradora se dê por denunciação à lide pelo réu, por vezes ela já figura como ré desde a propositura da demanda. Sempre que a seguradora ingressa no feito, pode ocorrer de ser reconhecida responsabilidade civil do segurado/tomador sem que isso necessariamente implique condenação da seguradora. Isso pode ocorrer quando o contrato de seguro não cobre a hipótese ou houve sonegação de risco pelo segurado ou tomador. 

[2] As hipóteses de obrigações divisíveis e sem solidariedade são menos comuns. Ordinariamente decorrem de contratos com fracionamento de objeto. A massa de contratos hoje já vem com a solidariedade como regra.   

[3] Condenatório, declaratória, mandamental, constitutiva e executiva. A respeito, ver de minha autoria: “A Antecipação de Tutela e as Eficácias das Sentenças”, disponível na internet.  

[4] O prejuízo à celeridade do processo se torna especialmente presente no caso de execuções conjuntas com valores de cada exeqüente podendo ensejar impugnações. Em execuções raramente o litisconsórcio é vantajoso.   

[5] Ambas as hipóteses implicam no plano concreto, na inexigibilidade do título judicial, que pode ser alegada em impugnação, porém no segundo caso não haverá espaço, por exemplo, para se cogitar de ação anulatória por parte do prejudicado.   

[6] Ad exemplum, STJ - AgRg nos EREsp: 1262401 BA 2012/0197241-8, Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 25/04/2013, CE - Corte Especial, Data de Publicação: DJe 10/05/201

[7] “Para que se configure a assistência, na modalidade litisconsorcial, aquele que pretende ingressar no feito deve manter relação jurídica com a parte a que pretende prestar assistência, o que não ocorre na hipótese” (STJ - REsp: 1181118 RJ 2009/0188401-4, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 14/09/2010, T2 - Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 06/10/2010).

[8] STJ - AgRg na RCDESP no REsp: 735314 RS 2005/0046304-1, Relator: Ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 15/12/2009, T1 - Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 02/03/2010, reportando-se à doutrina de Nelson Nery Júnior.

[9] A tanto concluir basta verificar o Código Civil, o mais extenso dos códigos. Salvante os direitos de personalidade e alguma parte do direito de família, o restante de seu conteúdo se reporta à relações jurídicas de conteúdo eminentemente econômico. Além dele, há inúmeras leis na mesma condição. Nossa sociedade tem a tutela do interesse jurídico como objeto preponderante da tutela jurídica, e nossas relações tem como base o interesse econômico. Acabam sendo coisas indissociáveis.      

[10] É pertinente não olvidarmos que o processo, além de um mecanismo de resolução de um conflito entre partes, representa, também, um serviço de interesse público e que atende a interesses desta mesma ordem. O processo não está totalmente à disposição integral das partes. O Estado também tem interesses nele, e, enquanto serviço público, ele também se sujeita ao princípio da eficiência. Desta forma, a interpretação que deve ser dada ao ordenamento processual deve ser aquela que produza os melhores resultados levando também em conta a perspectiva estatal ou pública.    

[11] A figura do gestor de negócios está prevista nos artigos 861-875 do CC, e este atua de acordo com a vontade presumível do beneficiário, estando sujeito a responsabilidade perante este, inclusive respondendo até pelo caso fortuito em algumas hipóteses. O substituto processual não está sujeito a disciplina tão rígida, e atua com total independência, só respondendo por dolo.   

[12] O revogado CPC usava o termo “é obrigatória” o que induzia concluir-se que não formalizada a denunciação, restaria prejudicado o regresso. Formou-se, contudo, posição de que a denunciação não era obrigatória nos casos do artigo 70, inciso III, do revogado CPC. Exemplificativamente  STJ - AgRg no AREsp: 55131 GO 2011/0158549-5, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 21/05/2013, T4 - Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 27/05/2013; STJ - AgRg no AREsp: 664462 PR 2015/0037457-3, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 26/05/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2015.

[13] O artigo 73 do revogado CPC não previa limites e possibilitava sucessivas denunciações da lide. A quantidade seria limitada pelo bom senso do juiz na medida em que interferisse com a celeridade do processo. Um critério totalmente subjetivo.   

[14] O prazo é para a parte promover os atos a seu cargo a fim de citar o chamado, não podendo a mora do judiciário (vergonhosa em muitos casos) lhe render consequências negativas. 

[15] A manifestação ordinária do desvio de finalidade são as “empresas laranjas”, constituída com adrede finalidade de fraude, ocultação de bens e dissipação de patrimônio. Os indícios são no mais das vezes bem evidentes. São empresas com número incompatível de funcionários em vista de sua movimentação financeira, sem sede real, sem bens de raiz, e que por isso são facilmente abandonáveis. Não é incomum a utilização de interpostas pessoas como sócios fictícios. O desvio não precisa ser o escopo único da empresa. Ela pode mesmo até ter parte substancial das atividades lícitas. Mas desde que seja utilizada com finalidade ilícita, pode haver a desconsideração.        

[16] Os casos de confusão patrimonial marcam-se por aquilo que poderíamos chamar de “promiscuidade patrimonial” situação onde bens e valores da pessoa jurídica são desviados para utilização pelos sócios sem a devida contabilização e em detrimento do cumprimento de obrigações. Exemplo disso dos mais comuns reside na aquisição de veículos pela pessoa jurídica que na verdade são utilizados pelo sócio. Na mesma linha, o pagamento de contas pessoais diretamente pela pessoa jurídica e sem ressalva contábil. A linha de separação é rompida em prejuízo dos credores e com ocultação ou desvio patrimonial.      

[17] A hipótese é de casos onde o devedor pessoa física transfere patrimônio para pessoa jurídica visando afastar sua responsabilidade patrimonial neles. Também se verifica quando a pessoa física atua se valendo de uma empresa para lhe dar respaldo ou em atividade típica desta pessoa jurídica a qual ligada a pessoa física. Ai tem cabimento a desconsideração inversa da personalidade jurídica que é menos comum.  

[18] O negócio existe, vale e é eficaz perante terceiros, mas ineficaz perante o suscitador da desconsideração, e por conta disso poderá ele se valer da responsabilidade patrimonial para saldar créditos que ele tenha contra o suscitado. A decisão “decreta” a ineficácia em relação ao suscitador. Terceiros não podem dela se beneficiar embora se prejudiquem e posam se valer dos embargos de terceiro.   

[19] Ver o meu “Introdução ao Controle de Constitucionalidade, Difuso e Concentrado”.  

[20] Como as Corregedorias apresentam, regra geral, forte corporativismo, e o controle da atividade jurisdicional não é feito com afinco e profundidade, a verificação dos processos conclusos aguardando despachos ou decisões apontará poucos processos em mãos do magistrado gerando aparência de jurisdição célere. Na verdade os processos acabam ficando represados no cartório ou secretaria e a morosidade é percebida pelas partes.  Os cartórios e secretarias acabam se valendo da desculpa da falta de pessoal, real ou não, e na prática o prejuízo para a parte se consolida sem consequências.       

[21] O julgador não fica de mãos amarradas para, observando caso a caso, regular este aspecto. O que não se admite é que o magistrado se sobreponha ao legislador ao seu talante e sem critérios minimamente objetivos. A regra é a isonomia, a paridade. A exceção é a quebra deste princípio, e como tal demanda aplicação estrita dentro dos lindes da lei, ou caso ela seja omissa, mediante substancial justificativa por decisão judicial onde restem cabalmente comprovados os pressupostos e limites da diferenciação de tratamento.       

[22] Assim como o destinatário das peças processuais é o juiz e não as partes ou o próprio ego (coisa que muitos patronos esquecem) o destinatário da jurisdição é a parte. Ela se vale do Judiciário na esperança de uma solução justa e razoavelmente rápida. Cada vez que ao menos uma destas duas condições se materializa, a crença e a institucionalização em vista da Jurisdição se reforçam. O inverso também é verdadeiro e conduz ao descrédito e a um quadro onde ou há a cristalização do conflito na sociedade ou a parte passa a conceber a justiça de mão própria. ambos os casos significando a derrocada do Estado de Direito.      

[23] Fica a sugestão salutar de que as Corregedorias do Judiciário tenham em sua composição deliberativa pessoas oriundas de estames externos, como advogados, representantes dos servidores, do MP, da Defensoria e (por que não?) indicados dos demais poderes da União ou do Estado Federado. Isso, aliás, é válido para as Corregedorias de outras instituições e assegura que o corporativismo não viceje.    

[24] Quando magistrado, por diversas vezes, tive oportunidade de sancionar atos de litigância de má-fé escancarada, decisões que eram, em regra, reformadas pelo TJRS. Cada vez que isso ocorre é um verdadeiro alento à protelação, praticada especialmente por grandes empresas em detrimento dos consumidores. 

[25] “A Litigância de Má-Fé e a Efetividade da Tutela Jurisdicional”, disponível in “https://jus.com.br/artigos/7481/a-litigancia-de-ma-fe-e-a-efetividade-da-tutela-jurisdicional”

[26] A tanto concluir, se observe o resultado da reforma trabalhista em vista do número de ações ajuizadas. Bastou se criar alguma responsabilidade para o litigante e as postulações reduziram em quantidade e extensão, demonstrando que muito do que se pedia em juízo era verdadeira “aposta sem risco”, vertida em demandas temerárias que eram tratadas de forma leniente.   

[27] Aproveito o ensejo aqui para criticar a malsã e vergonhosa jurisprudência que nega a presença de dano moral no caso de consumidores lesados com cobranças indevidas e premiados com a via crucis dos call centers. Repetida como um mantra nos pretórios a pretexto de evitar a chamada indústria do dano moral, a tese segundo a qual as cobranças indevidas não geram dano moral, mas somente material, premia com a impunidade a atitude predatória de grandes empresas, muitas vezes monopolistas, que violam sistematicamente os direitos dos consumidores e se locupletam com comportamentos de dolosa fraude. Apenas um pequeno percentual de consumidores lesados se sujeita a ir ao Judiciário, e, quando logram êxito, no mais das vezes a condenação e à mera devolução de valores. Ora, isso faz da violação sistemática dos direitos do consumidor um negócio de lucro certo. A falta de sancionamento por dano moral estimula tais comportamentos e constitui uma jurisprudência covarde e vergonhosa que precisa ser revista. Mais nociva do que a indústria do dano moral é a indústria da falcatrua nas contas, com valores indevidos. Aliás, não haverá dano moral sem ilícito, e o dano moral tem, o que parece que muitos esqueceram, um caráter de repressão e sancionamento e não somente de reparação.               

[28] É antes o caráter e condição de serviço estatal que marca o processo e não o seu conteúdo em si. Paralelamente aos interesses privados que possam estar em voga, há interesses públicos imanentes e inafastáveis. O processo exerce funções de caráter público, com imbricações, inclusive, com o estado de direito e a promoção de objetivos e valores constitucionais. 

[29] Inclusive nem dediquei tratativa mais aprofundada ao tema da conciliação e mediação, pois me parece uma iniciativa fadada a ter pouco resultado prático, se não o de retardar ainda mais o processo. Mecanismos como este sem uma mudança de mentalidade nos agentes processuais e na população em geral não funcionam. Há uma cultura de litigância em nossa cultura. Tanto assim o é que as câmaras arbitrais (caríssimas, aliás) acabem sendo usadas na maioria dos casos por grandes empresas. A litigância comum continua se valendo da justiça comum. O brasileiro quer a palavra de um juiz em uma sentença. A figura do mediador e do conciliador não e vista com mesmo prestígio aos olhos da parte. É inegável que as partes tem severas restrições a ter alguém conduzindo a negociação que não seja o juiz togado. Isso já ocorre em certa medida, e de forma bem visível, no caso dos juízes leigos. Na prática, será uma fase a mais para retardar o processo, criando movimentação processual e burocracia.         

[30] Obviamente que o magistrado deveria ter se dado por suspeito de atuar a bem da sua imagem e da Justiça, evitando que se gerasse uma suspeita de parcialidade. O pior é que o TJRS manteve o juiz na demanda. É obvio que existe reserva e animosidade com o advogado que consta como agente de crime contra o magistrado.       

[31] Em comarcas onde substitui férias quando era magistrado, cheguei a ver caso de juízes que limitavam o número de conclusões por mês, gerando represamento no cartório. Qual motivo disso? Parecer à Corregedoria que está em dia? E a jurisdição como um todo, como fica? O processo irá atrasar igual.  Outro expediente comum consiste em limitar as conclusões apenas a feitos urgentes durante substituições em outro juízo. Seriam peias de interferir em feitos conduzidos por outro magistrado que levam a esta limitação? Mas a decisão não é do juízo, seja  quem for o responsável no momento? O signatário jamais fez qualquer limitação de volume em processamento de feitos em substituição e chegou a proferir mais de 4300 despachos e decisões em um mês substituindo a vários órgãos jurisdicionais ao mesmo tempo (janeiro de 2009 em Erechim-RS). Desculpas de excesso de serviço são bengalas fáceis e injustificadas.          

[32] O signatário foi servidor do Ministério Publico do RS por cinco anos, tendo atuado maior parte deles como assessor jurídico até 2007, e acompanhou de perto a evolução deste quadro que começava a ganhar projeção exatamente naquele momento.   

[33] A propósito, ver a ADI nº 3943/DF, recentemente julgada. A ação foi ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público em atitude assaz corporativista e voltada a interesses institucionais que não se coadunam com o interesse público. Teve o merecido julgamento de improcedência. Também o RE 733.433 com repercussão geral.

[34] O interesse social é um conceito efetivamente aberto. A rigor, ele em regra está abarcado pela menção ao interesse público. Mas a menção expressa não traz prejuízo e pode dar margem de atuação aonde não existe necessário coincidência entre a dimensão do publico e do social. O interesse social estará ligado a situações onde a dimensão do direito seja transcendente do individual, e apresente repercussões coletivas, diretas ou indiretas. Exemplo claro desta hipótese (e que não se enquadra na “posse de terras’), temos nas ocupações irregulares de edificações urbanas. Um somatório de situações individualizadas, onde vertidos direitos de natureza privada e até disponível (portanto não essencialmente de natureza pública), pode gerar repercussão social a ponto de justificar atuação.        

[35] A questão do Inquérito Civil ser instaurado pela Defensoria Pública ainda resta duvidosa com tendência à resposta negativa. Embora a redação atual da lei de ACP preveja a possibilidade de ação civil pública pela Defensoria Pública, não foi alterado o dispositivo que trata do inquérito civil, onde previsto somente o MP. Porém, em sendo instrumento fundamental para viabilizar a atribuição da ACP, a melhor interpretação conduz à resposta positiva acerca da possibilidade de instauração pela Defensoria que é um órgão estatal de igual envergadura e até mais importância no contexto atual. O legislador desatentou para uma disciplina cuja necessidade era óbvia.      


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código de Processo Civil - Parte III. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5439, 23 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66289. Acesso em: 4 maio 2024.