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Conhecendo o novo Código de Processo Civil - Parte III

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23/05/2018 às 09:00
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Traça-se um panorama dos principais institutos e caminhos trilhados pelo CPC/2015.

Sumário: 1) Litisconsórcio. 2) Intervenção de Terceiros. 2.1) Assistência. 2.2) Denunciação da lide. 2.3) Chamamento ao processo. 2.4) Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. 2.5) Amicus Curiae. 3) O Juiz. 3.1) Tratamento Isonômico entre as Partes. 3.2) Velar pela duração razoável  do Processo. 3.3) Prevenir e reprimir atos contrários a dignidade da Justiça e protelatórios. 3.4) Assegurar medidas que tornem eficazes as decisões. 3.5) Promoção da Autocomposição. 3.6) Alteração de prazos e ordem de produção de provas. 3.7)  Poder de Polícia. 3.8) Determinar comparecimento das partes e efetuar sua oitiva. 3.9) Saneamento do Processo 3.10) Providências para Ações Coletivas. 3.11) Julgamento por equidade, adstrição da sentença e responsabilidade por ato jurisdicional.   4) Auxiliares da Justiça. 5) O Ministério Público 6) Advocacia Publica. 7) A Defensoria Pública         


1) Litisconsórcio

O litisconsórcio se caracteriza pela presença de mais de uma parte, seja como autor, seja como réu, em processo judicial, seja ele de conhecimento ou execução, podendo tal condição resultar já da propositura da demanda ou ser ulterior.

No mais das vezes o litisconsórcio está associado às obrigações solidárias, especialmente as relacionadas à responsabilidade civil e ações anulatórias de atos jurídicos onde mais de um interveniente exista no ato que se busca anular.

Há uma tendência generalizada no sistema brasileiro de que o litisconsórcio, em regra, represente situações de litisconsórcio unitário, ou seja, aquele onde a decisão tem de ser idêntica para um pólo. Exceção está nas demandas regressivas contra seguradoras, que representa boa parte dos casos, e onde pode haver decisão de teor diverso[1].

O artigo 46 do revogado CPC trazia 04 hipóteses que legitimavam a presença de litisconsórcio. Três delas são repetidas no novo CPC, tendo sido suprimida, a do inciso II, qual seja “os direitos e obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito”. 

A rigor não há prejuízo à abrangência das hipóteses de cabimento, pois a do inciso III do artigo 113 acaba contemplando os casos do inciso não repetido.

A existência de “comunhão de direito ou obrigações relativamente à lide”, tem em mira, principalmente[2], justamente as situações de co-obrigados ou presença de solidariedade creditória. Isso pode ocorrer quando se pretende obter uma sentença que a todos condene ou a todos beneficie, ou já diante de execução de um título, ou com mais de um credor ou mais de um devedor, seja judicial ou extrajudicial esta última.

A segunda hipótese concerne às causas onde houver “conexão pelo pedido ou pela causa de pedir”. É o próprio CPC que define a conexão no artigo 55, a qual ocorre quando for comum o pedido ou a causa de pedir.

Aqui é preciso lembrar que temos um pedido mediato e um imediato, e que a causa de pedir pode ser remota e próxima.

Para compreensão da diferença entre pedido imediato e mediato basta atentarmos para a estrutura do pedido como ele é feito na inicial.

Pedimos que o julgador condene a uma obrigação; declare uma situação jurídica, que decrete uma anulabilidade. Enfim, primeiro pedimos uma providencia jurisdicional abstrata dentre as cinco eficácias possíveis[3]. Após segue-se a especificação do conteúdo da providência postulada. Postula-se a condenação a determinada obrigação pecuniária ou de fazer, ou a declaração de nulidade de determinado contrato, por exemplo.

Ou seja, o pedido de tutela abstrata (imediato) precede o conteúdo específico (mediato). Desta forma, pedida condenação a uma reparação pecuniária, a condenação é o pedido imediato, ao passo que o valor pretendido é o pedido mediato.

Já a causa de pedir tem um fundamento jurídico (quase sempre legal em nosso sistema) e um fundamento fático. Este último nada mais é do que o suporte fático in concreto que é juridicizado, ou seja, o fato do mundo empírico, real, que se amolda a uma previsão legal.                       

A causa de pedir próxima ou imediata é representada pelo fundamento jurídico invocado. Em nosso sistema, que é de Direito positivado (Civil Law, ou escrito), no mais das vezes o fundamento jurídico é equivalente a um fundamento legal, porque o direito subjetivo material que embasa o pedido terá respaldo normalmente em previsão de uma normal legal lato sensu (lei em sentido amplo).  Por outras palavras, a pretensão terá estribo ou na incidência direta da lei ou na sua interpretação e aplicação ao caso concreto.

A causa de pedir remota ou mediata é representada pelo fato em si, vale dizer o fato ocorrido no mundo real (suporte fático in concreto) que irá se amoldar ao suporte fático in abstrato (previsão legal que é o fundamento legal), que constitui a causa de pedir imediata ou próxima.

Para a presença de conexão (inclusive para legitimar litisconsórcio), não basta a coincidência do pedido imediato ou da causa de pedir próxima.  Não basta que duas demandas sejam condenatórias e invoquem o artigo 186 do CC.

É preciso que o pedido mediato, ou a causa de pedir remota, sejam as mesmas, ou seja, um mesmo fato (suporte fático concreto) esteja ensejando pedidos por mais de uma parte ou contra mais de uma (ainda que pedidos diversos), ou que mais de uma parte esteja fazendo pedido ou tenha contra si formulado pedido tendo por alvo o mesmo objeto específico (bem da vida). 

Já a situação tratada no inciso III, que menciona “afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito”, é mais ampla do que a conexão, que se baseia em comunhão e não em mera afinidade. Aqui também devem ser tomados em linha de conta o pedido mediato e a causa de pedir remota, mas a afinidade não significa identidade. São, aqui, fatos individualizados, mas parecidos. Temos exemplos destas situações em demandas ajuizadas por funcionários públicos pleiteando um direito comum ou de correntistas de um banco que resolver controverter as mesmas questões conjuntamente.

No caso dos servidores, se temos, por exemplo, um aumento previsto em uma lei, a sua incidência em cada caso de cada servidor constitui um fato individual. O fato de haver uma origem jurídica comum não torna as situações dos servidores uma mesma e única, e pode mesmo haver decisões diferentes em cada caso dependendo das condições. A incidência da lei sobre a condição de cada um é independente.

No caso dos correntistas, cada qual tem seu contrato. O direito invocado pode ser comum (CDC, por exemplo), mas cada contrato constitui um suporte fático próprio e individual.

Nestes casos, como o objeto de cada um é individualizado ou o fundamento de fato é próprio, ainda que o pedido imediato e a causa de pedir próxima seja a mesma (direito invocado), não há conexão, mas há afinidade de questões que permite o litisconsórcio.

No litisconsórcio facultativo, que existe nas três hipóteses supra, poderá o juiz limitar a quantidade de partes, previsão que já havia no revogado CPC, e que tem em vista a celeridade processual, hoje guindada a direito fundamental na Constituição (art. 5º, inciso LXXVIII).[4]

A suspensão do prazo de resposta ou manifestação permanece enquanto não decidido pedido de limitação como era no revogado CPC.

Quando a decisão deve ser tomada de forma conjunta em favor de mais de um autor ou contra mais de um réu, tem-se o litisconsórcio necessário, que pode ser unitário ou não.

Nestas hipóteses, há necessidade de integração de um dos pólos, ou dos dois, por todos os litisconsortes. O revogado CPC falava que a eficácia da sentença depende disso. O novo CPC repetiu a dicção, mas amplia as hipóteses.  

Segundo os incisos deste artigo, o efeito da ausência de integração do contraditório serão diversos em caso de litisconsórcio unitário ou simples, ou seja, conforme a decisão tenha de ser uniforme ou não para todos os litigantes. No caso de litisconsórcio unitário, a falta de presença de todos implicará nulidade, que diz respeito ao plano da validade. Já se a situação for de listisconsórcio simples, haverá ineficácia em relação a quem não integrou a demanda (plano da eficácia)[5].

Assim, o que se tem é que em caso de litisconsórcio necessário, a falta de presença de todos implica ineficácia da sentença em vista deles. Caso este litisconsórcio além de necessário seja unitário, haverá nulidade da sentença em vista de todos, tenham ou não participado da demanda. Caso o litisconsórcio seja necessário, mas simples, isto é, com possibilidade de decisões diversas, haverá ineficácia em relação a quem não participou.

Caso a hipótese de litisconsórcio seja facultativa, a sua não ocorrência nenhuma repercussão tem sobre a parte que não participou da demanda, que será terceiro em relação a ela, como qualquer outro terceiro nada podendo reclamar e não sendo atingido pela decisão.

Assim como no CPC de 1973, a integração da demanda por todos os réus em caso de litisconsórcio necessário é condição para o prosseguimento do feito, e desta forma pode e deve ser determinada pelo juízo, em prazo razoável, sob pena de extinção do feito. É um pressuposto de constituição e regularidade da relação processual.

Assim como ocorria no artigo 48 do revogado CPC, o atual determina que os litisconsortes são considerados em suas relações com a parte adversa como partes distintas, vale dizer, em regra não se prejudicam ou se beneficiam. Porém o atual CPC incorpora uma regra que, apesar de não escrita no código de 1973, era aplicada por força de lógica, qual seja, a de que em caso de litisconsórcio unitário, os atos praticados por um dos litisconsortes pode beneficiar, mas não prejudicar, aos demais

Tal fato decorre de que os atos de defesa de direitos próprios de um litisconsorte nestas situações necessariamente interferem na validade ou eficácia de atos do processo de forma que atingem a todos ou operam no plano do direito material com mesma característica. Pelo fato de que as partes de cada pólo estão atreladas, o benefício acaba repercutindo nas demais. Mas omissões ou faltas de cada um não alcançam aos demais.        


2) Intervenção de Terceiros

O problema da definição de quem é parte no processo, condição para definir quem é o terceiro, é dos mais tormentosos, a despeito da aparente simplicidade que denota. Parte seria quem propõe ou contra quem se propõe demanda. Ocorre que a extensão de poderes do assistente litisconsorcial, por exemplo, é tão ampla quanto a de autor e réu. Neste caso, a simples iniciativa de propositura ou o momento de ingresso na demanda é que seria o fator de definição, já que a aparência da atuação nada teria de significativo para separação de uma ou outra condição.  

Outrossim, é imperativo divisar o conceito de parte processual de “parte” em vista da relação de direito material. Como cediço, a relação processual é distinta das relações de direito material que embasam a demanda. A condição de “parte” na relação de direito material não implica, ipso facto, a condição de parte processual, embora no mais das vezes isso ocorra.

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2.1) Assistência

Quando ocorre esta situação de dissociação da parte material da parte processual, poderá ocorrer a figura da assistência. Ela se apresenta pela existência de um interesse jurídico, cuja presença se torna muito provável em vista de uma parte de direito material que ficou de fora da relação de direito processual. Mas não só estes podem ser assistentes, qualquer um com interesse jurídico na relação de direito processual pode.

O interesse jurídico é um interesse aparentemente (status assertionis) albergado pelo Direito e escudado no fato de que a relação processual instaurada possa efetivamente atingir a esfera de direitos da parte que se propõe a ser assistente. Esta qualificação serve para separar este interesse daqueles meramente morais ou especulativos.

A parte que intervém tem de demonstrar a presença, em tese, de um direito subjetivo que titula ou de uma condição jurídica que serão potencialmente atingidos pelo resultado da demanda proposta. Direito subjetivo este que seja, obviamente, lícito e tutelado pelo ordenamento. Isto é um dos fundamentos primários do pedido de intervenção.

A assistência implicará na atuação da pessoa que se coloca nesta condição em favor de uma das partes, com vista a favorecer sua condição própria ou a preservação indireta de direito subjetivo seu.

Há precedentes que separam interesse jurídico de interesse econômico[6]. O primeiro se caracterizaria pela existência de uma relação jurídica entre o assistido e o assistente[7]. Mas esta ultima asserção é infirmada por outros julgados, que mencionam que “não há necessidade de que o terceiro tenha, efetivamente, relação jurídica com o assistido, ainda que isto ocorra na maioria dos casos.”[8]

Como resolver esta questão? O que é o interesse jurídico e onde ele se separa do interesse meramente econômico? É necessário que o assistente tenha relação jurídica com o assistido ou a parte adversa?

Penso que a presença de interesse jurídico não carece de que o assistente tenha relação com alguma das partes no caso da assistência simples. A feição econômica de um interesse não é fator para caracterizá-lo como juridicamente relevante. Aliás, em regra, a maioria dos interesses jurídicos tem, ainda que de forma indireta, uma feição econômica.[9]

A assistência poderá ocorrer em qualquer fase do processo em qualquer tipo de procedimento. Estaria, ai, incluída a execução? Uma primeira tentativa de responder a esta pergunta passa pela análise feita no artigo 119, parágrafo único, do CPC atual, que corresponde ao artigo 50, parágrafo único, do revogado CPC.

É que se fala em “procedimentos”, que são formas diversas de cada tipo de processo ou tutela. A menção à assistência é feita em qualquer tipo de procedimento, mas está dentro do livro do processo de conhecimento, ou seja, estaria restrita aos procedimentos desta espécie de tutela.

Porém, o revogado CPC já preconizava a aplicação subsidiária do livro do processo de conhecimento ao processo de execução (art. 598).

Em termos doutrinários e jurisprudenciais, a tendência é negar a possibilidade de assistência no processo de execução, pois o interesse do assistente seria a obtenção de uma sentença em seu favor. Mas nada há que, de forma expressa, impeça a concepção de assistência na execução, e a possibilidade ficaria à conta de se verificar hipóteses de aplicabilidade do instituto dentro de seu espectro de requisitos e que não fossem de encontro a princípios como a celeridade processual, não prejudicassem o direito do exeqüente, ou, mesmo antagonizando com estes, protegessem outras espécies de direitos tutelados, tornando a intervenção forma mais célere ou simplificada[10].

É de pensar na situação do devedor com responsabilidade subsidiária que, vendo a ocultação de bens do devedor principal, e a possibilidade de a execução voltar-se contra si. Dir-se-á que, acionado pela dívida do devedor principal, poderá valer-se da sub-rogação e contra este se voltar, mas isso demanda um tempo, e diversos incômodos da condição de executado, além de custos.

O novo CPC mantém as duas figuras previstas no revogado, quais sejam, a assistência simples e a litisconsorcial, mas o faz de forma muito mais clara e sistemática, ainda que mantidas as mesmas regras.

O assistente simples é aquele que, não sendo parte, intervém no feito sem ter relação jurídica com o adversário do assistido. Sua intervenção é ad coadjuvandum tantum, ou seja, ele não é um ator independente no processo, que tenha plena disponibilidade do objeto do mesmo.

Embora possa praticar os mesmos atos, receba todas as intimações e possa interferir em todos os atos, sua presença não impede que o assistido disponha do direito material objeto do processo, por reconhecimento, transação, desistência.

Inovando em relação ao diploma anterior, o novo CPC, em caso de revelia do assistido, estipula que o assistente será considerado substituto processual, ao contrário do gestor de negócios que antes era seu status. A diferença se manifesta no grau de independência.[11]

A assistência é uma hipótese que demanda criteriosa avaliação do sujeito que pretenda assumir tal condição acerca da sua conveniência e custo/benefício. Isto porque o assistente recebe o processo no estado que se encontra, não podendo refazer atos. Da mesma forma, uma vez assistente, estará sujeito aos efeitos da coisa julgada, inclusive material, da qual só escapará se provar que: a) Pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; b) Desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.

A assistência litisconsorcial tem azo quando ao assistente tem uma relação jurídica com o adversário do assistido e o resultado da demanda possa vir a implicar em influência nesta relação. Exemplificativamente, se o assistente litisconsorcial tem uma relação jurídica diversa da discutida nos autos com o autor da demanda, sua condição de assistente litisconsorcial resultará da assistência em vista do réu.

O assistente litisconsorcial é considerado litisconsorte, ou seja, tem total independência, é como se parte fosse e como tal atua livremente.

Postulada a assistência, em petição onde a parte indica o seu interesse jurídico, a partes são intimadas e o juiz decidirá com ou sem impugnação sobre sua admissão, em decisão sujeita a agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso IX, do CPC)             

2.2) Denunciação da Lide                               

A denunciação da lide ou à lide, como também é chamada, é, ao contrário da assistência, uma forma de intervenção provocada, e que está intimamente ligada ao direito de regresso. O CPC revogado continha três hipóteses de situações que legitimavam a denunciação, ao passo que o atual tem somente duas.   

O CPC de 1973 contemplava os casos a) Do alienante que poderia ser denunciado pela parte em ação movida por terceiro, tendo por objeto coisa. b) Do possuidor indireto ou proprietário pelo possuidor de fato quando citado em nome próprio em demanda. c) Dos obrigados regressivamente.

No novo CPC estão contemplados: a) Do réu ao alienante imediato da coisa disputada com terceiro a fim de resguardar os direitos da evicção. b) Aos obrigados por lei ou contrato a indenizar regressivamente.

A fórmula nova não traz verdadeiro prejuízo a despeito de menos extensa em hipóteses.

E, dirimindo celeuma que perdurou anos a fio, o novo CPC afasta a obrigatoriedade da denunciação, asseverando que o direito de regresso, pedra de toque das duas hipóteses previstas, poderá ser exercido em ação autônoma[12], assim como limita as denunciações a somente mais uma sucessiva, que pode ser feita pelo denunciado[13]. O direito de regresso dos seguintes será por ação autônoma obrigatoriamente.

Tanto o autor como o réu podem promover denunciação. Quando feita pelo autor, o pedido constará da inicial, e o denunciado pode aditar a inicial. Quando feita pelo réu, constará da contestação. Em ambos os casos o julgador decidirá de plano pela sua admissibilidade em decisão sujeita a agravo de instrumento.

Quando formulada pelo réu, o curso dos acontecimentos dependerá da atitude tomada pelo denunciado. Ele pode contestar tanto a denunciação em si como o pedido do autor; pode contestar a denunciação em si somente ou só o pedido do autor; ou pode, ainda, se tornar revel. Se com sua atitude de revelia ou de confissão dos fatos da inicial ele não se opõe à pretensão do autor, o réu e litisdenunciante se assegura do direito de regresso, e pode mesmo concordar com o pedido do autor.

A denunciação só terá seu mérito julgado se o denunciante restar vencido, e isso não vincula seu acolhimento. Caso ele saia vencedor, perde objeto a análise do direito de regresso e a sucumbência deve ser analisada a luz do princípio da causalidade, hoje previsto no art. 85, parágrafo 10º, do CPC, e, neste caso, o derrotado é que deu causa ao processo e irá pagar a sucumbência ao denunciante e ao denunciado.

Já se o denunciante for vencido e ainda for derrotado na denunciação, ele é quem irá pagar sucumbência para a parte contrária e para o denunciado.

Por fim, se o denunciante for derrotado na demanda e vencedor da denunciação, irá receber sucumbência do denunciado e pagar para a parte contrária.

É importante gizar que a denunciação, se acolhida, condena o denunciado a ressarcir o que tiver despendido o denunciante e na medida da extensão do direito de regresso, que pode sofrer limitação legal ou contratual. Por outras palavras, o denunciado não é condenado frente ao adversário do denunciante, mas só em relação a este.

2.3) Chamamento ao Processo          

O chamamento ao processo é uma forma de litisconsórcio provocado no pólo passivo da demanda, que contempla os casos dos fiadores e dos devedores solidários.

Postula-se na contestação e deve ser promovido em 30 dias ou dois meses se residir em comarca diversa, pena de ineficácia.[14]

O objetivo é lograr uma decisão que sirva de título para que o que efetuar o pagamento do valor venha a se ressarcir perante os demais devedores solidários.

Importante salientar a desnecessidade disso quando houver previsão contratual de solidariedade em contrato que seja título executivo, pois neste caso basta sub-rogar-se na execução.

2.4) Desconsideração da Personalidade Jurídica

Em boa hora, o novo CPC regula o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, genericamente incorporado no CC, artigo 50, e que ingressou em nosso sistema jurídico pela via do direito tributário.

O conceito clássico da teoria geral do direito era o da independência da pessoa física em relação à jurídica, e assim foi por séculos. Mas com a difusão das pessoas jurídicas e o incremento de suas atividades no século passado, não tardou a que se constatasse toda sorte de abusos encetados a base da cobertura que a pessoa jurídica provocava quando utilizada como cortina.

A desconsideração da personalidade jurídica passou a ser aceita pela jurisprudência à guisa da sua presença no CTN, e seu reconhecimento grassou acolhida legislativa no CC de 2003, mas ela ainda não tinha uma regulação de seu procedimento. Esta disciplina é criada no novo CPC no artigo 133 e seguintes.

A desconsideração tem azo, nos termos do artigo 50 do CC quando “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”                     

O abuso caracteriza o dolo de utilização da pessoa jurídica com finalidade de prejudicar terceiro, especialmente para se furtar ao cumprimento de obrigações ou da responsabilidade patrimonial[15]. Já a confusão patrimonial pode até resultar de simples culpa, mas também tem a tônica do prejuízo a outra parte de relação jurídica seja porque dificulta a informação seja porque desvia bens[16].

A desconsideração também pode ser inversa, vale dizer, ao invés de levar à responsabilidade da pessoa jurídica para uma física, faz o contrário, levando a responsabilidade inicial de uma pessoa física para uma jurídica.[17] 

Esta extensão poderá ter aplicação tanto em processo de conhecimento como de execução ou fase de cumprimento.

A desconsideração pode ser requerida com a inicial ou incidentalmente. No primeiro caso, não há suspensão do processo e o que ocorrerá simplesmente é a citação da pessoa física ou jurídica indicada. Neste caso, cabe ao juiz admitir previamente e somente para efeitos de citação, o cabimento da desconsideração, podendo rever tal decisão após a resposta da pessoa indicada. Ter-se há, portanto, uma decisão e não mero despacho de recebimento da inicial.   

Se proposta em forma de incidente, haverá suspensão do processo, onde a pessoa indicada, sócio ou a pessoa jurídica (no caso da inversa) será citada para responder e postular as provas que entender cabíveis em 15 dias, com decisão do incidente, o  qual, se acolhido, implica ineficácia em relação ao postulante dos negócios entabulados em fraude[18]. 

Tanto em um quanto em outro caso, a petição deverá indicar quais fatos estribam a presença de abuso ou a confusão de bens, e se possível indicar precisamente quais bens foram objeto da ação fraudulenta ou prejudicial.

Não há preclusão em vista do momento da alegação, mas a ineficácia é decretada com efeitos ex nunc, operando somente a partir de então. Desta forma, quanto mais tempo deixar a parte para suscitar a questão, maior risco corre, além de poder ser responsabilizada pelas custas de atos praticados no feito que se tenham de repetir (art. 93).          

A decisão pode ser questionada através de agravo de instrumento (art. 1015, inciso IV) ou agravo interno (art. 136, parágrafo único).

2.5) Amicus Curiae

A figura do amicus curiae não é da tradição do processo de origem romano-germânica, o qual, por muitas razões históricas, centrou-se no conceito de ação como veiculo de resolução de lides atomizadas, com partes certas, e em vista de conflitos que são exclusivamente seus.

O paradigma em nosso processo são demandas com partes certas, determinadas, que controvertem um objeto igualmente limitado, que diz respeito a sua exclusiva esfera de direitos. É a velha formula de Tício versus Mévio.

No direito processual de inspiração anglo-saxã, as class actions já previam demandas onde envolvidos direitos múltiplos, até difusos, que demandariam intervenções de terceiros não necessariamente titulares dos direitos subjetivos discutidos.

A configuração de novos direitos como os de terceira geração (exemplo meio ambiente) ou os direitos do consumidor, levaram a um novo perfil de processo, onde existem direitos de natureza coletiva, transindividual ou difusa. Na mesma linha os processos de controle concentrado de constitucionalidade (processos objetivos)[19].    

Nestes processos há um conteúdo objetivo, transcendente da dimensão da esfera de direitos apenas das partes envolvidas, justificando-se a franquia à manifestação de outros interessados, previamente conhecidos ou não.

Daí surge a figura do amicus curiae, que, sem ser parte, intervém no processo, com poderes limitados, podendo, de acordo com o CPC, apenas no que concerne aos recursos, interpor embargos de declaração e recorrer do incidente de resolução de demandas repetitivas.

A admissão do amicus curiae se dará de forma provocada ou de ofício pelo julgador, em primeiro grau ou instância recursal, que irá determinar quais os seus poderes, tendo prazo de manifestação de 15 dias.

Qualquer pessoa poderá solicitar esta admissão, e esta solicitação não é necessariamente a sua própria. O amicus curiae poderá ser pessoa física ou jurídica, órgão ou entidade especializada.

Sua admissão se dará a critério do julgador, em decisão irrecorrível, levando em conta “considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia” (art. 138 do CPC). Não importa a natureza do amicus curiae, não haverá alteração da competência.    

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código de Processo Civil - Parte III. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5439, 23 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66289. Acesso em: 19 mar. 2024.

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