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A inimputabilidade por doença mental

A inimputabilidade por doença mental

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Reflexões sobre o instituto da inimputabilidade penal e a forma como vem sendo feito o tratamento, por parte do Estado, em relação ao inimputável nesta condição.

INTRODUÇÃO

O referido artigo consiste no estudo do instituto da inimputabilidade penal, com ênfase na inimputabilidade por doença mental, e serão abordadas as hipóteses de exclusão de imputabilidade prevista na atual legislação vigente. Serão analisados os critérios de aferição de inimputabilidade possíveis, e qual o critério utilizado em nosso ordenamento jurídico.

A imputabilidade refere-se à capacidade de ser culpável, isto é, o agente ser capaz de compreender o caráter ilícito do fato, bem como a capacidade de controlar e comandar a própria vontade.

No entanto, inimputabilidade é a incapacidade de se determinar-se em relação à ilicitude do fato, sendo, neste caso, isento de pena pela ausência de culpabilidade. Dessa forma, é necessário que o agente, seja portador desta condição, no momento da prática do crime, e tal condição será comprovada através de laudo realizado por perito.

 O Código Penal dispõe que as causas de exclusão da imputabilidade, sendo elas: a doença mental, desenvolvimento metal incompleto ou retardado e a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior; as três primeiras hipóteses encontram-se no art. 26, caput; e a quarta no art. 28, § 1° do referido código.

 Nesse entendimento, sendo constatada qualquer uma das hipóteses acima elucidadas, o agente será absolvido e remetido, obrigatoriamente, à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado.


1.    IMPUTABILIDADE           

O nosso ordenamento jurídico não conceituou imputabilidade, cabendo à jurisprudência e à doutrina preencher essa lacuna.  

Imputabilidade é a capacidade de compreender o caráter ilícito do fato por ele perpetrado, assim como determinar-se de acordo com esse entendimento. "Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável." (Mirabete, 2001, p. 210).

O agente deve ter capacidade deve ter capacidade plena de entendimento, além de apresentar condições de controle sobre sua vontade.  

"Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível." (Damásio, 1998, p.465).

Fernando Capez faz a distinção entre imputabilidade e capacidade, afirmando que:

 “a capacidade é gênero do qual do qual a imputabilidade é espécie. Com efeito, capacidade é uma expressão muito mais ampla, que compreende não apenas a possibilidade de entendimento e vontade (imputabilidade ou capacidade penal), mas também a aptidão para praticar atos na órbita processual, tais como oferecer queixa e representação, ser interrogado sem assistência de curador etc. (capacidade processual). A imputabilidade é, portanto, a capacidade na órbita penal. Tanto a capacidade penal (CF, art. 228, e CP, art. 27) quanto a capacidade processual plena são adquiridas aos 18 anos”. (Capez, 2013, p. 333).

O agente que não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, caso em que há exclusão da culpabilidade.

Segundo Damásio E. de Jesus:

 "A imputabilidade deve existir no momento da prática da infração. Daí dizer o artigo 26, caput do Código Penal, ao tratar das causas de exclusão da imputabilidade, que a deficiência deve existir ao tempo da ação ou da omissão." (Damásio, 1998, p. 467).


2. INIMPUTABILIDADE

Ao contrário da imputabilidade, a inimputabilidade é a incapacidade de o agente entender o caráter criminoso do que realizou e de determinar-se de acordo com esse entendimento, isto é:

"é a incapacidade para apreciar o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com essa apreciação. Se a imputabilidade consiste na capacidade de entender e de querer, pode estar ausente porque o indivíduo, por questão de idade, não alcançou determinado grau desenvolvimento físico ou psíquico, ou porque existe em concreto uma circunstância que a exclui. Fala-se, então, em inimputabilidade." (Damásio, 1998, p. 467).

A capacidade de compreensão da ilicitude do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, está relacionada à existência de fatores biológicos (maioridade penal), psicológicos (discernimento pleno e autodeterminação), psiquiátricos (sanidade mental) e antropológico (padrões do meio social que o indivíduo convive).

Segundo Delmanto: 

“Imputabilidade é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e de agir de acordo  com esse entendimento. [...] não basta a prática de fato típico e ilícito para impor pena. É necessária, ainda, para que a sanção seja aplicada, a culpabilidade, que é a reprovabilidade da conduta. Por sua vez, a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade, pois esta não existe se falta a capacidade psíquica de compreender a ilicitude. Por isso, este art. 26 dispõe que há isenção da pena se o agente, por doença mental ou carência de desenvolvimento mental era – ao tempo de sua conduta – incapaz de compreender a ilicitude do fato ou de conduzir-se de conformidade com essa compreensão. Assim, inimputáveis (não-imputáveis) são as pessoas que não têm aquela capacidade (imputabilidade)”. (DELMANTO, 2010, p. 47).

Quando o agente tem conhecimento da ilicitude de sua conduta, caracteriza-se a potencial consciência da ilicitude, visto que para tal, é necessário a capacidade de discernimento e sanidade mental. Nesse sentido, decidiu o TRF:

TRF-1 - APELAÇÃO CRIMINAL ACR 9012 PA 2002.39.00.009012-0 (TRF-1)

Data de publicação: 04/09/2007

Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CORRUPÇÃO PASSIVA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. ALEGAÇÃO DE ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO. INIMPUTABILIDADE MENTAL. NÃO ACOLHIMENTO. 1. Autoria e materialidade delitivas demonstradas pelo exame documentoscópico e pelas demais provas apuradas nos autos e valoradas na sentença, que não deixam dúvidas quanto à participação do recorrente no evento. 2. Não acolhimento da tese do recorrente, de que teria sido coagido pelo segundo denunciado, à míngua de prova nos autos. 3. As alegações de erro sobre a ilicitude do fato e de inimputabilidade penal, em razão de problemas psicológicos, que se encontram desamparadas de base fática idônea, não devendo ser aproveitadas em desabono da sentença, que, inclusive, já afastou, como questões preliminares, tais alegações. 4. Apelação improvida.  

Para que o indivíduo seja considerado culpável por um crime, é necessário que o tenha praticado em condições normais, na qual era possível exigir do agente conduta diversa (o que não se confunde com desconhecimento da lei), isto é, o indivíduo teve a chance de praticar comportamento diverso do adotado, todavia, optou pelo caminho do crime.

Cumpre esclarecer que o simples desconhecimento da ilicitude do fato, por si só, não exclui a culpabilidade, bem como não impede a aplicação de pena; o que ocorreu no julgamento acima exposto.

Cumpre ressaltar que a imputabilidade é a regra, de modo que a inimputabilidade é a exceção, ou seja, será inimputável o indivíduo que se enquadrar em umas das causas de exclusão da imputabilidade.

O Código Penal dispõe que são causas de exclusão da imputabilidade:

a) doença mental;

b) desenvolvimento mental incompleto;

c) desenvolvimento mental retardado;

d) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

As três primeiras causas encontram-se elencadas no art. 26, caput, e a quarta, no art. 28, §1°, todos do CP.

Elucida o art. 27 do CP que os menores de 18 anos de idade são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente e leis complementares). Portanto, a menoridade penal constitui causa de exclusão da inimputabilidade, visto que está enquadrada no rol de desenvolvimento mental incompleto.

No processo penal, a inimputabilidade poderá ser verificada ainda na fase de inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente, nos termos do art. 149, § 1° do Código de Processo Penal. O referido exame poderá ser requerido de ofício pelo juiz ou a requerimento do Ministério público do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do autor.           


3. CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO DA INIMPUTABILIDADE

3.1 Critério biológico

No sistema biológico (ou etiológico) apenas é relevante se o agente é portador de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bastante isso para a caracterização da inimputabilidade, não se importando se o indivíduo tem, ou não, capacidade de compreensão do ilícito cometido. Conforme elucida Mirabete:

 “aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade do momento do fato.” (Mirabete, 2004, p. 210).

Conforme Guilherme de Souza Nucci:

“[...] por este critério, será considerada inimputável a pessoa que apresentar anormalidade mental, consistente em doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.” (Nucci, 2008, p. 275).

Excepcionalmente, esse sistema foi adotado no caso de agente menor de 18 anos, visto que a esses indivíduos presume-se a incapacidade de entendimento e vontade, conforme art. 27 do Código Penal. Para Fernando Capez:

“[...] pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo ou estupro, por exemplo, que pratica, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese”.

3.2 Critério psicológico

Esse critério verifica apenas as condições psíquicas do agente no momento do fato, excluindo-se a existência ou não de doença mental, isto é, não leva em consideração a causa. Se o autor não tinha capacidade de compreensão ou de autodeterminação, será considerado inimputável.

Nesse sentido, Fernando Capez exemplifica tal critério:

“[...] à título de ilustração, se fosse adotado o critério psicológico entre nós, a supressão total dos sentidos pela emoção, que não está prevista em lei como causa dirimente, poderia levar à exclusão da imputabilidade do agente, quando retirasse totalmente a capacidade de entender ou a de querer. Exemplo: a mulher que flagrasse o marido em adultério e, completamente transtornada, com integral alteração de seu estado físico psíquico, o matasse, poderia ter excluída a culpabilidade, se ficasse demonstrada a ausência da capacidade intelectiva ou volitiva no momento da ação [...]”. (Capez, 2013, p. 336-337).

O Código Penal vigente, não adotou esse sistema.

3.3 Critério Biopsicológico

Esse sistema é a junção dos dois primeiros.

“Toma em consideração a causa e o efeito. Só é inimputável o sujeito que, em consequência de anomalia mental, não possui capacidade de compreender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão. A doença mental, por exemplo, por si só não é causa de inimputabilidade. É preciso que, em decorrência dela, o sujeito não possua capacidade de entendimento ou de autodeterminação.” (Damásio, 1998, p. 498).

A jurisprudência também é clara, nesse sentido:

TRF-1 - APELAÇÃO CRIMINAL ACR 16417 MG 0016417-26.2011.4.01.3800 (TRF-1)

Ementa: PROCESSO PENAL. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. ALCOOLISMO. INTOXICAÇÃO CRÔNICA. DOENÇA. ART. 26 , CP . INIMPUTABILIDADE. TEORIA BIOPSICOLÓGICA. LAUDO PERICIAL. ART. 149 , CPP . DEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. Na quadra de intoxicação crônica do organismo, o alcoolismo, para o direito penal, é doença passível de conferir inimputabilidade ao agente, devido à ausência de higidez mental. 2. O Código Penal , em termos de sanidade mental do autor do fato delitivo, adota a teoria biopsicológica, por não restringir a ação do Juiz, vinculando-o sempre ao laudo médico (teoria puramente biológica), assim como afastando a possibilidade de decisões arbitrárias do Magistrado acerca da capacidade do agente de entender o caráter da ilicitude do fato e de comportar-se conforme tal (teoria puramente psicológica). 3. Sem prejuízo do direito do réu de produzir prova judicial, a despeito da questionável dúvida sobre sua higidez mental ao tempo dos fatos, é de ser instaurado o incidente de insanidade requerido, tendo em vista o laudo médico oficial ser o instrumento jurídico apropriado para aclarar a questão. 4. Apelação provida.  

STJ - HABEAS CORPUS HC 33401 RJ 2004/0011560-7 (STJ)

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 26 , CP . INIMPUTABILIDADE. CRITÉRIO BIOPSICOLÓGICO NORMATIVO. I - Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora, entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa. II - A constatação da inimputabilidade do ora paciente, no momento da prática do delito, escapa aos limites da estreita via do habeas corpus, visto que exige prova pericial específica. Writ denegado.

Com exceção ao menor de 18 anos, em que o critério adotado foi o biológico, para todos os demais casos, o Código Penal, claramente, adotou o sistema biopisicológico, à luz dos arts. 26, caput, e 28, § 1°.


4. INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL

Dispõe o art. 26 do Código Penal:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

Conforme já mencionado no critério biopsicológico, que é o adotado no Código Penal vigente, o diagnóstico de doença mental em relação ao agente, não basta para que seja configurada a inimputabilidade. Exige-se, em regra, que o indivíduo, em decorrência deste estado, seja completamente incapaz de entender a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

A doença mental é causa de exclusão da imputabilidade. A expressão doença mental, utilizada pelo legislador é relativamente vaga, tendo em vista que a conceituação de tal patologia para um leigo será desprovido de qualquer rigor científico.

Nesse entendimento, o médico Hélio Gomes, em Medicina Legal, referiu:

“[...] as codificações sempre lutaram com grandes dificuldades toda vez que tiveram de fazer referências aos doentes mentais. Não há na Psiquiatria uniformidade entre os autores a respeito do sentido exato das expressões que usa e emprega. Essa falta de uniformidade entre os técnicos não poderia deixar de se refletir sobre os leigos, que são, em geral, os legisladores, a respeito das questões psiquiátricas.” (GOMES, 1995, p. 799-800).

De acordo o com a doutrina de Mirabete, doença mental:

 “[...] abrange todas as moléstias que causam alterações mórbidas à saúde mental. Entre elas, há as chamadas psicoses funcionais: a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva; paranoia etc. É também doenças mentais a epilepsia; a demência senil; a psicose alcóolica; a paralisia progressiva; a sífilis cerebral, a arteriosclerose cerebral; a histeria etc.” (Mirabete, 2004, p. 211).

Segundo a Psiquiatria, a psicose pode originar-se de disfunções cerebrais (origem orgânica – como, por exemplo: a paralisia progressiva e tumores cerebrais); comportamental (funcional – psicose senil, por exemplo) e tóxica (psicose alcóolica ou por medicamentos).

Poderá, de acordo com a duração do transtorno mental, ser crônico ou transitório.

É possível a ocorrência da semi-imputabilidade. Prevê o artigo 26, parágrafo único do Código Penal:

“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Conforme entendimento de Mirabete a respeito do artigo citado, o agente era imputável e responsável por ter alguma consciência da ilicitude de sua conduta, entretanto, em decorrência de suas condições pessoais, será reduzida a pena, em virtude de sua capacidade diminuída. E acrescenta: “Embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade, semi-responsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de crítica.” (Mirabete, 2004, p. 213).

Segundo observa Delmanto, os requisitos da responsabilidade diminuída são:

“1. Causas. Perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. 2. Conseqüências. Falta de inteira capacidade de entender a ilicitude do fato ou de orientar-se de acordo com esse entendimento. 3. Tempo. Existência dos dois requisitos anteriores no momento do crime. ” (Delmanto, 1991, p. 48).

Ao citar “perturbação da saúde mental”, o legislador refere-se a todas as doenças mentais.

“Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua submissão ao art. 26, parágrafo único. Estão abrangidos também portadores de neuroses profundas (que têm fundo problemático por causas psíquicas e provocam alteração da personalidade), sádicos, masoquistas, narcisistas, pervertidos sexuais, além dos que padecem de alguma fobia [..], as mulheres com distúrbios mórbidos que por vezes a gravidez provoca etc.” (Mirabete, 2004, p. 213-214).

Fernando Capez entende que a semi-imputabilidade é a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

Ademais, em relação ao tratamento penal dado ao agente portador de doença mental, o médico legista Genival Veloso de França, em Medicina Legal, aduz que:

“A pena está totalmente descartada pelo seu caráter inadequado à recuperação e ressocialização do semi-imputável portador de personalidade anormal. A substituição do sistema do duplo binário – aplicação sucessiva da pena e da medida de segurança por tempo indeterminado – pelo regime de internação para tratamento especializado é o que melhor se dispõe até agora no sistema penal dito moderno. Este é um dos aspectos mais cruciais da Psiquiatria Médico-Legal, não somente no que toca ao diagnóstico e à atribuição da responsabilidade, como também quanto às perspectivas de reabilitação médica e social, já que a incidência criminal entre esses tipos é por demais elevada. As medidas punitivas, corretivas e educadoras, malgrado todo esforço, mostram-se ineficientes e contraproducentes, fundamentalmente levando em consideração a evidente falência das instituições especializadas. É preciso rever toda essa metodologia opressiva, injusta e deformadora. ” (FRANÇA, 1998, p. 359).

Para Führer, a expressão "perturbação da saúde mental", mencionada no Código Penal para tratar do semi-imputável, equivale à doença mental, muito embora algumas perturbações mentais não mereçam o nome de doença.

O mencionado autor defende que, atualmente, a distinção entre doença e perturbação mental não é inflexível, visto que o conceito jurídico de doença mental é abrangente e se estende aos estados próximos, de modo que toda doença mental perturba a saúde mental, e toda perturbação da saúde mental deve receber tratamento de doença, no mundo jurídico.


5. PERÍCIA MÉDICO-LEGAL: IDENTIFICAÇÃO DA INIMPUTABILIDADE           

A perícia médico-legal é meio de prova para a comprovação do estado psíquico do agente. Ao julgar, o magistrado deve motivar sua decisão, embora seja livre para julgar de acordo com o seu convencimento.

Previstos nos artigos 158 ao 184, do Código de Processo Penal, os exames de corpo de delito e as perícias médico legais, tem por finalidade a produção de provas científicas, para a comprovação de um fato.

Em se tratando de inimputabilidade por doença mental, a saúde mental do agente deve ser verificada através de perícia médico-legal, uma vez que para constatação da doença mental, é necessário conhecimento específico, que geralmente, fogem ao juiz.

“Sendo o Direito uma ciência humana, é preciso, em primeiro lugar, que o profissional do Direito tenha bom conhecimento do que é o ser humano em sua totalidade. [...] Para isto, não é necessário que possua o saber de um profissional da área biomédica, mas tem que conhecer as bases daquela unidade.” (Gomes; 1995 p. 26).

Desta forma, em caso de dúvida sobre a integridade mental do agente, o juiz deverá de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do réu, requerer um exame médico-legal, ocasião em que suspenderá o processo até o resultado da perícia, conforme artigo 149 do Código de Processo Penal:

“Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

§ 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

§ 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.”

Todavia, o magistrado poderá acatar ou rejeitar o laudo atestando a inimputabilidade do réu, mas deverá decidir fundamentadamente, e com a  livre valoração das provas, afastando-se das conclusões do laudo pericial e podendo formar sua convicção com base em outros elementos constantes dos autos. Ademais, poderá pedir a retificação do laudo, caso entenda que este é genérico, falho ou incompleto. Nesse sentido, o STJ entende:

“STJ - HABEAS CORPUS HC 215650 BA 2011/0190387-6 (STJ)

Ementa: PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. ART. 157, § 2º, INC. II, DO CP. NULIDADE DA SENTENÇA. LAUDO PERICIAL. INIMPUTABILIDADE AFASTADA. CONJUNTO PROBATÓRIO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de  ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Não é nula a sentença que, de forma fundamentada, faz prevalecer valoração das demais provas dos autos para afastar as conclusões do laudo pericial de inimputabilidade. 3. A livre valoração das provas permite ao Juiz afastar-se das conclusões do laudo pericial, podendo formar sua convicção com base em outros elementos constantes dos autos. 4. “Habeas corpus não conhecido.”

Ocorrendo a homologação do laudo pericial pelo juiz, este decidirá se o réu é, ou não, inimputável ou semi-imputável, reconhecendo, ou não a insanidade mental. Após, nomeará curador, nos termos do artigo 151 do CPP. O incidente de insanidade mental se processa em autos apartados e somente após a apresentação do laudo, será apenso ao processo principal, com fundamento no art. 153 do CPP.

Seguindo o rito do procedimento ordinário, ao sentenciar, o magistrado pode reconhecer a inimputabilidade do réu e, se assim o fizer, absolverá o réu, absolvição esta denominada imprópria, a qual submeterá o réu à medida de segurança em estabelecimento de custódia ou ambulatorial.

Já no rito do Júri, cumpre destacar o artigo 415, § único do CPP. Aduz que nos casos de inimputabilidade por doença mental, o acusado, na fase da pronúncia, não será absolvido sumariamente, exceto quando esta for alegada como única tese defensiva. Caso contrário, o juiz deverá pronunciar o acusado para que o Júri, com base nas provas, decida a questão. Nesse entendimento, Antonio Carlos da Ponte diz:

“Justifica a absolvição sumária a existência de prova cristalina, límpida, segura e incontroversa da existência de causa excludente da ilicitude ou dirimente da culpabilidade. A mínima dúvida extraída do conjunto probatório a respeito da veracidade de uma ou outra versão traz a certeza de que a absolvição liminar não tem lugar no processo, sendo caso de pronúncia. (Ponte, 2007, p. 110).”


6. MEDIDAS DE SEGURANÇA

O Código Penal adotou o sistema vicariante quanto à aplicação das medidas de segurança, de modo que não poderá cumular pena e medida de segurança, sendo a primeira de caráter retributivo-preventivo e a segunda somente de natureza preventiva,

“[...] enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo atualmente a readaptar socialmente o delinqüente, a Medida de Segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.” (Damásio, 2000, p.589).

A medida de segurança possui prazo mínimo determinado de 1(um) a 3 (três) anos, e não há prazo máximo determinado, visto que a medida cessará com o desaparecimento da periculosidade do agente, comprovado por exame médico.

Conforme art. 97 do CP,existem duas espécies de medida de segurança, sendo a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, na falta deste, em estabelecimento adequado, para os crimes apenados com reclusão. Há também o tratamento ambulatorial, para os crimes com pena de detenção.

A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico é denominada medida de segurança detentiva, e o tratamento ambulatorial, como restritiva. A medida a ser imposta ao réu dependerá, exclusivamente, da pena cominada ao crime por ele cometido, e não, do grau de sua periculosidade.

Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico estão previstos no art. 99 da Lei de Execução Penal:

“Art. 99. O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do Código Penal.

Parágrafo único. Aplica-se ao hospital, no que couber, o disposto no parágrafo único, do artigo 88, desta Lei.”

Cessando a periculosidade do inimputável (comprovado por exame médico), o juiz determinará a sua desinternação por sentença. A liberação somente se dará após o trânsito em julgado desta sentença (art. 179 da LEP).


CONCLUSÃO

O presente artigo científico foi baseado na inimputabilidade por doença mental, buscando esclarecer o instituto, bem como discorrer acerca dos demais institutos que permeiam a inimputabilidade.

Foi evidenciado que no ordenamento jurídico vigente ainda não temos uma conceituação precisa do que seja doença mental, tampouco há definição do que seja o estado de perturbação mental, o que dificulta a aplicação do instituto no caso concreto, tendo em vista que o magistrado não possui, na maioria dos casos, habilidade técnica para definir se o agente se encaixa, ou não, ao caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade, dificultando a aplicação da lei penal de maneira correta. A decisão do juiz, entretanto, baseia-se no laudo pericial, emitido por profissional, da área psiquiátrica, habilitado para tal, assim como das demais provas juntadas aos autos, pela defesa e acusação.

Outra questão levantada, foi acerca do critério de aferição da inimputabilidade penal. Foi explicitado cada um dos critérios e dado ênfase ao critério biopsicológico, pois é o adotado pelo ordenamento jurídico vigente. Evidentemente, é mais adequado, pois é o misto do critério biológico (agente precisa apenas portar a anomalia psíquica), e do critério psicológico (autor não tem capacidade de entendimento e de autodeterminação). Cumpre esclarecer que, nesse sentido, a jurisprudência é pacífica, na adoção do critério biopsicológico, conforme as decisões que foram mostradas em tal tópico.

Ademais, as medidas de segurança aplicadas ao agente portador da inimputabilidade não têm prazo determinado, como no caso da aplicação de pena privativa de liberdade, por exemplo. Ou seja, o agente que está internado cumpre a medida de segurança em caráter perpétuo, ferindo diversos princípios e garantias constitucionais.

Em suma, no caso concreto são inúmeros os casos de infratores que cumpriram medida de segurança, e, ao serem dispensados, voltam a delinquir e, na maioria das vezes, não têm acompanhamento médico, que deveria ser disponibilizado pelo Estado. Outro problema recorrente é a falta de oportunidade de adequação no meio social, o que também leva o indivíduo a reincidir no ato criminoso. O Estado deve adotar medidas sociais nesse sentido, para que possamos ter segurança e paz, desejadas por toda sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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