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Associações de proteção e assistência ao condenado como efetiva medida de execução da pena

Associações de proteção e assistência ao condenado como efetiva medida de execução da pena

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Versa o presente artigo científico em que se visualiza o funcionamento de ressocialização propugnado pelas Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (APACs).

Introdução

Não de hoje, sabemos que o método tradicional de Execução de Pena, além de ser mais elevado o custo de sua manutenção, é um sistema prisional visivelmente dilacerado, não constituindo nenhuma condição de recuperar o detento, ora que apenas a prisão ou seja, manter o condenado isolado sem outro objetivo (punição) não faz regra ao condizente na Constituição Cidadã.

Desta monta, foi traçado uma linha comparativa entre os sistemas penais tradicionais e a o método APAC.

Não se pretende olvida-se, da necessidade de realizar um estudo aprofundado acerca da realidade carcerária e do trabalho no sistema tradicional.

Todavia, o intuito é de  fomentar os novos métodos de execução tanto o Apaqueano (APAC) como os de restrição de direitos e uso de tornozeleiras, sendo cada vez mais exigido dos operadores de direito, profundo conhecimento para que a pena tenha em si a sua finalidade: Ressocialização.

DESENVOLVIMENTO

Dentro do sistema prisional comum, o apenado sofre danos diretos, muitos destes impossíveis de se reparar, fazendo com que o preso não se recupere naquele presídio, ou pior que isso, saia degenerado pelas experiências ali dentro vividas.

Neste aspecto a situação de delinquência do apenado, inclusive seu modo moral ou ético, possui alta tendência de se agravar, ao se levar em conta a forma de convivência com a sociedade/ausência, bem como com sua família.

Conforme destaca Chapman (apud Thompson 2002, p.12):

Na vida civil, o cidadão é geralmente membro de uma família, de um grupo laboral, de um grupo de vizinhança, de uma comunidade local, que apresentam grande variação de interesses grupais, uma variação completa de idade e uma variedade infinita de ligações sociais. A maioria dos adultos tem relações sócio-sexuais, de um padrão permanente, contínuos e usualmente, heterossexuais. Na prisão, em contraste, as relações sociais são temporárias (pela duração da sentença) e compulsórias (geralmente baseadas na residência de uma cela, bloco de celas ou pátio e no local de trabalho, embora em algumas prisões os interesses grupais possam desenvolver-se). A variação de idade é estreita e as relações sexuais são, exclusivamente homossexuais.

A sociedade civil, em sua relação social e trabalhista tem por base o lucro, ocupações com a inteiração da comunidade bem como a educação.

No sistema de Execução de pena comum, não encontramos estes pilares de interação humana. Vemos que o modo ordenado nas prisões, em nada tem a acrescentar como forma de contribuição à melhora do cidadão.

De forma muita adversa ao que se espera o isolamento sem o respeito à dignidade da pessoa humana, gera uma verdadeira angústia que se traduzirá em ódio.

Ademais,  ainda, temos a chamada escola do crime, quer seja pela ausência do Estado nos moldes necessários a ressocialização ou pela forma da sociedade encarar o apenado.

Além deste isolamento, forma-se um grave atrito entre detentos e carcereiros. Ao passo que os carcereiros consideram os que ali estão encarcerados como pessoas más, e até de certa forma indigna, os presos julgam ser os carcereiros prepotentes e dominadores.

Tanto a LEP (Lei de Execução Penal) e a Constituição Federal possuem o valor social do trabalho como uma das bases do Estado Democrático de Direito. Esta base no âmbito de execução penal, é coroado pelo teor do art. 28, da Lei nº

7.210 que institui o trabalho do apenado, como dever social e condição de dignidade humana.

Buscou o legislador alcançar a  finalidade do binômio educativo e satisfativo. Por conseguinte, reafirma-se o caráter dúplice do trabalho em cárcere, o qual se apresenta como direito-dever.

Vejamos o que diz a lei de Execução sobre o tema, extraindo e interpretando-se de maneira ampla o art. 31 da LEP.

 Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

Ressalta-se ademais a relação intrínseca entre os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho que são fundamentos da República, não podendo ser concebidos em separado.

Frise-se que a pena restritiva de liberdade não implica na perda de direitos eleitorais, e sim sua suspensão, muito menos a perda da capacidade civil ou ainda a possibilidade de trabalho, sendo-lhe assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Mister ainda trazer à baila “[...] a referida norma processual penal não realiza distinção entre o que seja atividade em sentido estrito e trabalho”. (MARTINEZ, 2012, p.106), tratando ambas as situações mediante a designação trabalho, causando confusões de conteúdo e tratamento.

Neste diapasão temos “[...] há casos em que o prisioneiro teria efetivamente o status de trabalhador, merecendo, como tal, toda a proteção que o sistema constitucional a quem realiza atividade com valor de troca” (MARTINEZ, 2012, p.106).

Assim aduz, no mesmo sentido inclusive a jurisprudência:

“O serviço prestado pelos condenados é um “dever social” decorrente da “relação institucional entre o condenado e o Estado” (RR - 101500-39.2007.5.06.0013, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires Data de Julgamento: 08/09/2010, 3ª Turma, Data de Publicação: 17/09/2010). Tribunal Superior Do Trabalho.

Lado outro, ainda resiste o ranço na sociedade brasileira, de uma série de preconceitos coligados que a pena privativa de liberdade deve ter finalidade exclusivamente punitiva.

Esta forma pela qual se apresenta a equação execução penal e a sociedade, é um desfavor total ao desenvolvimento do apenado tanto em relação ao trabalho tanto pela maneira que o apenado deva se portar novamente em público com valores éticos.

O Método Apac teve seu início através de um grupo de voluntários, onde Dr. Mário Ottoboni, por volta de 1972 em São José dos Campos – SP, juntamente com outros voluntários cristãos passou a frequentar o Presídio de Humaitá, situado no centro da cidade, com o objetivo de evangelizar e dar apoio moral aos presos.

Inicialmente denominado “Amando o Próximo Amarás a Cristo – APAC”, baseava-se na observação dos presos, dos seus anseios, aliado com o objetivo de diminuir os constantes problemas da cidade, e problemas de superlotação da comunidade carcerária, uma vez que a grande parte dos habitantes da cidade vivia com medo, fruto das constantes fugas, rebeliões e violências verificadas naquele estabelecimento prisional.

O grupo não tinha nenhuma experiência com o mundo do crime, das drogas ou mesmo das prisões, mas vagarosamente conseguiu vencer as barreiras que surgiam no caminho.

Em 15 de outubro de 1974 o referido grupo, que constituía uma Pastoral Penitenciária, criou a primeira Associação de Proteção e Assistência ao Condenado – APAC com personalidade jurídica, mecanismo este, que tem por objetivo a recuperação de presos.

O Método Apaqueano baseia-se em pilares cuja aplicação coordenada e incisiva assegura a efetividade do processo de ressocializar o reeducando, sendo; participação da sociedade, assistência mútua, trabalho, religião, assistência jurídica e saúde, valorização da pessoa humana, família, voluntariado, o espaço onde funcionará o Centro de Reintegração Social, a situação individual (mérito).

Aduz muito bem a Eminente Desembargadora Jane Silva do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao traçar linhas das principais diferenças entre o Método APAC e o comum.

Vejamos:

“[...] recuperando ajudando recuperando”. Consoante Luiz Carlos Rezende e Santos essa divisão de tarefas “[...] contribui para a harmonia do estabelecimento, partilhando as responsabilidades para o alcance das propostas com os próprios beneficiados” (MINAS GERAIS, 2011, p.44).

O trabalho, por seu turno, é instrumento de resgate da autoestima e da dignidade do condenado, à medida que promove a capacitação profissional e assegura condições de reinserção ao meio social.

Não se tarda ainda em dizer que a religião, ou seja, a assistência religiosa, permite ao condenado religar-se a Deus e repensar o que o fez chegar àquela situação. Contudo “[...] a religião, isoladamente, não será capaz de preencher a necessidade do recuperando, e muito menos sua lacuna espiritual” (MINAS GERAIS, 2011, p.44).

Não raras ocasiões diversas palestras profissionalizantes ou de motivação são realizadas dentro das APACs.

Desta sorte a valorização humana reúne ações assistenciais que convergem para a recuperação da autoestima e da autoimagem dos apenados.

Ter um elo com lado de fora contribui de sobremodo para alimentar as esperanças do preso em relação ao seu retorno à vida em sociedade, aí reside a relevância da família.

Destarte, o Centro de Reintegração Social (CRS) corresponde à sede física onde funcionará a APAC, o qual deverá conter condições sanitárias e higiênicas para o tratamento humanitário dos presos. Por fim, emerge a Jornada de libertação um evento de cunho religioso “[...] fundamental para a reflexão espiritual do recuperando” (MINAS GERAIS, 2011, p.52).

Não é possível se descurar dos demais elementos, uma vez que para que a ressocialização seja efetiva, é imperioso que haja uma aplicação coordenada e incisiva de todos eles.

O trabalho sendo de suma importância para o método é parte do dia a dia para manter os reeducandos em atividade constante. Quer seja de forma remunerada, com artesanatos ou trabalhos em empresas, ou pelos próprios trabalhos internos, como o de cozinhar, limpar, lavar.

De forma que, pelo trabalho interno,  o Método APAC trás imensa economia para o Estado, cerca de 1/3 do valor efetivo em no sistema prisional comum.

Tal elemento não logra êxito se não houver uma concatenação aos deveres de cuidado, assistência social e educacional. Consoante Mário Ottoboni:

[...] é fundamental ensinar o recuperando a viver em comunidade, a acudir o irmão que está doente, a ajudar os mais idosos e, quando for o caso, a prestar o atendimento no corredor do presídio, na copa, na cantina, na farmácia, na secretaria etc. (OTTOBONI, 2006, p.67).

Ainda citando o DR. Ottoboni, o regime fechado é o momento ideal para o trabalho atuar como fator de recuperação da autoestima e dos valores do apenado. Nesta fase inicial do cumprimento da pena, o método APAC preconiza a utilização da laboraterapia através da realização de trabalhos artesanais (OTTOBONI, 2001, p. 71).

Partindo da afirmação de que a grande maioria da população carcerária não teve oportunidade de exercer atividade lícita regular (ARAÚJO, 2011), depreende-se que a metodologia APAC promove entre os recuperandos a chance de vivenciar um aspecto comum da conjectura social: o trabalho honesto.

Por demais, citando os primórdios da teoria da pena, o trabalho, quando não compulsório, ocupa a mente do recuperando, diminuindo a ansiedade e torna-o menos propenso a pensamentos vingativos ou de fuga (FOUCAULT, 2010, p. 116-120), o que traz serenidade ao cumprimento da pena.

Conforme esclarece Vasconcellos, o estigma de ex-detento, aliado à baixa escolaridade e a não qualificação da mão-de-obra, são os principais fatores que dificultam a reinserção do egresso no mercado de trabalho, e, como consequência, na sociedade como um todo (VASCONCELLOS, 2007).

Os dados estatísticos elucidam o paralelo entra a qualificação/especialização da mão-de-obra carcerária e os baixos índices de reincidência existentes no método apaqueana.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e ainda disponibilizado no Tribunal de Justiça Mineiro, trás o índice de reincidência criminal no sistema comum, cerca de 70%, ao passo que em relação aos recuperandos do método APAC, o índice de reincidência é algo em torno de 15%.

Deste modo, resta claro que a metodologia apaqueana é uma alternativa ao sistema prisional comum mais econômica e eficiente, visto que emprega melhor a

força de trabalho dos recuperandos, o que, ao mesmo tempo, contribui para o processo de ressocialização e diminui gastos.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a metodologia foi disseminada em diversas comarcas desde a implantação do Projeto Nova Rumos, e atualmente dezenas de unidades APAC são mantidas por convênio pelo Estado de Minas

Gerais. Em tais unidades, o custo de um reeducando custa aos cofres mineiros 1/3 (um terço) do valor que seria gasto para manutenção do preso no sistema comum, conforme alhures.

Conclusões

O método APAC, embora ainda pouco utilizados queira seja pelos fins financeiros onde se necessita investimento do Estado, sobre Modo para criação do Espaço próprio, tem se mostrado um método adequado e de sucesso para a ressocialização dos apenados.

Seguindo este raciocínio, apenas no Estado de Minas Gerais temos, através do Programa Novos Rumos do Tribunal Mineiros 88 Centros de Reeducação, alguns premiados como a APAC de Perdões/MG. Notório que o ideal então, tendo em vista o baixo índice de reincidência criminal em relação ao método tradicional, que possamos expandir não somente em vias judiciária mas também a efetiva participação do sociedade.

Precisamos desta sorte, reconhecer, que o método apaqueano constitui além de alto índice de ressocialização, que o reeducando possa atuar efetivamente na sua pena, com seu trabalho e ainda ter seus direitos reconhecidos de fato e não apenas de direito, visto que possuem acompanhamento jurídico, da família, compartilhando assim uma verdadeira nova chance para o apenado.

O preso olha para o cidadão voluntário com a percepção de que aquele voluntário quer ajudá-lo gratuitamente, acreditando que aquele momento que está sendo vivido pelo detento é passageiro, transitório, até que venha a descobrir seus próprios valores, porque acredita que todo ser humano nasceu para ser feliz.

Forçoso ainda reconhecer que os pilares balizadores do método APAC, são obrigatórios para o sucesso da ressoalização, ainda de suma importância o próprio desejo de mudança do apenado e do trabalho como medida fundamental dos Centros de Reeducação.

Não podemos ainda, olvidar, dos demais métodos hoje aplicados para a execução da pena como as tornozeleiras eletrônicas e medidas de restrições como prisão domiciliar, prestações de serviços à comunidade entre outras. Todas as novas formas de se executar a pena, desafogando o grande número de apenados no Sistema Tradicional de Execução de Pena.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Neli Trindade da Silva de. Trabalho penitenciário: um dever e um direito. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3073. Novembro de 2011.

FOUCAULT,   Michel. Vigiar   e  punir: história   da   violência   nas   prisões.   21                     ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: Relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. A execução penal à luz do método APAC. Organizadora: Desembargadora Jane Ribeiro Silva. Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2011.

OTTOBONI,   Mário. Vamos   matar   o   criminoso?   Método   APAC.   São                                Paulo: Paulinas, 2001.

________; FERREIRA, Valdeci Antônio. Parceiros da ressurreição: jornada de libertação e curso intensivo de conhecimento e aperfeiçoamento do Método APAC. São Paulo: Paulinas, 2004.

THOMPSON, John B. 1995. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Tradução de P.A.Guareschi. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.

VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti de. Trabalho prisional e reinserção social: função ideal e realidade prática. Revista Sociologia Jurídica. N.5 Julho/dezembro de 2007.

SÍTIOS ELETRÔNICOS

www.apacperdoes.com.br. Acesso em: 22 de maio de 2018, às: 10h31minmin.

www.cnj.jus.br. Acesso em: 22 de Maio de 2015, às: 16h45min.

www.tjmg.jus.br


Autor

  • Alexandre Marques Lisboa Arantes

    Oficial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Bacharel em Direito e Técnico em Administração. Especialista em Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes e em Gestão Judiciária pela Universidade Nacional de Brasília em parceria com a Escola Judicial Edésio Fernandes do TJMG. É orientador em monografias e Consultor da UCAMPROMINAS em cursos regulares de Pós Graduações. Palestrante em Direito do Consumidor, e de Cenário Político-Financeiro Nacional.

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