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Dos conceitos de consumidor, fornecedor, produto e serviço no CDC

Uma análise dos artigos 1º ao 3º do microssistema consumerista

Dos conceitos de consumidor, fornecedor, produto e serviço no CDC. Uma análise dos artigos 1º ao 3º do microssistema consumerista

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Este texto tem por objetivo analisar os conceitos básicos definidos nos três primeiros artigos do CDC e as consequências decorrentes dessas noções. As definições a serem abordadas serão as de consumidor, fornecedor, produto e serviço.

Resumo: O Código de Defesa do Consumidor contém uma parte introdutória que precisa ser interpretada de acordo com o contexto da sociedade de consumo de massa, sendo que desse trecho introdutório decorrem conceitos importantes para a compreensão do resto do microssistema. Este texto tem por objetivo analisar os conceitos básicos definidos nos três primeiros artigos do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro e as consequências decorrentes dessas noções. As definições a serem abordadas serão as de consumidor, fornecedor, produto e serviço.


1 INTRODUÇÃO

As normas do Código de Defesa do Consumidor têm natureza cogente e imperativa. Isso se deu em função de o Estado ter percebido a necessidade de regular a relação de consumo, na qual existe a vulnerabilidade de natureza fática, jurídica, técnica ou mesmo informacional do consumidor diante do fornecedor, que detém toda a expertise e o aparato para elaborar contratos de adesão que lhes sejam mais favoráveis ou mesmo judicializar seus conflitos.

Antes, o centro do direito privado estava no Código Civil, inspirado em filosofia racionalista, fruto de um liberalismo individualista. O Código Civil de 1916 era inspirado no Code Napoléon do século XVIII. O contrato estava fundado em três princípios tradicionais, que eram o pacta sunt servanda – a vinculação ao que foi estabelecido –, a autonomia da vontade e a liberdade do exercício de propriedade.

Porém, a partir de 1962, com a iniciativa do presidente Kennedy (EUA) em enumerar os direitos básicos dos consumidores à segurança, informação, direito de escolha e direito de ser ouvido, houve uma mudança de paradigmas em vários ordenamentos jurídicos, até porque a própria ONU editou a Resolução 39/248 em 1985, fixando uma série de objetivos dos Estados perante os consumidores – orientações e diretrizes que passariam a ser adotadas nas legislações internas. 

Na sociedade de consumo, a hipercomplexidade da relação entre consumidor e fornecedor demanda um dirigismo contratual, que é a intervenção do Estado no direito privado, fazendo o contrato cumprir a sua função social, com o fim de atingimento da justiça social[1]. Isso porque se observa, na realidade dos contratos de adesão, realidade essa da massificação e despersonalização do contrato, uma distância ou assimetria entre as figuras dos contratantes – um detém a posição dominante e o outro depende do contrato para a realização de suas faculdades existenciais, criando vínculos de catividade ou contratos de longa duração, muitas vezes. Cláudia Lima Marques menciona que essa posição dominante do fornecedor seria a “Machposition” (MARQUES, 2008, p. 24).

O CDC, assim, busca a igualdade material por meio das normas que institui. A nova teoria contratual vai se fundar no reconhecimento de que há a necessidade de uma responsabilização dos fornecedores que independe da culpa – responsabilidade objetiva –, levando em consideração a ideia de uma sociedade do risco, sendo que o critério de distribuição desses riscos vai ser objeto de interesse da Análise Econômica do Direito – Law and Economics –, que estudará a questão da internalização dos custos para o fornecedor em decorrência das externalidades negativas que eventualmente surgem da relação de consumo.

Ainda: ocorre a flexibilização e não a extinção dos princípios contratuais tradicionais, passando a ser introduzidos o princípio do equilíbrio, a boa-fé objetiva, a transparência e a função social do contrato. Passaram a coexistir com o Código Civil os microssistemas – denominação criada por Natalino Irti da década de 70 no livro A Era da Descodificação para designar as legislações especiais que surgiram no intuito de regular temas específicos na seara privada e que constituem sistemas lógicos, tais como a Lei das Mensalidades Escolares, a Lei dos Planos de Saúde e o próprio CDC (TIMM, 2008).

Nesses termos é que se pode afirmar que o consumidor é um sujeito presumidamente vulnerável em lei na sociedade de consumo. Neste texto, serão abordados os três primeiros artigos do Código de Defesa do Consumidor e vários conceitos que eles abrangem, configurando as denominadas “Disposições Gerais” do Capítulo I do Título I do CDC. 


2 AS ESPÉCIES DE VULNERABILIDADE

O primeiro artigo do CDC é aquele que menciona o triplo mandamento constitucional de proteção consumerista:

Art. 1º O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, XXXII, 170, V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

A necessidade de proteção se dá em função da vulnerabilidade do consumidor.  Esta poderá ser uma vulnerabilidade técnica, que ocorre quando o indivíduo não tem o domínio a respeito do processo de produção do produto, não possui noção com relação às características do serviço ou bem que adquire ou utiliza.

Exemplo que pode ser mencionado é o caso do médico e seu paciente, hipótese em que existe sim a relação de consumo, tendo em vista a presença desta espécie de vulnerabilidade e também em função de o Princípio Fundamental nº XX do Código de Ética Medica – que é uma resolução editada por uma autarquia federal, o Conselho Federal de Medicina – não se sobrepor às normas da Constituição Federal e do CDC.

Quanto à vulnerabilidade jurídica, é possível afirmar que o consumidor carece de conhecimentos de Direito, Economia ou mesmo Contabilidade, colocando-se em posição de desvantagem diante do fornecedor, que pode contratar bons advogados e conhece a lógica do mercado (HONESKO; RAGAZZI, 2010).  O fornecedor tem a capacidade, inclusive, de adotar técnicas persuasivas de marketing para fins de induzimento ao consumismo[2].

Na vulnerabilidade fática, também chamada de socioeconômica, existe uma “Machtposition” ou “posição dominante” do fornecedor, sendo que o princípio favor debilis surge com o intuito de contrabalancear esse desequilíbrio (MARQUES, 2008, p. 24). No plano fático, vão existir casos, inclusive, de hipervulneráveis, como as crianças, idosos e analfabetos, que precisam ter seus direitos tutelados e não podem sofrer, por exemplo, corte de energia elétrica caso estejam em situação de comprometimento de sua saúde, mesmo em caso de inadimplemento do titular da conta.

Quanto à vulnerabilidade informacional, mencione-se que o princípio da transparência é um dos mais importantes do direito do consumidor e está bastante relacionado à boa-fé objetiva. É justamente em função da falta de informações do consumidor a respeito dos produtos e serviços e em função das técnicas de marketing que atingem constantemente o aquele que consome que o CDC prevê, em seus artigos 4º, caput e 6º, III o dever de prestação de informações claras e adequadas por parte do fornecedor.

Com relação a álcool e tabaco, a presunção de vulnerabilidade informacional não é absoluta. Isso já foi reconhecido tanto pela doutrina como pela jurisprudência do STJ. Carnaúba (2013) menciona que existe simetria de informação nesse caso, porque o consumidor tem a capacidade de sopesar os riscos decorrentes do uso de tais drogas. Daí a razão pela não existe fundamento para uma proteção diferenciada. Veja-se a ementa do REsp 1.113.804/RS:

RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. AÇÃO REPARATÓRIA AJUIZADA POR FAMILIARES DE FUMANTE FALECIDO. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DEVER JURÍDICO RELATIVO À INFORMAÇÃO. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORIA DO DANO DIRETO E IMEDIATO (INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.

1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão, de forma explícita, rechaça todas as teses do recorrente, apenas chegando a conclusão desfavorável a este. Também inexiste negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem aprecia a questão de forma fundamentada, enfrentando todas as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas.

2. A pretensão de ressarcimento do próprio fumante (cuja prescrição é quinquenal, REsp. 489.895/SP), que desenvolvera moléstias imputadas ao fumo, manifesta-se em momento diverso da pretensão dos herdeiros, em razão dos alegados danos morais experimentados com a morte do fumante. Só a partir do óbito nasce para estes ação exercitável (actio nata), com o escopo de compensar o pretenso dano próprio. Preliminar de prescrição rejeitada.

3. O cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço.

4. Não é possível simplesmente aplicar princípios e valores hoje consagrados pelo ordenamento jurídico a fatos supostamente ilícitos imputados à indústria tabagista, ocorridos em décadas pretéritas - a partir da década de cinquenta -, alcançando notadamente períodos anteriores ao Código de Defesa do Consumidor e a legislações restritivas do tabagismo.

5. Antes da Constituição Federal de 1988 - raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco -, sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se notadamente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n.º 9.294/96, não havia dever jurídico de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas.

6. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta "contaminação propagandista" arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre.

7. A boa-fé não possui um conteúdo per se, a ela inerente, mas contextual, com significativa carga histórico-social. Com efeito, em mira os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta, não há como se agitar o princípio da boa-fé de maneira fluida, sem conteúdo substancial e de forma contrária aos usos e aos costumes, os quais preexistiam de séculos, para se chegar à conclusão de que era exigível das indústrias do fumo um dever jurídico de informação aos fumantes. Não havia, de fato, nenhuma norma, quer advinda de lei, quer dos princípios gerais de direito, quer dos costumes, que lhes impusesse tal comportamento.

8. Além do mais, somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causal demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento. Nesse passo, vigora do direito civil brasileiro (art. 403 do CC/02 e art. 1.060 do CC/16), sob a vertente da necessariedade, a teoria do dano direto e imediato, também conhecida como teoria do nexo causal direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal.

9. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar.

10. A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, álcool, carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quão relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção causal existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causal juridicamente satisfatório.

11. As estatísticas - muito embora de reconhecida robustez - não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais.

12. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (REsp 1113804/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 24/06/2010).

Já quanto à questão do transporte aéreo internacional, a doutrina vinha defendendo que, graças à imperatividade das normas do Código de Defesa do Consumidor, a Convenção de Varsóvia – alterada pela Convenção de Montreal no ano de 2003 – não prevalecia sobre o CDC em matéria de extravio de bagagens. Ocorre que o STF, em 2017, proferiu decisão no RE 636331/RJ, que ganhou repercussão geral, passando a entender da seguinte forma:

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação. Antinomia. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. 3. Julgamento de mérito. É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais. 5. Repercussão geral. Tema 210. Fixação da tese: "Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor". 6. Caso concreto. Acórdão que aplicou o Código de Defesa do Consumidor. Indenização superior ao limite previsto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Decisão recorrida reformada, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido na legislação internacional. 7. Recurso a que se dá provimento (RE 636331/RJ, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-257 DIVULG 10-11-2017 PUBLIC 13-11-2017).

Assim, em que pese a vulnerabilidade do consumidor diante das empresas de aviação aérea, há de se reconhecer que existe mandamento constitucional no sentido de aplicação da norma de direito internacional. Veja-se o teor do art. 178 da Constituição Federal:

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

Apesar do que foi exposto acima, lembre-se que o CDC continua sendo aplicado de forma prioritária ao art. 280, I do Código Brasileiro de Aeronáutica no que diz respeito à limitação do quantum indenizável – isso com relação ao transporte aéreo nacional. 


3 DAS COMPETÊNCIAS EM MATÉRIA CONSUMERISTA

Importante perceber que, apesar de o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor fazer referência a apenas 3 dispositivos constitucionais, outros devem ser levados em consideração, principalmente para fins de fixação de competências materiais e legislativas. O operador do direito deve observar as competências fixadas nos artigos 22 a 30 da Constituição Federal.

Dessa forma, o art. 22, XXIX da Constituição menciona que é competência privativa da União legislar em matéria de propaganda comercial. Por propaganda comercial deve ser entendida a publicidade, uma vez que a Carta Magna não emprega a precisão de terminologia da doutrina consumerista.

O art. 24, V do texto constitucional estabelece competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar em matéria de produção e consumo; já o inciso VIII estabelece competência concorrente para legislar sobre responsabilidade por dano ao consumidor.

O art. 55 do CDC, inclusive, confirma essas competências:  a União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços.

O poder fiscalizatório se estende aos municípios, nos termos do §1º do art. 55 do CDC. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias.

O art. 55 contém, ainda, o §3º – o §2º foi revogado: os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões permanentes para elaboração, revisão e atualização das normas referidas no §1°, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores.

Existe, portanto um princípio participativo no art. 55, §3º. O CDC dá ao consumidor o poder de influenciar, a capacidade de ser ouvido, poder este que já havia sido designado pelo presidente Kennedy em 1962. Trata-se do exercício da cidadania[3] pelo consumidor, uma vez que ser cidadão não se resume ao exercício do sufrágio.

Os municípios sempre ficam com uma competência legislativa residual, ou seja, para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I). Exemplo vem consubstanciado na Súmula 645 do STF, que menciona ser competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. A Súmula Vinculante 38 corrobora tal ideia, estabelecendo que “É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”.

Resta lembrar que o art. 220, §4º do texto constitucional menciona que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Aqui, pode-se perceber a face dos princípios da prevenção e precaução.

Segundo a concepção trazida pela professora Teresa Ancona Lopez, o Direito vai encontrar nesses princípios duas formas de amenizar a possibilidade desses novos riscos. Daí que é importante que o operador da ciência jurídica saiba suas origens e consiga localizá-los dentro do Código de Defesa do Consumidor (LOPEZ, 2013).

A Lei 9.294/96 é que regulamentou o art. 200, §4º da Constituição, e ficou conhecida como Lei Murad. O princípio da proporcionalidade é que fundamenta a imposição de restrições à liberdade publicitária, em prol da saúde e segurança dos consumidores. Nessa lei, há, por exemplo, restrição de horário para veiculação de publicidade de bebidas alcoólicas e autorização de veiculação em meios de comunicação comuns apenas dos medicamentos considerados anódinos – aqueles de venda livre. É o que Bruno Miragem denomina de “publicidade restrita” (MIRAGEM, 2016, p. 286).


4 A DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR 

O Código de Defesa do Consumidor, no art. 2º, utiliza dois verbos: “adquirir” e “utilizar”. Isso evidencia que consumidor não é apenas a pessoa física ou jurídica que celebra um contrato com o fornecedor, mas também aquele que meramente utiliza o produto ou serviço, estando na qualidade de bystander ou consumidor equiparado. Veja-se:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Pois bem. O art. 2º, caput do CDC define que o consumidor pode ser pessoa física ou jurídica. A interpretação dos termos “pessoa física” e “pessoa jurídica”, juntamente com a expressão “destinatário final” vai demonstrar a prevalência da teoria finalista no direito brasileiro, sendo que o STJ a encampa em sua jurisprudência.

O finalismo procura encaixar no conceito de consumidor apenas aqueles que sejam considerados realmente vulneráveis na relação jurídica assimétrica de consumo. Para tal, considera como consumidor aquele que seja o destinatário final e econômico do serviço ou produto. Destinatário final porque retira o bem do mercado. Destinatário econômico porque não o reemprega no mercado para fins de exercício de sua própria atividade, exaurindo a função econômica do bem.

O maximalismo, por sua vez, é a doutrina que procura encaixar no conceito de consumidor um maior número de agentes. Dessa forma, acaba considerando como consumidor todos os destinatários fáticos da relação de consumo, bastando retirar o produto ou serviço do mercado, não precisando haver o seu exaurimento. Essa teoria admite o consumo intermediário, ou seja, o reemprego do bem obtido na atividade do agente.

Há de se mencionar, porém, que houve uma interpretação no STJ de que, com base no art. 29 do CDC, poder-se-ia considerar que pequenas empresas ou determinados profissionais liberais poderiam ser considerados consumidores, desde que comprovada a vulnerabilidade no caso concreto em situações de consumo intermediário, ou seja, eles consomem para reempregar o bem ou serviço na sua atividade econômica. É o finalismo aprofundado. Veja-se a ementa do REsp 1.195.642/RJ:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.

2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.

3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.

4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra).

5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.

6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio.Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos.

7. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1195642/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012).

Quanto ao parágrafo único do artigo 2º do CDC, é um dispositivo que serve para dar fundamento à tutela coletiva dos consumidores, sendo interpretado conjuntamente com o art. 81 do Código. Assim, essa norma traz a ideia de consumidor por equiparação, sendo que determinados grupos – ou mesmo a indeterminação de uma coletividade de consumidores como um todo – ganham proteção jurídica. Veja-se:

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Fala-se, dessa forma, em justiça social também no âmbito do processo civil. Na década de 70, Mauro Capelletti encabeçou aquilo que ficou conhecido como o Projeto de Florença de Acesso à Justiça. Passou-se a falar em três ondas renovatórias de acesso à justiça: a primeira delas dizia respeito à assistência jurídica integral e gratuita; a segunda, à busca da proteção dos interesses difusos e coletivos; e a terceira, à simplificação de procedimentos e realização de métodos alternativos de solução de conflitos (PEDRON, 2016).

A tutela processual do consumidor num viés coletivista oberva, então, a influência, na elaboração da Lei da Ação Civil Pública – Lei 7347/85 –, das class actions norte-americanas, além de ser fruto de uma 2ª onda renovatória de acesso à justiça.

Com relação aos interesses transidividuais, pode-se afirmar que os direitos ou interesses difusos são aqueles que têm natureza indivisível e os titulares são pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato. Exemplo: ação movida pelo Ministério Público para evitar o dano ao meio ambiente com base no princípio da prevenção. Outro exemplo: ação ajuizada pelo Ministério Público para a interrupção de publicidade enganosa ou abusiva.

Já os direitos ou interesses coletivos são os de natureza indivisível, sendo que os titulares são um grupo, categoria ou classe de pessoas – os titulares são determináveis – ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base – o vínculo não é de fato e sim de direito. Exemplo: um sindicato defende os direitos de uma determinada categoria de trabalhadores. Outro exemplo: Bessa (2008) menciona a hipótese de ação judicial com objetivo de impedir empresa de plano de saúde ou escola/universidade promova aumento das prestações, contrariando a legislação.

Direitos ou interesses individuais homogêneos, por sua vez, são os que decorrem de origem comum. Após a condenação promovida pelo legitimado coletivo, poderá haver liquidação individual se o prejudicado se habilitar com a finalidade de promover a execução da dívida. A sentença, portanto, é genérica, e num segundo momento do processo existirá a liquidação individual pelos habilitados.

Há de se mencionar ainda que, levando em consideração a capacidade das ações coletivas de tutelarem os direitos difusos, existe doutrina no sentido da necessidade de ampliação do conceito de consumidor contido no CDC, para que haja a passagem de um “paradigma antropocêntrico” para o “paradigma biocêntrico” (FERNANDES, 2016, p. 137-138).

Na obra coletiva 25 anos do Código de Defesa do Consumidor: trajetória e perspectivas, o autor Antonio Joaquim Schellenberger Fernandes vai encampar a linha de pensamento seguida por Lívia Gaigher Bósio Campello e Mariana Ribeiro Santiago, prestigiando os princípios da igualdade, liberdade e proteção ambiental no âmbito da tutela coletiva.

Fernandes (2016) considera que o conceito de consumidor no CDC deve ser revisto, uma vez que trabalha com um paradigma antropocêntrico. Assim, passam a ser inseridos como titulares de direitos na relação de consumo outros conceitos, tais como a segurança alimentar, a qualidade da água, a mobilidade urbana, dentre outros. Considerando os princípios da precaução e prevenção, é de extrema relevância a tutela de tais entes despersonalizados como consumidores por equiparação.

Fernandes (2016, p. 153) entende ser preferível falar em “direito das relações de consumo” e não “direito do consumidor”. Sua proposta é louvável, amplia o papel da ação civil pública e torna evidente que a construção doutrinária e jurisprudencial em torno de uma relação atomizada finalista consumidor/fornecedor não resolve muitos problemas presentes na sociedade.


5 O CONCEITO DE FONECEDOR

A primeira marca característica de um fornecedor é a habitualidade de suas atividades. Coloca no mercado de consumo os seus produtos ou serviços, objetivando o lucro ou não. Em geral, o ganho de dinheiro é a verdadeira finalidade. Porém, entidades filantrópicas, por exemplo, podem muito bem produzir e vender produtos para garantir o próprio sustento.

Nos termos do Código de defesa do Consumidor:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Existem três classificações muito importantes no que tange ao fornecedor. 

Fornecedor real seria o fabricante, o construtor ou o produtor.

Fornecedor aparente como sendo aquele que não participa do processo de produção ou fabricação, mas em virtude seu nome ou marca constar no produto, passa a ser entendido como formatador deste, aplicando-se a teoria da aparência. Benjamin (2008), porém, menciona que seria o comerciante quando não identifica o fornecedor real. 

Fornecedor presumido seria o importador.

O fornecedor é aquele que distribui os riscos dentro da relação de consumo. A Análise Econômica do Direito é relevante para entender essa temática. Mendonça (2013) menciona que esse movimento – Law and Economics – teve seu início com Guido Calabresi e Ronald Coase e ajuda a compreender como as abordagens econômicas ajudam na elaboração de normas jurídicas.

Todo fornecedor tem custos com a sua produção/fornecimento. Muitas vezes, esses gastos englobam custos de acidentes e custos com segurança (CARNAÚBA, 2013). Eles serão diluídos e repassados ao preço final disponibilizado aos consumidores.

Como a relação de consumo pode gerar efeitos indesejáveis sobre terceiros – as externalidades negativas –, o direito do consumidor criou o critério da responsabilidade objetiva do fornecedor como mecanismo legal de distribuição de riscos. A responsabilidade civil, assim, é um instrumento de internalização de custos – diluição dos danos ou loss spreading (MENDONÇA, 2013).

Ainda com relação ao fornecedor, um tema que pode ser desenvolvido é o dos riscos do desenvolvimento, uma vez que tem relação com a questão da responsabilidade civil.

O CDC brasileiro, embora seja altamente influenciado pelo direito comunitário europeu e pela Diretiva 85/374 CEE, não trouxe os riscos do desenvolvimento como causa excludente da responsabilidade do fornecedor, tal qual ocorre na referida norma comunitária.

Leme (2013) define o risco do desenvolvimento como sendo a incapacidade de detecção de um defeito diante do estado da arte – condições econômicas e tecnológicas de um determinado momento histórico, levando em consideração as legítimas expectativas dos consumidores sobre um produto.

Wesendonck (2015) dá o exemplo do medicamento Talidomida, sedativo cujo uso fez com que mulheres grávidas infelizmente desenvolvessem nascituros com deformidades, sendo considerado este o primeiro caso de pesquisa médico-científica catastrófico.

É ampla a gama de juristas brasileiros que entendem os riscos do desenvolvimento como excludente de responsabilidade. Porém, há outros, a exemplo de Benjamin (2008, p. 130), que entendem ser aplicável um critério de “justiça distributiva”, mediante repartição equitativa dos riscos inerentes à sociedade de massa, sem que o consumidor individual suporte os danos. É o fornecedor que deve responder.

Leme (2013, p. 141-142) leciona no sentido de que o risco do desenvolvimento é um "defeito de concepção". A teoria do risco do empreendimento deve ser empregada. Tais riscos jamais foram aceitos ou tolerados pelo ordenamento – não existe lei que os traga como excludentes – ou pelas legítimas expectativas dos consumidores.

Cite-se, ainda, o art. 931 do Código Civil, que define a responsabilidade objetiva pelos danos causados por produtos postos em circulação. Wesendonck (2015) dispõe que o nexo de imputação de tal responsabilidade está vinculado à circulação dos produtos e não mais ao defeito. Abre-se espaço, assim, para a inclusão dos riscos do desenvolvimento como motivo de responsabilização do fabricante.


6 O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, EXPECTATIVAS LEGÍTIMAS, RISCOS NORMAIS E AS MODALIDADES DE PERICULOSIDADE

Dentro daquilo que ficou conhecido como princípio da proteção da confiança legítima, o fornecedor tem o dever de cumprir com as tratativas contratuais e de zelar pela qualidade-segurança e qualidade-adequação dos produtos e serviços postos no mercado de consumo. Isso gera legítimas expectativas nos consumidores.

Como a distribuição de produtos e serviços se dá de uma forma muito mais complexa no mundo globalizado, já não interessará para a lei o animus do empresário/fornecedor, mas sim o resultado ao consumidor. Um exemplo que pode ser mencionado é o e-commerce: imagine-se que o consumidor adquira um produto numa loja virtual; logo em seguida, esse objeto segue para a transportadora para ser enviado; a empresa que fabricou a embalagem do transporte, por sua vez, pode ser outra diferente da transportadora; e assim por diante. São vários os fornecedores que integram a cadeia de consumo. Uma vez gerado um dano ao consumidor em razão desse contrato de consumo, haverá solidariedade estabelecida em lei. Fala-se numa verdadeira desmaterialização da produção ou da distribuição. É a era da terceira revolução industrial.

Quanto aos riscos que podem ser considerados normas e previsíveis, a normalidade do risco é um traço objetivo e a previsibilidade é o elemento subjetivo (BENJAMIN, 2008). Um produto que ofereça riscos anormais e imprevisíveis pode gerar legítimas expectativas? Não, pois tal produto oferece insegurança.

E o que vem a ser a legítima expectativa? Segundo Benjamin (2008), é aquela que, de acordo com o desenvolvimento da tecnologia de um determinado momento histórico e levando em consideração as próprias condições econômicas, mostra-se plausível justificada e real.

Legítima expectativa relaciona-se com normalidade e previsibilidade.

Nesses termos, o produto ou serviço de periculosidade inerente ou latente é aquele que traz uma periculosidade que lhe é própria, uma marca característica da sociedade de risco, traço do progresso tecnológico e científico. Importante destacar que a periculosidade inerente é justamente aquela que é normal – o risco oferecido não é tão gravoso – e previsível – o homem médio consegue identificá-lo perfeitamente –, estando, portanto, dentro das legítimas expectativas do consumidor (BENJAMIN, 2008). De acordo com o REsp 1113804/RS já mencionado, o cigarro é um produto de periculosidade inerente, não se podendo esperar, portanto, que de sua utilização ao longo do tempo vá ocorrer um acidente e consumo.

O produto de periculosidade adquirida é aquele portador de um defeito. A periculosidade é adquirida quando o fornecedor incorre em erro de fabricação, erro de concepção (design ou projeto) ou mesmo em erro de comercialização (BENJAMIN, 2008).

Já na hipótese de periculosidade exagerada, o produto sequer pode ser inserido no mercado de consumo. Benjamin (2008) menciona que tem um potencial danoso tão grande que, mesmo sendo repassadas todas as informações necessárias e sendo respeitado o princípio da transparência, não há como mitigar os riscos. Assim, são, na origem, de periculosidade inerente, mas acabam por serem considerados defeituosos por ficção.  


7 RELAÇÃO DE CONSUMO INTERNACIONAL

No que diz respeito à relação de consumo internacional, o CDC menciona que a pessoa jurídica estrangeira pode ser fornecedora.

Porém, perceba-se o seguinte: o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-lei 4657/42 – define que “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Porém, no caso do comércio eletrônico em que o consumidor adquire produto de site estrangeiro, aplica-se o art. 9º, §2º: “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.

Diante disso, em regra, o CDC não será aplicável a uma compra virtual realizada em sítio eletrônico de outra nacionalidade (LIMA, 2017).

Mesmo assim, o STJ já decidiu que o produto adquirido no exterior encontra, necessariamente, amparo de assistência em solo nacional em havendo filial da multinacional fabricante, com fundamento na lógica da economia globalizada:

DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA ("PANASONIC"). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA.

I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País.

II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.

III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.

IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes.

V - Rejeita-se a nulidade arguida quando sem lastro na lei ou nos autos (REsp 63.981/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/04/2000, DJ 20/11/2000, p. 296).


8 A DEFINIÇÃO DE PRODUTO

Entretenimento eletrônico, fast food e fashion trends... Diversas são as vantagens e comodidades que a sociedade do espetáculo apresenta ao público de consumidores de massa, que encontra nessa realidade a possível satisfação de seus interesses materiais – diz-se “possível” porque, muitas vezes, não será factível que as ilusões consumeristas possam ser atingidas, em função de limitações individuais de natureza econômica e em decorrência de frustrações inerentes à lógica do jogo mercadológico, decorrentes da obsolescência planejada[4].

Como o produto e o serviço são os objetos da relação de consumo, a serem prestados pelo fornecedor, o CDC os define justamente no artigo que trata desta última figura. Assim, nos termos do art. 3º, §1º:

§1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

O produto como bem móvel é qualquer bem da vida que o consumidor possa ter a capacidade de levar consigo. A classificação civilista dos semoventes como bens móveis também pode ser adequada à seara consumerista, pois os contratos de consumo implicam aquisição ou utilização de produto, sendo o consumidor o destinatário fático e econômico. No caso da aquisição de um semovente, a figura contratual cabível tanto pode ser o contrato de compra e venda previsto no Código Civil, a exemplo da aquisição de cabeças de gado, como também o contrato de consumo, a exemplo da aquisição de um animal de estimação no pet shop.

O produto como bem imóvel é ideia aplicável aos contratos imobiliários e àqueles que estejam relacionados com eles, como o contrato de financiamento de um apartamento, por exemplo. As figuras do seguro e do empréstimo também são mencionáveis. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já editou uma súmula, coibindo a venda casada em sede de contrato imobiliário. Veja-se o teor da Súmula 473 do STJ: “O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada”.

Produto como bem material é aquele que é palpável no plano fático, a exemplo de uma televisão.  Já o produto como bem imaterial: não é palpável no plano fático, a exemplo de um software ou mesmo o investimento feito pelo consumidor em renda fixa.

A internet é enxergada como um serviço e não como um produto, mas através dela são feitas operações de comércio eletrônico nas quais os consumidores adquirem ambas as modalidades de objeto da relação de consumo.

Existe, ainda, na doutrina e no próprio CDC uma classificação dos produtos entre duráveis e não duráveis. O prazo decadencial para reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação vai variar, sendo de 30 ou de 90 dias.

O produto não durável guarda afinidade com o conceito de bem consumível, ou seja, sua utilização acarreta a sua destruição. O prazo decadencial para reclamar pelos vícios é de 30 dias, nos termos do art. 26 do CDC. Já o produto durável é aquele que não se extingue após o seu uso regular. O prazo para reclamar pelos vícios é de 90 dias, de acordo com o art. 26 do CDC.


9 O CONCEITO DE SERVIÇO

O CDC assim define o serviço no §2º do art. 3º:

§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O requisito da remuneração para que haja uma prestação de serviço deve considerar tanto as remunerações que sejam diretas – prestadas como contraprestação no contrato de consumo – como indiretas.

O fornecedor, nesse último caso, estabelece um sinalagma embutido por meio de uma prestação que se traduz através de benefícios, amostras, brindes – tudo visando ao estímulo do consumo, resultando em vantagens para o fornecedor que são externas ao contrato de consumo vigente.

O parágrafo toca na questão das instituições financeiras, deixando claro que o CDC a elas se aplica. Na ADI 2591, na qual os bancos pretendiam excluir a incidência do Código aos contratos bancários, o STF decidiu pela inconstitucionalidade de tal tese.

De acordo com a Súmula 297 do STJ, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 

A Súmula 285 do STJ menciona que nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista.

A Súmula 479 do STJ diz que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Por último, a Súmula 381 do STJ dispõe que nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Ainda com relação às instituições bancárias, o STJ já teve a oportunidade de aplicar, no ano de 2018, a teoria do desvio produtivo de Marcos Dessaune quanto à situação de consumidor que despendeu desarrazoado tempo para lidar com os percalços decorrentes de encargos bancários, ações judiciais e privação de tempo para outras atividades mais produtivas, em decorrência da má prestação de serviço por parte da instituição financeira – AResp 1.167.245.

Mencione-se que a teoria do desvio produtivo já foi utilizada pelo STJ em outras situações, tais como injustificado atraso em entrega de diploma por instituição de ensino e aquisição de veículo zero quilômetro portador de sério vício. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também tem se valido da teoria do desvio produtivo em seus julgados.

Quanto às relações de caráter trabalhista são excluídas da incidência do CDC porque a relação de emprego não configura relação de consumo nos moldes do que foi definido acima, ainda que haja uma assimetria entre trabalhador e empregador, sendo tal relação regulada pela CLT.


10 SERVIÇOS PÚBLICOS E AGÊNCIAS REGULADORAS

Pimeiramente é preciso compreender que existem duas espécies de serviços públicos. Aqueles de natureza uti universi são os considerados como prestados a uma coletividade de pessoas, sem possibilidade de mensuração individual, sendo custeados pelos impostos. É uma situação em que se estabelece uma relação de cidadania entre o usuário e o Estado e não uma relação de consumo.

Já os serviços públicos uti singuli são aqueles que podem ter sua fruição mensurada individualmente e são remunerados mediante tarifa, havendo a relação de consumo justamente nessas hipóteses e quando comprovadamente não houver regime de direito público, mas sim a disponibilização do serviço no mercado de consumo. Bolzan (2014) faz questão de destacar a diferença entre tarifa e taxa. A tarifa é considerada uma espécie de preço público, possuindo natureza negocial, não tendo, portanto, compulsoriedade. Já a taxa tem fundamento jurídico no poder de polícia, sendo espécie de tributo.

Quanto à questão da inadimplência do usuário, o STJ já julgou da seguinte forma:

ADMINISTRATIVO - SERVIÇO PÚBLICO - CONCEDIDO - ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA.

1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica.

2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público.

3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.

4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão.

5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta).

6. Recurso especial provido. (REsp 525.500/AL, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2003, DJ 10/05/2004, p. 235).

Só poderá haver a interrupção do serviço do usuário inadimplente mediante prévio aviso. Ocorre que há casos em que os direitos fundamentais de hipervulneráveis devem ser tutelados, considerando o direito à saúde, higiene e vida. São os casos de crianças, adolescentes e enfermos. Nessas hipóteses, por aplicação do princípio da proporcionalidade, deverá prevalecer a continuidade do serviço público mesmo em caso de inadimplência do titular da conta.

Pfeiffer (2016) menciona que o STJ também estabelece outras limitações ao corte do serviço: se o débito for litigioso (AGA nº 559349); débito de antigo usuário, estando o atual adimplente (REsp  631246); débito de município, caso em que a interrupção não pode atentar contra o interesse da população (MC 3982).

No que tange ao tema das agências reguladoras, pode-se afirmar que são autarquias de natureza especial que têm por finalidade realizar a regulação das concessões e permissões realizadas pelo poder público. Dessa forma, gozam de poder normativo para elaborar normas que complementem a legislação vigente, sem inovar no ordenamento. Estão bastante associadas ao que dispõe o art. 55 do CDC.

De acordo com Pfeiffer (2016), existe uma assimetria de participação dos consumidores no processo de decisão dessas instituições, de forma que dificilmente os interesses da parte mais fraca na relação de consumo são levados em consideração. O autor dá como exemplo a definição do valor das tarifas dos serviços regulados.

Seria muito interessante que houvesse o respeito ao princípio participativo instituído no art. 55, §3º do CDC, havendo sempre a realização de audiências públicas e consultas públicas, para que haja transparência no processo decisório. Assim, o direito de ser ouvido do consumidor restará respeitado.

Prux (2016) destaca que essas autarquias não compõem o SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor –, não tendo, portanto, a missão institucional de proteger consumidores. Suas finalidades são fiscalizatórias de setores da economia. Porém, se os direitos dos destinatários dos serviços regulados são desrespeitados, acaba por ocorrer violação dos princípios da harmonia e do equilíbrio das relações de consumo por omissão ou deficiência na atuação dessas autarquias. A esses princípios também pode ser acrescido o seguinte: o respeito que as agências reguladoras devem à legalidade.

Importante destacar que, ainda que exista o papel das agências reguladoras em fiscalizar as concessionárias e permissionárias, elas carecem de eficiência. Portanto, as reclamações apresentadas aos órgãos de defesa do consumidor e a judicialização de conflitos continua. Quais seriam as possíveis medidas a serem adotadas contra isso?

Prux (2016) destaca o papel das medidas alternativas de solução de conflitos – ADR, tais como conciliação e mediação. Lembre-se que essas ADR são fruto de uma terceira onda de acesso à justiça, conforme pregado por Mauro Capelletti em se Projeto de Florença de Acesso à Justiça. Dessa forma, evitam-se ações judiciais por meio do sucesso obtido em conciliação ou mediação, nos termos da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Pfeiffer (2016) destaca o projeto de lei em tramitação no Senado – PLS nº 52 – que visa a criar uma lei que impõe restrições à atuação das agências reguladoras, aumentando a participação dos usuários nas decisões.


CONCLUSÃO

Os conceitos básicos presentes nos três primeiros artigos do Código de Defesa do Consumidor são de fundamental importância para a compreensão de todo o microssistema, especialmente para a análise da teoria da qualidade e dos dispositivos que versam sobre o fato do produto do serviço, bem como o vício do produto e do serviço.

Porém, mesmo antes que o Código adentre nessa teoria da qualidade, já é possível extrair uma série de conceitos secundários e contextos inerentes aos primeiros dispositivos do CDC.

Do art. 1º do CDC, que menciona a origem constitucional da proteção consumerista, é possível fazer a busca de outros artigos constitucionais, como aqueles que vão dispor sobre competências dos entes federados no tema da proteção do consumidor, a exemplo do art. 220, §4º do texto magno, que dispõe sobre publicidade de álcool e tabaco. 

Do art. 2º do CDC, é possível fazer a investigação sobre o conceito de consumidor e de noções doutrinárias e jurisprudenciais acerca de finalismo e maximalismo. É desse dispositivo, também, que se extrai a ideia de consumidor por equiparação. Resta lembrar que a noção de consumidor deixa de conformar uma noção meramente individualista para passar a abarcar uma vertente transidividual.

Do art. 3º do Código, depreende-se a definição de fornecedor. Este precisa sempre respeitar os princípios inerentes à informação e boa-fé perante o consumidor, correspondendo às legítimas expectativas que são depositadas na utilização do produto ou do serviço. Muitas vezes, há frustração de expectativas, decorrentes dos riscos do desenvolvimento ou até mesmo da obsolescência planejada.

Dos parágrafos do art. 3º do CDC, extrai-se a noção de produto e de serviço, que são os objetos da relação de consumo. É importante que, visando à preservação do meio ambiente e dentro de uma perspectiva sustentável, os fornecedores voltem-se para uma produção que respeite os valores ambientalmente responsáveis. Ainda: levando em conta o tráfego de produtos e serviços no mundo do e-commerce, deve-se observar a proteção de dados sensíveis dos consumidores.

Nesses termos, conclui-se esse texto reafirmando a importância dos três primeiros dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e de sua correta interpretação.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] O jogo do mercado não trabalha em prol dos menos favorecidos, mas sim na busca do lucro das empresas, na busca de novas tecnologias que captem consumidores e aqueles desprovidos de dinheiro para serem agentes nesse mecanismo são renegados à pobreza e à injustiça. A justiça social vai ser o critério voltado à realização de políticas públicas, primeiramente elaboradas legislativamente e depois conduzidas administrativamente, no sentido de redução de desigualdades e possibilitando a todos o exercício de direitos constitucionais. Na lógica de mercado, é preciso lucrar e desenvolver, mas desde que mediante uma função social. É a própria busca do capitalismo solidário, onde haja acesso à justiça, redução de preconceito, acesso a direitos sociais e onde o direito privado cumpra o papel de gerar empregos e distribuir riscos equitativamente. O art. 170, caput da Constituição menciona que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos uma vida digna, conformes os ditames da justiça social. Exemplo de negócio desenvolvido na perspectiva da função solidária seria o financiamento coletivo ou crowdfunding. De acordo com Santiago e Silingardi (2017), trata-se de um modelo gerador de capital no qual pessoas se reúnem através de uma plataforma digital/virtual, sendo que os recursos captados serão revertidos em projetos sociais ou para criar empresas sustentáveis que desenvolvam o consumo colaborativo. A cultura participativa atende ao interesse de todos.

[2] A modernidade líquida, conceito trabalhado pelo autor Bauman (2001), demanda adaptações por parte do ser humano, vez que este tem de se adequar às mudanças impostas pela tecnologia e pelas novas configurações de trabalho, economia e relações pessoais. O período anterior à modernidade líquida seria chamado de modernidade sólida, baseado em um modelo tradicional de família, de características patriarcais, no qual as profissões e o trabalho eram mais estáveis.

A modernidade seria “líquida” justamente porque as mudanças são tão rápidas que as pessoas sequer têm tempo de se adaptar a elas. Não há uma forma fixa para nada nesse mundo de adaptações, tudo é fugaz (BAUMAN, 2001, p. 17). Exemplo: a publicidade passa a ser no formato de links ou banners na internet, nos smartphones, nos tablets, configurando até mesmo o indesejado spam.

Tudo isso leva o consumidor a, sem querer, criar novas necessidades que sequer existiam em sua vida. De meras relações de consumo, comprando apenas aquilo que necessitam, as pessoas passam a estabelecer relações de consumismo, e isso se assemelha a uma ideologia de vida. O supérfluo passa a prevalecer.

[3] A educação para o consumo é um outro conceito associado à cidadania e que deve ser trabalhado desde a infância do cidadão, no sentido de lhe dar educação financeira e capacidade de escolhas ao atuar no mercado de consumo, exercendo a sua liberdade de forma consciente e conseguindo avaliar aquilo que lhe é útil.

Educação para o consumo é também preparar o indivíduo para o exercício de direitos, pois cidadania não se resume ao sufrágio. Ela pode ser definida como o conjunto de direitos e deveres de um indivíduo que se encontra em um determinado Estado Democrático de Direito, como o Brasil. O sujeito participativo, assim, seu poder de transformação e intervenção nesse Estado de diversas formas.

Educação para o consumo na perspectiva da cidadania é dar consciência acerca da existência dos órgãos que realizam a defesa do consumidor, como o Procon e o Ministério Público, e tornar claro que o acesso a esses órgãos é papel do cidadão para o bem individual e para o bem comum, a fim de evitar a repetição de abusos por parte dos fornecedores.

[4] Moraes (2015, p. 17) menciona que a humanidade continua seguindo um “ideal crescimentista” fundado numa “razão antropocentrista”. É nessa realidade que as empresas vão produzir, deliberadamente, produtos de durabilidade mais reduzida. Isso com o objetivo de fomentar novo consumo de novos modelos ou produtos mais modernos após um certo tempo. Essa realidade é um verdadeiro estímulo ao consumismo. A fugacidade do comportamento do consumidor é instigada mediante redução da qualidade daquilo que é posto nas prateleiras para que, pouco tempo depois, adquira novo produto. Acrescente-se a isso, o fator publicidade, amplamente escancarado pelos diversos veículos de comunicação. A obsolescência planejada tem consequências ambientais: uma exploração exacerbada dos recursos naturais e uma ampla produção de resíduos sólidos.

A obsolescência planejada tem consequências ambientais: uma exploração exacerbada dos recursos naturais e uma ampla produção de resíduos sólidos (MORAES, 2015).

Lembre-se que para que haja o adequado manejo dos resíduos sólidos, a Lei. 12.305/10 definiu a denominada gestão compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, além da obrigatoriedade de logística reversa para certos produtos, a exemplo das pilhas e baterias, pneus, lâmpadas fluorescentes, eletroeletrônicos, etc (MARTINS; MURARI, 2013).


Autor

  • Thiago dos Santos Rocha

    Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).

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ROCHA, Thiago dos Santos. Dos conceitos de consumidor, fornecedor, produto e serviço no CDC. Uma análise dos artigos 1º ao 3º do microssistema consumerista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5550, 11 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67844. Acesso em: 19 abr. 2024.