Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/68577
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Prequestionamento:Conflitos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema

Prequestionamento:Conflitos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema

Publicado em . Elaborado em .

Este estudo enfrenta o instituto do prequestionamento desde seus aspectos históricos no ordenamento jurídico brasileiro até a sua evolução para o novo Código de Processo Civil passando pela análise de suas modalidades explícita, implícita e ficta.

RESUMO:Este estudo enfrenta o instituto do prequestionamento desde seus aspectos históricos no ordenamento jurídico brasileiro até a sua evolução para o novo Código de Processo Civil passando pela análise de suas modalidades explícita, implícita e ficta. Ademais, apresenta suas finalidades e problemas fáticos, abordando a importância daquele instituto como requisito constitucional de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, bem como os seus pressupostos constitucionais de cabimento e seus procedimentos trazendo a análise das divergências de interpretações feitas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, juntamente com aspectos doutrinários. O desenvolvimento deste artigo se deu com a utilização do método indutivo.

Palavras-chave: Recurso. Prequestionamento. Prequestionamento Ficto. Prequestionamento Implícito. Prequestionamento Explícito.

ABSTRACT:This study confronts the institute of prequestioning from its historical aspects in the Brazilian legal system until its evolution to the new Code of Civil Procedure passing through the analysis of its modalities explicit, implicit and fictive. In addition, it presents its aims and factual problems, addressing the importance of that institute as a constitutional requirement for the admissibility of extraordinary and special remedies, as well as its constitutional assumptions of appropriateness and its procedures, bringing the analysis of the divergences of interpretations made by the Supreme Federal and Superior Court Together with doctrinal aspects. The development of this article occurred with the use of the inductive method.

Keywords: Resource. Prequestioning. Fictitious Prequestioning. Implicit Prequestioning. Explicit Prequestioning.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO..2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO PREQUESTIONAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..3 DA FINALIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS..4 DO PREQUESTINAMENTO EM SI.5 OS PROBLEMAS PRÁTICOS DO PREQUESTINAMENTO...6 O PREQUESTINAMENTO NO STF..7 O PREQUESTINAMENTO NO STJ..8 O POSICIONAMENTO DO NOVO CPC A RESPEITO DO PREQUESTINAMENTO. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS..REFERÊNCIAS..


1 INTRODUÇÃO

Não é novidade para os litigantes das instâncias superiores que há inúmeros conflitos envolvendo o tema prequestionamento.

Trata-se de um juízo de admissibilidade específico, embora para o prof. Daniel Assumpção seja mais um “pressuposto genérico de cabimento” exigido para a admissão dos recursos excepcionais.


2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO PREQUESTIONAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O prequestionamento teve início em 24 de setembro de 1789, nos Estados Unidos da América, com o Judiciary Act, que dispunha que o prequestionamento era requisito necessário e deveria ser prévio ao exame do tribunal local contra decisão de juiz monocrático ou singular.

A partir de então surgiu o writ of error, sendo este um tipo de recurso interposto para a Corte Suprema norte-americana em face de decisões proferidas pela justiça estadual que versassem sobre questões ligadas ao direito federal, exigindo-se, para sua interposição, que a matéria fosse previamente suscitada pelas partes e resolvida pelo Tribunal do Estado, nos termos da doutrina prevalente nos Estados Unidos.

No ordenamento jurídico interno o prequestionamento surgiu quando da criação dos próprios recursos excepcionais, através do Decreto 848, tendo sido inserido na Carta de 1891. Desta forma, os referidos recursos apenas seriam admitidos caso já tivesse havido manifestação prévia quanto à questão (federal/constitucional) sobre o qual versava o pleito.

Conforme ensina Rodolfo B. Cursino em seu artigo Breve análises e mudanças no requisito do prequestionamento com base no projeto do NCPC, “Durante décadas, o instituto do prequestionamento foi previsto expressamente nas Constituições Federais brasileiras sob o termo ‘questionar’”. Portanto, a jurisprudência dos tribunais superiores foi consolidada, tendo sido editadas as súmulas 282, 284 e 356 do STF.

Porém, o constituinte de 1967 retirou a expressão ‘questionar’ do artigo 114, III, que trazia a exigência do instituto como cabimento para os recursos excepcionais. Da mesma forma se seguiu às Constituições de 69 e 88.

Então surgiram as divergências doutrinárias, que se dividiram entre a extinção ou não do requisito. Porém, a jurisprudência dos Tribunais, bem como a doutrina majoritária, entendeu que ainda persiste a exigência, seja pela própria essência dos recursos excepcionais, como aponta Alexandre Moreira Tavares dos Santos[2], seja pelo efeito devolutivo inerente aos recursos em geral, como entende Cândido Ribeiro[3] ou, ainda, por estar implícito na expressão ‘causas decididas’, expressas nos Artigos 102, III, e 105, III, CR/88, aludindo ao fato de a questão já estar debatida na decisão a ser arguida, no entender de Alexandre Freitas e Cássio Scarpinella[4].

Portanto, atualmente estão superadas quaisquer dúvidas a respeito da exigência do prequestionamento para a interposição de recursos excepcionais, sendo as divergências que permeiam o tema, apenas no que concerne às suas características intrínsecas, uma vez que os tribunais superiores, quais sejam STJ e STF, tem entendimentos divergentes sobre o assunto.


3 DA FINALIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS

Em geral os recursos servem para impugnar decisões, solicitando seu reexame, seja para anulá-las ou reformá-las. Dentre as várias espécies de recursos existentes no ordenamento pátrio, os mais peculiares e restritos são os recursos excepcionais, a saber, o recurso especial, para o STJ e o recurso extraordinário, para o STF. Enquanto os recursos ordinários buscam proteger direito subjetivos dos interessados, os recursos excepcionais cuidam de proteger o texto legal, de legislação federal ou constitucional.

Em seu artigo Prequestionamento e voto vencido, Leonardo José Carneiro da Cunha[5] ensina, ainda, que:

“(...) o âmbito de devolutividade nos recursos ordinários é diferente daquele contido nos recursos excepcionais. Não há restrição nos recursos ordinários, podendo o tribunal apreciar fatos, provas e qualquer direito, seja este federal, estadual, municipal, consuetudinário, estatutário, contratual, constitucional ou infraconstitucional. Por sua vez, os recursos excepcionais viabilizam, apenas, o exame de direito federal, estando excluída do seu âmbito a análise de direito local, seja ele estadual, municipal, estatutário ou contratual. Significa que, no âmbito dos recursos excepcionais, não se apreciam fatos nem provas, permitindo-se a análise apenas de direito federal, constitucional ou infraconstitucional.”

Portanto, os recursos excepcionais têm como função precípua, e peculiar, proteger o ordenamento jurídico de possíveis aberrações que possam surgir de decisões proferidas por juízes singulares ou tribunais. Para tanto, para que a causa seja devolvida ao tribunal, seu juízo de admissibilidade é mais restrito, de forma que, entre outras exigências, haja o prequestionamento, requisito este específico dos recursos excepcionais.


4 DO PREQUESTINAMENTO EM SI

Trata-se da exigência de que a matéria recorrida já tenha sido discutida pelo tribunal a quo.

Pode-se identificar, a esse respeito, 2 diferentes tipos de prequestionamento, quais sejam:

  1. O Prequestionamento explícito;
  2. O Prequestionamento implícito;

Para a doutrina, trata-se, o prequestionamento explícito, de quando a decisão recorrida aponta, direta e expressamente, a norma federal/constitucional que foi ferida no julgado em foque. Este é o entendimento do Supremo Tribunal federal, pois a este não basta, apenas, que a norma hipoteticamente violada tenha sido apenas apreciada.

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 2. Prequestionamento implícito. Inadmissibilidade. Diz-se prequestionada a matéria quando a decisão impugnada haja emitido juízo explícito a respeito do tema, inclusive mencionando o preceito constitucional previamente suscitado nas razões do recurso submetido à sua apreciação. Incidência da Súmula 282 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento."(STF, AReg. em RE nº 288929/SC, 2ª Turma, Min. Rel. Eros Grau, j. 26.02.2008, DJ. 04.04.2008).”

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 708953/RJ - ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITOS INSCRITOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL - RECURSO IMPROVIDO. - A ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza - ante a falta de prequestionamento explícito da controvérsia jurídica - a utilização do recurso extraordinário." (STF, 2ª Turma, Min. Celso de Mello, j. 03.06.2008, DJ. 27.06.2008).”

Ainda:

RE 568959 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL

AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO

Julgamento: 19/02/2013 Órgão Julgador: Segunda Turma.

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 102, I, “L” E § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – Ausência de PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO da matéria constitucional – Apelo extremo deduzido também com fundamento em suposta ofensa ao Art. 97 da Constituição – Acórdão que não declarou a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal – Alegada transgressão aos preceitos inscritos nos Artigos 5º, “caput”, e 93, V, da Constituição – Deficiência da fundamentação do apelo extremo – Incidência da súmula 284/STF – Inviabilidade do Recurso Extraordinário – AGRAVO IMPROVIDO.

Como se pode prever, por prequestionamento implícito tem-se o oposto do supra-avaliado. Trata-se, portanto, de situação em que no julgado recorrido foi apreciada, sem ter sido necessariamente atacada ou diretamente informada a norma supostamente violada, apenas explanando a seu respeito. É o que decidiu a 2ª Turma do STJ, relatora a Ministra Eliana Calmon:

"O prequestionamento implícito é admitido, desde que a tese defendida no especial tenha sido efetivamente apreciada no Tribunal recorrido à luz da legislação federal indicada" (AGA 454244/DF, j. 10.09.2002, v.u. DJU 07.10.2002, p. 249).

Ainda nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. COISA JULGADA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO.

1. O Superior Tribunal de Justiça formou compreensão segundo a qual: "De acordo com a jurisprudência pacífica desta Corte, admite-se o prequestionamento implícito, não sendo necessário que o Tribunal de origem faça expressa menção aos dispositivos legais apontados como violados nas razões do recurso especial, sendo suficiente a mera apreciação da tese." (AgRg no REsp 1.127.209/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/5/2012, DJe 28/5/2012; Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139); Data do julgamento: 19/03/2013).


5 OS PROBLEMAS PRÁTICOS DO PREQUESTINAMENTO

Além da questão do ataque expresso ou não da norma, há, ainda, outro fator de divergência sob o ponto de vista dos tribunais superiores. Trata-se da omissão do órgão julgador ao proferir sua decisão, de forma que, antes de se pleitear o acesso aos tribunais superiores, será necessário opor embargos de declaração com o fim de se sanar tal omissão, para, somente então, interpor os recursos excepcionais.

Se, ao recorrer ao tribunal, aponta-se um ou mais fundamentos que embasam o pedido da parte, ao proferir sua decisão, o tribunal não pode deixar de tratar de todos os fundamentos levantados quando da interposição do recurso, para que não haja problemas para a parte, caso deseje levar tal decisão à 3ª instância, pois, do contrário, seu recurso não será conhecido, por faltar o pressuposto do prequestionamento, dado que a questão que se postula não foi abordada na decisão que se recorre.

Caso o tribunal se omita em relação a um/uns fundamento (s), a parte deverá, antes de interpor o recurso, embargar da omissão, para que esta seja sanada, devendo, para tanto, o tribunal emitir outra decisão, incluindo o (s) fundamento (s) faltante (s), possibilitando, assim, o prequestionamento. No entanto, há que se tomar cuidado, pois, embargos declaratórios com mera intenção protelatória não são permitidos, conforme se vislumbra da leitura da súmula 98 do STJ.

STJ Súmula nº 98 - Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.

Após os embargos declaratórios, porém, surge outra divergência entre os tribunais superiores. Ocorre que, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça, têm entendimento diferente sobre o assunto. É o que veremos adiante.


6 O PREQUESTINAMENTO NO STF

Para a corte do Supremo Tribunal Federal, uma vez embargados de declaração, entende-se já haver sido prequestionada a questão que se pretende, de forma que, ao interpor Recurso Extraordinário, o mesmo será aceito, pois, preenchido o requisito do prequestionamento. Trata-se do Prequestionamento Ficto.

Estudiosos como o Dr. Frederico Augusto Leopoldino Koehler[6], em seu artigo Do prequestionamento ficto como meio para a efetivação dos princípios da INSTRUMENTALIDADE, ECONOMICODADE E CELERIDADE PROCESSUAL, defendem ser esta interpretação a melhor forma de preservar princípios resguardados pela CR/88, uma vez que prezam pela economia e celeridade processual.

O prequestionamento ficto surgiu com um julgado da 1ª Turma, do Recurso Extraordinário 210.638/SP, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 14 de abril de 1998. Afirmou o Ministro, em seu voto:

“A teor da súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual ‘não foram opostos embargos declaratórios’. Mas, se opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte”.

Trata-se, portanto, de interpretação da súmula 356, STF, pois esta exige a mera interposição de embargos declaratórios, não exigindo que a omissão tenha ou não sido sanada.

Eis alguns julgados do STF:

"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. - O acórdão recorrido não ventilou a questão da revogação do artigo 102 do Código Penal Militar pelo artigo 125, § 4º, da Constituição, nem foi ela objeto de embargos de declaração, faltando-lhe, assim, o indispensável prequestionamento (súmulas 282 e 356). Recurso extraordinário não conhecido." (STF, 1ª Turma, RE 362.605 - MS, relator Ministro Moreira Alves, j. 25.03.2003, DJU 02.05.2003)

"EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITO MODIFICATIVO. - Procedência da alegação de omissões do acórdão embargado, especialmente no tocante às questões relativas ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição e da não observância da súmula 339 que se funda nos princípios constitucionais da separação dos Poderes e da legalidade na fixação de vencimentos. - Ofensa pelo aresto recorrido extraordinariamente ao disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna que por ele foi erroneamente aplicado, bem como inobservância do disposto na súmula 339.

Embargos declaratórios recebidos com efeito modificativo, para alterar-se a conclusão do acórdão ora embargado no sentido de se conhecer do recurso extraordinário e se [sic] lhe dar provimento." (STF, 1ª Turma, RE 216.482 ED - SC, relator Ministro Moreira Alves, j. 25.03.2003, DJU 02.05.2003).

"EMENTA: I. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: PREQUESTIONAMENTO: SÚMULA 356. O que, a teor da Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela. II. Sentença normativa: inexistência de coisa julgada material. Sentença normativa - embora editada por órgão jurisdicional ao cabo de um processo -, é forma de edição de normas gerais e abstratas e, por isso, não faz coisa julgada material: a correção de sentenças em dissídios individuais que não lhes aplique as normas gerais ou as aplique erroneamente se faz mediante recurso de revista (CLT, art. 896, b), do mesmo modo previsto para a revisão das decisões contrárias à lei: o que a respeito se decida na revista, contudo, não pode ser questionado em recurso extraordinário fundado na violação da coisa julgada." (STF, 1ª Turma, AI 173.179 AgR - SP, relator Ministro Sepúlveda Pertence, j. 24.06.2003, DJU 01.08.2003)

Porém, o prof. Cássio Scarpinella Bueno[7], em seu artigo QUEM TEM MEDO DO PREQUESTIONAMENTO, explica que, em seu entendimento, esta exigência da Suprema Corte é apenas ‘arguição de irrelevância, sendo, inequivocamente, medidas tomadas pelos Tribunais Superiores para reduzir o número de recursos que lhe chegam todo o dia para serem examinados, levando em conta não o conteúdo da ação (...) mas aspectos meramente formais e, absolutamente, superáveis’, afinal, se basta a interposição dos embargos para que tenha havido o prequestionamento, não importando o que neles foram decididos, trata-se, esta exigência, de mera formalidade, que poderia ser suprimida.


7 O PREQUESTINAMENTO NO STJ

No que tange ao entendimento do STJ, esta corte exige, não só a interposição dos embargos declaratórios, como, exige que a omissão seja sanada antes que seja interposto o Recurso Especial. No entanto, caso a decisão dos declaratórios seja de que não há omissão a ser sanada, a corte superior entende ser necessária a interposição do Recurso Especial pela violação ao inc. II do Art. 535, do CPC, que trata de omissão da qual se deve pronunciar o juiz.

Desta forma, o STJ trata o prequestionamento com mais frieza e rigor, fazendo interpretação literal da lei por entender que, se há omissão, não pode a corte se pronunciar sobre o assunto, como se extrai da leitura do Art. 105, III, CR/88.

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...) III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Território (...) (grifo nosso).


8 O POSICIONAMENTO DO NOVO CPC A RESPEITO DO PREQUESTINAMENTO

O PL 166/10, ao contrário do atual CPC, adota posicionamento em relação ao prequestionamento, sanando, portanto, a insegurança de sua ‘não previsão’ no ordenamento jurídico interno, além de adotar o entendimento do STF, acolhendo, portanto, o prequestionamento ficto.

Além da questão da mera interposição dos embargos declaratórios, o NCPC também propõe que o voto vencido integre o acórdão para fins de prequestionamento. É do que trata o § 3º do Art. 861, NCPC:

“Art. 861 – Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor”. (...)

“§ 3º - O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.”

Com relação ao voto vencido, explica-se:

Atualmente, predomina o entendimento de que o julgamento e o acórdão são coisas distintas, sendo que o julgamento antecede o acórdão. Sobre o tema, explica o Mestre Leonardo José Carneiro da Cunha em seu artigo O PREQUESTIONAMENTO E O VOTO VENCIDO:

“Colhidos os votos dos integrantes do órgão julgador, haverá o julgamento, que será, posteriormente, reduzido a escrito, recebendo, então, a denominação de acórdão. Em outras palavras, acórdão é a materialização do julgamento, consistindo na redução a escrito da solução dada pelos integrantes do colegiado. Na verdade, o termo acórdão provém do verbo acordar, que significa resolver de comum acordo, concordar, chegar a um acordo. O acórdão nada mais é do que a concordância de várias pessoas sobre determinada questão. Vale dizer que acórdão é o conjunto dos votos vencedores. Nesse sentido, é lícito concluir que o voto-vencido não integra o acórdão; ele está fora do acordo, do consenso a que chegou a maioria.”

Destarte, conclui-se que, se a matéria que se busca reformar apenas foi abordada no voto-vencido, não restou, portanto, configurado o prequestionamento.

Para que tal problema seja sanado, há que se recorrer, mais uma vez, aos embargos declaratórios, de modo a solicitar que a matéria seja tratada no voto vencedor, para que, então, possa se caracterizar o prequestionamento.

É, neste caso, pacífico o entendimento jurisprudencial do STJ, a saber:

"Agravo regimental em agravo de instrumento. Processual civil. Ausência de pre-questionamento. Fundamentação existente apenas no voto-vencido. 1 - Em sede de recurso especial é vedado o conhecimento de matéria que não constituiu em objeto de decisão pelo Tribunal a quo. Incidência dos enunciados das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2 - Não se conhece de Recurso Especial pela letra 'a' se os dispositivos apontados como violados não constam do corpo do voto-vencedor do Aresto impugnado. Os fundamentos utilizados no voto-vencido não se prestam à impugnação mediante Recurso Especial. (...)' (AgRgAg 193.978/ES, Relator Ministro José Delgado, in DJ 10.05.99). 3 - Agravo regimental improvido. Acórdão unânime da 6ª Turma do STJ, AGA 439.863/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 10.02.04, DJ de 15.03.04, p. 308.”

E, ainda:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp 663811 RJ 2004/0073250-4

Relator(a):        Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Julgamento:      04/08/2009

Órgão Julgador:               T6 - SEXTA TURMA

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. VOTO-VENCIDO. SÚMULA 320/STJ. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.

1. "A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento" (Súmula 320/STJ). Grifos nossos.

2. Não incorre em julgamento extra petita o aresto recorrido que não concede mais do que o pleiteado pelo autor em sua inicial.

3. Agravo regimental improvido.

E, no STF:

Processo:           AI 647409 RJ

Relator(a):        Min. DIAS TOFFOLI

Julgamento:      30/08/2011

Órgão Julgador:               Primeira Turma

EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil. Prequestionamento. Ausência. Voto vencido. Necessidade de oposição de embargos de declaração. Precedentes.

1. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alegam violados não estão devidamente prequestionados. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.

2. Não atende o requisito do prequestionamento se somente o voto vencido suscita o debate constitucional trazido no recurso extraordinário (grifos nossos).

3. Agravo regimental não provido.

Portanto, com a previsão expressa no novo código de processo civil, caso seja promulgado, a questão do voto-vencido estará superada, uma vez que, ao integrar o acórdão, será tida, a matéria, como prequestionada, não sendo necessária a interposição de embargos declaratórios para que conste no voto vencedor.

Não há dúvidas, também, quanto ao entendimento da doutrina majoritária de que, havendo o novo CPC adotado o cabimento do prequestionamento ficto, conforme ocorre na Suprema Corte, logo, haverá uniformização de ambos os tribunais superiores com relação ao assunto, uma vez que, estando expresso em Lei Federal de que basta a interposição dos Embargos Declaratórios para que seja caracterizado o requisito, assim, prequestionada estará a matéria.


9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora ainda haja muitas dúvidas doutrinárias a respeito do tema, até mesmo quanto ao que, efetivamente, se trata o prequestionamento, conforme expressa o prof. Eduardo Ribeiro de Oliveira, em seu Prequestionamento, p. 245:

 “Dificuldade que se coloca, quando se trata do prequestionamento como condição para viabilizar os recursos extraordinário e especial, além da própria grafia, está no sentido em que empregada a expressão. É utilizada na doutrina e mesmo na jurisprudência traduzindo a necessidade de que a matéria tenha sido suscitada antes do julgamento recorrido. Para outros, entretanto, considera-se presente quando a questão, não apenas é objeto de arguição pela parte, mas decidida pelo acórdão a ser impugnado. Por fim, uma terceira corrente estima que a exigência prende-se tão só a essa última hipótese, ou seja, haver decisão, ainda que não se tenha verificado anterior debate”.[8]

Em sua obra, Eduardo Ribeiro de Oliveira deixa claro que, para ele, prequestionamento se equivale ao conteúdo da decisão que se pretende recorrer, independentemente do debate travado entre as partes antes de seu proferimento:

“O que se terá como indispensável é o exame da questão pela decisão recorrida, pois isso sim, deflui da natureza do especial e do extraordinário e resulta do texto constitucional. Destinando-se o extraordinário, como salientado, a garantir a exata aplicação da Constituição, falta razão a ele, se da norma constitucional não se tratou na decisão impugnada. O mesmo se diga do especial, pois não há como fazer-se o controle, quando à correta interpretação do tratado ou da lei federal, em relação a matéria de que não se cogitou. Não pode o julgado havê-las contrariado, ou a elas haver negado vigência, se não versada a questão que regulam”[9]

Já para José Miguel Garcia Medina, a tese de que prequestionamento também não guarda qualquer relação com a formulação do recurso especial e/ou extraordinário. Prequestionamento só pode ser entendido como a iniciativa das partes que não vinculam, necessariamente, a decisão da qual se pretende recorrer. Elas prequestionam, o Tribunal decide. E é da decisão do Tribunal que se recorre e não da iniciativa das partes.[10]

Há, ainda, muitos outros entendimentos que se diferem dos supracitados, mas que renderiam uma discussão muito intensa e aprofundada. Por hora, basta que fique claro que, não obstante as inúmeras divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o que é ou como efetivamente se dá o prequestionamento, a sua exigência como óbice para interposição dos recursos excepcionais nas cortes superiores é fato.

Será, portanto, a nosso ver, oportuna a reforma do CPC, lançando luz no que diz respeito ao voto vencido para fins de prequestionamento, bem como quanto à pacificação no que diz respeito à aplicação do prequestionamento ficto em ambos os Tribunais Superiores, encerrando, portanto, as dúvidas a esse respeito.


REFERÊNCIAS

BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento. Jus Navigandi, Disponível em:. Acesso em, v. 16, 2003.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno: exposição didática, área do Processo Civil, com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Forense, 2001.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Prequestionamento e voto vencido. Revista Dialética de Direito Processual, n. 17, 2004.

HENRIQUES, Danilo Carlos Ramos; PINHEIRO, Paulo Eduardo DArce. PREQUESTIONAMENTO E OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. Intertem@ s ISSN 1677-1281, v. 7, n. 7, 2008.

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Do prequestionamento ficto como meio de efetivação dos princípios da instrumentalidade, economicidade e celeridade do processo. ESMAFE, p. 165.

MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1999;

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Método, 2014.]

OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. “Prequestionamento” em Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, obra coletiva coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, pp. 245/257;

RAVACHE, Alex. O prequestionamento ficto nos recursos excepcionais. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22335/o-prequestionamento-ficto-nos-recursos-excepcionais/2>. Acesso em: 10/08/2018.

SCALZILLI, Roberta; MACEDO, Elaine Harzheim. Prequestionamento no recurso especial sob a ótica da função do STJ no sistema processual civil: uma análise perante o novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo. 2015.


Notas

[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Método, 2014.

[2] SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. “Prequestionamento”. Revista Virtual da AGU nº23. Ano III. Abr, 2003. p.109

[3] RIBEIRO, Cândido. “RE, RESP e REVISTA – Prequestionamento por via de embargos declaratórios”. Revista Virtual da AGU nº17. Ano II. Dez, 2001. p.2

[4] MORAIS, Fernanda Bezerra. “A (in)subsistência do prequestionamento após o advento da repercussão geral?”. Revista ESMAPE nº27. v.13. Recife: ESMAPE. 2008. p.143

[5] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Prequestionamento e voto vencido. Revista Dialética de Direito Processual, n. 17, 2004.

[6] KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Do prequestionamento ficto como meio de efetivação dos princípios da instrumentalidade, economicidade e celeridade do processo. ESMAFE, p. 165.

[7] BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento. Jus Navigandi, Disponível em:. Acesso em, v. 16, 2003.

[8] OLIVEIRA, Eduardo Andrade Ribeiro de. Prequestionamento. Coletânea de Julgados e Momentos Jurídicos dos Magistrados no TFR e STJ, p. p. 167, 2010.

[9] Ibidem. P. 248-249

[10] MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. Editora Revista dos Tribunais, 1999.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.