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Considerações sobre o Direito Regulador na ótica de Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

Considerações sobre o Direito Regulador na ótica de Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

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Resumo dos capítulos I a IX do livro "Direito regulador: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no Estado democrático", de Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

Capítulo I – CONSIDERAÇÃO PRELIMINAR HISTÓRICA E CONCEITUAL

1. O fenômeno da regulação

 O autor frisa que o conceito mais antigo de função reguladora surgiu no século XVIII, conotado à mecânica e referido a uma bola de ferro que atuava como uma peça reguladora nas primeiras máquinas a vapor. A idéia de regulação, também conotada a equilíbrio, volta a aparecer no século seguinte, agora no âmbito da biologia, para designar a função que mantém o balanço vital dos seres vivos, um conceito que, mais tarde, se expandiria e se aperfeiçoaria com a descrição de função autopoiética, tendo alcançado as Ciências Sociais através da Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig Von Bertalanfy, passando a ser descrita como a função que preserva o equilíbrio de um modelo em que interagem fenômenos complexos.

No Direito, o autor destaca que o conceito teórico de regulação sistêmica surgiu muito depois das experiências históricas haverem desenvolvido certas funções reguladoras setoriais.

O autor explica, ainda, que o pioneirismo dos Estados Unidos na regulação do serviço de transporte aquaviário e da Inglaterra, na regulação dos serviços ferroviários, como forma de regulação setorial independente de interesses, não só se revela na multiplicação dos entes encarregados dessas novas funções como na elaboração doutrinária que se foi neles amealhando.

Por fim, o ator recorda a doutrina recente de George Stigler, que elaborou uma teoria da regulação, em obra do ano de 1971, fundando-a na necessidade de intervir na economia quando o descontrole da concorrência rompesse o equilíbrio necessário, levando à ineficiência do sistema.


Capítulo II – FUNDAMENTOS ECONÔMICOS DA REGULAÇÃO

1. Direito administrativo da economia

O autor destaca que o Direito Econômico pode ser entendido, com G. Farjat, como o “direito da concentração ou da coletivização dos bens de produção e da organização da economia pelos poderes públicos e privados”.

Para o autor, sem que se caia no reducionismo de admitir que “todo direito se edifica sobre um dado econômico”, é possível determinar um nicho disciplinar dentro do qual o complexo Estado-sociedade, nas sociedades industriais, busca imprimir uma ordem corretiva (intervenção) ou impulsiva (fomento) às atividades econômicas, tanto pela atuação dos órgãos do Estado, quanto pela atuação dos órgãos do Estado, quanto pela atuação associada dos órgãos da sociedade.

2. Origens da regulação econômica contemporânea

O autor explica que terminado o período das guerras mundiais, a reconstrução econômica a nível global encontrou o ponto de equilíbrio necessário para o crescimento na tríplice receita keynesiana, em que a função de consumo, destacada das rendas, dita o nível de poupança; em que o pleno emprego é considerado uma ilusão e em que a moeda desempenha um papel ativo e não mais neutro, no sistema econômico

No entanto, o autor ensina que este modelo começou a declinar depois dos anos oitenta do século findo, quando o excesso de tarefas que passaram a ser demandadas das variantes do Estado providência começaram a ser contestadas não só pelo dano causado à sociedade, que vinha perdendo a responsabilidade e o interesse no processo de desenvolvimento, como pelo dano causado ao próprio Estado, que havia se tornado uma máquina tecnoburocrática hipertrofiada e, por isso, do mesmo modo, desinteressada pelo desenvolvimento.

O retorno ao crescimento, segundo o autor, exigia que todos voltassem a desempenhar seus respectivos papéis na economia: os produtores produzindo; os consumidores, consumindo e os governantes, assegurando a normalidade das transções, pondo fim às indefinições que fatalmente levavam ao desestímulo dos produtores, à insatisfação dos consumidores e à criação de nomenklaturas e de outras formas esconsas de parasitismo burocrático.

Neste sentido, para o autor, era necessário superar o Estado do Bem-Estar Social, já que o Estado Socialista se havia destruído por si mesmo, restabelecendo a confiança na sociedade, em sua capacidade criadora e transformadora, atuando em liberdade – enfim, revivendo as mensagens do liberalismo que haviam sido sepultadas nos holocaustos do novo Estado.

Diante deste quadro, surgem os movimentos político-econômicos que propõem a correção de rumos, com a desregulamentação, a desestatização e, o que é sempre mais problemático, a redução das cargas impositivas, para re-estimular o crescimento. Não se trata de um movimento para chegar a um Estado mínimo, como se poderia pensar, mas para torná-lo um Estado melhor.

3. Competição e regulação

O autor destaca que as experiências dos Estados Unidos para recuperar-se da crise do pós-guerra, criando agências de regulação para os diversos setores da economia, foram todas inovadoras sob vários aspectos, tais como: a administração pública especializada em setores críticos de interesses, a deslegalização de matérias, a separação entre a formulação de política pública (policy) e a administração pública (administration), a abertura de espaços de negociação para o Poder Público e a intensa processualização administrativa, inclusive com a introdução dos conceitos, depois amplamente disseminados, de participação dos agentes dos setores interessados, de responsividade (accountability) e de visibilidade (ou, como vem passando ao português, “transparência”, como tradução literal de transparecy, característica implícita no princípio da publicidade, que também lá ficou conhecida como sunshine policy).

Para o autor, este período foi época de acomodação de um novo conceito de competição, que partia de uma sociedade complexa, mas desarticulada para enfrentar maiores desafios econômicos e bélicos, para tornar-se uma sociedade complexa e articulada para responder com rapidez e flexibilidade às dezenas de desafios setoriais sem politizar excessivamente as soluções exigidas, e com isso, procrastiná-las nos debates dentro dos parlamentos.

O autor recorda as lições de Isaac Benjó sobre competição, ressaltando que “A competição é um mecanismo prodigioso. Por um lado (oferta), cada empresa tenta maximizar o lucro realizado, enfrentando a concorrência, sem qualquer preocupação com o benefício social. Por outro lado (demanda), os consumidores buscam maximizar as suas próprias utilidades com comportamentos absolutamente individuais e particulares. E nesse contexto, a resultante desse “egoísmo coletivo” é a maximização do bem-estar social”.

Este autor frisa que no contexto de um mercado global se faz necessário restabelecer o equilíbrio garantidor da livre competição através do ingresso de um terceiro agente, que não seja nem produtor, nem consumidor, sendo em verdade um agente homeostático, capaz de impor uma regra que recupere e mantenha o equilíbrio e, para tanto, dotado de poder para interferir suficientemente para corrigir as deformações do mercado.

O autor finaliza a exposição deste tópico destacando que a técnica econômica da regulação vem a ser, portanto, o tipo de intervenção que as sociedades complexas industriais e pós-industriais vêm optando como solução institucional para “criar consistência entre a maximização do benefício social e a maximização do lucro da empresa”, o que Kenneth Train define como o “ponto crucial da economia da regulação”.


Capitulo III – FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA REGULAÇÃO

1. A regulação desponta como um processo político

O autor explica que a regulação, enquanto fenômeno jurídico subdivide-se em endo-regulação e exo-regulação. A endo-regulação ocorre quando a função ou o órgão regulador faz parte do sistema, enquanto que a exo-regulação ocorre quando a função ou o órgão regulador é externo ao sistema regulado. Explicita o autor que pode haver uma outra classificação, que divide a regulação em auto-regulação (exercida pelos próprios entes regulados) e hetero-regulação (emanada de um órgão externo que lhes impõe sua vontade).

Entre essas duas últimas modalidades, segundo o autor, em suas forma puras, distinguem-se ainda as compósitas, que são mais comuns, como a auto-regulação induzida, na qual os agentes regulados são apenas motivados por uma fonte hetero-reguladora a produzir sua própria regulação, como é o caso dos códigos e estatutos deontológicos existentes em muitas profissões e atividades; a auto-regulação compartilhada, na qual os agentes regulados ganham um espaço decisório limitado pela imposição parcial de decisões específicas hetero-reguladoras, e a auto-regulação dirigida, na qual as decisões hetero-reguladoras apenas traçam pautas gerais, que as fontes auto-reguladoras deverão preencher com decisões específicas, sendo esta última a modalidade teórica que mais se assemelha ao modelo comumente adotado para as modernas agências reguladoras.

O autor ensina que a regulação, como função política só alcançou a maturidade quando passou às agendas juseconômicas, em meados do século passado, a partir dos debates que, nos Estados Unidos, levaram ao estabelecimento do New Deal, sob o acicate da crise de 1929, da instabilidade e da recessão que abateu no período de entreguerras, quando se levantou um geral questionamento sob a efetividade do postulado liberal clássico da suficiência da auto-regulação espontânea dos mercados, considerando a realidade das sociedades complexas e a necessidade de criar economias de escala para suscitar o desenvolvimento.

Nesta linha, segundo o autor, o aparecimento de uma nova geração dessas entidades voltadas à disciplina de setores críticos específicos do mercado permitiu àquele país graduar e minimizar as inúmeras intervenções econômicas a serem aplicadas no período, necessárias para assegurar o bom funcionamento de sua indústria e de seu comércio, para que pudesse superar o difícil e incerto período das grandes conflagrações sem muito se afastar de suas tradições liberais.

De forma diversa, os países da Europa, na linha de ideologias estatizants de todos os matizes, que dominaram o cenário político de quase o século XX e que haviam modelado regimes fortemente interventivos, com o Estado do Bem-Estar Social e os Estados Socialistas, preferiram criar agências administrativas dependentes do poder político para que desempenhassem diretamente essas atividades econômicas consideradas críticas.

2. A intervenção leve vem substituir preferencialmente as intervenções pesadas

Após a segunda grande guerra mundial, deflagrou-se, em todo o mundo, um processo inverso: de desmonte dos pesados Estados interventivos e de devolução de atividades estatizadas à sociedade, o que os levou à adoção generalizada e praticamente globalizada, de políticas públicas de desestatização e de privatização. A partir de então, a privatização deixaria de ser um tabu ideológico, abominado pelas radicalizações de esquerda, mas apenas o que realmente é – uma opção racional de política pública -, devendo, por isso, com mais razão, ser preferencialmente adotada naqueles países que sequer tinham escolha ante a necessidade de fazer inversões estatais suficientes em setores econômica e socialmente carentes, como é o caso das nações em desenvolvimento, que necessitam ingentemente concentrar suas limitadas inversões públicas prioritariamente na educação, na saúde e na segurança públicas.

O autor destaca também que com o adensamento da comunicação social, a eficiência também ascendia à cena político-administrativa como um princípio constitucional, elevando-se a direito subjetivo público do cidadão em suas relações com o Estado. Tal fato veio a ocorrer no Brasil com a promulgação da Emenda nº 19/98, explicitando o princípio da eficiência, de modo a atribuir plenitude de sentido a uma garantia que a própria Constituição, desde 1988, já consignava para os serviços públicos.

Como outro motivo político, segundo o autor, despontava a necessidade de ocupar um grande vazio no controle público das atividades de interesse geral, que haviam sido pulverizadas em dezenas de empresas estatais ou instituições assemelhadas.

Na seqüência de seu raciocínio, Diogo de Figueiredo Moreira Neto explicita que o declínio dos modelos de Mega-Estado e, por isso, com a devolução da iniciativa e da execução das atividades econômicas aos agentes da sociedade, tornou-se evidente a necessidade de abandonar aquela ingênua presunção, de que as atividades econômicas estatizadas, máxime os serviços públicos, estariam sendo controlados.

Por derradeiro, a tarefa de repensar o desenho da administração pública encontrou também um importante impulso no fenômeno contemporâneo, reiteradamente observado e descrito, da fragmentação e despublicização do interesse público, que marca “o sentido tangível da passagem de uma administração monista e monorganizada para uma administração pluralista e pluriorganizada, correspondendo, com não menos relevância, ao aperfeiçoamento dos sistemas jurídicos de setorialização da aplicação e do controle do poder público.

3. A regulação se afirma e logo se expande como instrumento interventivo preferencial dos Estados democráticos de direito

O autor ensina, neste tópico, que esse processo de expansão do Estado regulador evidencia uma evolução em direção a um novo modelo regulatório, politicamente neutro, de solução de conflitos setoriais interprivados, que, absorvendo técnicas e métodos próprios dos ramos público e privado do Direito, devido àquela especial característica híbrida de imperatividade e de consensualidade, se mostrava providencialmente adequado à nova configuração política assumida pelos Estados democráticos de direito, que surgiam e se estruturavam a partir do modelo constitucional inaugurado pela Lei Básica de Bonn, impondo-se uma solução in fieri, capaz de superar as amargas experiências estatizantes e centralizadoras de um traumático passado ainda recente.


Capítulo IV – FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA REGULAÇÃO

1. A juridicidade da solução reguladora

O autor assevera que o escopo da atividade reguladora vem sendo definido como o atingimento de um resultado prático, que alie a maior satisfação do interesse público substantivo com o menor sacrifício possível de outros interesses constitucionalmente protegidos, bem como, secundariamente, com o menor dispêndio dos recursos públicos disponíveis. Como estão em jogo interesses públicos, as decisões reguladoras, para serem justas, hão de ter um rigoroso referencial de juridicidade, bem mais próximo do nível que se espera de uma decisão legislativa, abstrata e geral.

Por fim, o autor destaca que a função reguladora apresenta inovações jusmetodológicas que a estremam sob vários aspectos das atividades estatais tradicionais, o que, afinal, justifica toda diligência em estudá-las e sistematizá-las, ainda que modesta e incompleta, como a que se oferece. Neste contexto, tem lugar a presença de instrumentos participativos, sob os quais o legislador deverá cuidadosamente dispor para compensar o déficit de regularidade, de modo que é possível afirmar que a qualificação democrática dos órgãos de regulação, em razão dessa apontada peculiaridade, dependerá essencialmente do grau de abertura do processo decisório da regulação à participação dos interessados.

2. A regulação como novo tipo de atividade jurídica do Estado

Segundo o autor, a regulação é um dos mais expressivos frutos das tendências contemporâneas do Direito Público para o aperfeiçoamento da decisão administrativa com vistas a que seja eficiente em seu desempenho e legitimada em seu resultado, superando assim as linhas tradicionais da administração burocrática de corte positivista, em que, tanto a eficiência como a legitimidade, não eram mais que referências secundárias e periféricas.

Para este autor, a nova função de regulação exsurge, assim, não tanto quanto um simples amálgama ou um híbrido daquelas funções tradicionais, mas com uma nova tipicidade, em que estão presentes características de cada uma delas bem como as de outras novas funções, que se foram acrescentando às atividades do Estado, como, destacadamente, a de planejamento, que se desenvolveu entre nós na primeira metade do século vinte, e a de negociação, que se firmou na Administração Pública em seu último quartel.

3. Inserção da regulação na metodologia jurídica contemporânea

O autor explica que se torna muito evidente, possivelmente até para leigos, que a estrutura sistemática de um Direito construído sobre conceitos e preceitos de corte positivista, que havia adentrado vitoriosa o século vinte, depois de duas centúrias de desenvolvimento, nas lições do legalismo estrito dos preceitos e da pureza dos conceitos, se havia tornado inadequada para absorver um instituto que, por suas próprias características, destoava da lógica centralizadora e de responsabilização piramidal inerentes à administração burocrática e que durante todo esse tempo se havia comportadamente desenvolvido e firmemente se enraizado, sem grandes abalos, no dogmatismo tradicional.

O autor explicita que a regulação, até então entendida como um instrumento de intervenção leve do Estado na ordem econômica, chegou ao Segundo Pós-Guerra aos países de vanguarda na Europa para substituir as modalidades da antiga e, assim chamada em oposição, intervenção pesada, como tipicamente o eram as intervenções dos tipos concorrencial e monopolista, ambas fartamente empregadas pelos Estados do Bem-Estar Social e pelos Estados Socialistas, que foram os regimes dominantes do século XX.

Neste novo contexto, como os obrigatórios fundamentos da decisão administrativa já não mais se reduziam à eficácia e à legalidade, ambas características necessariamente presentes na democracia formal e na ação pública burocrática tradicional, mas, além delas, se ampliavam, como se expôs, à eficiência e à legitimidade, como expressões da democracia material e da ação pública voltada a resultados, passou-se a exigir, em acréscimo, a justificação das decisões, principalmente daquelas que viessem a ser tomadas no desempenho das sensíveis funções administrativas em que se faz necessário precisar conceitos indeterminados ou realizar escolhas discricionárias.

4. Motivação e teoria da argumentação

O autor ensina que a inauguração do novo estádio evolutivo que bem pode ser batizado como a era da motivação no Direito Administrativo, resultou, de certo modo, da direta inspiração trazida por esses avanços metodológicos e, particularmente, dos levantados pela teoria da argumentação, um movimento que propugnava a necessidade da justificação das decisões públicas para espelhar clara e plenamente a preocupação do agente, além da legalidade, com a rigorosa submissão a esses dois acrescidos valores jurídicos – a legitimidade e a eficiência – bem como a todos os demais valores que adequadamente deles se derivam e, por isso, devam ser justificados ou, até mesmo, aos valores que apresentem no caso algum tipo de relevância (pertinentes ou, no mínimo, discutíveis), desde que concorram para demonstrar a intenção de afeiçoar, com justeza uma decisão à hipótese submetida.

5. O argumento sobre as conseqüências no Direito Administrativo

O autor explicita que a decisão administrativa deve ser prospectivamente responsável, levantando e estimando, para esse efeito, as conseqüências previsíveis, ponderando-as, tanto quanto a seu valor intrínseco quanto a seu valor posicional no contexto da solução a ser solucionada. Essa exigência, que se impõe a qualquer órgão decisório dotado de poder público, com muito mais razão é essencial à decisão proveniente do exercício da função reguladora, uma vez que, se é certo que qualquer intervenção do Estado, em princípio, traz uma exceção às ordens espontâneas da sociedade e da economia, que estão protegidas pelos direitos fundamentais, haverão de ser redobradas e agravadas as responsabilidades públicas de quem as deva tomar e, por isso, as exigências de visibilidade das razões por que o faz.

6. O argumento sobre os valores no Direito Administrativo

O autor preleciona que nos dias de hoje, parece solidamente assentado: primeiro, que o conceito de justo não é estranho ao Direito nem à racionalidade;  segundo, que ele pode ser obtido por um processo racional pelo método da ponderação de valores, e, terceiro, que esse método há de ser aplicado em conjunto com o tradicional método subsuntivo, concernente aos preceitos.

Desta forma, a atividade administrativa justa é aquela que deve buscar, na linha da legalidade, a realização da solução prevista na lei (eficácia), em que se logre, na linha da legitimidade, o máximo de proveito geral com o mínimo de sacrifício particular (eficiência). Chega-se, com o respaldo da autoridade de Friedrich Müller, à conclusão de que a operação de concretização aplicativa de uma norma não significa de uma norma não significa apenas densificá-la em seus elementos para assim alcançar a realidade, mas, sobretudo, produzir uma norma para o caso, como se fora uma norma nova que, embora geral, é a que faz justa para o caso.

7. O case system como inspiração para a regulação

O autor ensina que ambas as tradições jurídicas ocidentais (sistemas jurídicos anglo-saxão e continental europeu), que tem no Direito Romano seu tronco comum, embora diferenciado entre a tradição pretoriana e a tradição justiniana, voltam a ter em comum a idéia de que o ser e o dever ser não são categorias inconciliáveis, mas ao contrário, devem coincidir no momento da decisão, como resultado de um processo que se inicia pela comparação entre realidades possíveis e que se conclui com a opção por uma delas.

8. A concretização do direito na regulação como operação valorativa

O autor assevera que a regulação, como toda atividade jurídica do Estado, não prescinde da existência de normas balizadoras da ação, e, por isso, da operação intelectiva que conduz à sua aplicação. Há, porém, algumas diferenças, a serem apontadas, entre a decisão normalizada judicial e a decisão normalizada administrativa.

Na opinião do autor não se trata de ministrar justiça às partes em conflito, mas de encontrar o próprio conceito de justiça que se harmonize com todos os valores protegidos da sociedade. Em outros termos, mesmo decidindo administrativamente conflitos concretos, o exercício da regulação deve estar geral, abstrata e permanentemente referido a todos os administrados.


Capítulo V – A FUNÇÃO REGULADORA

1. Conceito de função reguladora

O autor explica que à atividade dos subsistemas de harmonização é que se denomina de função reguladora, uma expressão que, não obstante o étimo, que a aproxima da voz vernácula regra, é, na verdade, um híbrido de atribuições de variada natureza: informativas, planejadoras, fiscalizadoras e negociadoras, mas, também, normativas, ordinatórias, gerenciais, arbitradoras e sancionadoras.

No que toca às funções administrativas, elas serão exercidas em qualquer dos campos da administração pública, tanto no campo da polícia administrativa, quanto, quanto no dos serviços públicos, no do ordenamento econômico ou no do ordenamento social, inclusive no do fomento público, envolvendo, materialmente, desde atividades de planejamento às de gestão.

Quanto às funções normativas, além da modalidade tradicional da regulamentação secundária, que produz efeitos introversos, como característica dos órgãos administrativos, segundo o autor, existem aquelas tipicamente regulatórias, que se caracterizam por seus efeitos extroversos sobre as matérias deslegalizadas e na estreita medida em que o tenham sido.

E, por fim, quanto às funções judicantes, elas podem ser exercidas sob diferentes modalidades, todas com características não jurisdicionais, como o são as atividades de conciliação, de mediação e até de arbitramento de interesses em conflito.

O autor ressalta ainda que a crescente importância dos instrumentos consensuais na governança moderna vem alicerçada em sólidas premissas: aprimorar a governabilidade pelo incremento da eficiência; reduzir o abuso de poder pela ampliação do controle da legalidade; facilitar a aceitação da decisão pela participação legitimatória; melhorar o atendimento dos interesses envolvidos, aperfeiçoando a licitude; elevar o senso de responsabilidade dos administrados sobre a res publica, resultando no aperfeiçoamento do civismo, e garantir maior aceitabilidade social, do que resulta incremento na ordem.

Finalmente, segundo o autor, abre-se este campo, da atuação reguladora, em que, não existindo um interesse público específico legalmente predefinido, todos os interesses em conflito ou potencialmente conflitivos admitem ser legitimamente ponderados e até negociados, o que patenteia a existência de uma ampla disponibilidade relativa para o exercício judicativo extrajudicial da função reguladora, não só pela conciliação e pela mediação, que são sempre possíveis, como pela via do arbitramento.

2. Normas reguladoras

O autor explica que no Direito, as normas reguladoras surgem como espécies normativas sui generis distintas das normas legais tradicionais, empregadas no Direito Administrativo. A primeira distinção está na destinação: as normas reguladoras não são preceptivas de conduta, mas preceptivas de resultados, a serem atingidos com eficiência, equilibrando, continuamente e do melhor modo interesses e valores em concorrência, que se embatem em setores críticos das relações interprivadas, assim definidos e destacados por lei.

O autor recorda, neste contexto, a importância do elemento pragmático da eficiência, um princípio sem o qual nenhuma função reguladora tem sentido, daí que, mais do que um critério de justificação dessa função, se constitui um elemento da própria essência da regulação, tanto como função quanto como norma, o que decorre de suas peculiaridades técnicas que as distinguem das normas legais.

Para o autor, as normas reguladoras são opções administrativas, abstratas (da mesma forma que as normas legais), embora formuladas com maior densidade técnica, visando à incidência sobre específicas relações interprivadas críticas que foram previamente que foram previamente deslegalizadas, voltadas, assim, não mais a aplicar uma regra legislativa predefinida, mas a equilibrar interesses e valores em concorrência, através de uma nova regra a ser administrativamente definida pelo método da ponderação.

3. A competência normativa na função da regulação

O autor assevera que está na atribuição de uma competência normativa reguladora a chave para operar em setores e matérias em que devem prevalecer as escolhas técnicas, distanciadas e isoladas das disputas partidárias e dos complexos debates congressuais, pois essas, distintamente, são métodos mais apropriados às escolhas político-administrativas, que deverão, por sua vez, se prolongar em novas escolhas administrativas, sejam elas concretas ou abstratas, para orientar a ação executiva dos órgãos burocráticos da Administração direta.

Para este, somente com o correr do tempo e a crescente complexificação da convivência social veio o reconhecimento da necessidade de se fazer essa distinção, até mesmo para evitar o grave inconveniente de cristalizarem-se na lei inúmeras decisões técnicas, tornando-as rapidamente obsoletas, desenvolvendo-se, por isso, como opção, as variedades de delegações legislativas.

Essa expansão das formas e dos limites da delegação acaba sendo um dos grandes temas do Direito Político e marca uma evolução que se confunde com a própria modernização das funções dos Estados contemporâneos.

4. Tipologia da delegação normativa

O autor explica que a delegação receptícia consiste na transferência da função legislativa ao Poder Executivo para produzir normas com força de lei, adstrita a um quadro delimitado e a um tempo determinado, fixados no ato da delegação. O Direito Constitucional brasileiro acolheu esta técnica do art. 59, IV, c/c art. 68, que trata das leis delegadas, prevendo suas condicionantes formais e materiais, e, no art. 49, V, submetendo-as a um controle político do Congresso em caso de exorbitância dos limites da delegação, o chamado veto legislativo.

Segundo o autor, a delegação remissiva, ou simplesmente remissão consiste na remessa, pela lei, a uma normatividade ulterior, que deverá ser elaborada pela Administração, sem força de lei, igualmente dentro do quadro substantivo emoldurado pela própria lei remetente.

Esta instituição, segundo o autor, é a mais antiga no Direito Constitucional brasileiro e corresponde ao poder regulamentar, atribuído tradicionalmente e privativamente ao chefe do Poder Executivo para expedir regulamentos, visando à fiel execução das leis, tal como hoje se encontra no elenco das competências do Presidente da República, no art. 84, IV, da Constituição de 1988.

Outra técnica de delegação, segundo o autor, vem a ser a desleglização, oriunda do conceito desenvolvido na doutrina francesa da délégation de matières, adotado na jurisprudência do Conselho de Estado, em dezembro de 1907, a que comentários de Maurice Hauriou, deram destaque e notoriedade, a qual, modificando postura tradicional, no sentido de que o titular de um determinado poder não tem dele a disposição, mas tão-somente o exercício, passou a aceitar, como fundamento da delegação, a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei passando-as ao domínio do regulamento.

5. Deslegalização e seus tipos

O autor explica que a deslegalização apresenta-se com maior ou menor amplitude nos ordenamentos jurídicos contemporâneos. A lei, como conceito iluminista-racionalista, enquanto produto do Estado formalmente manifestado pelos órgãos legislativos constitucionais, parece ter atingido eu zênite como instrumento regrador de condutas sociais.

O pluralismo, ao multiplicar os centros de poder na sociedade a torna policrática fez despontar novas fontes normativas autônomas e semi-autônomas que atuam com vantagem como sucedâneas da norma legal.

No entanto, o autor ensina que quanto mais numerosas as leis, mais freqüente é a busca de saídas de subterfúgios para descumpri-las. Em suma, a hipertrofia normológica torna a sociedade, paradoxalmente, mais confusa e insegura, justificando-se a moderna resposta de um modelo de deslegalização que, como o empregado na regulação, aproxima a regra jurídica dos setores que dela necessitam, subtraindo-os aos olímpicos comandos de leis formalmente postas pelo Estado através de seus órgãos legislativos.

Por fim, recorda o autor que a deslegalização tanto pode ocorrer pela exclusão legal de um comportamento a qualquer tipo de regra, quanto pela substituição do referencial normativo, indicando uma nova fonte regradora, mas sempre com vistas à maior efetividade da norma.

Diante destas considerações, o autor deduz que a natureza da norma reguladora, por resultar de uma deslegalização, é a de uma norma de auto-regulação dirigida, ou seja, obedece a princípios e a Standards, de resto já conhecidos, por serem de longa data de corrente emprego no ordenamento jurídico econômico e social.


Capítulo VI – A FUNÇÃO DE REGULAÇÃO COMO MODALIDADE DE INTERVENÇÃO ESTATAL

1. Intervenção estatal

Segundo o autor, as intervenções estatais, embora apresentem inúmeras variedades doutrinárias, podem ser classificadas em quatro tipos quanto a seu conteúdo: a regulatória, a concorrencial, a monopolista e a sancionatória, não considerada como modalidade de intervenção o fomento público, que não tem natureza impositiva. Assim é que:

a) a intervenção regulatória se caracteriza pela imposição, por norma legal, de prescrições positivas e negativas sobre o desempenho de atividades econômicas ou sociais privadas, visando a prevalência de interesses públicos específicos legalmente definidos;

b) a intervenção concorrencial caracteriza-se pela imposição, por norma legal, da presença do Estado como empresário, em regime de competição em condições igualitárias ou privilegiais com os agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando à prevalência de interesses públicos específicos legalmente definidos;

c) a intervenção monopolista caracteriza-se pela imposição, por norma legal, da presença do Estado como empresário, afastando a competição dos agentes privados, no desempenho de atividades econômicas ou sociais, visando à prevalência de interesses públicos legalmente definidos;

d) a intervenção sancionatória caracteriza-se pela imposição, por norma legal, de sanções estatais punitivas, pelo Estado aos agentes privados, que desempenham determinadas atividades econômicas e sociais com transgressão das normas predefinidoras dos interesses públicos específicos, legalmente definidos em seus respectivos setores.

Diferentemente do quatro tipos tradicionais de intervenções estatais ditas fortes, caracterizados pela imposição à outrance, de um interesse específico predefinido pelo Estado como público, essa nova técnica da intervenção reguladora surge como uma modalidade interventiva leve, que se realiza pela imposição administrativa ao conflito, seja latente ou deflagrado, de decisões pragmáticas e ponderadas, nas quais são motivadamente considerados todos os interesses em jogo, o que inclui, por certo, os interesses públicos.

2. Regulamentação e regulação

O autor, neste tópico faz uma distinção entre regulamentação interventiva e regulação interventiva, opondo-se o antigo conceito de regulamentação ao novo de regulação:

a) regulamentação – é uma função política, no exercício de uma prerrogativa do poder político de impor regras secundárias, em complemento às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e de dar-lhes execução, sem que possa definir quaisquer interesses públicos específicos, nem, tampouco, criar, modificar ou extinguir direito subjetivos. É uma atribuição de estreitíssima previsão constitucional, por isso mesmo, geralmente cometida s chefes de estado ou de governo

b) regulação – é uma função administrativa, que não decorre assim, do exercício de uma prerrogativa do poder político, mas, muito pelo contrário, decorre da abertura, pela lei, de um espaço decisório reservado a uma ponderação politicamente neutra de interesses concorrentes em conflitos setoriais, potenciais ou efetivos.

Em sentido forma, as decisões reguladoras setoriais, tomadas no exercício dessa ponderação politicamente neutra de interesses concorrentes, devem obedecer ao devido processo legal, sempre informado por ampla investigação dos fatos e plena visibilidade (transparência), no qual todos os aspectos os aspectos conflitivos deverão ser amplamente equacionados e motivadamente considerados, preferentemente co aberta participação de todos os interessados.

3. Precedentes históricos da regulação como função pública

O autor explica que as exposições passadas apontam alguns exemplos históricos pioneiros da regulação enquanto função pública na criação de uma agência britânica para o setor de ferrocarris, pelo Regulation of Railways Act, de 1873, mas com mais destaque, são as referências à importante instituição norte-americana federal reguladora dos serviços interestauduais de transporte ferroviário, a Interstate Commerce Commission, em 1887, embora o exemplo pioneiro tenha sido o instituído para a navegação fluvial a vapor, nos Estados Unidos, pelo Steamboat Inspection Service, em 1837.

O foi o êxito na conciliação de tradições e de métodos de composição de conflitos setoriais que, segundo jurista em tela, fez dos Estados Unidos uma obrigatória fonte de referência histórica, doutrinária e jurisprudencial do instituto da regulação.

Por fim, o autor destaca que autores como G. Giraudi e M. S. Righetini acentuam uma diferença cultural importante, observando a origem dos órgãos reguladores independentes anglo-saxões, não encontrada nos modelos europeus e, tampouco, nos latino-americanos, que está no fato de nas culturas anglo-saxônicas, as funções surgem da iniciativa dos próprios agentes dos setores regulados, ao passo que, nas culturas jurídicas de herança continental européia, a iniciativa é do próprio Estado.

4. A função pública de solução de falhas econômicas e sociais

O autor afirma que se explica e se justifica a regulação que incide sobre setores da economia como o mecanismo governamental que assegura a eficiência econômica onde as forças do mercado não podem fazê-lo e onde se produzem distorções em relação ao modelo ideal de competição perfeita, a saber: o monopólio, a concorrência excessiva, a concorrência imperfeita e as externalidades.

Logo que se verificou que falhas econômicas produziam, por seu turno, falhas sociais, e vice-versa, o que levou a estender-se a aplicação dos métodos interventivos regulatórios a outras relações interprivadas também consideradas sensíveis pelos legisladores, como as da saúde, da educação, da seguridade social, do ambiente, e em vários outros setores, sempre que as disfunções da ordem espontânea os convencessem das vantagens de aplicá-los.

Na seqüência de sua exposição, o autor explica que uma vez que o método da intervenção administrativa reguladora tenha sido opção de um determinado País, como alternativa preferencial para a superação de conflitos, em setores e nas hipóteses rigorosamente especificadas em lei, ela proporcionará sobreposse duas ordens de resultados benéficos, na ordem micropolítica e na ordem macropolítica.

O autor destaca também que entre as falhas metódicas, que podem ser beneficialmente corrigidas pela introdução da regulação, destacam-se as seguintes:

a) a politização das decisões setoriais;

b) a excessiva formalização da democracia;

c) a pouca eficiência das prestações públicas;

d) a também pouca eficiência das proteções públicas (ou seja, o déficit na garantia administrativa dos direitos fundamentais nas relações interindividuais).

O que se pretende deixar evidenciado, nas palavras do autor, é que as soluções trazidas pela regulação enquanto função administrativa complexa, na qual concorrem várias atribuições com o mesmo escopo em um único órgão, por isso mesmo considerada como um solução original do Direito Público contemporâneo, atendem pontualmente a cada uma dessas falhas, a saber:

a) a politização das decisões setoriais se supera com a previsão de decisões politicamente neutras, abrindo-se um espaço desvinculado do partidarismo, dos embates eleitorais e da sutil corrupção política;

b) a excessiva formalização da democracia se corrige com a ampliação da democracia substancial, ampliando a visibilidade (transparência) e a participação;

c) a pouca eficiência das prestações públicas se sana pela setorialização e pela especialização da atuação oficial, na linha clássica da divisão do trabalho; e

d) a igualmente pouca eficiência das proteções públicas (ou seja, o déficit de garantia administrativa dos direitos fundamentais nas relações interindividuais) se conserta com a instituição de um sistema de intervenções de garantia nos chamados setores sensíveis, notadamente na composição extra-judicial dos conflitos setoriais, conformando como que uma primeira linha de frente na proteção de direitos, antes do apelo ao recurso extremo do Judiciário, concorrendo para desafogá-lo e permitindo que seja mais célere e se dedique, com a devida atenção que merecem, às grande questões jurídicas que ficarão pendentes.

5. A função de fomento público da regulação

O autor afirma que a função de fomento exercida pela regulação é uma conseqüência que se pode esperar da substituição das intervenções fortes (concorrencial e monopolista), características dos modelos políticos estatizantes, o que já patenteia um efetivo interesse público na abertura de novas oportunidades econômicas para a iniciativa privada.

E ainda, frisa que é o isolamento técnico dos setores sujeitos por lei à regulação que retira ou, elo menos, minimiza a influência política do Poder Executivo, assegurando a estabilidade das regras, que atrai o investimento de risco.


Capítulo VII – OS ENTES REGULADORES

1. A descentralização setorial

O autor explica que o tipo de descentralização que produz órgãos reguladores independentes é um fenômeno novo, que se insere nos processos de reforma administrativa empreendidos em vários países, especificamente no que se tem denominado de reordenamento da Administração por setores orgânicos, encontrando-se enriquecida com densos estudos técnicos já produzidos.

Neste sentido, a transformação das estruturas administrativas hierarquizadas e piramidais em estruturas em rede, acompanha a evolução da própria sociedade, ao passar das tradicionais formas estamentais e hierarquizadas, monoclasses ou biclasses, às modernas conformações mutáveis e flexíveis, pluriclasses, de modo que estas só podem ser concebidas em função da cambiante multi-configuração de interesses e de papéis hoje desempenhados pelas pessoas.

Em suma o autor explica que não apenas a função reguladora, é uma inovação no Direito Público contemporâneo, como também o são os órgãos desenvolvidos para exercê-la: os genérica e indiferentemente denominados de entes, autoridades ou agências administrativas reguladoras independentes, ou como denominação similar que se lhes dê nos vários sistemas em que são adotados.

2. Aspectos questionados dos órgãos reguladores

O autor explica, em síntese, que quatro são os aspectos mais polêmicos suscitados quanto a esses entes reguladores, que, em razão de suas peculiaridades fortemente inovativas no Direito Público e de sua franca proliferação em todos os sistemas jurídicos nos últimos trinta anos, concentradamente nas décadas finais do século passado, são aproximadamente os mesmos e neles similarmente tratados: sua natureza jurídica, sua compatibilidade com a concepção radical e positivista da separação de Poderes, sua legitimidade nas democracias e a, assim denominada, independência.

3. A questão da natureza jurídica dos órgãos reguladores

O autor destaca que a primeira questão toca o próprio enquadramento juspolítico dos entes reguladores: ou como órgãos do Estado ou como órgãos da sociedade.

Embora exista uma impressionante diversidade de modelos em todo o mundo, que vão desde as entidades privadas reguladoras, passando pelo modelo híbrido dos Quangos britânicos, até o regime público administrativo prevalecente da Europa continental, que também é o de nosso país, o autor explica que a tendência parece ser a de instituir esses entes estatais com as características reconhecidas às autarquias tradicionais, diferenciadas por um certo reforço de sua autonomia para bem exercerem as peculiaridades da função administrativa regulatória, um fato que as mantém no âmbito científico tradicional do Direito Administrativo.

4. A questão da separação dos poderes

O autor explicita que o hibridismo das atribuições concentradas setorialmente, de natureza normativa, administrativa e judicativa, todas absolutamente necessárias ao exercício da função de regulação setorial econômica e social, tal como até aqui exposto, encontrou, nos países que a adotaram, ao instituírem seus respectivos órgãos reguladores, o questionamento de sua compatibilidade com o princípio da separação de poderes.

Neste sentido, o autor afirma que a descentralização administrativa setorial, de natureza não-política, despertou receios de que a acumulação de diferentes funções nos órgãos reguladores violasse a sacralidade do princípio. Primeiro, porque o entendimento dessa doutrina não pode deixar de ser histórico, ou seja, consoante com circunstâncias políticas de cada Estado e em cada época, uma vez que o que nela se sustenta é, fundamentalmente, a necessidade de descentralizar o exercício do poder estatal, diluindo-o entre órgãos ou conjunto de órgãos independentes entre si. Segundo, porque se evidencia que o núcleo de validade do princípio concentra-se, em última análise, no processo de separação de funções.

Por fim, o autor conclui dizendo ser afirmativa quanto à perfeita compatibilidade da função reguladora e dos órgãos que a desempenham autonomamente com o conteúdo permanente reconhecido do princípio da separação de poderes, ainda porque sob este enfoque científico, em acréscimo, esses institutos podem e devem ser considerados como uma nova e criativa manifestação contemporânea aperfeiçoada do clássico princípio.

5. A questão da legitimidade

O autor ensina que se costuma criticar o fato de que estão sendo criadas entidades sui generis que exercerão uma variedade de poder normativo estatal, ínsito no conceito de regulação, sem a investidura política democrática que a tanto as intitule.

Para ele, existe novamente um erro de apreciação relativamente simples: as agências reguladoras independentes são entes dotados de funções administrativas e não de funções políticas, o que as caracterizam como órgãos administrativos e não como órgãos políticos, de modo que as atribuições normativas que lhes são cometidas, contidas na função reguladora, embora sejam materialmente normativas, são, como já se expôs, de espécie distinta da função legislativa, esta sim, uma função política, ainda porque a função reguladora não se destina a produzir normas legais, mas meras normas reguladoras.

O autor explica que a unidade das duas funções no mesmo órgão apresentou historicamente o inconveniente de criar executivos imperiais e hegemônicos, ao passo que a duplicidade de órgãos para desempenhar as duas funções em separado tem concorrido em benefício da sociedade e das liberdades públicas, porque permite um corte definidor preciso de dois planos de legitimação:

a) o plano da legitimação política – que se atinge pela representação democrática e pela eficiência política;

b) o plano da legitimação administrativa – que se atinge pela participação democrática e pela eficiência técnica;

Com efeito, para o autor, a idéia de processo como instrumento de legitimação na Filosofia moderna, especialmente na ética política, fruto da racionalidade argumentativa, tem merecido a atenção dos mais conspícuos pensadores do Direito contemporâneo.

O autor finaliza este tópico observado que parece residir na experiência da regulação um dos mais nítidos prenúncios da passagem juspolítica de uma democracia da representação para uma democracia da eficiência.

6. A questão da independência

O autor destaca que a discussão sobre a independência dos órgãos reguladores, suscita dois importantes aspectos: o do alcance do que deva ser a autonomia e o sentido de sua imparcialidade.

a) autonomia – embora se deva reconhecer que se trata de um conceito polissêmico, como tantos outros no Direito, parece suficiente lembrar que, no caso das agências reguladoras, além das tradicionais características autônomas de que gozam as autarquias, em geral, há essa outra e com nova dimensão de autodeterminação que resulta da abertura, pela lei, de um espaço decisório deslegalizado em seus respectivos setores de atuação.

b) imparcialidade – ela deve ser considerada como a própria finalidade de se lhes outorgar essa autonomia qualificada aos órgãos reguladores, pois tal característica será imprescindível para que os agentes reguladores cheguem à definição do interesse geral, que devem retirar dos fatos e fazer prevalecer, sopesando, balanceando, ponderando todos os interesses em jogo, inclusive interesses públicos genéricos, sem considerá-los subjetivamente, ou seja, em função das pessoas que os deduzam ou defendam, uma vez que a lei deslegalizadora não contém, por conceito, qualquer predefinição de interesses públicos específicos interferentes sobre a matéria da regulação.

O autor frisa ainda que como a seleção técnica é incompatível com o emprego dos institutos eleitorais disponíveis, próprios para a seleção política, como exemplificativamente ocorre com a investidura de magistrados, é fundamental que essa nova e especial legitimidade dos dirigentes das agências reguladoras deva se fundamentar nas premissas da democracia substancial, ou seja: não mais pela legitimidade corrente, permanentemente aferida na eficiência de seu desempenho, inclusive através dos mecanismos da participação democrática.

Por fim o autor sistematiza o conhecimento da questão afirmando que quanto à independência, necessária para que se garanta o exercício politicamente neutro exigido pela função de regulação, deve ser entendida com um conteúdo restrito a quatro processos: a independência dos gestores, a técnica, a normativa e a gerencial, orçamentária e financeira.


Capítulo VIII – A REGULAÇÃO NO BRASIL

1. Método e princípios básicos

Neste tópico o autor destaca que existe uma diversificada gama de modelo de funções e de órgãos reguladores no mundo e também no Brasil. Não obstante, é possível destacar, um rol consistente de características essenciais que possa servir de padrão a partir do qual se poderá avaliar a eficiência operativa hipotética de órgãos destinados ao exercício de funções de regulação.

O autor explica que se aplicam à regulação no Brasil, uma série de princípios básicos da regulação, entre eles:

1 – Competência regulatória (a partir da deslegalização e da adoção de funções híbridas);

2 – Independência regulatória (a funcional, a dos agentes e a financeira);

3 – Participação regulatória (pela publicidade e pela processualidade aberta).

Explicitando os princípios acima expostos, o autor frisa que a competência regulatória é a que se definirá no elenco de hipóteses de aplicação a partir do âmbito de deslegalização de matérias operado pelo legislador, envolvendo fundamentalmente as funções híbridas a serem executadas: de criar a norma reguladora, a de aplicá-las administrativamente e de dirimir administrativamente os conflitos por ela suscitados. A independência regulatória apresenta-se sob tríplice aspecto: a funcional, que se caracteriza pela inoponibilidade de recursos hierquicos impróprios às decisões, a dos agentes, que se afirma pela garantia de seus mandatos, e a financeira, que se logra pelo gerenciamento de recursos próprios. A participação regulatória se realiza pela garantia de publicidade, portanto, de plena visibilidade dos atos e dos processos de regulação; pela garantia de plena abertura processual aos administrados e pela possibilidade ou obrigatoriedade legal de tomar decisões com a participação dos administrados.

2. Os limites constitucionais à deslegalização de matérias

O autor assevera que as normas reservam à lei a disposição de determinadas matérias, uma vez que tão somente o Poder Legislativo é detentor de legitimidade para tratar de tão variados interesses públicos específicos quanto sobre direitos e obrigações dos administrados.

O legislador constitucional houve por bem limitar a disposição de legislar do Congresso Nacional quanto à opção de deslegalizar matérias, do mesmo modo que também o limitou quanto à opção de deixar de legislar, sempre que a falta de norma legal inviabilize o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogtivas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Assim, para o autor, no tocante à deslegalização, ficou vedada, excepcionalmente, ao Congresso Nacional, sempre que o Texto Magno reforçasse uma reserva legal genérica, com a expressão de uma reserva legal estrita ou, em melhores termos, de uma reserva legislativa específica.

Isto explica porque a deslegalização teve que ser constitucionalmente disposta para aqueles dois setores econômicos, já que não lhes bastaria a simples disposição legislativa ordinária.

O autor explica ainda que a Constituição de 1988 dispõe expressamente que são vedadas a deslegalização de determinadas matérias. A este fenômeno denomina reserva legal estrita, que também pode ser chamada de reserva legislativa específica. Podemos citar como exemplo destas vedações: art. 5º, VI da C.F.: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; art. 5º, XIII da C.F.: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; Art. 17, § 3º da C.F.: Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

Da mesma forma, são também insusceptíveis de deslegalização, segundo o autor, matérias reservadas às Leis Complementares, Medidas Provisórias em que não houver urgência e relevância e as que devem ser legisladas a nível de normas com conteúdo geral. Ex.: art. 24, §§ 1º e 2º da Constituição Federal.

Na seqüência de sua exposição o autor destaca ainda que as Emendas Constitucionais que versaram sobre a quebra no monopólio das comunicações e do petróleo criaram espaço para a deslegalização constitucional das agências reguladoras.         

3. Condições de aplicação da norma reguladora – a legitimação pelo devido processo da lei – a essencialidade da participação na regulação.

Neste tópico o autor destaca que mesmo que a deslegalização haja obedecido regorosamente a todas as condicionantes constitucionais para a sua validade, ainda assim a sua aplicação se sujeitará também a outros condicionamentos constitucionais, que limitam a função regulatória no desenvolver do processo legal destinado a formalizar uma decisão do Poder Público, para que possa legitimamente incidir seja sobre o status libertatis, seja sobre os direitos de propriedade das pessoas, o que vem a ser uma garantia principiológica fundamental enfaticamente expressa no art. 5º, LIV da Constituição.

O autor destaca que o que aqui se interessa é que a atividade administrativa abstrata reguladora, essa mais recente modalidade de função exercida pelo Poder Público, do mesmo modo que a atividade administrativa concreta, uma vez que ela poderá alcançar em abstrato a liberdade e a propriedade das pessoas, pelo mesmo princípio do Estado Democrático de Direito, também só se legitimará com a observância do devido processo legal.

Assim, segundo o autor, a norma reguladora, no sistema constitucional brasileiro, do mesmo modo que nos sistemas comparados, não compartilha da natureza de norma legal, nem, tampouco, da norma regulamentar, pois se trata de um terceiro gênero de ação normativa, que, distintamente daquelas formas impositivas puras, visa, antes de tudo, e preferentemente, à harmonização consensual dos interesses e ao equilíbrio das relações intersetoriais.

Enquanto a legitimidade dos regulamentos se presume pela investidura política dos Chefes de Poder Executivo, que os editam com autonomia política, o mesmo não ocorre com as normas reguladoras, cuja legitimidade não se funda na investidura dos agentes do órgão regulador, pois que estes são investidos administrativamente e gozam apenas de independência administrativa funcional, mas decorre tão-somente da satisfação do devido processo da lei.

Em suma o autor afirma que é através da participação, como requisito inarredável da democracia material, que se satisfaz a condição de legitimidade indispensável aos processos de produção e de aplicação de normas deslegalizadas, uma vez que, ocorrida a deslegalização, aquela condição já não mais poderá ser satisfeita pela legitimação representativa, própria da democracia indireta.

O autor explicita ainda que a técnica da regulação marca ainda o atingimento desse novo estádio evolutivo do Direito Administrativo, que bem pode ser batizado de era da motivação, resultante, de certo modo, da direta inspiração trazida por esses e outros avanços metodológicos e, particularmente, os levantados pela teoria da argumentação.

 4. A criação das agências reguladoras no Brasil

 O autor explicita que no Brasil, do mesmo modo que nos países que nos antecederam na adoção da regulação, a constatação do fracasso dos modelos político-econômicos estatizantes, que dominaram o século XX, e do sinistro legado da exclusão econômica de países e de populações que deixaram no mundo, foi a motivação suficiente para reentronizar a plena participação da sociedade nas atividades econômicas e para seguir um modelo de intervenção estatal leve, perfeitamente caracterizado pelos princípios já expostos em linhas passadas.

Neste contexto, segundo a explanação do autor, foram criadas as seguintes agências reguladoras, em ordem cronológica:

1 – ANEEL, criada pela Lei 9.427/1996;

2 – ANATEL, criada pela Lei 9.427/1996;

3 – ANVISA, criada pela Lei 9.782/1999;

4 – ANS, criada pela Lei 9.961/2000;

5 – ANTT, criada pela Lei 10.223/2001; e

6 – ANTAQ, criada pela Lei 10.223/2001.

5. Análise das características das agências reguladoras brasileiras

Neste tópico o autor considera os três princípios (da competência regulatória, da independência regulatória e da participação regulatória) como fundamentais ao instituto da regulação, os quais se desdobram em dez características das agências reguladoras acima listadas.

6. O CONTROLE DA REGULAÇÃO NO BRASIL

O autor, em síntese explica que a regulação, em todo o seu espectro, desde a deslegalização à aplicação concreta da norma regulatória se submete a vários sistemas de fiscalização, de provocação e de correção. O controle político é feito pelo Congresso (Assembléias Legislativas ou Câmaras Municipais) e pelo Presidente da República (Governador ou Prefeito); o controle jurídico se realiza com o caráter de universalidade que se garante no art. 5º, XXXV da Constituição; O controle financeiro-orçamentário se exerce plenamente sobre as agências e seus agentes, na forma do art. 70, caput e de seus parágrafo único, vedando-se aos Tribunais e Conselhos de Contas apreciarem o mérito dos atos regulatórios praticados nos limites da matéria deslegalizada que lhes foi afeta; o controle administrativo é instituto novo, que emerge da necessidade sentida de coordenar as atividades regulatórias das diversas agências quando atuem em setores tão próximos que possam suscitar conflitos de competência; o controle social assume papel de grande relevância na regulação pois este instituto tem vocação para o atendimento imediato dos administrados no âmbito de seus respectivos setores.


Capítulo IX – CONCLUSÕES E PROSPECTIVAS

O autor conclui toda sua exposição neste livro afirmando que a regulação, não obstante a modernidade e o ganho de legitimidade, é um instituto que vem se firmando, se desenvolvendo, sendo impossível ainda avaliar suas reais qualidades, em termos de eficiência, o que só o tempo revelará.

O autor explica que a regulação é uma realidade praticamente irreversível que possui abrangência em todas as partes do globo, apesar da perplexidade observada nos países europeus, como é o caso do Brasil.

Por fim, o autor os impõe à reflexão que: está-se, sem dúvida, diante de um impulso modernizante das instituições de governo e quem quer que tema a modernidade poderá estar se condenando à obsolência; mas, maior cautela, porém, há de se ter com os que, embora com acrescidas responsabilidades, quando sucumbem ao cultivo da neofobia não só se condenam a si próprios à mediocridade, como arrastam os que a eles buscam como fonte de conhecimento.


Autor

  • Carlos Sérgio Gurgel da Silva

    Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

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