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Responsabilidade civil do estado nos dias atuais

Responsabilidade civil do estado nos dias atuais

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A força normativa da e Constituição permite ao cidadão buscar socorro no Poder Judiciário quando ele se vê prejudicado pela Administração Pública por ação ou omissão e, inclusive, conseguir uma reparação financeira através da condenação judicial.

Atualmente, os meios de comunicação social divulgam a existência de grave crise econômica mundial o que tem provocado desemprego em massa para um enorme contingente de trabalhadores. Informam-nos também do incremento das agressões ao meio-ambiente com aumento da poluição ambiental e destruição de ecossistemas, colocando em risco a sustentabilidade da atividade e da vida humana no planeta.  Divulga-se também quase que diariamente casos de corrupção de servidores públicos em valores financeiros na casa dos bilhões desviados e enorme quantidade de pessoas envolvidas, prejudicando os negócios e propiciando uma concentração de renda mundial nas mãos de poucos, em detrimento da miséria de muitos. Isso sem falar nas populações de continentes inteiros que estão mergulhadas na miséria, nas doenças e nos conflitos bélicos, sem perspectivas de mudanças, o que nos indigna e desafia ao mesmo tempo. Sem falar nos milhões de refugiados políticos e econômicos, atores de uma tragédia anunciada.

Apesar desses problemas, atesta-se facilmente que o mundo caminha para um desenvolvimento civilizatório, uma evolução social globalizada nunca antes imaginada e causada principalmente pela admirável evolução das ciências, da tecnologia e da economia mundial nos últimos anos, tornando a vida humana muito mais fácil no planeta. Recentemente, inclusive, divulgou-se que há a previsão de alguns cientistas de que os recém-nascidos deverão viver um século de idade devido à evolução da ciência médica cada vez mais capaz de propiciar um envelhecimento longo, digno e produtivo.

Como visto acima, apesar do grande desenvolvimento econômico, progresso cientifico e evolução social atingido pela humanidade, estes não são socializados, generalizados ou democratizados. Muitos Estados que deveriam ser os motores ou os animadores do desenvolvimento e bem estar nacional pouco fazem para que estes cheguem efetivamente aos cidadãos. Ao contrário disso, muitos países que consagram o desenvolvimento e os direitos humanos em suas Constituições os desrespeitam acintosamente, seja de forma comissiva ou omissiva como a proclamar a impossibilidade ou a ineficácia de um Estado efetivo e dirigente.

No caso do Brasil, a Constituição de 1988 ampliou de forma nunca antes imaginada a tutela do Estado para com o cidadão. Nela, os direitos humanos como direito a saúde, a educação, a moradia, cultura, segurança e lazer, dentre outros, deixaram de ser um serviço público discricionário para ser um direito efetivo do cidadão, diferente das constituições anteriores, comprometendo todas as unidades federativas em competências comuns a respeito desses direitos. Ela inovou quando determinou como seu fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana, quando declarou entre seus objetivos a solidariedade, a justiça e a erradicação das desigualdades sociais e quando previu várias ações constitucionais que possibilitam efetivação de seus preceitos programáticos e a tutela dos direitos sociais. A Constituição atual é uma Constituição comprometida com os direitos humanos elegendo a dignidade humana como grande principio norteador e prevendo os meios concretos de sua efetivação.

Além disso, previu-se textualmente a possibilidade da Administração Pública ser responsabilizada civilmente por ações e omissões que causem danos ao cidadão, com seus órgãos e agentes devendo indenizar os prejuízos que causarem aos particulares no exercício da atividade administrativa. Conforme a Constituição em seu art. 37 § 6º:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Fazendo um apanhado histórico do instituto da responsabilidade civil, já existiu no passado a teoria da não responsabilização do Estado pelos atos praticados pelos agentes que causassem danos aos particulares. Existiu a teoria da responsabilidade com culpa do Estado, chamada de subjetiva, segundo a qual existe a obrigação de indenizar apenas se os agentes tenham agido com culpa ou dolo. Existiu também a teoria da culpa administrativa pela qual é dever de o Estado indenizar o dano sofrido pelo particular somente no caso de comprovada existência de falha da atividade administrativa (o serviço público não funcionou ou funcionou mal e causou dano). Por fim, existe a teoria do risco integral, que jamais foi acolhida no Brasil, por meio da qual basta que exista o dano para que surja a responsabilidade civil, mesmo que o dano decorra de culpa exclusiva do particular. A teoria do risco integral jamais foi acolhida em quaisquer das constituições republicanas brasileiras.

No Brasil, adotou-se a responsabilidade objetiva do Estado e, para ela acontecer, basta apenas a existência do dano e do nexo causal entre o dano e a conduta do agente público. Mesmo o concessionário ou permissionário de um serviço público vão responder objetivamente perante os usuários. O Estado responde objetivamente ainda que o serviço público seja prestado por um delegatário do Poder Público e ainda responde civilmente por omissões.

Percebe-se que houve uma grande mudança de paradigma com a transformação que aconteceu com a compreensão da responsabilidade civil do Estado. Foi um instituto pertencente, na origem, ao Direito Privado e agora passa a ser aplicável ao Direito Público.  Isto acontece porque desde a Antiguidade existia a dicotomia clássica entre o Direito Público e o Direito Privado e competia ao Direito Público apenas garantir e efetivar a aplicação dos direitos fundamentais, isto é, os direitos de primeira dimensão, primordialmente o direito a liberdade e o direito a propriedade. E ao Direito Privado competia a regulamentação da relação entre particulares, sem a intervenção estatal, reinando em absoluto o princípio da autonomia privada, desconsiderando qualquer desigualdade que concretamente poderia surgir. Portanto, privilegiava-se o indivíduo como titular de direitos, desvinculados de suas relações sociais. Era o homem apenas objeto das relações jurídicas.

Na sua origem, a codificação das leis surgiu como a maneira de generalizar certas orientações importantes para a sociedade, a fim de que esta as compreendesse em sentido idêntico. Dessa maneira, em tese, oferecia segurança e uniformidade de comportamentos, principalmente entre os particulares. Em consequência, o centro do ordenamento jurídico passou a ser o Código Civil, reduzindo a Constituição a mera lei orgânica positivada. Inclusive tinha maior importância do que a própria Constituição, por trazer maior segurança às relações entre os homens. O Direito Civil codificado seria autossuficiente, não necessitando de outros textos para solucionar os conflitos.

O Código Civil era considerado um sistema fechado, axiomático dedutivo, gerando a autossuficiência do Direito Civil até recentemente. A interpretação e aplicação do direito não era de forma valorativa, mas apenas formal, resumindo-se em isolar o fato e aplicar a norma, sem qualquer ingerência de valores sociais. Era o racionalismo jurídico, sendo o juiz mero aplicador da lei. Logo, impossível, ao ver da época, uma inter-relação entre os Direitos Fundamentais e o Direito Privado, o que existia era tão somente uma hierarquia formal entre a Constituição e o Código Civil. Esta ordem jurídica provocou, porém, profundas injustiças individuais e sociais fazendo surgir as grandes revoluções e guerras mundiais que mudaram a situação mundial.

Atualmente, as Constituições contemporâneas deixam de ser um conjunto de normas que contém apenas elementos de Direito Público mas preveem também as relações entre os particulares. Exemplo disso é a nossa Constituição de 1988 onde seu Titulo I refere-se aos princípios fundamentais, o Titulo II aos direitos e garantia, o Titulo VII estabelece disposições sobre a ordem econômica e financeira e o Titulo VIII sobre a ordem social constituindo, assim, um verdadeiro corpo normativo de Direito Privado. Há também a previsão da Responsabilidade Civil do Estado por ações e omissões com obrigação de indenizar. E previu a tripartição de poderes ou funções do estado com o poder judiciário como guardião da constituição.

Com isso, apesar de existir certos Poderes da República responsáveis diretamente pelas políticas públicas, como o Poder Executivo e o Legislativo, conforme previsão constitucional, o Poder Judiciário como guardião da Constituição também está comprometido com esta efetivação. Ele pode obrigar o Poder Executivo e seus órgãos a determinadas práticas como indenizar por ações e omissões no seu múnus público, fazendo Justiça no caso concreto ao cidadão prejudicado pela Administração Pública.

O fundamento do instituto da Responsabilidade Civil está no fato de que todo dano merece ser indenizado. A Responsabilidade Civil nasce de uma necessidade da sociedade na busca de um equilíbrio nas relações humanas pois não se pode aceitar que o causador de um dano fique sem qualquer consequência ou punição por seu ato danoso e, tampouco, que quem sofre o dano deva ficar sem qualquer reparação ou compensação. Portanto, a Responsabilidade Civil abrange tanto um aspecto jurídico quanto moral.

Com relação à Responsabilidade Civil do Estado, negar uma indenização pelo Estado ao cidadão por seus atos administrativos que causem danos, ou devido à omissão desses atos, é subtrair do poder público a sua função primordial de tutelar o direito e proteger a justiça. A responsabilidade civil do Estado passa para o campo do direito público, com base no princípio da igualdade de todos perante a lei, pois entre todos devem ser distribuídos equitativamente os ônus e encargos.  Se o dano foi causado pelo Estado, e este atua em nome da sociedade, então a responsabilidade acaba sendo desta, que deve suportar os custos pelos prejuízos, que, por conseguinte, serão distribuídos, indiretamente, a cada indivíduo. Assim, a justiça fica restabelecida, uma vez que o dano causado a um terceiro será absorvido por toda a sociedade.

O Estado pode ser definido como uma comunidade humana fixada num território e que, dentro das suas fronteiras, institui uma forma de organização do poder político soberano com o fim de garantir a segurança, a justiça e o bem-estar econômico e social.  As funções do Estado Contemporâneo, entre outras, são as funções políticas que visam promover a paz social, gerindo a administração pública e aplicando os recursos na satisfação das necessidades coletivas. São também as funções sociais que objetivam promover a melhoria das condições de vida e de bem-estar da população. E por fim, são as econômicas, pretendendo-se estabilizar a economia, garantir o seu bom funcionamento e promover o crescimento e desenvolvimento econômico.

O Estado deve promover a eficiência, a estabilidade e a equidade. Deve assumir-se como dinamizador, regulador, planificador e fiscalizador da atividade econômica. A Administração Pública engloba o conjunto de serviços aos quais compete desempenhar as atividades tradicionais do Estado. Não visam ao lucro mas a satisfação das necessidades coletivas como saúde, educação, segurança etc.

Por seu turno, a Constituição atual, que tem a função de organizar o Estado, é uma Constituição claramente comprometida com os direitos humanos. Ela elege a dignidade humana como grande principio norteador e prevê os meios concretos de efetivação, principalmente através do Poder Judiciário. E previu inclusive a responsabilidade civil da Administração Pública com seus agentes devendo indenizar os danos que causarem aos particulares no exercício da atividade administrativa.

Também chamada de Responsabilidade Civil do Estado, a Responsabilidade Civil da Administração Pública é objetiva, prescindindo de dolo ou culpa. Existindo o dano e existindo o nexo de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular surgirá a responsabilidade civil da Administração. Trata-se de positivação da teoria do risco administrativo, por meio da qual se fundamenta que ao exercer sua atividade, o Estado cria riscos que deve suportar. Assim, mesmo no caso de funcionamento correto da atividade administrativa, poderá existir responsabilidade civil do Estado ou das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras do serviço público no caso de ação ou omissão que cause dano a um indivíduo.

Assim, é correto dizer que apenas deve ser comprovado o nexo causal entre o dano e a conduta do agente público para haver direito a reparação. Não só o concessionário, o permissionário ou o delegatário de um serviço público responde objetivamente perante os usuários do serviço público mas qualquer servidor público responde objetivamente apor suas ações e omissões.

Este é o Estado Democrático de Direito onde se busca a justiça material e a efetividade prática dos direitos humanos. Ele é marcado pela superação da dicotomia clássica entre Direito Público e Direito Privado pois as instituições do Direito Civil vinculam-se progressivamente ao Direito Público em um mundo econômico e jurídico cada vez mais inter-relacionado. A funcionalidade e, sobretudo, a eficácia do Direito Privado, exigem essa correlação. A ordem pública e a comunitária e, portanto, todas as entidades públicas e privadas encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Na época atual de grave crise econômica mundial todos os Estados são chamados a intervir mais fortemente nas suas economias, seja no nível macroeconômico ou microeconômico. Isto para promover o crescimento e o desenvolvimento nacional através de ações de planejamento e mesmo prestar direta ou indiretamente os serviços de que o povo necessita se tornam imprescindíveis. Daí que a possibilidade de responsabilizar o estado e seus agentes por ações danosas ou omissões em suas funções vai se tornar um importante mecanismo para qualquer cidadão garantir seus direitos básicos essenciais. Ou ao menos uma justa compensação financeira por eventos danosos ou omissões injustificáveis que lhe cause prejuízo.

Por outro lado, percebe-se nos noticiários políticos um grande aumento das notícias de corrupção de servidores públicos que deixaram de lado o interesse público em nome de interesses particulares com desvios de verbas pública aos bilhões de reais quando não a simples malversação de dinheiro público por imprudência, negligência ou imperícia. Estes poderiam e deveriam ser responsabilizados civilmente por suas ações e omissões.

Por todo o exposto, salta aos olhos a importância e a atualidade do trabalho em questão. É grande a irresponsabilidade e a desídia dos servidores públicos em geral e dos governantes em particular no trato do dinheiro público e da coisa pública como um todo. Espera-se contribuir para esse debate onde princípios, direito e justiça estão envolvidos.


OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Os direitos humanos fundamentais costumam ser classificados pela doutrina clássica como direitos humanos subjetivos com aplicação nas relações das pessoas com o Estado e com a sociedade, preceituados ou não nas Constituições.  Modernamente, entretanto, se entende que a natureza jurídica dele é dúplice, ou seja, os direitos fundamentais seriam os únicos direitos que ao mesmo tempo são direitos subjetivos e objetivos.

De um lado, eles são categorias especiais de direitos subjetivos porque ligados à condição de pessoa humana e, de outro lado, são partes integrantes dos direitos objetivos, da ordem jurídica uma vez que possuem a estrutura de princípios. De tão importantes que são os direitos fundamentais, a teoria moderna desses direitos prescreve que os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos podem preponderar até sobre a Constituição se eles forem mais benéficos à pessoa humana.

Os direitos fundamentais, desde o seu surgimento ainda no século XIII, passando pelas Constituições dos séculos XVII e XVIII até chegar aos dias atuais, atravessaram transformações significativas, especialmente no século XX, com o fenômeno da modernidade. A doutrina entende que são quatro as etapas dessas transformações: a primeira etapa teria sido a sua constitucionalização nas Declarações de Direitos que integraram as primeiras Constituições liberais e, posteriormente, nas Cartas liberais e democráticas que se foram sucedendo nos diversos países. A segunda fase caracterizou-se pela progressiva extensão dos direitos, passando pela liberdade, reconhecida, de forma mais ampla, como direito de associação, e pela consideração de direitos civis também como direitos políticos, chegando até o direito ao voto para homens e mulheres. A terceira etapa, que alcança o período atual, é a da universalização dos direitos, iniciada com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, representada pela transposição do Direito para fora dos limites internos de cada país, proporcionando ao indivíduo a possibilidade de invocar outras esferas superiores de justiça, inclusive contra o próprio Estado, o que o transforma em sujeito do direito internacional. Uma quarta etapa, mais recente, estende a proteção a direitos muito específicos, ligados a questões de sexo, idade, saúde, deficiências físicas e mentais, entre outras.

Como foi dito acima, os direitos fundamentais passaram por alterações na sua compreensão ao longo da história. Daí decorrem as diferentes gerações, ou gestações dos direitos fundamentais. Classicamente, são três as gerações dos direitos fundamentais e historicamente a Revolução Francesa é a origem e o fundamento deles. Os direitos fundamentais de 1º Geração seriam os direitos de liberdade e propriedade e são direitos influenciados pelo valor da liberdade. Seriam os direitos individuais de ir, vir e ficar: o direito à segurança, o direito à propriedade, patrimônio etc.

Os direitos fundamentais de 2º Geração seriam os direitos influenciados pelo valor da igualdade. Seriam os direitos sociais e visam à igualdade mesmo que utópica entre os trabalhadores, tais como a igualdade quanto à previdência social, a cultura, a educação o desporto etc.

Os direitos fundamentais de 3º Geração seriam os direitos influenciados pelo valor da fraternidade ou solidariedade. Seriam os direitos difusos, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado e sadio, o direito à paz mundial, o direito às telecomunicações, o direito ao patrimônio público etc.

Alguns autores sustentam a existência da 4a Geração de direitos fundamentais relacionados ao processo de globalização, tendo como exemplo o amplo acesso à informação e o direito à democracia etc.

O conceito atual de Constituição como ápice do ordenamento jurídico e preocupada com a proteção aos direitos humanos só foi possível depois da consolidação do Estado Moderno, depois do surgimento da noção de soberania estatal. Na maioria dos países europeus, o Estado nacional só começa a se formar em meados do séc. XVI e final do séc. XV. Até então, não havia um poder único, não existia a ideia do Estado como titular do monopólio e do uso legítimo da força, centro único de produção de normas jurídicas, mas, ao contrário, o poder era fragmentado e desconcentrado.

Com a unificação do Estado vem à tona um movimento chamado de Iluminismo, e que foi um dos responsáveis pela unificação dos Estados Nacionais. O Iluminismo foi uma filosofia racionalista, buscava libertar o homem da tradição, do preconceito e alicerçar todo conhecimento humano na razão. O Iluminismo era essencialmente uma filosofia antropocêntrica, quer dizer, uma filosofia que centrava as suas preocupações na figura do homem, diferentemente do pensamento até então em que o centro das preocupações a religião.

Para proteger o homem e potencializar os valores humanitários, que eram o objetivo do iluminismo, era preciso, antes de tudo, limitar esse poder estatal que era um poder absoluto quando o Estado nacional se formou. O chamado Estado Absolutista se confundia com a figura do rei monarca que não conhecendo limites jurídicos, e sua atuação invariavelmente atropelava os direitos humanos.

Esse foi o nascimento do constitucionalismo que foi a expressão jurídica da preocupação com a proteção dos direitos humanos fundamentais. Para isso, a ideia era de criar uma determinada estrutura para o Estado, de tal sorte que ele não pudesse violar os direitos humanos. A tripartição e a separação de poderes surge para dividir o exercício do poder e com isso nenhum poder vai se sobressair, nenhum poder vai controlar os outros poderes e assim os direitos do homem não serão violados.

Além disso, o Estado vai ser limitado através da definição e positivação dos direitos fundamentais, que vão consistir em barreiras protegendo a autonomia privada da intervenção indevida do poder público. Esses direitos, nesse primeiro momento, vão consistir em deveres de abstenção estatal, o Estado vai garanti-los, vai protegê-los se omitindo, deixando de agir.

Então, o Estado mínimo foi quase que uma consequência dessa visão dos direitos humanos. O Estado se restringia ao desempenho de tarefas muito limitadas, ele protegia somente a propriedade, a segurança interna e externa. Com o passar do tempo foi se tornando claro que aquele modelo de Estado absenteísta, ausente, não bastava. O Constitucionalismo Liberal ao proteger apenas a propriedade privada, ao criar o arcabouço institucional necessário para o desenvolvimento apenas do comércio, da indústria e da atividade econômica como um todo, permitiu que o capitalismo se tornasse um capitalismo selvagem e desumano, com a injusta exploração econômica do homem como se fosse mercadoria. Naquela época, mulheres e crianças trabalhavam até 18 horas por dia com um salário miserável, sem nenhuma proteção da sociedade e do Estado.

Então começaram a surgir críticas a esse modelo de Constitucionalismo Liberal. Uma delas partiu do filósofo Karl Marx, muito influente até hoje. Para ele, a história das liberdades, da Revolução Francesa, do Estado de Direito, era só um artifício para esconder a dominação de uma classe social sobre a outra, estando dentro da superestrutura que visa dar um verniz de legitimidade a uma situação de exploração da burguesia sobre o proletariado. Surgiram várias outras críticas não tão radicais, como por exemplo, o Socialismo Utópico, a Doutrina Social da Igreja e outras mais.

Essas ideias ganharam um canal que pelo qual elas puderam ser trazidas para dentro do universo jurídico e para dentro do universo constitucional. Paralelo à consagração da ideia de igualdade, paulatinamente foi se estendendo o direito de voto a parcelas cada vez maiores da população e essas parcelas tinham agora como expressar as suas vontades através de mecanismos juridicamente institucionalizados. Uma das conquistas do iluminismo foi a recuperação do ideal democrático que tinha surgido na Grécia antiga.

A ideia brotou ali, mas a extensão do direito de voto e do poder político a parcelas cada vez maiores da humanidade foi fruto de lutas seculares e sangrentas. O deslocamento do eixo do poder político levou a que se incorporasse a noção de cidadania a parcelas cada vez maiores que tiveram como expressar as suas demandas. Então, por isso e por uma série de outras razões econômicas, a virada do século XIX para o século XX vai assistir uma mudança no paradigma de Estado que se refletiu diretamente no conceito de Constituição e de Constitucionalismo.

A Constituição até então era concebida apenas como uma limitação ao poder estatal. O papel das Constituições era estruturar o Estado e fortalecer o elenco de garantias individuais que impedissem que o Estado violasse as liberdades do homem, um papel relativamente reduzido. As Constituições eram apenas contenções ao poder estatal. Ora, com essas novas necessidades, essas novas demandas da sociedade, o Estado teve que crescer para atendê-las. Com esse crescimento o Estado abdicou do papel de mero espectador dos conflitos distributivos que se travavam no seio da sociedade civil e foi paulatinamente assumindo a função de regulador do mercado, de protagonista, inclusive do processo econômico.

Por outro lado, os direitos que as pessoas tinham em face do Estado foram também se alterando. Se até então os direitos humanos eram um direito a abstenção do Estado, com esse novo paradigma vão surgir outros direitos positivos, direitos cuja prestação vai consistir numa atuação comissiva, ativa, do poder público, como por exemplo, o direito à saúde, educação, previdência social, etc. São pretensões que demandam do poder público um crescimento, que demandam atuações positivas que para serem concretamente desempenhadas, necessitam de um Estado maior.

Foi essa a gênese do chamado Estado do Bem Estar Social, o qual projetou consequências extremamente importantes na compreensão do que é uma Constituição preocupada com a justiça. Se a Constituição, até então, regulava apenas as relações jurídicas entre cidadão e Estado, agora a Constituição passou a se ocupar com a sociedade. Então, o Estado vai passar também a agir para proteger o homem do próprio homem e com isso nós vamos ter o surgimento do direito social, do direito do trabalho a constitucionalização dos direitos privados. A Constituição passa também a ser o epicentro do ordenamento jurídico, o centro gravitacional em torno do qual giram todos os demais ramos do direito.

O novo conceito que corresponde ao Estado do bem estar social e a mudança no paradigma do Estado se refletiu na modificação do conceito de Constituição. A Constituição não é mais aquela norma que disciplina apenas as relações entre cidadão e Estado e que por isso tinha que ser mínima. A Constituição do Estado do bem estar social é ambiciosa, ela pretende ir além, estabelecendo metas e prescrevendo objetivos que as forças políticas vão ter que cumprir. Nasceram principalmente através das Constituições Mexicanas, Soviéticas e Alemã.

Por fim, após a segunda grande guerra mundial, sobreveio a instituição de outra forma de Estado que é o Estado Democrático de Direito, que no Brasil se materializou, ao menos formalmente, na Constituição de 1988. O Estado Democrático de Direito é concebido com base em dois fundamentos: respeito aos direitos fundamentais, aos direitos sociais e a democracia.

O Estado Democrático de Direito é, portanto, uma evolução em relação ao Estado Social, na medida em que o Direito é visto com instrumento necessário à implantação das promessas de modernidades não cumpridas pelo Estado Social. Desta forma, há um inevitável deslocamento do centro de tensão e decisão dos Poderes Legislativos e Executivo para o Poder Judiciário com a Jurisdição Constitucional.

O Estado Democrático de Direito e Constituição Dirigente são conceitos e institutos intimamente ligados; são instrumentos garantidores da conformação dos poderes constituídos com a finalidade precípua de implementarem as promessas de uma igualdade material. O Direito, portanto, assume relevante papel nessa empreitada, na medida em que é o instrumento de conformação social, frente à inércia dos outros poderes. Por outro lado, antiga separação de poderes de índole iluminista está em crise porque as urnas não possuem hoje um papel único de fonte de legitimação democrática do poder. Democracia e representação popular não são expressões sinônimas, pois a primeira significa antes de tudo vontade popular.

O tema direitos humanos vai interessar basicamente aos hipossuficientes, que são pessoas que precisam do Estado para que possam concretizar direitos humanos relacionados à igualdade, pois estão à margem da sociedade. Mas não a uma igualdade puramente formal, mas a igualdade em um aspecto mais profundo, uma igualdade que é traduzida numa possibilidade concreta de uma melhor qualidade de vida para as todas as pessoas com relação à saúde, a moradia, educação, lazer e a cultura, principalmente para aqueles que dependem do Estado para que possam concretizar essa igualdade.

O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, um ato importante para a efetivação dos direitos humanos em todo o mundo, bem como vários outros tratados internacionais a respeito. Esses documentos foram ratificados pelo Brasil no ano de 1992, que foi o ano também da ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, que traz também uma série de compromisso do país com os direitos sociais. Com isso, há um comprometimento formal de nosso país com a comunidade internacional para implementar estes direitos, mas objetivamente falta concretizá-los na realidade social.

O fato é que até hoje em nosso país esses direitos não foram implementados. A população, em sua grande maioria, continua morrendo nos hospitais públicos devido ao atendimento médico deficiente e a falta de saneamento básico, a cultura existe apenas para uma elite social e mesmo o acesso à justiça é privilégio apenas de uma classe social, pois para sua implementação são necessários informação e educação, direitos sociais que também não são acessíveis a todos. Por outro lado, a Constituição de 1988 quis um bem estar social para todos e não apenas para a elite, se qualificando como uma Constituição compromissória, preocupada ainda que formalmente com todos os seus cidadãos. Disso trata-se a seguir.


A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS

Com o surgimento da Constituição de 1988, uma constituição eminentemente principiológica, os princípios constitucionais passaram a ser aplicados a todo o Direito. A visão moderna é no sentido de que o princípio tem força normativa e, no momento de dizer o direito o intérprete deve somar preceito e princípio. Os pilares básicos do Direito Constitucional que são a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a isonomia, vão permear todo o ordenamento jurídico

Os juristas empregam o termo princípio em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro sentido seriam super normas, ou seja, normas que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas, ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois sentidos iniciais, tem o termo tem uma conotação prescritiva; no último, a conotação é descritiva: trata-se de uma abstração por indução.

Entretanto, em que pese o vocábulo princípio ter como uma de suas características essa indeterminação conceitual e dimensional, o certo é que, atualmente, os princípios jurídicos, sob qualquer prisma que lhe seja atribuído o enfoque, ganharam, ou melhor, tiveram reconhecido seu intenso grau de juridicidade. Ou seja, deixaram de desempenhar os princípios um papel secundário, para passar a cumprir o papel de protagonistas do ordenamento, ganhando, nessa medida, o reconhecimento de seu caráter de norma jurídica potencializada e predominante. Tanto que a doutrina prescreve que violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

É inegável que os princípios possuem positividade e vinculatividade, o que lhes confere a qualidade de normas que obrigam e possuem eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados, bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas, tais como as regras, ou mesmo os princípios derivados de princípios mais abstratos.

Historicamente, a normatividade dos princípios jurídicos perpassa por três distintos capítulos: o jusnaturalismo, o juspositivismo e o pós-positivismo. O jusnaturalismo moderno inicia sua formação a partir do século XVI. E tal escola tinha por objetivo deixar para traz o dogmatismo medieval, bem como escapar do ambiente teológico em que se formou e desenvolveu. Na fase jusnaturalista, os princípios ocupavam uma função meramente informativa (para valorar como certo ou errado, conforme a norma de direito positivo se conformasse ou não às diretrizes dos princípios), mas sem qualquer eficácia sintática normativa. Nesta fase os princípios jurídicos eram situados em esfera metafísica e abstrata, sendo reconhecidos como inspiradores de um ideal de justiça, cuja eficácia se cinge a uma dimensão ético-valorativa do Direito. Tamanha foi a influência histórica da escola jusnaturalista que, já no século XIX, com o advento do Estado Liberal muitos dos preceitos seguidos pelos jusnaturalistas foram incorporados em textos escritos. Era a superação histórica do naturalismo.

Com a promulgação dos Códigos, principalmente do Napoleônico, o Jusnaturalismo exauria a sua função no momento mesmo em que celebrava seu triunfo. Transpondo o Direito racional para o Código, não se via nem admitia outro direito senão este. O recurso a princípios ou normas extrínsecos ao sistema do direito positivo foi considerado ilegítimo. Surgia o positivismo. Nesta fase, tinha-se a pretensão de criar uma Ciência Jurídica com objetividade científica e características similares das conferidas às Ciências Exatas. Apartava-se, assim, o Direito da Moral, de modo a inseri-los em compartimentos estanques para fins científicos.

O grande impacto do positivismo e o culto velado a seus dogmas legitimou, ainda que sob vestes travestidas, a feitura de autoritarismos dos mais diversos. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram uma barbárie em nome da lei. A queda do Positivismo coincide com uma época em que o homem passou a se preocupar mais com os direitos sociais, atribuindo uma dimensão superior à necessidade de se solucionar conflitos independentemente das leis, viu-se que não é sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social.

Era o início do pós-positivismo jurídico. A nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. E os princípios, analisados como espécies de normas, tinham, ao contrário das regras, ou leis, um campo maior de abrangência, pois se tratavam de preceitos que deveriam intervir nas demais normas, inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo, se ressalte, para garantir os direitos humanos. No pós-positivismo, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes.

A superação histórica do Jusnaturalismo e o fracasso político do Positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acercado do Direito, sua função social e sua interpretação. O Pós-Positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada Nova Hermenêutica Constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação explícita ou implícita pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.

Os princípios têm uma dimensão de peso de tal forma que quando dois princípios incidirem sobre o caso concreto e apontam em direções diferentes, o intérprete não é necessariamente forçado a escolher por um princípio em detrimento do outro. Com princípios não há propriamente antinomia. Existem tensões entre princípios que se equaciona através de uma ponderação. O princípio não define de antemão, ao contrário da regra, quais são as hipóteses em que ele vai incidir. A regra permite uma subsunção do fato à norma, ao contrário do princípio. A característica dos princípios é que eles são fluidos, têm um teor mais aberto, permitem arejar o direito, permitem que ele se adapte às mudanças que ocorrem na sociedade, humanizam a aplicação do direito e tornam mais relevante o papel do intérprete.

Os princípios estão associados a direitos. Os princípios são instrumentos que permitem uma leitura moral da Constituição. Moralidade da Constituição vem, sobretudo, em virtude dos princípios. São exemplos de princípios em sentido amplo as diretrizes políticas e os direitos previstos nas constituições.

Eles são um mandado provisório, isto é, a resposta dada por eles não é necessariamente a resposta definitiva, eis que você pode perquirir que outros princípios incidem, ponderar, aquilatar diante das circunstâncias específicas que cercam o caso concreto qual a melhor solução. As regras, ao contrário, são comandos definitivos. Assim, pensar em princípio seria pensar em proporcionalidade, a resolução de conflitos principiológicos se resolve através de uma ponderação que vai se pautar na proporcionalidade.

Uma Constituição que contivesse apenas regras não iria ter a maleabilidade suficiente para acomodar todas as infinitas variações do fato social. Por outro lado, uma Constituição que contivesse apenas princípios seria tão abstrata que geraria um clima de permanente insegurança jurídica. Os princípios acabam permeando a interpretação da regra. Todavia, o processo não é unilateral, no sentido de extrair as regras dos princípios. É um processo de esclarecimento recíproco, no qual você interpreta a regra à luz do princípio do qual ela decorre e por outro lado, o sentido do princípio é informado pelo conteúdo das regras que constituem os seus desdobramentos.

O importante é mostrar como é que a aplicação de um princípio envolve uma margem de indeterminação, de maleabilidade, muito maior. Só que não é subjetividade pura, não é arbítrio, exige o emprego da racionalidade prática, é argumentação jurídica, é uma lógica que não se confunde com a lógica matemática da subsunção. O que se deve observar é que nem princípio é menos nem princípio é mais. Regra é muito importante, já que o ordenamento jurídico precisa de segurança, previsibilidade.

No Brasil, o marco zero desse novo Direito que privilegia os princípios constitucionais sobre a regra posta, que fez com que todo o ordenamento jurídico passasse a ser analisado à luz da Constituição Federal, foi a Constituição de 1988. A carta passou a ser o centro do sistema jurídico, ocupando o trono de onde, até então, reinava o Código Civil. Em outros países, como a Alemanha, essa mudança começou a ser construída antes, no pós-guerra.

No novo patamar da Constituição, o juiz deixa de ser apenas “a boca que pronuncia a lei”, como um ser inanimado, e passa a aplicar à legislação as garantias fundamentais das pessoas. Conceitos como o jusnaturalismo (o homem tem direitos naturais que não dependem de leis para serem respeitados) e o positivismo (o direito é somente aquilo que diz a lei) quase saíram de circulação. Em seus lugares, surge o pós-positivismo, que é o fenômeno jurídico que hoje presenciamos. Sem desprezar a lei, o juiz a interpreta tendo como norte a Constituição, naqueles casos em que se entende que o direito não cabe integralmente na norma legislada. Os grandes valores da humanidade migram para o mundo jurídico pela porta dos princípios constitucionais reaproximando a ética e o direito. Neste caso, o juiz é participante do processo de construção do direito.

As teorias tradicionais não estão derrotadas, mas não são suficientes para resolver os graves problemas sociais presentes na realidade. Devido ao Constitucionalismo Democrático o Judiciário é agora chamado a impor, não a sua vontade, mas a vontade da Constituição aos agentes eleitos dos outros poderes da República para essas obrigações. A Constituição, nesse modelo, desempenha o papel de assegurar as regras do jogo democrático, propiciando participação política ampla e o governo da maioria e proteger valores e direitos fundamentais Os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, do Mínimo Existencial Humano, da Máxima Efetividade da Constituição, Força Normativa da Constituição, da Juridicidade e da Reserva do Possível são princípios explícitos e implícitos em nossa Constituição.

Quanto ao princípio do mínimo existencial, o principio corresponderia ao conjunto de situações materiais indispensável a existência humana digna, considerada não apenas como sobrevivência física mas também espiritual, intelectual e outros aspectos humanos fundamentais de um estado de direito. É como se todas as pessoas tivessem direito ao mínimo de direitos fundamentais necessários a uma vida digna e o fundamento axiológico deste principio é a dignidade da pessoa humana.

A aplicação do principio da reserva do possível na Administração Pública surge a partir da constatação que as necessidades humanas são infinitas enquanto os recursos são limitados para essa satisfação. O Estado não é o provedor universal de todas as necessidades humanas. No caso, a ponderação judicial precisa considerar o que é economicamente viável a ser prestado pelo Estado. O princípio é formado pelo binômio razoabilidade da prestação somado a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivos as prestações positivas dele emanadas. Importante asseverar que o principio não configura óbice ao implemento das políticas sociais pelo Poder Judiciário, salvo se o Estado conseguir comprovar a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível.

Quanto ao principio a vedação ao retrocesso social, a vontade do Estado, ente permanente, e não apenas do Governo, temporário por natureza, deve prevalecer. As políticas públicas são direitos públicos subjetivos como, por exemplo, o programa do atual governo federal conhecido por Bolsa- família de ajuda a milhões de famílias carentes, o programa Farmácia Popular e outros programas sociais. Expressa a ideia de que uma vez obtido um determinado grau de realização dos direitos sociais eles passariam a constituir simultaneamente uma garantia constitucional e um direito subjetivo que impediriam que novos governantes anulassem, ou revogassem conquistas sociais. Como o destino do país não é previsível e como a administração pública precisa de liberdade para conduzir o país, obviamente não se trata de um principio absoluto.

Sobre o principio da máxima efetividade, força normativa e juridicidade, esses princípios tem uma carga axiológica comum, tendo em vista que defendem a eficácia direta e imediata de todos os dispositivos presentes na Constituição, inclusive os que possuem conteúdo programático. São formados por uma legalidade material com suas regras e princípios em substituição a uma visão mais conservadora do direito alinhada a legalidade em sentido formal. Não se pode mais ter uma leitura rígida da separação de poderes. Mas deve haver uma preocupação com a Justiça.


O ESTADO CONSTITUCIONAL

A sociedade atual, fruto das grandes transformações políticas, econômicas e sociais dos séculos anteriores, surge basicamente do triunfo histórico do Sistema Capitalista e da Revolução Industrial, que modificaram as relações de produção industrial, a circulação de mercadorias e o trabalho humano.

Com a globalização mundial, provocada principalmente pelo desenvolvimento tecnológico da informática, das telecomunicações e dos transportes, houve um incremento das trocas internacionais. Os países foram gradativamente tendo menos fronteiras uns com os outros, se integrando mais, numa grande interindependência o que tem ampliado incomensuravelmente o âmbito das relações políticas, sociais e econômicas inaugurando um grande mercado mundial, uma aldeia global.

Modernamente, o Estado aprimorou-se no sentido de ser um Estado intervencionista e dirigente, em busca da melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o Estado Liberal, que está apenas preocupado com a conduta individual, nem é o Estado Socialista, que suprime a iniciativa particular, mas é o Estado que busca o bem-estar social, a eficácia dos direitos humanos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, centro do nosso ordenamento jurídico.

Nossa Constituição inovou quando determinou como seu fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Inovou quando declarou entre seus objetivos a solidariedade, a justiça e a erradicação das desigualdades sociais e quando previu várias ações constitucionais que possibilitam efetivação de seus preceitos programáticos e a tutela dos direitos sociais. Ela uma Constituição compromissória com os direitos fundamentais e com os direitos sociais, elegendo a dignidade humana como grande principio norteador e prevendo os meios concretos de efetivação.

Nesse panorama, a Constituição Federal deu grande relevo ao Poder Judiciário, responsável direto em apreciar as violações a Constituição. É um dos três Poderes da Republica e tem a responsabilidade direta pela guarda da Constituição. Mais que isso, quando o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal prescreve que “nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça de direito”, o texto constitucional comprometeu os juízes em efetivarem a Constituição. Como consequência, comprometeu os juízes na implementação das políticas públicas, principalmente quando as políticas públicas não forem realizadas por quem deveria realizá-la ou quando há má prestação dos serviços públicos.

As políticas públicas são os atos, leis, diretrizes, programas que o Estado deve implementar para poder concretizar os direitos sociais que são garantidos na Constituição. Os direitos sociais precisam das políticas públicas para se efetivarem. São exemplos de Políticas Públicas a construção de hospitais, escolas, a compra de medicamentos, a contratação de médicos, a compra de merenda e livros escolares, a construção de um museu, a política estatal de incentivo ao mercado de trabalho. São ações concretas que visam efetivamente dar maior qualidade de vida principalmente aos hipossuficientes.

A fiscalização e a implementação pelos juízes das ações do Governo atualmente é um assunto que desperta grande polêmica no país em geral e no meio jurídico em particular. Fala-se muito num indesejável e temido governo dos juízes, um ativismo judicial tão comentado devido a uma série de recentes e importantes decisões judiciais onde os juízes adotaram decisões ousadas.

Porém, fica claro que, apesar de existirem, Poderes da República responsáveis diretamente pelas políticas públicas, como o Poder Executivo e o Legislativo, conforme previsão constitucional, o Poder Judiciário também está comprometido com a efetivação das ações do governo. Há legitimidade dos juízes para intervir nas políticas públicas pois a separação dos Poderes da República, com a correspondente separação de funções, previsto em nossa Constituição não tira a legitimidade do Poder Judiciário para atuar na implantação das políticas públicas.

Uma Constituição de um país pode ser definida como o sistema de normas, regras e princípios jurídicos escritos ou consuetudinárias que regulam a forma de Estado, a forma de Governo, o modo de aquisição e exercício do poder, o estabelecimento dos seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos e garantias fundamentais e a ordem econômica e social. O objetivo maior do Direito Constitucional é o que se chama de “filtragem constitucional”. Isso quer dizer que todas as espécies normativas do ordenamento jurídico devem existir, ser consideradas como válidas e analisadas sempre sob a luz da Constituição Federal. Através dessa observância é que se afere se elas são ou não constitucionais. É nesse momento que entra o controle de constitucionalidade responsabilidade do Poder Judiciário, para observar se as leis e normas estão compatíveis com a Carta Magna.

O controle de constitucionalidade é um dos temas mais sensíveis de teoria da Constituição, pois envolve em profundidade a questão democrática. O controle de constitucionalidade dá a quem não é eleito, no caso os juízes, o poder de afastar as decisões tomadas pela maioria, pelos representantes do povo. A ideia é colocar certas decisões fundamentais ao abrigo mesmo das paixões das maiorias. Aqui percebemos que o Poder Judiciário é chamado a uma importante missão em nossa República.

A única justificativa democrática do controle de constitucionalidade é a proteção das minorias. Democracia não é o governo das maiorias, é o governo das maiorias que respeitam os direitos das minorias. Sem controle de constitucionalidade, as maiorias podem prejudicar as minorias. Por isto, este tema, como qualquer instituto do direito constitucional, só pode ser bem compreendido à luz dos direitos fundamentais que é o núcleo de qualquer ordem constitucional, pois a Constituição nasce da necessidade de proteger o homem.

Inicialmente, quanto à aplicabilidade, a Doutrina classifica as normas constitucionais em auto-executórias e não auto-executórias. As normas auto-executórias são aquelas que estão aptas a produzir todos os efeitos esperados pelo constituinte enquanto as normas não auto-executórias são aquelas que precisam de algum tipo de regulamentação para a produção dos efeitos desejados pelo constituinte.

Uma outra classificação divide as normas constitucionais em normas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada. As normas de eficácia plena são aquelas que não precisam de regulamentação para produzir os efeitos desejados pelo constituinte. As normas de eficácia contida são aquelas que o constituinte permite ao legislador ordinário diminuir o alcance do que está previsto na Constituição.

As normas de eficácia limitada são aquelas que necessitam de regulamentação para a produção de seus efeitos. Elas se dividem em normas definidoras de princípios institutivos e normas de conteúdo programático. As normas definidoras de princípios institutivos são aquelas que vão criar órgãos e entidades previstas na Constituição. As normas de conteúdo programático por sua vez são aquelas que fixam metas e programas que devem ser alcançados pelo Estado. E são essas que diretamente nos interessam, pois elas prescrevem os direitos sociais.

Para a doutrina tradicional, os destinatários dessas normas não podem exigir do Estado a sua imediata aplicação. Para ela, as normas de conteúdo programático apenas vinculam negativamente o Estado, que, no desempenho de suas diversas funções, não poderá contrariar tais normas. O Estado só poderá criar leis compatíveis com as normas programáticas. No desempenho da função administrativa, o Estado deverá, porém, priorizar a materialização das normas programáticas, mas elas não teriam eficácia plena e imediata.

A nossa Constituição de 1988 inovou bastante quanto aos direitos humanos. Nas constituições anteriores não havia títulos constitucionais sobre direitos e garantias fundamentais e que pudessem hospedar como faz a Constituição de 1988, os direitos individuais, coletivos, sociais, relativos à nacionalidade e partidos políticos e políticos. Antes da Carta de 1988, a expressão direitos e garantias fundamentais era utilizada, pelas Constituições passadas, como sinônimo de direitos individuais. Então, direitos individuais, direitos fundamentais, liberdades públicas, direitos humanos, etc., eram expressões sinônimas porque indicavam o mesmo instituto, o mesmo fenômeno jurídico. A Constituição de 1988 desde logo instituiu o título II, no qual o legislador constituinte originário hospedou os direitos individuais e coletivos, sociais, da nacionalidade, políticos e de existência, organização e participação dos partidos políticos.


O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Em toda história humana, o ser humano sempre cuidou do que é seu, até com o objetivo de garantir a sua sobrevivência e a de seu grupo e apenas a essa forma de cuidar foi se alterando de acordo com a época histórica. O próprio surgimento do Direito surge dessa preocupação com as ações humanas que eventualmente feriam direitos de outrem sem que a haja a necessidade de buscar a justiça pelas próprias mãos. Essa evolução culminou com a possibilidade de responsabilizar civilmente o agente causador do dano aonde a sociedade vai buscar um direito mais justo e eficiente.

Atualmente existe uma tendência do instituto Responsabilidade Civil quase se tornar o centro das atividades jurídicas. A reparação dos danos que a atividade dos homens causa aos outros homens para muitos vai constituir o problema central do Direito contemporâneo. A Responsabilidade Civil vai ocupar na sociedade contemporânea um lugar de suma importância como consequência do grande desenvolvimento da sociedade.

Responsabilidade, no sentido jurídico, quer dizer o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico ou um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. O termo, em sentido amplo, encerra a noção de que se atribui a um sujeito o dever de assumir as consequências de seus atos.

A atual forma da Responsabilidade Civil é o produto de uma acentuada evolução através dos tempos. Nos primórdios o ofendido reagia ao dano de maneira imediata e brutal, movido por puro instinto. Nesta época predominava o sistema da vingança privada, foi a época da reparação do mal pelo mal. Em tal fase a culpa sequer era cogitada, bastava o dano, fato que possibilita classificar aquela responsabilidade de objetiva ou não subjetiva. A necessidade de regulamentação desse castigo posteriormente deu origem à pena do “olho por olho, dente por dente”, prevista na Lei de Talião.

Após esse período, surge o período da composição voluntária, no qual o ofendido passou a ter a faculdade de substituir a retaliação ao corpo do agente por uma compensação de ordem econômica. Passa o lesado a perceber as vantagens advindas desta mudança de conduta junto ao causador do dano. É o dinheiro substituindo o castigo físico. Nessa fase a culpa ainda não é cogitada como elemento necessário à indenização, ou seja, a responsabilidade também é objetiva, já que dispensa a análise da culpa.

Eis que com o surgimento da estrutura do Estado primitivo, mais precisamente com o surgimento de uma autoridade soberana, ocorre a proibição à vítima de fazer justiça com as próprias mãos. Com isso o Estado substitui o lesado na tarefa de dosar a pena ao agente causador do ato danoso e, então, a composição deixa de ser voluntária para ser obrigatória. Há a tarifação dos danos, sendo estipulado um determinado preço para cada tipo de lesão. Nessa época, na qual foram elaborados os Códigos de Ur Manu e da Lei das XII Tábuas, a responsabilidade também era objetiva, prescindindo da verificação da existência da culpa.

Com a Lei Aquília romana desponta um princípio geral da reparação do dano, sendo desta época as primeiras ideias acerca da noção de culpa. É a responsabilidade ganhando traços subjetivos, com a necessidade da averiguação da culpa do agente para a caracterização da obrigação de ressarcir. Nessa fase, além do distanciamento da responsabilidade objetiva, houve a cristalização da reparação pecuniária.

Na Idade Média o pensamento dos romanos foi sendo aperfeiçoado. Evoluiu-se da enumeração dos casos de composição obrigatória para um princípio geral, culminando, passo a passo, na consagração do princípio aquiliano, segundo o qual a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar. Após a Revolução Francesa (1789), já na Idade Contemporânea, surge o Código de Napoleão, com a previsão da responsabilidade contratual, bem como é feita a distinção entre a responsabilidade penal e a civil.

O Direito francês influenciou vários povos e, por consequência, a legislação de vários países, inclusive do Brasil. Assim, ainda que por via reflexa, o atual Código Civil e especialmente o revogado Código Civil de 1916, cuja vigência se estendeu até 2002, tiveram aquele Códex como fonte inspiradora, o que levou a consagração da teoria da culpa como regra no campo da responsabilidade civil.

A previsão legal o instituto da Responsabilidade Civil se encontra originariamente no art. 5º, V de nossa Constituição Federal que prescreve que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Bem como no art. 5º, X de nossa Constituição Federal que relata que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Também há previsão expressa no atual Código Civil quando prevê no art. 186 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Segue no art. 187 que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Prescreve por sua vez o art. 189. “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição”. Já o Título IV do Código Civil que abriga o instituto da Responsabilidade declara no art. 927 que “aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

O instituto da Responsabilidade Civil é parte integrante do Direito Civil, se inserindo em especial no Direito das Obrigações e obedecendo a seus princípios específicos. A principal consequência da prática de um ato ilícito, principal fonte da responsabilidade civil, é a obrigação que acarreta para seu autor de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.

Responsabilidade Civil, em termos gerais, é a obrigação de reparar o dano que nasce da prática de um ato ilícito ou da lei. Ora, o ilícito civil é diferente do ilícito penal. O Ilícito Penal está sujeito ao Princípio da Tipicidade, só é ilícito penal o que é típico, o que a lei tipifica, o que a lei define. No Direito Civil não é assim. O art. 186, CC vai prescrever que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

A diferença entre os dois ilícitos está na natureza, no tipo de sanção. Descumprida a Lei Penal, surge o ilícito penal, e aparece uma sanção que atinge, principalmente, a liberdade. Quem descumpre a Lei Civil, responde civilmente, só que não com a liberdade, responde com o patrimônio, a sanção civil é de natureza patrimonial. A pessoa que pratica um ato ilícito responde com seus bens que tem expressão econômica, porque esta pessoa que praticou o ato ilícito está causando um dano, então, ela vai pagar com bens de seu patrimônio para reparar o dano que ela causou.

Os elementos do ato ilícito civil vão ser extraídos do conceito que a lei fornece no acima citado art. 186, CC. Fazendo nova remissão: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

O primeiro elemento é a ação. Para que se possa falar em ato ilícito civil é necessário que haja uma ação, ou seja, é necessário que haja uma conduta, que inclui ação em sentido estrito, e inclui a omissão. O ato civil pode ser causado por uma ação ou por uma omissão.

O segundo elemento do ato ilícito é o dano, que é a lesão a um bem jurídico. Toda vez que um bem jurídico é atingido, é lesionado, ocorre o dano. O Código Civil diz, repetindo o que consta na própria Constituição, que é possível a reparação tanto do dano material quanto moral, pois “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Isto está na Constituição, no artigo 5º, inciso X.

A diferença entre dano material e dano moral é que existem dois tipos de bens jurídicos, por isto vão existir dois tipos de danos. Existem bens jurídicos que tem expressão econômica, ou seja, podem ser valorados em dinheiro, são os bens jurídicos, que compõem o nosso patrimônio. E a lesão ao bem jurídico que tem expressão econômica é o que chamamos de dano material ou dano patrimonial.

Agora, existem bens jurídicos que não tem expressão econômica. São os chamados direitos da personalidade. Eles são intransmissíveis, inalienáveis, não tendo expressão econômica, eles são inestimáveis. Eles pré-existem a nós, antes mesmo de nascermos eles já existiam, eles são pré-existentes.

Esses direitos da personalidade são, por exemplo, o direito à vida, a integridade física, à imagem, à honra, à liberdade em todos os seus planos (liberdade de expressão, de circulação), enfim, estes direitos da personalidade estão ligados a um princípio constitucional previsto no art. 1º, III, CF, o princípio da dignidade da pessoa humana.  Quando um direito da personalidade é atingido, direito esse sem expressão econômica, então o dano é chamado de dano moral ou dano extra patrimonial ou dano imaterial.

O dano moral não deve ser entendido como um simples aborrecimento, dor e sofrimento pois estes são apenas consequências do dano moral. O dano moral só vai ocorrer quando uma pessoa for atingida na sua dignidade humana.

Atualmente, fala-se muito na indústria do dano moral, pois o pedido judicial para indenização por dano moral está banalizado. São muitos os processos nos tribunais pedindo indenização por simples aborrecimentos comuns. O dano moral vai acontecer basicamente quando a dignidade for atingida, o direito da personalidade atingido, senão pode virar um enriquecimento sem causa. Por isso, segundo a doutrina, em regra, descumprir o contrato não enseja dano moral, porque para haver dano moral tem que ser atingida a dignidade da pessoa.

O valor da reparação do dano material vai se dar pelo cálculo das chamadas perdas e danos. As perdas configuram aquilo que a doutrina chama de dano emergente. Dano emergente é aquilo que a vítima do dano efetivamente perdeu e tem direito à efetiva reparação. Lucro cessante é aquilo que a vítima do dano razoavelmente deixou de ganhar.

O terceiro elemento do ato ilícito é a culpa. No Direito Civil, a culpa se configura no agir com vontade de causar um dano ou assumir um risco de causar um dano ou deixar de observar o dever de cuidado. O quarto, último e o mais importante elemento do ato ilícito é o nexo de causalidade, ou nexo causal. É o liame que une a ação ao resultado desta ação, que é o dano. O dano é o resultado da ação.

Excludentes de nexo de causal são aqueles comportamentos que estão ao redor da ação preponderante que gera o dano e que vão excluir o ato ilícito, e com isso o dever de indenizar. A primeira excludente do nexo de causalidade é o chamado fato exclusivo da vítima. Ocorre quando o dano sofrido pela vítima foi causado pela ação da própria vítima. No ato exclusivo da vítima existe a ação ou omissão enquanto no fato exclusivo da vítima no lugar da palavra fato está a palavra culpa.

O fato concorrente da vítima, por sua vez, vai servir como atenuante da Responsabilidade Civil. A vítima em parte causa o dano e vai ficar atenuada a responsabilidade civil do agente causador.

O segundo excludente de nexo causal é o fato exclusivo de terceiro. O dano é causado não por aquela pessoa que a vítima acusa, mas por um terceiro. O terceiro gera o dano da vítima então não haverá nexo de causalidade, logo não haverá Responsabilidade Civil.

A terceira excludente do nexo é a chamada cláusula de não indenizar. Essa cláusula na realidade não exclui nexo, o nexo esta presente, ou seja, uma pessoa com a sua ação vai causar o dano de outrem. Só que essa pessoa que pratica a ação não vai responder pelo dano porque houve um acordo, foi ajustado que ela não responderia. A cláusula de não indenizar exige que haja um contrato entre as partes no qual fica estipulado que ainda que uma ação da parte cause dano à outra, não haverá dever de indenizar.

Para ser válida e gerar efeitos é necessária a presença de bilateralidade onde as duas partes devem querer a cláusula. É por isso que, nos contratos de adesão, as cláusulas de não indenizar não são válidas, são nulas, não geram efeitos. O segundo requisito é que não seja vedada por uma lei cogente, por isso que é vedada a cláusula de não indenizar na relação de consumo. Prescreve o CDC no art. 25 que “é vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”.

Quarta e última excludente do nexo é o caso fortuito e a força maior. Prescreve o art. 393, CC que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. O seu parágrafo único relata que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. O caso fortuito e força-maior são noções distintas dos requisitos necessários para a "teoria da imprevisão" com fundamentos e efeitos diversos. O caso fortuito ou de força-maior só libera a responsabilidade civil quando acarreta a impossibilidade absoluta da execução enquanto que, em matéria de imprevisão, se atende a onerosidade excessiva da prestação.

A Responsabilidade Civil nasce da prática de um ato ilícito, e será classificada pela doutrina em contratual ou negocial e extracontratual ou aquiliana. A diferença é que na Responsabilidade contratual a prática do ato ilícito é dentro do contrato enquanto a Responsabilidade extracontratual é a prática de ato ilícito fora de contrato.

A Responsabilidade Civil pode ser subjetiva ou objetiva. A Responsabilidade Civil subjetiva faz uso de todos os elementos do ato ilícito que são a ação, o dano, o nexo causal e a culpa. Por essa teoria uma pessoa só vai responder civilmente quando a ação dela causou um dano e ela agiu com culpa. O ônus da prova dos quatro elementos que criam a Responsabilidade Civil subjetiva vai pertencer à vítima do dano.

A Responsabilidade Civil Objetiva, por sua vez, vai ter seu fundamento no risco inerente a algumas ações, isto é, na teoria é na Teoria do Risco. Existem ações perigosas, arriscadas que causam dano com uma grande probabilidade e a culpa vai ser um elemento presumido de modo absoluto. A previsão legal se encontra no art. 927 CC que prescreve que “haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem”.

Na Responsabilidade Civil objetiva, não se exige da vítima prova de culpa do agente, para que seja o mesmo obrigado a reparar o dano. Exige-se, isto sim, apenas a prova da efetiva ocorrência do dano contra si perpetrado e do nexo causal entre a conduta do agente e o dano. É pertinente salientar que, dentro da responsabilidade objetiva, a prova de culpa é inexigível, seja porque ela é presumida, seja porque, de todo dispensável ou prescindível.

Existe, ainda, a responsabilidade por omissão. Neste caso, o Estado só responderá se houver omitido dever que lhe tenha sido prescrito pelas normas; não se a inação for lícita. A inação tem obrigatoriamente, que apresentar o caráter ilícito para que se configure a omissão.


O PAPEL CONSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO.

Verdadeiramente o poder político no Estado, apesar de ser tripartido, é uno e indivisível. Há apenas um poder político, que é o poder do Estado, que é o poder revelado na ordem jurídica com força de constranger à obediência, de coordenar e impor uma decisão. Mas esse poder político do Estado tem três funções básicas: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. O poder Legislativo se encarrega de gerar a lei, o Executivo, da atividade administrativa e o Poder Judiciário, da jurisdição, dissolvendo conflitos. A rigor não existe, portanto, divisão de poderes, mas de funções que para ser exercitadas há necessidade de criação de poderes através de órgãos, mas o Poder é um só: uno, indivisível, imprescritível, etc. E essas funções são, em regra indelegáveis, na ideia da existência da repartição constitucional de competências.

O Poder Judiciário é órgão fundamental na formação de um Estado Democrático de Direito, pois cabe a ele, com autonomia e independência, velar pela guarda da Constituição, especialmente pela observância dos princípios da igualdade e da legalidade. De fato, seria inimaginável um Estado Democrático de Direito sem um Poder Judiciário independente, com a relevante função de administrar a Justiça, como fiscal da aplicação da Constituição e das Leis. Por outro lado, o Poder Judiciário é apontado por parte da doutrina como verdadeiro direito fundamental dos cidadãos, pois a estes é assegurado o direito de ser julgado por Juízos e Tribunais independentes e imparciais. A espinha dorsal do sistema judicial brasileiro muito dela é cláusula pétrea e baseada no princípio da unidade da jurisdição, inafastabilidade do controle jurisdicional, garantias da magistratura e independência do Judiciário.

Antigamente, com o Estado Liberal, o Poder Judiciário não tinha muitos poderes, nem muitas atribuições sendo apenas um órgão subsidiário do Estado e praticamente não interferia na sociedade. Com a Constituição de 1988 o Poder Judiciário ficou fortalecido. A partir desse momento, esse Poder passou a ficar em pé de igualdade com os demais poderes e, consequentemente, passou a controlar todos os assuntos da sociedade e por isso passou a ser mais procurado.

A atual Constituição incrementou o Judiciário, reforçou suas garantias, dotou tal poder de uma série de instrumentos e mecanismos que visam possibilitar uma prestação jurisdicional independente, imparcial e insubmissa à vontade dos donos do poder. Não há paralelo em outras Constituições, já que o nosso sistema é o que mais reforça a magistratura. As garantias funcionais e as garantias institucionais dos magistrados são amplas: inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de subsídios, o autogoverno etc. Esse último permite que o Judiciário escolha seus dirigentes, e é por isso que o presidente do Supremo Tribunal Federal é escolhido por ele mesmo e os chefes dos órgãos dirigentes dos tribunais são escolhidos por cada tribunal.

Os órgãos que integram o nosso Poder Judiciário foram enumerados pela Constituição Federal, no seu art. 92: o Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; o Superior Tribunal de Justiça; os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Veremos alguns deles com mais detalhes.

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze membros, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, dentre cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade. A competência do Supremo precípua é a da guarda da Constituição, logo é um órgão que tem como finalidade principal a tutela da Constituição. Além dessa função, ele agrega outras, ele é, por exemplo, árbitro dos conflitos federativos, em uma ação de um Estado contra outro ou de um Estado contra a União. Ele exerce também a função de tutelar os direitos fundamentais através, sobretudo, da competência para apreciação de remédios constitucionais, como o Habeas Corpus, Mandato de Segurança, Habeas Data, mesmo que a questão, eventualmente, não envolva matéria constitucional.

O Supremo Tribunal Federal é nosso órgão de cúpula de toda a Justiça. O Supremo Tribunal Federal atua no âmbito do controle difuso ou incidental, quando aprecia, em última instância, as controvérsias concretas suscitadas nos Juízos inferiores, e também realiza, originariamente, o controle concentrado ou abstrato, quando aprecia a constitucionalidade, em tese, de leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituição Federal.

Enquanto o STF é guardião da Constituição Federal o STJ é considerado o guardião do direito, sendo sua competência dividida em originária, quando o STJ é acionado diretamente, nas ações em que cabe a ele julgamento originário, e recursal, quando o STJ aprecia recursos ordinários ou especiais. As competências do STJ estão enumeradas no art. 105 da Constituição Federal.

Os demais Tribunais Superiores integram a chamada Justiça Especializada, pois só atuam num dado ramo do Direito, especificamente. Assim, o Tribunal Superior Eleitoral só aprecia matéria eleitoral; o Tribunal Superior do Trabalho, só matéria trabalhista; o Superior Tribunal Militar, os crimes militares. Jurisdicionados pelos Tribunais Superiores, temos os órgãos de segunda instância da Justiça, organizados regionalmente, nas diferentes unidades da Federação. Temos, nesse grau, os Tribunais de Justiça (2ª instância da Justiça Estadual); os Tribunais Regionais Federais (2ª instância da Justiça Federal); os Tribunais Regionais do Trabalho (2ª instância da Justiça Especializada do Trabalho); os Tribunais Regionais Eleitorais (2ª instância da Justiça Eleitoral); os Tribunais Militares (se instituídos em lei, nos termos do art. 122, II, da Constituição Federal). Finalmente, temos os órgãos locais da Justiça, distribuídos pelos Municípios da nossa Federação: Juiz de Direito (justiça estadual); Juiz Federal (justiça federal); Juiz do Trabalho (justiça trabalhista); Juiz Eleitoral (justiça eleitoral).

A Constituição Federal outorgou importantes garantias ao Poder Judiciário, como meio de assegurar-lhe autonomia e independência para o imparcial exercício da jurisdição. Essas garantias, portanto, não são privilégios dos magistrados, mas sim prerrogativas que asseguram, ao Poder Judiciário, independência no exercício de suas relevantes funções constitucionais, sem a ingerência dos Poderes Legislativo e Executivo. Para se ter uma ideia da relevância dada pelo legislador constituinte ao tema garantias do Poder Judiciário, basta lembrarmos que constituem crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra o livre exercício do Poder Judiciário e que referido assunto não pode sequer ser objeto de medida provisória  tampouco de delegação legislativa.

A Constituição Federal outorga ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira (CF, art. 99), dispondo que os tribunais elaborarão suas próprias propostas orçamentárias, desde que dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. Prescreve também a possibilidade da escolha dos dirigentes dos tribunais e as garantias aos seus membros com a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.

Pelo visto acima, o Poder Judiciário tem base para atuar na efetivação dos direitos sociais pois, além de contar com a legitimidade Constitucional direta, como visto acima, há a legitimidade indireta, pois a seleção dos juízes é por concurso público, um mecanismo eminentemente democrático. Não se pode esquecer que os juízes dos tribunais superiores são escolhidos pelo Poder Executivo e referendados pelo Senado Federal, fora diversos mecanismo de participação da sociedade no poder judiciário como a figura do amicus curiae, na composição popular do CNJ, o quinto constitucional composto por advogados e a participação popular nas súmulas vinculantes. Outro eficiente meio de controle da atividade do Poder Judiciário é na obrigatoriedade da fundamentação de suas decisões o que permite um controle por outros juízes, por outras instâncias e pela própria sociedade garantindo uma decisão justa e democrática.

Os direitos fundamentais são aqueles considerados indispensáveis para uma vida digna em sociedade. Eles são tratados no texto constitucional como forma de garantia de uma maior proteção em razão da rigidez constitucional, ou então, para que sejam preservados através da cláusula de imutabilidade. São as chamadas cláusulas pétreas, previstas no art. 60 § 4º da Constituição atual, que prescrevem que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.

O Princípio da Efetividade dos Diretos Fundamentais ou da Aplicabilidade Imediata dos Direitos Fundamentais está consagrado no art. 5º, § 1º da Carta Magna, que prescreve que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Essa aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais deve ser entendida como uma diretriz exegética para o intérprete buscar extrair da norma a maior carga de efeitos que ela pode dar. Então, o intérprete diante de uma norma constitucional especial que consagra direito fundamental deve pensar no que ele pode fazer para tirar daquela norma o máximo de efeitos possíveis.

O grande problema da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais diz respeito aos direitos humanos de conteúdo prestacional. Com relação aos direitos individuais de defesa, tem se entendido que a aplicabilidade imediata vale incondicionalmente, como é o caso do Mandado de Injunção. Quanto aos direitos sociais o foco da questão é que são direitos que dependem de prestações, dependem também de recursos. O problema é que os recursos são limitados e a visão clássica é de que, no quadro de escassez, as escolhas ou prioridades devem ser feitas não pelo Poder Judiciário em suas sentenças, mas por poderes que têm legitimidade conseguida da vontade popular direta, através das eleições, como o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Até por que, constitucionalmente o Legislativo faz o orçamento e o Executivo executa o orçamento.

Com isso, a concepção tradicional, negava eficácia imediata aos direitos fundamentais prestacionais, afirmando que os direitos individuais eram exigíveis e que os direitos prestacionais não eram, dependeriam de legislação. Essa é a visão que durante muito tempo prevaleceu e que está ligada com uma certa equiparação dos direitos sociais às normas programáticas, e a leitura de normas programáticas como normas que possibilitam que se oponha a uma conduta do Estado, mas não que se exija uma prestação a partir dela.

No entanto surgiram outras compreensões em relação à questão. Uma tese existente afirma que mesmo nos direitos prestacionais, que estão consagrados de forma mais abstrata, como saúde, moradia, em que o texto constitucional não define a prestação, existe um mínimo de direitos que deve ser tutelado, um mínimo existencial, e que somente o que ultrapassar esse mínimo vai depender de lei, vai depender de ato da administração com previsão no orçamento, ou seja, vai ficar ao sabor das autoridades políticas, mas o mínimo está garantido.

A ideia da existência do mínimo existencial neutraliza algumas das alegações feitas contra a eficácia dos direitos prestacionais. Por exemplo, uma das alegações que se faz é que essa concepção de dar ao Poder Judiciário a tutela dos direitos prestacionais gera uma concepção antidemocrática de Governo de Juízes, de forma que o Poder Judiciário vai começar a interferir nas escolhas das prioridades dos gastos, das políticas públicas, o que não é democrático nem republicano.

Só que a concepção contemporânea de democracia afirma que a democracia pressupõe o mínimo e que governo democrático não é só o governo em que ocorram eleições periódicas. Vão existir pressupostos para essa democracia, e, dentre estes pressupostos, estaria a existência do mínimo existencial para que se possa participar conscientemente do debate democrático. Assim, se o mínimo é pressuposto da democracia, assegurá-lo não pode ser contrário à democracia, o que neutraliza a crítica democrática. Esse argumento neutraliza de certa maneira também a crítica liberal uma vez que a liberdade só pode ser assegurada quando há o mínimo de condições materiais para isso.

Por outro lado, a efetividade dos direitos na Constituição é máxima por natureza e assim não haveria motivo para se falar em mínimo em relação ao direito social. Será que essa tese do mínimo existencial não traz uma hierarquização em que se coloca antes os direitos individuais e depois os direitos sociais, num retorno ao individualismo egoísta de outrora? Na verdade, o problema da aplicabilidade dos direitos sociais pode ser equacionado através de uma ponderação em que de um lado coloca-se o direito social e do outro lado a justiça e a democracia.

No lugar do direitos humanos pode-se colocar a dignidade humana. Para a realização da dignidade da pessoa humana é essencial a efetivação dos direitos humanos. Assim o problema do mínimo existencial é muito importante, mas não é o único critério.

Alguns chegam a defender a construção do novo conceito de discricionariedade baseado na teoria do Garantismo Jurídico. Existe uma divergência entre a normatividade e a efetividade, e o garantismo seria forma de fazer a junção entre elas, garantindo os direitos humanos. Isso vai implicar na necessidade de que só seja permitido ao agente público fazer uso da discricionariedade a partir do momento em que a Administração tiver satisfeito as necessidades básicas dos cidadãos, ou seja, a garantia do mínimo necessário à sua dignidade, representado pelo atendimento aos direitos fundamentais. Com isso, assegurar o mínimo necessário à dignidade humana significa atender às demandas geradas pelos direitos fundamentais das populações, especialmente as mais pobres, e que se constituem nas principais destinatárias das políticas públicas para suprir necessidades vitais de sobrevivência minimamente digna. Do ponto de vista de uma visão garantista do controle da Administração, dado que esta deve atuar, em todos os momentos, tendo a pessoa como centro de suas realizações, cabe ao Judiciário a avaliação dos atos administrativos, sempre sob a perspectiva dos direitos fundamentais constitucionais.

Se, não é possível transferir para o Poder Judiciário a possibilidade de escolher quais políticas públicas são as mais importantes, por outro lado ele é tão legitimado quanto os outros Poderes para a efetivação dos direitos fundamentais. A ideia dos direitos fundamentais é a concretização do meta-valor da dignidade da pessoa humana, isto é, tratar o homem sempre como fim e nunca como meio, o homem como valor fonte de todo o ordenamento jurídico e o Poder Judiciário é o guardião dele.


CONCLUSÃO

Os direitos humanos experimentam uma situação contraditória nesta atual fase do Direito porque adquiriam inusitada força normativa, mas são ameaçados de todos os lados. Afirmaram-se como baliza da legitimidade institucional, mas sofrem rudes golpes de globalização econômica. Exemplo disso é que, se por um lado, atualmente, existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana, por outro, evidenciam-se lesões de toda ordem que aviltam essa mesma dignidade. Há um movimento mundial para decretar o fim do Estado preocupado com o bem estar social de seus cidadãos e um retorno ao Estado Liberal, absenteísta por natureza.

Uma certeza que essa atual e grave crise econômica trouxe foi que não podemos abdicar de um Estado forte e interveniente. Em todos os países, a unânime solução para essa grave crise econômica que acomete o mundo está na maior intervenção do Estado na economia, estatizando empresas e instituições financeiras e fomentando a produção e o consumo em seus países. Essa forte intervenção do Estado na economia nos dias de hoje simboliza para alguns estudiosos a necessidade do Estado de Bem Estar Social

Na verdade, os valores que estão presentes no conceito do Estado de Bem Estar Social e do Estado Democrático de Direito são os valores humanitários, direitos humanos fundamentais, como igualdade, liberdade, justiça e fraternidade e eles são conquistas de muitas lutas da humanidade através dos séculos e nunca vão perecer. A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado brasileiro, representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte que conforma e inspira a Constituição e ordenamento jurídico dos Estados contemporâneos.

Nesse sentido, as normas programáticas de uma Constituição não são simples programas, exortações morais, sentenças políticas, mas as normas programáticas possuem valor jurídico constitucional idêntico às outras normas constitucionais. Vinculam o legislador, na medida em que são uma imposição constitucional, servindo como diretivas materiais, vinculando todos os órgãos concretizadores não sendo apenas limites negativos.

Como consequência, podemos destacar a legitimidade do Poder Judiciário e dos juízes no Brasil em atuar nas políticas públicas a partir das normas programáticas é constitucional. São argumentos favoráveis o art. 5º, XXXV que prescreve que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e sua responsabilidade em implementar a Constituição, efetiva e eficaz por natureza.

Em relação ao Ativismo Judicial, a realidade é que o Brasil vive nos últimos 20 anos a paralisia dos poderes Executivo e Legislativo e isso é responsável pelo atual protagonismo do Judiciário. A rigor, o Poder Legislativo hoje não cumpre nenhum dos seus três papéis institucionais: não legisla, não fiscaliza o Executivo e representa mal o povo. O poder Executivo, por seu lado, constantemente está envolvido em corrupção e gestão ineficiente. E, na medida em que o assunto está previsto na Constituição, ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 1988 contribuiu para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso, pois o atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política.

O Judiciário é um poder constitucional integrado a estrutura de governo. Ele administra a justiça. Atua no espaço entre os outros poderes e o povo. Nesse universo, o sistema democrático tem na magistratura um de seus elementos políticos essenciais. Sacrifica a administração pública e mata a justiça o ato do juiz quando, por interesse pessoal ou por receio de desagradar o poderoso, deixa de fazer justiça, sua meta essencial. O poder de decidir demanda é estreitamente vinculado ao dever de bem satisfazer o impulso ético. Nesse contexto, importante a tomada de consciência da missão que distingue o Judiciário dos outros Poderes, que é a busca por Justiça. E o instituto da Responsabilidade Civil do Estado vai permitir a Justiça no caso individual, concreto.

Por regra constitucional, o poder Judiciário é inerte.  Ele só atua se for provocado pelo cidadão. Vai caber ao cidadão que se vê prejudicado nos seus direitos constitucionais por ação negligente, imperita ou imprudente da Administração Pública ou por omissão de seus deveres constitucionais a ação contra ele. Os administradores são eleitos com o objetivo de bem administrar o país e recebem geralmente salários acima do mercado de trabalho com o intuito de dar o melhor de si e demandar todos os esforços possíveis para concretizar os preceitos constitucionais. Devem, portanto, responder civilmente por eventuais falhas de suas ações e o instituto da Responsabilidade Civil se torna um bom meio para fazer justiça no caso concreto pois permite condenar o governo por danos morais e materiais pelas falhas na prestação do serviço público.

O que falta é uma maior consciência do papel que a Constituição assume no ordenamento jurídico, bem como o desconhecimento do papel do Judiciário frente a não implementação e não realização dessa mesma Constituição. Deve o cidadão ter conhecimento dessas possibilidades e não deixar de buscar o Poder Judiciário quando se vê prejudicado pela Administração em seus direitos constitucionais e ao menos conseguir uma reparação financeira através da condenação judicial por danos morais e materiais. Vai compensar seus prejuízos e punir a administração e o administrador demonstrado indiretamente o caminho correto, fazendo a Justiça individual e social, bem o qual todos perseguimos.


Autor

  • Victor Manoel Romero da silva

    Graduado pela UFRJ, Pós-graduado em Direito Público e Direito Privado AMPERJ ( Ministério Público), FESUDEPERJ (Defensoria Pública), CEPAD ( Magistratura Estadual e Federal), ESA OAB RJ Experiência em Tribunais Federais e Estaduais no Rio de Janeiro.

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