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REFLEXOS DO DESVIO DA DESTINAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PARA A SEGURIDADE SOCIAL

REFLEXOS DO DESVIO DA DESTINAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PARA A SEGURIDADE SOCIAL

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O trabalho visa analisar a implicação jurídica do desvio da destinação das contribuições sociais para seguridade social, sob a luz da Constituição Federal de 1988

RESUMO: O trabalho visa analisar a Contribuição Social para financiamento da Seguridade Social, com foco na sua regra de incidência, destacando o critério da destinação e a inconstitucionalidade do seu desvio, bem como a possibilidade do contribuinte exigir a repetição do indébito nos casos em que se observar o desvio da destinação. Para isso se faz uma análise prévia da Seguridade Social, o seu financiamento, as regras de orçamento, para então se deter sobre a Contribuição Social em si e as implicações sobre o desvio da destinação da sua arrecadação.

 

Palavras chaves: Contribuição Social. Destinação

 

Abstract: The work aims to analyze the social contribution to Social Security financing, focusing on their impact rule, highlighting the criteria for allocation and unconstitutional diversion as well as the possibility of the taxpayer requiring the repetition of the overpayment where observing the deviation of the allocation. For it makes a preliminary analysis of Social Security, its funding, the budget rules, and then stopping on the social contribution itself and the implications for the allocation of its revenues.

 

Keywords: Social Contribution. destination

 

1. INTRODUÇÃO

 

A Contribuição Social é a espécie tributária que mais vem ganhando relevância nas últimas décadas, sendo a sua instituição carregada de polêmicas no âmbito jurídico, político e social.

Juridicamente, os doutrinadores têm se debruçado para determinar os contornos da incidência de tal tributo, bem como os tribunais pátrios vêm a todo momento dirimindo controvérsias sobre tais regras, havendo a publicação de diversos julgados com o intuito de por fim às lides entre os contribuintes e o fisco.

Politicamente, o panorama polêmico é o mesmo. Deveras, as Contribuições Sociais se mostraram mais eficientes para a política de arrecadação que os demais tributos justamente porque estas podem ter a mesma hipótese de incidência e base de cálculo dos impostos, limitação que é observada na instituição da taxas. Visto tal liberdade, a assanha arrecadatória do Estado/Fisco voltou suas atenções para as Contribuições Sociais, onerando o contribuinte com a instituição de tal espécie tributária.

Observa-se que tais fatos implicaram diretamente na vida política do Brasil atual, pois em meio a eleição da Presidente Dilma Rousseff havia um debate sobre o retorno da famosa CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Notícias veiculavam que a então presidenciável reinstituiria a Contribuição sobre a Movimentação Financeira, outras notícias desmentiam tal fato, demonstrando claramente o peso da carga tributária na eleição de um governante (em todos os sentidos: peso no orçamento particular e peso na intenção de voto).

Socialmente, a perspectiva pela instituição das Contribuições também é relevante, uma vez que as mesmas visam financiar atividade governamental pré-estabelecida na lei que as instituíram. Mais precisamente, pode-se observar como exemplo que as Contribuições Sociais são utilizadas para o financiamento da Seguridade Social, sistema que visa proporcionar o bem estar social aos cidadãos, concorrendo para a efetivação de um sistema de saúde, assistência e previdência social dos indivíduos.

O trabalho em tela visa analisar as Contribuições Sociais sob a ótica jurídica.

Em verdade, o texto limitar-se-á a observar a subespécie de Contribuição Social destinada ao custeio da Seguridade Social, ou as Contribuições Sociais para a Seguridade Social, com enfoque especial na sua destinação, ou mais precisamente, com enfoque no reflexo do desvio em sua destinação e as consequências para o contribuinte .

Decerto, antes de se analisar propriamente a Contribuição Social para a Seguridade Social, deve-se analisar a própria Seguridade Social, o seu financiamento e as regras orçamentárias específicas que vinculam os recursos arrecadados.

Há que se observar se a destinação do produto da arrecadação é critério da Regra-matriz de incidência da norma instituidora da Contribuição Social, e, inclusive, questionando se a arrecadação da exação e não utilização para a finalidade a qual foi instituída a Contribuição enseja o direito do contribuinte repetir o indébito.

Ademais, para responder ao problema proposto no estudo em tela, pretende adentrar sobre o sistema tributário nacional, o direito do Estado arrecadar recurso do contribuinte, bem como o direito do contribuinte de ter restituído cobrança de valores ilegais, ou mesmo inconstitucionais.

 

2. O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL: OS CONTORNOS DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DE SEGURIDADE SOCIAL

 

O foco do trabalho é justamente definir os contornos da Contribuição Social da Seguridade Social, contudo, antes de adentrar propriamente a espécie tributária em voga, cabe analisar a Seguridade Social, a sua forma de financiamento, para então tocar na Contribuição Social em si.

 

2.1. A SEGURIDADE SOCIAL

 

O sistema de proteção social que abona os fundamentos da República Federativa do Brasil estão arrolados no art. 3º da Constituição Federal de 1988, sendo observados: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (II) garantir o desenvolvimento nacional; (III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O objetivo desse sistema de proteção social é "dar a toda sociedade proteção e segurança social, promover a redução das desigualdades, fortalecer a dignidade da pessoa humana, gerar uma sociedade livre e justa, baseada no desenvolvimento nacional, realizar o bem estar de todos, dentro de parâmetros da justiça social", conforme bem leciona a professora Helga Klug Doin Vieira (2010, p. 67).

De acordo com Leandro Paulsen (2011, p. 457-458) "a Seguridade Social é a área de atuação do Poder Público que abrange a saúde, a assistência social e a previdência social. Não se trata, pois, de órgão da Administração Direta ou Indireta de quaisquer esferas políticas. Vários são os órgãos e pessoas políticas que se ocupam da seguridade social, como no âmbito federal, a Administração Direta da União, através do Ministério da Saúde, e o INSS (regime geral de previdência social), os Estados e os Municípios".

Pois bem, observa-se então que a Seguridade Social possui claramente três enfoques de ações, sendo eles (a) saúde; (b) assistência social e; (c) previdência social.

No que se refere à saúde observa-se que a Seguridade Social se apresenta sob a configuração de um sistema amplo, de universalidade plena, atribuindo a todos os seres sociais viventes no território nacional, indistintamente, o direito de acesso a saúde (Vieira, 2010, p. 568).

Já as ações previdenciárias e assistenciais são direcionadas para universos distintos dentro da sociedade.

As ações previdenciárias têm como objeto os indivíduos econômica e socialmente incluídos, através do trabalho ou mesmo em razão de rendimento de capital. Trata-se de segurança social que demanda contribuição direta, exigindo de cada individuo o exercício da responsabilidade na busca da proteção de riscos futuros e incertos. Contudo, as ações assistenciais têm como objeto o universo dos indivíduos excluídos econômico e socialmente (Vieira: 2010, p. 568-569).

O direito a inclusão encontra a sua fundamentação na Constituição Federal de 1988, em seu art. 193, o qual preceitua que "a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais".

Pois bem, fica patente que o Estado tem o dever constitucional de   proporcionar o bem estar social dos indivíduos, trazendo segurança para aqueles economicamente ativos, inclusão para os excluídos social e economicamente, e saúde para todos. Mais uma vez, destacando as lições da professora Viera (2010, p. 569) observa-se que a intenção do sistema de seguridade é a proteção social, pois "todos têm direito à oportunidade do trabalho e dentro dessa perspectiva os excluídos sociais têm direito  à programas sociais de inclusão, que os preparem para o exercício de atividade remunerada, com a finalidade de promover a autonomia e a dignidade dessa parcela social".

 

2.2. O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

 

Entender o financiamento da Seguridade Social é compreender que ele encontra-se baseado nos princípios da diversidade e na Equidade na forma do financiamento.

O Princípio da Diversidade na forma de financiamento encontra-se claramente insculpido no art. 194 da CF/88, onde se estabelece que "a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".

Ademais, o parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional, estabelece que "compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:[...] (VI) diversidade da base de financiamento".

Ou seja, o princípio inserido no texto da Constituição Federal tem por propósito gerar diferentes bases econômicas para custear o sistema de proteção social.

Já a Equidade na forma de financiamento é princípio de aplicação à Seguridade Social, contudo mais se destaca por demonstrar a aplicação de princípios específicos do Direito Tributário no custeio da seguridade.

Pois bem, de acordo com Vieira (2010, p. 573) a Equidade na forma de financiamento estabelece que as relações de seguridade social devem ser direcionadas para a realização da igualdade, da solidariedade, da capacidade contributiva e dos ditames da justiça social.

Ou seja, valendo-se do magistério de Vieira (2010, p. 573) observa-se que "todos devem contribuir com uma parcela, de acordo com a capacidade contributiva, ou seja, de acordo com as suas possibilidades econômicas, com objetivo de realizar verdadeiramente a justiça social".

Deveras, busca-se então que se observe na relação jurídico-tributária, com o viés da seguridade social, o princípio da isonomia e suas decorrências, tais como o Princípio da Capacidade Contributiva. Ou seja, "o preceito da equidade tem por finalidade imprimir no custeio da Seguridade Social a da igualdade, direito e garantia fundamental, de todos os seres sociais preconizados na Constituição Federal" (VIEIRA; 2010, p. 574).

O sistema tributário nacional traz entre os seus princípios o da isonomia, restando evidenciado no art. 150 que "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (II) instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos".

Ainda, destaca-se também a previsão do princípio da Capacidade Contributiva, insculpido no § 1º do art. 145 da CF/88, preceituando que "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

Deveras, apesar do §1º citado acima trazer a espécie tributária dos Impostos, Paulsen (2011, p. 53) leciona que “não há incompatibilidade entre o subprincípio da capacidade contributiva e as contribuições, mormente considerando que estas podem ser instituídas – e normalmente o são – com fato gerador não vinculado”.

Com efeito, entender a equidade é importante para construir o raciocínio sobre a incidência da Contribuição Social e entender a sua destinação.

Ora, conforme já exposto acima, o financiamento da Seguridade Social é realizado por toda sociedade, destacando-se a solidariedade. Sendo assim, observa-se a existência de um sistema contributivo, uma vez que além do Estado, as pessoas físicas e jurídicas também contribuem para o financiamento da seguridade social.

Com efeito, entre as formas de contribuição, o Estado brasileiro optou pelo Sistema de Repartição ao invés do Sistema de Capitalização.

Os sistemas se diferenciam, sendo interessante conferir os ensinamentos de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (2012, p. 226-227), sobre o tema:

No sistema contributivo, por seu turno, podemos estar diante de duas espécies: uma, em que as contribuições individuais servirão somente para o pagamento de benefícios aos próprios segurados sendo colocadas numa reserva ou conta individualizada (sistema adotado pelos planos de previdência complementar privada) a que chamamos de sistema de capitalização; noutra, as contribuições são todas reunidas num fundo único, que serve de pagamento das prestações no mesmo período, a quem delas necessite - é o sistema de repartição, hoje vigente em termos de Seguridade Social no Brasil.

Pois bem, como confirmam os autores citados, o Brasil adota para a Seguridade Social o sistema de repartição, com alicerces na ordem social prevista pela própria Constituição Federal de 1988. As pessoas jurídicas (sociedades empresárias e equiparadas) e as pessoas físicas contribuem para sustentar o financiamento da Seguridade Social atual, e não para fazerem uma "poupança" a fim de que sejam pagos os seus benefícios futuros. Em verdade, o contribuinte nem sabe se ele irá receber algum benefício, mas contribui de forma solidária para o financiamento do sistema de seguridade social.

Decerto, no modelo brasileiro todos estão comprometidos com o custeio do sistema de proteção social, sendo os recursos para o financiamento constituídos de forma direta e indireta. Observa-se então que a CF/88 distanciou-se do modelo de seguro adotado em 1923, onde apenas o segmento dos trabalhadores e seus dependentes estava protegido pela previdência social, ou seja, o seguro social protegia apenas os contribuintes diretos.

De acordo com o art. 195 da CF/88 "a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...]". Ou seja, o custeio da Seguridade Social será universal, sendo realizado de forma indireta ou direta.

A forma indireta de financiamento da Seguridade Social é realizada através de parcela dos orçamentos fiscais das pessoas políticas, pois União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão destinar recursos de seus orçamentos para custear as ações de proteção social (VIEIRA, 2010, p. 575).

Cumpre observar que as pessoas físicas apenas contribuem de forma indireta para o custeio da saúde e assistência, o que não ocorre na previdência.

Já a forma direta de financiamento da Seguridade Social ocorre através das Contribuições Sociais, nomeadamente destinadas ao custeio da Seguridade Social, expressamente arroladas no art. 195 e 239 da CF/88.

Sendo assim, o financiamento na forma direta caberá as: (a) pessoas físicas trabalhadoras; (b) pessoas físicas e jurídicas empregadoras; (c) empresas de um modo geral; (d) empregadores domésticos; (e) pessoas físicas e jurídicas importadoras de bens e serviços no exterior.

 

2.3. DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DE SEGURIDADE SOCIAL

 

De acordo com doutrina majoritária e jurisprudência predominantes nos Tribunais, o Brasil possui uma classificação pentapartite quanto as suas espécies tributárias, que se dividem em Imposto, Taxa, Contribuição de Melhoria, Empréstimos Compulsórios e Contribuições Sociais. Decerto, para o presente trabalho, interessante a análise dos contornos da Contribuição Social,em especial, a Contribuição Social para a Seguridade Social.

Ora, estabelece o art. 149 da Constituição Federal de 1988 - CF/88 que "compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

Infere-se da leitura do dispositivo constitucional acima que as Contribuições Especiais podem se subdividir em Contribuições Sociais; Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE; e Contribuições de interesse de categoria profissional. Explicando com perspicácia, é salutar citar as palavras de Paulo Ayres Barreto (2011, p. 101):

O art. 149 da Constituição Federal menciona as espécies de contribuições: sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse de categorias profissionais ou econômicas. As primeiras (contribuições sociais) se subdividem em: (i) de seguridade social e (ii) específicas, no sentido que são destinadas a um fim social especificamente determinado. Tais espécies de contribuições sociais estão sujeitas a regimes constitucionais próximos, mas não idênticos.

 Pois bem, a preocupação do trabalho em tela é justamente com a Contribuição Social para o financiamento da Seguridade Social.

Desde logo, torna-se imprescindível encontrar a definição de Contribuição Social, pois se observam conceitos diversos a depender da ótica do seu operador, podendo ser analisado sob o prisma previdenciário, como também sob o tributário.

Em seu livro, Carlos Alberto Pereira de Castro (2012, p. 229) traz a definição de Gala Vellejo, para quem "as contribuições sociais podem ser conceituadas como 'valores com que, a título de obrigações sociais, contribuem os filiados, e os que o Estado estabelece para manutenção e financiamento dos benefícios que outorga'". Ademais, Castro (2012, p. 229) apud Ruprecht também traz como conceito que "a contribuição pode ser definida como obrigação legal que se impõe a entidades e indivíduos para que contribuam para as despesas do regime da seguridade social, com base em determinados critérios legais".

Decerto, enriquece conhecer opiniões diferentes sobre o conceito de Contribuição Social, contudo, assim como Castro o fez em seu livro, procura-se aqui definir a Contribuição Social dentro da Constituição Federal de 1988 como espécie tributário que o é.

José Eduardo Soares Melo (2010, p. 85), utilizando-se do ensinamento de Geraldo Ataliba, informa que "contribuição é o 'tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediatamente (mediante uma circunstância intermediária) referida ao obrigado". Ademais, importante também é observar a definição do tributarista cearense Hugo de Brito Machado (2010, p. 433), o qual informa que "diante da vigente Constituição, pode-se conceituar contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social".

Muito se debateu sobre natureza jurídica das Contribuições Sociais, se tributária ou não, sendo que atualmente o entendimento da doutrina majoritária e do STF[1] é de que as Contribuições Sociais têm natureza jurídica de tributo. Lecionando sobre o tema o professor Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 707-708) sustenta que:

Não é de agora que advogo a tese de que as chamadas 'contribuições' têm natureza tributária. Sempre as tive como figuras de impostos ou taxas, em estrita consonância com o critério constitucional consubstanciado naquilo que nominamos de tipologia tributária no Brasil. Todo o suporte argumentativo calcava-se na orientação do sistema, visto e examinado na sua integridade estrutural. Penso que outra coisa não fez o legislador constituinte senão prescrever, manifestamente, que as contribuições são entidades tributárias, subordinando-se, em tudo e por tudo, às linhas definitórias do regime constitucional peculiar aos tributos.

 

[...]

 

A conclusão parece-nos irrefutável: as contribuições são tributos, devendo sua instituição ou alteração de quaisquer de seus critérios normativos ser realizada com integral observância do regime jurídico tributário constitucionalmente prescrito.

Pois bem, observada sua natureza tributária, deverá a Contribuição Social se sujeitar então a todo o regime jurídico-tributário edificado na Constituição Federal de 1988, se atentando para os seus princípios tais como a Legalidade, Anterioridade, Isonomia, Irretroatividade, etc.

No que tange ao princípio da Legalidade, observa-se que a Contribuição Social deverá ser instituída por Lei Ordinária, de acordo com as previsões do art. 195 da CF/88, onde já se encontram estabelecidas as fontes de custeio da seguridade. Outrossim, a instituição de outras fontes de custeio para a Seguridade Social somente se dará com a autorização constitucional prevista no § 4º do art. 195, CF/88, o qual estipula que "a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I". Ou seja, traz a mesma regra para o exercício da competência residual da União instituir impostos, qual seja,  (art. 154, I, CF/88) "mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição". Exemplificando o tema, o STF já decidiu:

RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – INCIDÊNCIA NOS CASOS TAXATIVAMENTE INDICADOS NA CONSTITUIÇÃO – CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL DEVIDA POR SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS EM ATIVIDADE – INSTITUIÇÃO MEDIANTE LEI ORDINÁRIA- POSSIBILIDADE (STF, Plenário, ADIn 2.010-2/DF, Min.Celso de Mello, set/99, DJ 12.04.2002, p. 51)

Outro princípio que também merece destaque no caso das Contribuições Sociais é o da Anterioridade, pois possui regra especial prevista no § 6º do art. 195 da CF/88, que informa "as contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, 'b'".

Também não se pode esquecer a limitação à competência tributária (imunidade) prevista no § 2º do art. 149 da CF/88, o qual informa que "as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo (I) não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação".

O foco do trabalho é o estudo da Contribuição destinada a Seguridade Social, sendo imprescindível então unir a regra do art. 149 com a regra estabelecida pelo art. 195 para se conhecer a estrutura da hipótese de incidência da Contribuição Social, ou como leciona o professor Paulo de Barros Carvalho, a Regra-matriz de incidência tributária.

De acordo com Carvalho (2008, p. 715) "ao discriminar a competência para instituição de contribuições destinadas à seguridade social, o constituinte traçou minuciosamente os arquétipos das possíveis regras-matrizes de incidência tributária, impondo, ao legislador infraconstitucional, observância a uma série de requisitos. Dentre as exigências estipuladas para o exercício dessa competência tributária cabe destacar as fontes de custeio autorizadas pelo Texto Maior, às quais deve limitar-se o legislador ordinário da União, bem como as condições necessárias à criação de nova fonte".

Deveras, as fontes de financiamento encontram-se no art. 195, I a VI e § 8º da CF/88:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; 

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

[...]

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

Ora, da leitura dos artigos 149 e 195 pode-se extrair então a regra de incidência da Contribuição Social: critério material (núcleo da hipótese de incidência, fato ocorrido no mundo fenomênico que enseja a obrigação de pagar tributo, ex.: pagar ou creditar salário e demais rendimentos ao trabalhador); critério espacial (local onde o fato deverá ocorrer, ex.: território nacional); critério temporal (momento em que o tributo é devido. Ex.: momento do pagamento ou do creditamento do salário e demais rendimentos do trabalhador); critério pessoal (sujeito ativo e passivo da relação tributária. Ex.: sujeito ativo é a União e passivo o empregador ou empresa e entidade a ela equiparada na forma da lei); critério quantitativo (base de cálculo, ex.: a folha de salário e demais rendimentos pagos ou creditados; alíquota, ex.:  percentual fixado em lei).

Contudo, a Contribuição Social tem peculiaridade que ultrapassa a norma que delimita a sua arrecadação, adentrando na destinação para a qual o produto desta arrecadação deverá está afetado. A Contribuição Social é espécie tributária vinculada.

Uma questão a ser debatida é saber se a destinação faz parte da regra de incidência da Contribuição Social. Decerto, há que se observar que o CTN traz o conceito de tributo no seu art. 3º, informando claramente ser "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Observa-se que dentro do conceito legal, não há menção a destinação, deixando claro que o CTN somente se preocupa com o caminho que a pecúnia atravessa da propriedade do contribuinte até os cofres estatais, mas dentro dos cofres estatais nada menciona.

Ademais, tal interesse do CTN fica claro ao se observar a dicção do seu art. 4º:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Ocorre que é a destinação da receita quem faz com que a Contribuição Social seja considerada espécie tributária autônoma, pois sem observar uma destinação específica, a Contribuição Social tem os mesmo contornos legais observados para a espécie tributária Imposto, o qual encontra-se previsto no art. 16 do CTN, informando que é o "tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte".

Pois bem, se irrelevante a denominação do tributo e também irrelevante a destinação da sua arrecadação, poder-se-ia dizer que a Contribuição Social é em verdade Imposto e não nova espécie tributária. Nesse sentido Tácio Lacerda Gama (2006, p. 1148) conclui que "uma contribuição especial, embora possa buscar fins extrafiscais, além dos meramente arrecadatórios, precisa ser instituída para fazer frente a despesa específicas, senão sua natureza será de imposto e não de verdadeira contribuição".

Como visto acima, já é pacífico na doutrina e jurisprudência que a Contribuição Social é espécie tributária, e para isso a destinação do seu produto é um dos elementos da sua regra de incidência. Nesse sentido Castellani (2009, p.74) destaca que dentro da norma de incidência da Contribuição Social deverá haver o critério da destinação necessária, ou seja o destino que deverá ter a arrecadação da Contribuição Social ao ser instituída, ademais ainda informa:

Entendemos que a destinação é elemento fundamental na caracterização das espécies tributárias e, assim sendo, deve constar na norma atribuidora da competência. Afinal, a competência para criar tributos depende de determinadas finalidades, definidas constitucionalmente.

 

[...]

 

A destinação do produto da arrecadação, constante da norma de competência, faz com que o exercício da competência deva respeitar esta previsão, de forma que sendo elemento diferenciador das espécies, será elemento diferenciador das normas de competência.

 

Por tudo haverá destinação necessária para as normas de competência de taxas, de empréstimos compulsórios e de contribuições especiais, enquanto não haverá tal previsão para as norma de competência de impostos e contribuições de melhoria

 

Assim, na norma de competência haverá a inclusão do elemento previsão ou não da destinação necessária do produto da arrecadação.

Outra lição que é de suma importância destacar é o de Soares Melo (2011, p. 96):

Diva Malerbi observou, em trabalho conjunto com os professores José Artur Lima Gonçalves e Estevão Horvat, dedicado ao perfil constitucional das 'contribuições sociais', ainda inédito, que 'a característica diferencial mais marcante das contribuições em relação aos impostos e taxas reside na circunstância de ser ela - contribuição - necessariamente relacionada com uma despesa ou vantagem especial referidas aos sujeitos passivos respectivos (contribuintes) (...)' e que '(...) outro elemento normativo previsto na Constituição de 1988 como peculiar as contribuições é a prévia, expressa e inequívoca destinação da respectiva receita (...)'; concluindo que 'nas contribuições sociais, ao contrário dos demais tributos, é relevante para caracterizar uma exação não só a finalidade para a qual foi ela instituída, como também a afetação de sua receita ao custeio da atividade estatal que é pressuposto de sua criação'.

 

Sob esse prisma, revela-se destituída de plena eficácia a regra inserta no art. 4º, II, do CTN no sentido de que para qualificar a natureza jurídica específica do tributo é irrelevante 'a destinação legal do produto de sua arrecadação'.

 

As linhas básicas das contribuições (no caso, as de natureza social, do art. 195) repousam na sua vinculação com a Seguridade Social, sendo desnecessário argumentar-se com a existência de elementos e situações financeiras.

 

Devem as contribuições integrar, de forma direta, o orçamento dos órgãos de Assistência Social, como estatuído nos incisos III do art. 165 da CF.

Cabe aqui informar que Tatiana Alvim (2008, p. 104) traz diferença em seu texto sobre finalidade e destinação, esclarecendo que "a finalidade é o objetivo almejado pelo legislador constituinte, enquanto a destinação é o direcionamento dado à receita das contribuições pela lei instituidora da exação, pela lei orçamentária e pelo administrador para alcançar o fim constitucional".

Ora, resta evidente então que a destinação do produto da Contribuição Social é parte integrante da regra matriz de incidência tributária dessa espécie tributária.

Visto os contornos da Contribuição Social de Seguridade Social, e restando evidente que a destinação da exação encontra-se compreendida em sua regra de incidência, cabe analisar os dispositivos constitucionais que estabelecem o orçamento da Seguridade Social, ou seja, justamente as regras que disciplinam o destino das Contribuições Sociais que financiam a Seguridade Social.

 

3. O ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

 

Deve-se atentar para as regras constitucionais relativas ao orçamento da Seguridade Social, uma vez que o trabalho se dispõe a estudar a Contribuição Social e a sua destinação

Discorrendo sobre o tema Paulo Ayres Barreto (2011, p. 177) afirma que "a noção correta de orçamento é a de estimativa de receitas e fixação de despesas, num certo lapso temporal". Ademais, para o autor o orçamento é relevante instrumento de gestão de políticas públicas, apontando rumos a serem perseguidos pela Administração Pública.

Os recursos arrecadados com as Contribuições Sociais têm como destino orçamento próprio da União para o custeio da Seguridade Social, acrescido a este orçamento específico a parcela do orçamento fiscal da União, que constitui forma indireta de financiamento da Seguridade Social.

Ressalta-se que não se incluem as parcelas do orçamento dos Estados, Distrito Federal e Município, que deverão permanecer nos respectivos orçamentos para custeio de ações de saúde e assistência social.

O orçamento da Seguridade Social da União destina-se a cumprir integralmente o custeio da previdência social e parcialmente o financiamento das ações de saúde e assistência social.

A aplicação dos recursos deve está prevista na Lei de diretrizes orçamentárias e Lei Orçamentária Anual da União, conforme bem estabelece o art. 165, § 5º, I, II e III, da CF/88.

A proposta de orçamento da Seguridade Social encontra-se insculpida no § 2º do art. 195 da CF/88, onde se esclarece que a mesma "será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos".

Pois bem, o art. 165, § 5º, III, CF/88, que estabelece:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

[...]

§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

[...]

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

[...]

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Observa-se então que os recursos de custeio da Seguridade Social são apartados daqueles que integram o orçamento fiscal. De acordo com Vieira (2010) para os recursos em tela não se adota a parafiscalidade, com o deslocamento do exercício da capacidade tributária ativa, mas sim, adota-se uma parafiscalidade orçamentária.

Ainda, para melhor entendimento do tema se faz necessário transcrever a lição de Tatiana Araújo Alvim (2008, p. 33):

Verifica-se, a partir do art. 165, § 5º, da Constituição Federal, que existem três espécies de orçamento da União, a saber: o orçamento  fiscal, referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; o orçamento das sociedades de economia mista; e o orçamento da seguridade social.

 

A citada regra constitucional de direito orçamentário repercute diretamente sobre as contribuições, visto que a receita tributária delas decorrente somente poderá ser direcionada para o orçamento fiscal ou da seguridade social, ficando afastada a possibilidade de o recurso ser encaminhado para o orçamento das sociedades de economia mista, 'por incompatibilidade entre o tipo de receita (tributária) auferida e a natureza da pessoa jurídica relacionada no orçamento.

 Fato também que merece destaque é que o orçamento da Seguridade Social é exigido apenas da União.

Outrossim, não se podem passar despercebidas as seguintes regras constitucionais: a regra contida no art. 167, VI, a qual veda "a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa"; a regra contida no art. 167, XI, da CF/88, onde se veda "a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201"; bem como a regra do inciso VIII do mesmo artigo constitucional, onde também se veda "a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º".

Comentando as vedações, Fernando F. Castellani (2009, p. 176) leciona que:

Nos termos do mandamento constitucional constante do artigo 167, XI, as receitas específicas das contribuições sociais para a seguridade incidente sobre a remuneração pagas pelo empregador e sobre a aferição de rendimentos, por trabalhadores e demais segurados, devem ser destinadas especificamente para o custeio do sistema de previdência social. Para estas contribuições, o campo de destinação é ainda mais específico, na medida em que a seguridade social engloba, também, as atividades ligadas à saúde e à assistência social, destinos autorizados para tais contribuições. Em outras palavras, se as demais contribuições sociais para a seguridade podem ter suas receitas utilizadas para o financiamento de qualquer atividade social relacionada à seguridade social, as citadas somente podem ser destinadas ao montante previdenciário.

 

Não vislumbramos, contudo, qualquer possibilidade de destinação diferenciada destes recursos (não relacionados à seguridade social). Não seria possível, com isso, alocar os recursos provenientes destas contribuições nos orçamentos fiscais ou de investimentos.

 

O art. 167, VIII, da CF, indica, expressamente, a impossibilidade de transpor tais créditos para orçamento de investimentos, não vedando, desde que haja autorização legislativa, o manejo dos valores entre o orçamento fiscal e da seguridade. Entendemos, apesar de não enunciado de maneira expressa, que a norma de competência das contribuições impõe a impossibilidade de alteração dos valores para qualquer tipo de orçamento. Com isso, entendemos que os valores decorrentes das contribuições sociais para a seguridade social devem estar relacionados, em sua totalidade, no orçamento da seguridade.

Desta forma, entender as regras de financiamento e do orçamento é imprescindível para se discutir a destinação das Contribuições Sociais.

Em primeiro lugar o financiamento, pois o foco é justamente a forma direta de obtenção de recursos pela Seguridade Social através da arrecadação da espécie tributária Contribuição Social. Em segundo lugar o orçamento, pois o que se propõem a estudar é justamente a destinação dos recursos arrecadados com a Contribuição Social, com enfoque no desvio dessa finalidade.

 

4. OS REFLEXOS DO DESVIO DA DESTINAÇÃO DAS CONSTRIBUIÇÕES SOCIAIS

 

Visto então que a destinação é parte integrante da Regra-matriz de incidência tributária cumpre questionar: havendo desvio da destinação seria considerada inconstitucional a arrecadação tributária? Caberia o direito a repetição do indébito em caso de desvio da destinação?

A questão torna-se tormentosa justamente por alguns fatos especiais existentes nessa espécie tributária, já tratados acima. Primeiramente o seu caráter social, ou seja as Contribuições Sociais destinam-se a financiar o bem estar social de todos e não somente dos seus contribuintes. Os contribuintes contribuem justamente com base no princípio da Solidariedade, sendo expropriados em quinhão de sua riqueza para que o Estado venha a prover assistência social, saúde e previdência social.

Deve-se observar que o princípio da Solidariedade "permeia todas as relações jurídicas, especificamente às tarefas de Direito Público, onde seres sociais se unem para realizar finalidades e interesses comuns, tanto na esfera econômica como social, de modo que cada integrante da sociedade se responsabilize por todos e todos por um" (VIEIRA, 2010, p. 570).

Sob o enfoque do financiamento da Seguridade Social, observa-se que o princípio da Solidariedade embasa a tese de que cabe a toda sociedade arcar com o sustento do sistema, externando assim o seu caráter solidário. De acordo com Paulsen (2011, p. 460) "podem as pessoas físicas e jurídicas serem chamadas ao custeio em razão da relevância social da seguridade, independentemente de terem ou não relação direta com os segurados ou de serem ou não destinatárias de benefícios".

Outrossim, visto o enfoque do presente trabalho ser a Contribuição Social, é necessário também destacar o ensinamento de Sacha Calmon Navarro Coelho (2007, p. 18) sobre o princípio da Solidariedade aplicado no sistema tributário nacional e, especialmente, às Contribuições Sociais:

A solidariedade é sobrevalor típico da Teoria dos Impostos. Em duas ocasiões a Constituição refere-se à solidariedade como valor jurídico-axiológico. No art. 3º, I, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) quando preconiza uma nação justa e solidária. É um comando programático, que deveria mover as políticas públicas, inclusive tributárias, especialmente no campo dos impostos, onde a capacidade contributiva, a pessoalidade, a progressividade e, até mesmo a seletividade, a proporcionalidade e o não confisco são valores positivados em princípios concretos a serem observados pelo Legislador.

 

Outra vez no art. 195, o Constituinte preconiza uma Seguridade Social Solidária, por isso a existência de Impostos afetados a esse fim, embora com o nome de contribuições : PIS, COFINS, CPMF, CSLL, para atender aos mais necessitados às expensas de pagantes que contribuem sem receber em retorno algum especial benefício, em exceção expressa do art. 167, IV, da CF/88, que proíbe a afetação de impostos a órgãos, fundo ou programa, por razões políticas e práticas (preservação da autonomia do Poder Executivo para administrar).

 

[...]

 

A solidariedade refulge com esplêndido vigor na teoria dos impostos, livrando inclusive, os entes paraestatais, públicos e privados, com ou em fins lucrativos, mas sem ânimo de distribuir lucro, dos ônus fiscais (por ausência de capacidade contributiva real, tal e qual o Estado).

Ora, o princípio da Solidariedade se faz presente para fundamentar todo o sistema da Seguridade Social, de uma ponta a outra. Ou seja, fundamenta a concessão dos benefícios, bem como fundamenta a instituição das fontes de custeio. O grande detalhe é que em parte o custeio é realizado através da arrecadação de tributos, em especial, das Contribuições Sociais. Sendo assim, é o princípio da Solidariedade que fundamenta a instituição da tributação para a manutenção do sistema da Seguridade Social, onde o indivíduo (pessoas físicas e jurídicas) contribui para a formação do fundo social a fim de serem pagos os benefícios.

Cumpre observar que o princípio da Solidariedade ganha críticas da doutrina. O próprio professor Sacha Calmon Navarro Coelho (2007, p. 18-19) emite suas ressalvas sobre o princípio em tela:

Nesses tempos confusos, conspurcados a axiologia jurídica, fala-se em solidariedade, justamente para ofender a liberdade e a isonomia, em prol da injustiça fiscal e do autoritarismo, a pretexto de se estar fazendo justiça social. A jurisprudência e a doutrina, ainda que minoritárias, arrazoam em nome da solidariedade quando abordam as contribuições. Essa erronia é insuportável. O valor da solidariedade enraíza-se nos impostos, jamais nas contribuições verdadeiras, que são sinalagmáticas. [...].

Paulsen (2011, p. 460) também faz advertência a utilização do princípio da Solidariedade, deixando claro que não se pode conceber a cobrança de tributo de individuo que não esteja previsto no critério pessoal na norma instituidora. Ora, o doutrinador destaca que "a invocação da solidariedade para cobrar contribuição sem que a lei determine constitui argumento esdrúxulo, violador das garantias fundamentais do contribuinte, quais sejam, das limitações constitucionais ao poder de tributar".

Pois bem, clarear a definição e intenção do princípio da Solidariedade é de suma importância para entender como ocorre o custeio e em que bases se institui a Contribuição Social para financiamento da Previdência Social. Agora imagine-se que o contribuinte descobre que a parte de sua riqueza foi utilizada para destinação diversa daquela estipulada na lei instituidora do tributo, ou então que a pecúnia que este confiou aos cofres públicos para financiar a Seguridade Social em determinado exercício nem mesmo foi utilizada, estando somente rendendo dividendos ao Estado mas sem uso na sua destinação própria. Realmente, são situações difíceis para o contribuinte, o qual mal se sustenta com a pouca receita, lucro, salário etc., que possa obter.

Nesses casos, há nitidamente uma quebra de confiança entre o contribuinte e o Estado. Mais ainda, há uma patente incongruência no sistema tributário e social, desencadeando uma questão de inconstitucionalidade que merece ser sanada.

O Estado é ente público que necessita de recursos financeiros para se manter prestando serviços dos mais diversos a população que habita o seu território, tais como os essenciais, quais sejam, educação, segurança pública e saúde. Deveras, para o Estado existem duas formas típicas de obter os recursos: ou explora atividade econômica, ou exige dos habitantes do seu território que lhe preste tributo sobre a propriedade, renda ou consumo.

Ora, a exploração da atividade econômica pelo Estado é uma exceção, pois como bem estabelece o caput do art. 173 da CF/88 "a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei".

Pois bem, resta então ao Estado obter receitas de forma derivada, tributando atividades praticadas pelos indivíduos que lhes são submetidos. Decerto, é a soberania estatal que permite ao Estado a instituição de medidas que legitimam a arrecadação financeira através do tributo. Nesse sentido, Dino Jarach (2004, p. 48) leciona que "a formação histórica do tributo no moderno Estado tem origem em um princípio jurídico-constitucional, o da aprovação do encargos tributários por parte da assembleia de representantes mediante atos que têm natureza jurídico formal de lei".

Sobre o tema, Geraldo Ataliba (2008, p. 29) leciona que "os políticos (homens que dirigem o Estado), precisando atender as necessidades financeiras do poder público, usam do direito como instrumento do desígnio de abastecer o estado de dinheiro".

Observa-se então que a soberania estatal é concedida pelos próprios cidadãos[2] que escolhem os seus representantes para figurarem nos cargos eletivos do Estado, seja no Poder Executivo, seja no Poder Legislativo, sendo a instituição de tributo produto do processo legislativo que conta com a participação dos dois poderes estatais elencados, funcionando num sistema de freios e contrapesos.

Percebe-se que quem confere legitimidade ao Estado para a instituição e arrecadação de tributo é o próprio povo que sofrerá futuramente expropriação em seu patrimônio, levando dinheiro aos cofres públicos para que o Poder Público possa realizar suas atividades. Ora, é o cidadão ao fim que autoriza a exação tributária.

Cumpre observar a existência da relação obrigacional em si, marcada pela presença do Credor (Estado/Fisco), do Devedor (responsável tributário/contribuinte), do liame que institui a obrigação (a lei) entre as partes e, da prestação (o tributo). Decerto, o indivíduo encontra-se submetido as imposições estatais para o pagamento do tributo, sendo tal imposição realizada através de lei, como bem definiu o art. 3º do CTN ao conceituar tributo.

Como se vê, a obrigação tributária nasce da lei, ou "ex lege", que significa, nas palavras de Ataliba (2008, p. 35) que "não nasce, como obrigação voluntária (ex voluntate), da vontade das partes. Esta é irrelevante para determinar o nascimento deste vínculo obrigacional". Sendo assim, o indivíduo se submete a ter o seu patrimônio diminuído em virtude de uma imposição legal realizada por representantes seus que ocupam cargos políticos e que produzem o sistema legislativo nacional, sob o qual todos estão submetidos. Desta forma, ao fim, o individuo paga o tributo porque, em confiança, ele mesmo o instituiu, ainda que tenha sido através de seus representantes.

Contudo, e quando essa confiança é quebrada? Como agir?

Ora, há que se destacar que a validade da norma tributária decorre de sua compatibilidade com a norma de competência da qual ela deriva, cuja observância é obrigatória. Consequentemente, a inobservância dos requisitos formais ou materiais estabelecidos pela norma de competência invalida a norma tributária. Decerto, norma tributária válida é aquela que atende aos requisitos formais exigidos pelo processo legislativo previsto para a sua edição, como também aos requisitos materiais intrínsecos à delimitação do âmbito material de competência da autoridade que a edita.

O contribuinte tem direito de se sujeitar apenas às normas tributárias válidas, não sendo obrigado a observar o comportamento previsto por uma norma tributária inválida. Portanto, tem direito subjetivo de não sofrer redução patrimonial em virtude de aplicação de norma inconstitucional. Nesse sentido, a Constituição Federal assegura o direito de propriedade e só autoriza a interferência no patrimônio do particular nos casos expressamente por ela indicados. Sob a ótica do princípio da Segurança Jurídica, especialmente aplicado a relação jurídico-tributária, a Constituição Federal de 1988 tratou de detalhar exaustivamente as exigências formais e materiais a serem observadas pelo legislador infraconstitucional para a válida instituição de tributos.

A necessária observância  das disposições constitucionais (rígido repertório de enunciados prescritivos) que delimitam a competência tributária, representa direito subjetivo do contribuinte de não ter o seu patrimônio reduzido, ou seja, ser expropriado em virtude de exação que não se adéqua àquelas regras de competência, direito subjetivo este que decorre do próprio direito individual de propriedade.

Ora, se a hipótese de incidência da obrigação tributária encontra-se definida em lei; se a destinação é critério da Regra Matriz de Incidência das Contribuições Sociais para a Seguridade Social, conforme critério anteriormente adotado; questiona-se então se a atribuição de destinação diversa implicaria na inconstitucionalidade da exação. Pois bem, para Paulsen (2011, p. 109) “se a própria legislação para atribuir destinação diversa da que dá suporte à instituição, restará evidenciada a falta de correspondência da sua cobrança a finalidade  que a justifica, ensejando o reconhecimento da inconstitucionalidade”. Ademais, Paulsen (2011, p. 108) ainda informa que "o enquadramento da finalidade apontada na lei instituidora dentre aqueles constitucionalmente previstas como autorizadoras da instituição da contribuição é requisito de validade da mesma".

Já Castellani (2009, p. 197) advoga que:

As receitas as contribuições especiais devem ser efetiva e obrigatoriamente destinadas às atividade estatal previamente definida no texto constitucional. Vimos que essa afirmação é corroborada e torna-se cogente por intermédio da construção de uma norma de competência tributária que irradia seus efeitos sobre a norma instituidora do tributo e sobre a norma orçamentária. Mais que isso ainda acaba por regular, por via indireta, as normas construídas a partir destas, no momento de sua incidência.

Ayres Barreto (2011, p. 186) em sua obra lembra que a primeira manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema foi do Ministro Carlos Velloso no julgamento do Recurso Extraordinário nº 183.906/SP, que apesar do voto vencido destacou:

Uma ressalva é preciso ser feita. É que caso há, no sistema tributário brasileiro em que a destinação do tributo diz com a legitimidade deste e, por isso, não ocorrendo a destinação constitucional do mesmo, surge para o contribuinte o direito de não pagá-lo. Refiro-me às contribuições parafiscais - sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, C.F., art. 149 - e aos empréstimos compulsórios (C.F, art. 148).

Ainda, como lembra Alvim (2008, p. 118) o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2925-DF, de relatoria do Min. Marco Aurélio, evidenciou o seu entendimento a respeito do desvio de destinação do produto da arrecadação das Contribuições Sociais, tendo decidido que "é inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no art. 177 da Constituição Federal".

Sob essa ótica é que se questiona se o não cumprimento da norma que instituiu o tributo gera para o contribuinte o direito de reaver o valor que foi recolhido. Mais precisamente, o trabalho visa indagar se, no caso das Contribuições  Especiais, em havendo desvio do recurso financeiro arrecadado para a finalidade descrita em lei, geraria o direito subjetivo do contribuinte de reaver o dinheiro recolhido, uma vez que a imposição legal a que este encontra-se submetido não foi cumprida pelo Estado, quebrando a confiança retro mencionada.

Outrossim, cabe ainda realizar uma incursão sobre as hipóteses de repetição do indébito, bem como da construção da regra-matriz de incidência da Contribuição Especial, para então se observar se o desvio de finalidade do produto da arrecadação gera o direito a repetição do indébito.

Ora, a relação jurídico-tributária tem nascimento com a obrigação tributária, onde o devedor (contribuinte ou responsável tributário), ao incidir na hipótese tipificada em lei, faz nascer para o Fisco o direito de constituir o crédito tributário. Ora, de acordo com o Código Tributário Nacional - CTN, no § 1º, do seu art. 113, "a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente". Ademais, em seu art. 114, o mesmo CTN descreve o que vem a ser o fato gerador da obrigação principal, informando que "é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".

Contudo, este trabalho se filia a tese de Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 418), quando o mesmo define a obrigação tributária:

A obrigação tributária, enquanto relação jurídica de cunho patrimonial (envolvendo um sujeito ativo, titular do direito subjetivo de exigir a prestação, e um sujeito passivo, cometido do dever de cumpri-la), é o nexo lógico que se instala a contar de um enunciado factual, situado no consequente de u'a norma individual e concreta, juntamente com a constituição do fato jurídico tributário descrito no suposto da mesma norma. A edição dessa regra, como norma válida no sistema positivo tem o condão de introduzir no ordenamento dois fatos: o fato jurídico tributário (fato gerador) e o fato relacional que conhecemos por 'relação jurídico tributária'.

O Estado define através de lei a hipótese de incidência que quando praticada pelo devedor, nasce para esse mesmo Estado (Fisco) o direito a prestação pecuniária referente, ou seja, o direito de lançar e cobrar o crédito tributário. É a prática de tal ato pelo devedor que considera-se como fato gerador da obrigação tributária. Nesse sentido, buscando clarear mais uma vez, volta-se novamente para Carvalho (2008, p. 21-422), quando este leciona:

[...] as regras de direito juridicizam os fatos sociais (entre eles, os naturais que interessem de algum modo a sociedade) fazendo irromper relações jurídicas no seio das quais aparecem os direitos subjetivos e o deveres correlatos. Dai dizer-se que a incidência da regra faz nascer o vinculo entre sujeitos de direito, por força da imputação normativa. E a norma tributária não refoge desse quadro de atuação, que é universal, valendo para todo espaço e para todo tempo histórico.

 

Como decorrência do acontecimento do evento previsto hipoteticamente na norma tributária, instal-se o fato, constituído pela linguagem competente, irradiando-se o efeito jurídico próprio, qual seja, o liame abstrato, mediante o qual uma pessoa, naqualidade de sujeito ativo, ficará investida do direito subjetivo de exigir de outra, chamada de sujeito passivo, o cumprimento de determinada prestação pecuniária. Empregando a terminologia do Código Tributário Nacional, diríamos que ocorreu o 'fato gerador' (em concreto), surgindo daí a obrigação tributária: é a fenomenologia da chamada 'incidência dos tributos'.

 

Em rigor, não é o texto normativo que incide sobre o fato social, tornando-o jurídico. É o ser humano que, buscando fundamento de validade em norma geral e abstrata, constrói a norma jurídica individual e concreta, na sua bimembridade constitutiva, empregando, para tanto, a linguagem que o sistema estabelece como adequada, vale dizer, a linguagem competente. Instaura, desse modo, o fato e relata seus efeitos prescritivos, consubstanciando no laço obrigacional que vai atrelar os sujeitos da relação. E tal atividade, que consiste na expedição de uma norma individual e concreta, somente será possível se houver outra norma, geral e abstrata, que lhe sirva de fundamento.

Com efeito, a hipótese de incidência do tributo deve ser bem definida em lei, onde deverá constar todos os critérios para que o ato praticado no mundo real (mundo fenomênico) seja subsumido ao quanto descrito em lei.

Incidindo o devedor na hipótese definida em lei, nasce então para o Fisco o direito de constituir o crédito tributário através de ato individual e concreto denominado lançamento. O lançamento, de acordo com o art. 141 do CTN é "o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível"

Decerto, o legislador ao criar a hipótese de incidência do tributo, deverá definir o seu critério material, atentando para o fato que será tributado; o seu critério temporal, ou quando haverá a exação do tributo; o seu critério espacial, ou o local de incidência do tributo; o seu critério pessoal, definindo os sujeitos passivo e ativo; bem como o seu critério quantitativo, ou seja, a base econômica (base de cálculo) sobre o qual incidirá alíquota definida, chegando-se ao valor do quanto o devedor deverá recolher aos cofres públicos.

Deveras, a relação surgida entre o Fisco e o Devedor é uma relação pautada na legalidade, onde o Fisco somente poderá exigir aquilo que a lei assim determina, sob pena de ser indevido o tributo. Ora, em sendo indevida a prestação cobrada e, tendo o devedor recolhido aos cofres públicos tal prestação, nasce então o direito para este último de recobrar aquilo que pagou injustamente.

De acordo com o art. 165 do CTN "o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: ( I) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; (II) erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; e (III) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória".

Utilizando-se na palavras de Hugo de Brito Machado (2010, p. 214):

 O tributo decorre da lei e não da vontade, sendo por isto irrelevante o fato de haver sido pago voluntariamente. Na verdade o pagamento do tributo só é voluntário no sentido da inocorrência de atos objetivando compelir alguém a fazê-lo. Mas e obvio que o devedor do tributo não tem alternativas. Está obrigado por lei a fazer o pagamento.

 

Estes esclarecimento são interessantes porque no Direito Civil havia regra expressa dizendo que quem paga voluntariamente só terá direito à restituição se provar que i fez por erro (Código Civil de 1916, art. 965). Aliás, essa regra chegou a ser invocada pelo fisco para não restituir tributos, mas a tese foi repelida pelos tribunais e hoje, diante do CTN, dúvida não pode mais haver quanto ao direito à restituição.

 

O erro a que reportava a lei civil é um vicio ou defeito na formação da vontade. No Direito privado, nas obrigações nascidas da vontade, é de grande relevância o seu exame. Já no Direito Tributário a vontade é irrelevante na formação da relação jurídica. Assim, um contribuinte, mesmo sabendo que o tributo é indevido, se o paga, tem direito a restituição. O que importa é a demonstração de que o tributo é realmente indevido.

Opinião que também deve ser observada sobre o tema é a do professor Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 475):

Muitas vezes, a importância recolhida a título de tributo é indevida, quer por exceder o montante da dívida real, que por ter sido o crédito tributário desconstituído, em virtude de estar em desacordo com o sistema pátrio. Nesse caso, assegura o ordenamento jurídico a devolução daquilo que o contribuinte pagou indebitamente. Fá-lo mediante norma geral e abstrata cuja hipótese descreve, em caráter conotativo, o pagamento indevido, prescrevendo, no consequente, uma relação jurídica obrigacional em que o Fisco ocupará o polo passivo, assumindo o dever de restituir o indébito, enquanto o contribuinte figurará como sujeito ativo, com o direito de exigir o cumprimento dessa restituição. Diferentemente do que ocorre na obrigação tributária, o contribuinte é credor na relação ora examinada. O fisco se encontra no polo passivo do vinculo obrigacional, possuindo o dever de cumprir uma prestação pecuniária para com o contribuinte. Eis porque nos referimos a esse dever como 'débito do Fisco.

Analisada o direito de repetição do indébito, cabe então voltar a hipótese desse trabalho, questionando se nasce o direito de repetição do indébito quando houver o desvio de destinação da arrecadação da contribuição especial, mas não sem antes analisar a Regra-matriz de incidência da Contribuição Especial.

Entendendo que a destinação faz parte da Regra-matriz de incidência da Contribuição Social e que a mesma é instituída em lei, observa-se que se não cumprida a destinação legalmente prescrita, o tributo será indevido, sendo passível de restituição por parte de Fisco.

Sendo mais específico Paulo Ayres Barreto (2011, p. 184) leciona que:

[...] O montante cobrado a título de contribuição só pode ser aplicado na finalidade que deu causa à sua instituição. A causa, na contribuição, afirma a sua finalidade estipula o destino da arrecadação.

 

O vínculo entre causa e destino da arrecadação não é passível de ser alteado ou afastado por intermédio de lei orçamentária, sob pena de seu comprometimento estrutural como espécie tributária. A autorização para a instituição de contribuição decorre da necessidade do ente tributante obter recursos que se destinem ao atendimento de uma finalidade específica. Em contrapartida, o ente tributante tem o dever jurídico de usar integralmente o produto da arrecadação nesse fim colimado. A norma orçamentária que rompe com esse vínculo desnatura a exigência: abre ao contribuinte a possibilidade de repetir o indébito tributário. O débito do contribuinte atrelado à finalidade. Se há desvinculação, o débito torna-se ipso facto, um indébito.

 Comungando do mesmo entendimento Paulsen (2011, p. 109-110) cita a professora Misabel Derzi:

[...] Assim, a destinação assume relevância não só tributária como constitucional e legitimadora do exercício da competência federal. O contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetada aos fins, constitucionais admitidos; igualmente poderá reclamar a repetição do tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto a aplicação dos recursos arrecadados [...].

Desta forma, resta evidente que a destinação faz parte da regra de incidência das Contribuições Sociais, não podendo ser desrespeitada pelo Administrador, sob pena de gerar para o contribuinte o direito de reaver a parcela que lhe foi obrigado a pagar.

 

5. CONCLUSÃO

 

Resta claro então a importância da Contribuição Social para sustento da Seguridade Social e mais, a importância de se conservar rígida a destinação do seu produto.

Observa-se que as Contribuições Sociais têm importante papel no desenvolvimento de políticas públicas a serem implementadas pelo Estado. O contribuinte, sob o manto da solidariedade, contribui através da tributação com os recurso que serão utilizados no desenvolvimento de tais programas.

Decerto, a relação jurídico-tributária é uma relação invasiva, a qual cabe ao fisco amealhar parcela de propriedade dos contribuintes, arrecadando sobre a riqueza que esses indivíduos (pessoas físicas ou jurídicas) possuem. Contudo, é o contribuinte quem aceita que o Estado subtraia recurso do seu patrimônio, uma vez que o tributo é instituído, em regra, através de lei, produzida pelos representantes devidamente eleitos pelos próprios cidadãos que sofrerão a futuramente a exação, seja pessoalmente, seja por meio das pessoas jurídicas devidamente constituídas por estes.

Tratando-se de financiamento da Seguridade Social, o indivíduo contribui com base no princípio da Solidariedade, fazendo-o para sustentar o Estado de bem-estar social, podendo ser ele aquele que virá a desfrutar ou não do benefício. Sendo assim, fica claro que se o contribuinte tem parcela do seu patrimônio subtraído para custear a Seguridade Social, deve lhe ser dada a garantia de que não haverá desvio da destinação.

No caso das Contribuições Sociais a lei já traz previamente a previsão do destino da arrecadação, restando claro então que trata-se de critério a ser observado na regra-matriz de incidência desta espécie de tributo, e sendo assim, caso haja deturpação da mesma, o desvio da destinação será inconstitucional e caberá ao contribuinte ser restituído em seu patrimônio antes subtraído. Ademais, tratando-se de Contribuição Social para a Seguridade Social a própria Constituição Federal é quem já traz as regras orçamentárias para a aplicação da receita a ser arrecadada, inclusive proibindo a sua desvinculação.

Cumpre observar que o sistema tributário nacional, devidamente estruturado na Constituição Federal, visa trazer segurança aos contribuintes, especificando os poderes que o Estado possui para tributar, visando estancar possíveis excessos que possam acontecer.

Não é raro que o Estado crie leis, decretos, medidas provisórias, etc., inconstitucionais com o objetivo de tributar o contribuinte. Como se observa no cotidiano, os contribuintes socorrem-se as portas do Poder Judiciário para ajuizar suas demandas no intuito de não serem lesados em demasia e, muitas das vezes, observa-se o simples descumprimento de princípios constitucionais tributários por parte do Fisco, o que acarreta o recolhimento ilegal de tributo.

Ora, sendo declarada inconstitucional a norma jurídica, declarar-se-á também como indevida a cobrança, bem como restituído o valor caso tenha sido recolhido aos cofres públicos.

Em sua maioria, os contribuintes insurgem-se contra relação jurídico-tributária, atacando o momento anterior a entrada dos recursos nos cofres do Estado. Pois bem, tendo a Contribuição Social para a Seguridade Social destinação específica no orçamento, e sendo esta destinação parte integrante da regra-matriz de incidência do tributo em comento, poderá sim o contribuinte insurgir-se contra a exação anteriormente realizada, mesmo quando o recurso já tenha ingressado nos cofres do Estado, se a destinação estipulada em lei, regra orçamentária, não seja cumprida.

Observa-se então, que o contribuinte não fica restrito a se rebelar somente contra as normas que impõem o recolhimento, mas também que pode fazê-lo também quando se tratar do descumprimento da norma orçamentária que vinculou a receita da Contribuição Social recolhida.

Resta patente que o contribuinte tem o direito subjetivo de ingressar em juízo pedindo a declaração da inconstitucionalidade da norma instituidora do tributo, ou mesmo do ato que desvinculou a receita arrecadada para ser aplicada em outra finalidade. Ademais, tal medida não seria suficiente, pois para ter a eficácia, deveria ser acompanhada do pedido de repetição do indébito, visto que o próprio Poder Público, a dar destinação diversa aos recursos, contrariou os dispositivos legais que ensejaram a arrecadação, transformando o pagamento em indevido em face da legislação tributária aplicável.  

Desta forma, demonstra-se a importância do estudo da Contribuições Sociais para a Seguridade Social e os reflexos no desvio da sua destinação, implicando na inconstitucionalidade do desvio bem como no direito a repetição do indébito por parte do contribuinte.

 

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[1] ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13.10.99, DJ de 4.4.2003

[2] Não esquecer que a Constituição Federal de 1988 informa claramente no parágrafo único do seu art. 1º que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".


Autor

  • Ricardo Simões Xavier dos Santos

    Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

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