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Influência do marketing ostensivo no superendividamento do consumidor

Influência do marketing ostensivo no superendividamento do consumidor

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Devido ao uso não responsável do crédito, gradativamente, o consumidor brasileiro adquiriu uma cultura de endividamento em detrimento de uma cultura de poupança, que com o passar do tempo tem gerado a problemática do superendividamento.

INTRODUÇÃO

A palavra crédito está relacionada com confiança e tempo, por se referir a uma operação onde se tem a obtenção imediata de um bem frente a uma contraprestação futura. Tal operação econômica já era utilizada em outras épocas pela sociedade tendo evoluído ao longo dos séculos, sendo considerada por alguns historiadores a era neolítica na antiguidade como seu marco inicial. (BERTONCELLO, 2010)

Giancoli (2008), ao tratar do histórico do crédito, faz referência ao período de sedentarismo agrícola na era neolítica; ao Código de Hamurabi; ao período da Grécia antiga (onde se teve um dos maiores marcos evolutivos do crédito, quando a propriedade passa ao domínio individual); e, à Roma, período este onde se consumia na proporção inversa a sua produção, sendo a prática da usura aceita enquanto uma saída aos romanos, vindo a se tornar nas palavras de Giancoli (2008, p. 22), “ um mal endêmico”.

Tal contexto justifica a posterior posição da Igreja Católica, no período da Idade Média, de condenar a usura. Para tanto, incrustou através da moral cristã, a mentalidade de que a prática da usura era pecado e consequente condenação ao inferno.[1]

Com o passar do tempo, com a Reforma Protestante, onde se fizeram presentes o Luteranismo e o Calvinismo, o empréstimo a juros passou a não mais ser visto como pecado, e sim, como uma forma de propiciar desenvolvimento econômico. Tal pensamento positivo acerca do crédito foi levado para os Estados Unidos através de sua colonização, a qual foi realizada em sua maioria por protestantes calvinistas, tornando-o o maior mercado de consumo de crédito mundial. (FERNANDES, 2010)

Como pioneiro os Estados Unidos da América[2] influenciaram os demais países do mundo, perpetuando um pensamento hedonista de uso do crédito, em especial quando se passou a utilizar a modalidade de uso do crédito de forma parcelada a partir do século XIX, mas principalmente, durante o século XX. Desta forma, os Estados Unidos sentiram os primeiros reflexos positivos do uso do crédito, tendo seu desenvolvimento econômico pautado principalmente na concessão deste em detrimento da produção de bens. (FERNANDES, 2010).

A democratização do crédito acabou por cruzar o oceano e influenciar também a economia europeia, apesar das diferenças econômicas e culturais, conforme afirma Bertoncello (2011). Assim, no decorrer dos anos 70 e 80 a Europa, como um todo, passou a perceber a importância do crédito para a economia e começou a regulamentar a concessão deste. (AMORIM, 2010)

Ademais, assim como nos EUA, na Europa o crédito passou a não mais funcionar apenas como instrumento a auxiliar a manutenção da família, passando a ser o principal meio utilizado pelo consumidor para elevar seu nível e qualidade de vida. (GIANCOLI, 2008)

Já no Brasil, a primeira notícia que se teve de tal influência foi nos anos 50 quando lojistas passaram a realizar vendas a crédito, mas até então atrelados a certa burocracia (FERNANDES, 2010). Porém, somente com a mudança do quadro econômico brasileiro em função da reforma do sistema financeiro com a implementação do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) em 1964/65, e a posterior implementação do Plano Real no ano de 1994, é que houve a liberalização financeira e a expansão do crédito.

O plano econômico de 1964/65 foi instaurado pelo governo militar logo após o golpe, isto como resposta a situação econômica no Brasil à época, confusa e desestruturada, principalmente, pela insolvência internacional e pela inflação crescente, fruto do excesso de demanda e da instabilidade política vivida no país. (MOARES, 2009)

Neste período, a edição de leis como a Lei da Correção Monetária (Lei 4.357/64) e a Lei do Mercado de Capitais (Lei 4.728/65), foi extremamente importante para a evolução do crédito no país. Especialmente a Lei 4.357/64, que além de extinguir a Superintendência da Moeda e Crédito e criar o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional; teve como implementação mais relevante para a evolução do crédito a extinção da limitação de juros imposta antes pela Lei da Usura. (MORAES, 2009)

Em consequência, houve nos anos subsequentes o fortalecimento dos grupos bancários que em 1973 incluindo os bancos federais, estaduais e particulares somavam mais de cem; além da redução da taxa de crescimento da oferta monetária e da queda da inflação. (MORAES, 2009)

Entretanto, a economia brasileira culminou em determinado ponto que para a inflação continuar em queda se deveria impulsionar o crescimento econômico; momento em que o país passa a adotar uma política monetária expansiva com o aumento do crédito para o setor privado. Este período ficou marcado na história como o “milagre econômico”, caracterizado pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e da produção industrial. (MORAES, 2009)

Tais mudanças incluindo a já mencionada implementação do Plano Real em 1994, facilitaram o acesso ao crédito, antes demasiado restrito, havendo por consequência a inserção de uma parcela da população antes excluída da economia (BERTONCELLO, 2011).

Ademais, outro fato que contribuiu e ainda contribui para a expansão do crédito no Brasil foi a política implementada pelo governo Lula de estímulo ao crédito popular, aliada a modalidade de empréstimo consignado em folha de pagamento para servidores públicos e aposentados, aprovado no país no ano de 2003. Diante deste quadro, a procura pelo crédito pessoal tem crescido a cada ano em detrimento do crédito concedido à pessoa jurídica[3]. O crédito pessoal tem sido procurado principalmente entre as famílias de baixa renda, o qual teve por consequência a diminuição da pobreza do país devido ao aumento do poder de compra do salário mínimo[4]. (BERTONCELLO, 2011).

Contudo, assim como inicialmente o crédito funcionou como um mecanismo de inclusão social, ao possibilitar, quando utilizado de forma consciente, a felicidade do homem moderno, efetivada através do consumo de bens e serviços, e, a participação da população de baixa renda na economia do país; também passou a funcionar como um fator de exclusão social quando adquirido de forma excessiva e irresponsável gerando a inadimplência e, consequentemente, o endividamento.

Criou-se desta forma uma economia de endividamento em detrimento da economia de poupança (MARQUES, 2010), sendo esta primeira caracterizada pelo fato de que o crédito passa a movimentar a economia, e o endividamento do consumidor acaba por financiá-la.

Assim, com a democratização do crédito, para consumir produtos e serviços os brasileiros, de qualquer classe social, estão constantemente se endividando, tendo inclusive triplicado o consumo do crédito entre os anos de 2000 e 2006 (MARQUES, 2010, p.13). E o resultado tem sido alarmante:

Após a euforia inicial, alguns números começaram a sinalizar os perigos do exagero. Aumentou em cerca de 23% os nomes cadastrados negativamente; nos bancos, a inadimplência nos financiamentos de eletrodomésticos e outros bens duráveis aumentou de 6,8 para 9,4 em dois anos. Nos empréstimos sem desconto em folha para a população de baixa renda a inadimplência chega a R$ 16,00 para cada R$ 100,00 emprestados, três vezes maior do que no cheque especial. (BERTONCELLO, 2011, p. 25-26)  

 Neste sentido, faz-se interessante destacar o raciocínio de Costa:

Pagar parcelado tornou-se um hábito, ou até uma boa forma de viver. Os estudiosos vêem nesta ideologia uma questão de sobrevivência do capitalismo que não seria possível sem a criação no consumidor de uma série de necessidades relativas a um “desejo desenfreado de conforto e novas comodidades”[...] (COSTA, 2002, p.88)

Portanto, verifica-se que frente ao desenvolvimento econômico houve uma explosão de acesso ao crédito, fato este que teve por consequência o superendividamento do consumidor. Tal é fruto do uso não responsável do crédito e por vezes até descontrolado, ou então, em função de um caso fortuito ou um acidente de vida, como desemprego, divórcio, doença e etc.

Diversos fatores influenciam na ocorrência da problemática do superendividamento na vida do consumidor brasileiro, entretanto, verdade é que o marketing ostensivo tem papel fundamental, haja vista que exerce forte influência sobre a tomada de decisão do consumidor, estimulando-o para que tenha novas necessidades e, consequentemente, consuma cada vez mais.

Desta feita, imperioso se faz compreender o comportamento do consumidor e os fatores que o impulsionam a agir, para que se possa mensurar a proporção da influência do marketing ostensivo no superendividamento.

Destarte, tal estudo trará grandes benefícios à comunidade acadêmica, a sociedade, ao mercado econômico; e ainda, fará com se possa identificar a responsabilidade do profissional do marketing pela publicidade que veicula, e, o quanto esta pode ser nociva, chamando a atenção para a necessidade de o legislador regular melhor tal atividade.

Sendo assim, num primeiro momento, apresentam-se os conceitos de consumidor, destinatário final, e consumidor superendividado, estes fundamentais para a construção da lógica argumentativa da temática abordada.

Em seguida, passa-se a caracterizar o superenidvidamento enquanto fenômeno que extrapola a seara jurídica, levando sempre em consideração a sua repercussão na vida do consumidor e de sua família. Portanto, para melhor compreender tal fenômeno, este é analisado dentro de seu contexto social e econômico, apresentando os princípios jurídicos que o permeiam.

Finalizando o segundo capítulo, passa-se a abordar a influência do marketing na tomada de decisão do consumidor, e, o quanto este pode ser nocivo ao ponto de se tornar fator preponderante no seu endividamento, sendo assim, necessária a garantia do direito fundamental à informação do consumidor em todas as suas nuances.

Para a construção da ideia central do trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica que teve por principal doutrinadora Cláudia Lima Marques, vanguardista na temática em território nacional. Teve-se por base o método dedutivo para identificar e correlacionar o posicionamento atual dos juristas a partir do exame da legislação, jurisprudência, artigos periódicos, e ainda, de doutrina especializada principalmente na área do direito do consumidor relacionada diretamente à temática.  

Para tanto, tem-se por objetivos definir o conceito de consumidor e de consumidor superendividado, realizar uma breve análise psicológica e econômica do comportamento do consumidor, demonstrar como o crédito atualmente funciona tanto como fator de inclusão quanto de exclusão social afetando a dignidade do consumidor. Isto, para ao final, comprovar o poder da publicidade sobre a tomada de decisão, e dar enfoque a necessidade de legislação firme que assegure o direito fundamental à informação.


1 CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO

1.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR E DESTINATÁRIO FINAL

Antes de iniciar de fato o debate quanto à temática proposta, necessário definirmos o superendividamento, e, tendo em vista que tal característica é atribuída ao consumidor, a priori, iremos delimitar o conceito jurídico deste.

Segundo Filomeno (2005), o conceito de consumidor se perfaz a partir de várias óticas além da jurídica: econômica, psicológica, sociológica, literária e filosófica. Na primeira esfera, o consumidor é visto apenas como o destinatário da produção de bens, o simples homo econominus. Na sequência, a visão psicológica analisa o consumidor a partir de suas reações e preferências que o levam ao ato de consumir. Já dentro de uma interpretação mais abrangente, a sociologia entende o consumidor como aquele que se utiliza de bens ou serviços sendo visto como parte integrante de uma determinada classe social, que definirá não só o seu poder de compra, mas também o seu perfil de consumo.

Por último, as óticas filosófica e literária se mesclam e analisam o consumidor a partir de um invólucro de valores ideológicos que o integram ao conceito de sociedade de consumo[5].

Entretanto, para definir consumidor apenas no âmbito jurídico, Filomeno[6] destaca:

Entendemos que consumidor, abstraídas todas as conotações de ordem filosóficas, tão-somente econômica, psicológica ou sociológica, e concentrando-nos basicamente na acepção jurídica, vem a ser qualquer pessoa física que isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de serviços. Além disso, há que se equiparar a consumidor a coletividade que, potencialmente, esteja sujeita ou propensa à referida contratação. (FILOMENO, 2005, p. 22, grifo do autor)

Conclui-se, portanto, que existe uma relação jurídica contratual entre o consumidor e produtor/fornecedor, a qual, poderá ter efeitos não só inter partes, estando à coletividade também sujeita aos efeitos desta relação obrigacional. Diante disto, o Código de Defesa do Consumidor - CDC, o define juridicamente de forma objetiva em seu artigo segundo[7].

A partir da compreensão do mencionado artigo, detém-se que o consumidor poderá ser qualquer pessoa física ou jurídica, que adquira a título oneroso ou gratuito, produto ou serviço; ou ainda, aquele que mesmo que não o adquira, o consuma ou sofra os efeitos desta relação, sendo o consumidor o destinatário final da cadeia econômica.

Quanto à pessoa jurídica tida como consumidor, Rizzatto Nunes (2011) destaca que como a legislação não especifica quais os tipos de pessoa jurídica que podem ser amparadas pelo CDC[8], qualquer uma (microempresa, associação, multinacional etc) poderá enquadrar-se na definição do art. 2º do supracitado código, a depender do tipo de produto ou serviço contratado e se estes são adquiridos para destinação final, fazendo ressalva àqueles que representarem bens de produção.

Com relação à aquisição destes bens de produção suscitada acima, Rizzatto Nunes (2011) aponta duas justificativas para a não aplicação do CDC a situações como a do exemplo que nos fornece em sua obra do fazendeiro que adquire uma usina de álcool[9]:

Em casos nos quais se negociam e adquirem bens típicos de produção, o CDC não pode ser aplicado por dois motivos óbvios: primeiro, porque não está dentro de seus princípios ou finalidades; segundo, porque dado o alto grau de protecionismo e restrições para contratar e garantir, o CDC seria um entrave nas relações comerciais desse tipo, e que muitas vezes são de grande porte. (NUNES, 2001, p. 121)

Assim, além do art. 2º do CDC o conceito de consumidor é complementado pelos artigos 17 e 29 do mesmo texto legal, os quais definem os consumidores por equiparação, isto, pois como já mencionado, a coletividade também está sujeita aos efeitos da relação de consumo.

O art. 17 do CDC nos apresenta o consumidor por equiparação tido como vítima de acidente de consumo, que apesar de não se tratar do consumidor direto sofre os efeitos do evento.

Assim, por exemplo, na queda de um avião, todos os passageiros (consumidores do serviço) são atingidos pelo evento danoso (acidente de consumo) originado no fato do serviço da prestação do transporte aéreo. Se o avião cai em área residencial, atingindo a integridade física ou o patrimônio de outras pessoas (que não tinham participado da relação de consumo), estas são então, equiparadas ao consumidor, recebendo todas as garantias legais instituídas pelo CDC. (NUNES, 2011, p. 130)

Já o art. 29 do mesmo código nos apresenta um conceito difuso de consumidor, conforme considera Rizzatto Nunes (2011), pois não há uma simples equiparação, sendo todos os indivíduos consumidores em potencial pelo simples fato de estarem expostos o tempo todo a várias práticas comerciais.

[...] não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas que foram expostas às práticas. É mais que isso. O que a lei diz é que uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática. (NUNES, 2011, p.130, grifo do autor)

O legislador tenta, portanto, ser o mais objetivo possível ao definir o consumidor dentro do texto legal, apesar de considerar que tal conceito não pode ser dissociado das vertentes de análise aqui já expostas devido o ato de consumir não dizer respeito tão somente ao mundo jurídico. Porém, é necessária esta delimitação para que o mencionado texto legal tutele somente aquele indivíduo que se estabeleça dentro da relação jurídica como hipossuficiente e como destinatário final de fato.

Nesse sentido, importante se faz elucidar o significado de “destinatário final”. Para tanto, imprescindível evidenciar as três correntes de interpretação de seu conceito apontadas pela doutrina, quais sejam: finalista, maximalista e finalista aprofundada.

A interpretação finalista restringe o conceito de destinatário final ao considerar somente aquele que adquire o produto ou serviço para uso próprio, portanto, o não profissional[10]. Atualmente já se admite uma interpretação mais branda, onde analogicamente se aplicam as regras do CDC para aqueles profissionais que adquiram produto diverso de sua atividade e que comprovem sua vulnerabilidade na relação (MARQUES, 2010, p. 106).

Já a interpretação maximalista é mais extensa e abrangente, entendendo o destinatário final como aquele que retira o bem do mercado e o utiliza, podendo este ser pessoa física ou jurídica, logo, considerando como destinatário final não só o consumidor-não-profissional, mas todo aquele que efetivamente represente o destinatário fático do produto ou serviço. (MARQUES, 2010, p. 106)

Por último, a doutrina nos apresenta a interpretação finalista aprofundada, sendo esta o entendimento majoritário adotado pelo STJ, com uma posição subjetiva do consumidor, porém mais finalista e objetiva quanto a atividade ou o papel do consumidor. (MARQUES, 2010, p. 107). Desta forma, relativiza-se a interpretação podendo cada caso ser analisado e tratado de forma específica.  Nesse sentido preleciona Marques:

[...] Parece-me que destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. O destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquiri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico), e não aquele que continua a usar o bem para produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção. (MARQUES, 2010, p. 105-106, grifo do autor)

     Logo, o destinatário final pode ser pessoa física ou jurídica, entretanto este deverá ser destinatário fático e econômico, ou seja, deverá adquirir o bem ou serviço para uso próprio colocando fim à cadeia de produção.

1.2 CONCEITO JURÍDICO DE CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA QUANTO AO FATOR DO ESTADO DE SUPERENDIVIDAMENTO

Giancoli (2008) destaca que o endividamento é importante para a economia, porém, este somente passará a ter relevância jurídica quando “[...] a ideia de passividade obrigacional for agregada ao fenômeno do inadimplemento obrigacional, porém não de uma maneira eventual [...]” (GIANCOLI, 2008, p.120), ou seja, a partir do momento em que tal situação fuja ao controle do consumidor levando-o ao estado de superendividamento.

O supramencionado estado poderá ocorrer por diversos fatores além da facilidade de acesso ao crédito, tais como, a vulnerabilidade econômica e técnica, a publicidade ostensiva, um acidente de vida, ou então, a má administração da renda. Desta forma, o superendividado dentro da sociedade de consumo atual, deverá ser analisado a partir de “[...] um status de uma pessoa dotada de uma carência de necessidades (comer, viver, vestir-se, morar etc) instrumentalizadas através do crédito ao consumo que são reveladoras de interesse e proteção jurídica.” (GIANCOLI, 2008, p. 121).

Considerando-se que os parâmetros do direito do consumidor no Brasil têm por principal influência o ordenamento jurídico francês, nada mais plausível que o conceito de consumidor superendividado tenha este por base, o qual conforme Costa (2002, p.116, grifo do autor) o identifica como: “[...] pessoas físicas de boa-fé que se encontram na impossibilidade “manifesta de fazer face ao conjunto de suas dívidas não profissionais exigíveis e a vencer”.

Faz-se necessário os parênteses para destacar que a maioria dos países europeus prefere utilizar o prefixo “sobre” ao invés de “super”, como utilizado pela França e consequentemente pelo Brasil, para designar tal fenômeno. Isto no intuito de enfatizar que não apenas se trata de um excesso mais algo que vai além.[11]

Assim, influenciada pelo pensamento francês, a doutrina jurídica brasileira ao abordar o tema define o consumidor superendividado como aquele que “Se vê impossibilitado, de uma forma durável ou estrutural, de pagar o conjunto de suas dívidas, ou mesmo, quando existe uma ameaça séria de que não possa fazer no momento em que elas se tornarem exigíveis”. (MARQUES, Maria Manuel Leitão, 2000 apud FERNANDES, 2010, p.2)  

Entretanto, Marques (2005) apresenta um conceito mais completo e melhor aceito pela doutrina brasileira, qual seja:

[...] a impossibilidade global do devedor – pessoa física, consumidor leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, as oriundas de delitos e as de alimentos). Este estado é um fenômeno social e jurídico, a necessitar algum tipo de saída ou solução pelo direito do consumidor, a exemplo do que aconteceu com a falência e a recuperação judicial e extrajudicial no direito da empresa, seja o parcelamento, os prazos de graça, a redução dos montante de juros, das taxas, seja qualquer outra solução possível para que se possa pagar ou adimplir todas ou quase todas as suas dívidas, frente a todos os credores, fortes e fracos, com garantias ou não.[...] (MARQUES, 2005, p.1236)

Marques (2010) ao analisar seu próprio conceito acima identificado, aponta quatro palavras-chaves: consumo, crédito, boa-fé e endividamento. Assim, o endividamento é fruto da liberdade do consumidor de contratar, além de ser algo natural para a economia e sociedade atual, sendo por vezes o consumo demasiado do crédito o ocasionador do endividamento global do consumidor, se esperando deste no mínimo a boa-fé contratual. 

Nestes moldes, a inserção da boa-fé como requisito fundamental para incidência do superendividamento, no momento da formação do contrato, bem como, refletido na intenção do consumidor de adimplir com as dívidas adquiridas, mostra que o direito não mais se apresenta de forma estática, permitindo que a norma considere os fatos sociais. (GIANCOLI, 2008).

Da mesma forma que no ordenamento jurídico francês, no Brasil a doutrina considera que a boa-fé do consumidor superendividado é presumida frente à sua hipossuficiência[12]. Consequentemente, constitui ônus do credor comprovar a má-fé do consumidor em estado de superendividamento, havendo a necessidade do contraditório e a vedação do exame da boa ou má-fé de ofício pelo juiz[13]. Ressalvando-se que o acúmulo de diversas dívidas não caracteriza má-fé por parte do consumidor, afinal o termo superendividamento indica por si só o acúmulo de passivo. (COSTA, 2002).

Por todo exposto, poderíamos concluir, erroneamente, que a má-fé estaria associada ao superendividado ativo, o qual pode ser consciente ou inconsciente. Entretanto, o simples fato deste consumidor ter contribuído para seu estado de superendividamento não enseja de plano a configuração da má-fé, afinal este pode ter sido vítima da atual “sociedade do efêmero”, nos termos de Bertoncello (2011), por isto se faz necessária uma análise do superendividado que extrapole as fronteiras da ciência jurídica.[14]

Nesse contexto, o superendividado ativo inconsciente está mais suscetível à tutela de lei de tratamento específico do que o ativo consciente. Isto, pois nestes casos, geralmente, mostra-se mais evidente o consumidor enquanto vítima do mercado de consumo atual, além de situações pontuais como o analfabetismo funcional[15], e, o incentivo desenfreado ao uso do crédito aos idosos e indivíduos de baixa e média renda, onde se deve analisar a hipossuficiência do consumidor.

Nesta estreita, poderá aparentar ser o superendividamento uma realidade distante, porém, tal fenômeno está cada vez mais em destaque nos debates travados no mundo acadêmico e até mesmo nos meios de comunicação, se tratando de uma situação recorrente que pode levar o consumidor a “[...] sua morte civil, sua exclusão do mercado de consumo ou sua ‘falência’ civil [...]” (MARQUES, 2010, p.23).

A ciência do Direito, portanto, ao tratar de tal fenômeno têm por intuito conhecer a problemática a fundo, designar tratamento específico tanto para a prevenção quanto para aqueles que já se encontram em estado de superendividamento, reinserí-los na economia, além de lutar contra o pré-conceito formado acerca do consumidor em tal estado e contra sua exclusão social. Nesse sentido, as medidas a serem tomada para alcançar tais objetivos deverão colocar os interesses do mercado econômico (fornecedor/credor) em segundo plano, tendo em vista a fragilidade econômica do consumidor e a responsabilidade solidária do fornecedor/credor, ademais, primando pela função social do contrato. (COSTA, 2002)

A doutrina europeia como forma de sistematizar o estudo do superendividamento e melhor compreender o referido fenômeno o classifica em ativo e passivo. O superendividamento passivo é aquele em que o consumidor não contribuiu ativamente para seu estado de insolvência, geralmente em estado de superendividamento em função de um acidente de vida (doença, desemprego, divórcio e etc), ou então, por não saber lidar com a facilidade de acesso ao crédito.

Já o superendividamento ativo ocorre “[...] quando o consumidor abusa do crédito e ‘consome’ demasiadamente acima das possibilidades de seu orçamento [...]” (MARQUES, 2010, p. 22). O superendividamento ativo pode ser consciente ou inconsciente, dependendo da ausência ou não de boa-fé objetiva por parte do consumidor ao contratar. Com relação ao superendividado ativo inconsciente, Bertoncello (2010) assevera que o analfabetismo funcional se mostra como um dos elementos que podem identificar esta espécie de indivíduo em estado de superendividamento[16].

O ordenamento francês não se preocupa com tal classificação, admitindo apenas como pressuposto preponderante para a prestação da tutela jurisdicional a existência de boa-fé por parte do consumidor superendividado, designando tal sistematização à doutrina[17].

Quanto a questão, a doutrina jurídica brasileira compartilha do mesmo entendimento, devendo, portanto, se estruturar para analisar o caso concreto a partir de suas especificidades, independente de se tratar de um consumidor superendividado ativo ou passivo, considerando sempre o elemento boa-fé, para assim garantir ao consumidor sua dignidade, direito este adquirido pelo homem pelo simples fato de existir.


2 SUPERENDIVIDAMENTO: FENÔMENO JURÍDICO, SOCIAL E ECONÔMICO

2.1 ANÁLISE ECONÔMICA E PSICOLÓGICA DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR NA BUSCA PELA SUA DIGNIDADE ENQUANTO SER HUMANO

A modernização liberal quebra os valores sociais antes vigentes que proporcionavam coesão social, fazendo com que o indivíduo se sentisse inserido. A partir do liberalismo econômico o individualismo passa a ter prioridade com relação aos interesses sociais, como enfatiza Slater (2002, p.67), “[...] O consumismo representa sobretudo o triunfo do valor econômico sobre todos os outros tipos e fontes de valor social. Tudo pode ser comprado e vendido. Tudo tem o seu preço”.

Diante desta nova mentalidade, o estudo do comportamento do consumidor, antes analisado a partir do paradigma do positivismo[18], o qual considera que as ações humanas são pautadas na razão, tem sido substituído pelo paradigma emergente interpretativo.

Este último, considera que o comportamento humano é demasiado complexo para ter por base apenas a razão, sendo fruto também da influência de elementos externos. Assim:

O paradigma interpretativista inclui abordagens subjetivista, naturalista, qualitativa e humanista. Enfatiza a importância da experiência simbólica e subjetiva. Parte da ideia de que os objetos não têm razão e significados próprios, mas que os significados das coisas estão na mente dos indivíduos. Assim, parte-se do ponto de vista que o mundo externo não tem um sentido em si, uma vez que os seres humanos é que atribuem sentido ao mundo. (LIMEIRA, 2008, p. 16, grifo do autor)

Desta forma, Limeira (2008, p.16) pondera que o estudo do comportamento do consumidor não se dá mais no âmbito idealizado do “dever ser”, e passa a concatenar elementos diversos com o intuito de compreender o real comportamento deste.

Ademais, o ato de consumir representa a reprodução de uma cultura de consumo característica do ocidente moderno, porém, não exclusiva, o que nos remete a compreensão de que se trata de uma mescla de fatores que levam a determinado comportamento:

O consumo é sempre e em todo lugar um processo cultural, mas “cultura de consumo” é singular e específica: é o modo dominante de reprodução cultural desenvolvido no Ocidente durante a modernidade. A cultura do consumo é, em aspectos importantes, a cultura do Ocidente moderno – crucial, certamente, para a prática significativa da vida cotidiana no mundo moderno; e, num sentido mais genérico está ligada a valores, práticas e instituições fundamentais que definem o modernismo ocidental, como a opção, o individualismo e as relações de mercado. (SLATER, 2002, p. 17)

Tal cultura de consumo está intimamente ligada ao modernismo e à liberdade, tida como livre-arbítrio, conforme enfatiza mais a frente Slater (2002, p.18) com “pretensões e alcance globais”.[19]

A cultura de consumo nestes moldes persiste até os dias atuais, onde a partir da década de 80, o consumidor passa a ser visto como mola propulsora da economia enquanto cidadão moderno, e o consumismo superficial “[...] enfatiza o imediatismo e o individualismo radical[...]” (SLATER, 2002, p. 19) 

No âmbito da ciência econômica, a microeconomia – área de conhecimento voltada para o estudo das unidades econômicas individuais – tenta da mesma forma compreender como o consumidor toma suas decisões de compra e investimento.

A primeira teoria econômica surgiu em meio ao contexto da Revolução Industrial Inglesa no século XVIII, a qual provocou diversas transformações na sociedade. Os economistas clássicos foram os primeiros a tentar desvendar o comportamento do consumidor, tendo-se como exemplo maior Adam Smith (1723-1790) e sua teoria da escolha individual pautada na:

[...] ideia de que o bem-estar da sociedade é resultado da convergência entre os interesses individuais do comprador e do vendedor, por meio da troca voluntária e competitiva. Essa teoria engloba quatro princípios, a saber: as pessoas buscam experiências que valham a pena; a escolha individual determina o que vale a pena; por meio da troca livre e competitiva, os objetivos individuais serão realizados; as pessoas são responsáveis pelas suas ações e escolhem o que é melhor para elas. (LIMEIRA, 2008, p.91)

Já no final do século XIX, os neoclássicos apresentam outra abordagem acerca do comportamento do consumidor. Seu principal representante, Alfred Marshall (1842-1924), apresenta a teoria econômica do consumidor, que compreende o comportamento deste como resultado da racionalidade e da maximização da utilidade – quanto maior a utilidade maior a satisfação. (LIMEIRA, 2008).

Apesar da relevância do estudo das teorias econômicas para a análise do comportamento deste personagem econômico, somente estas não são suficientes, pois estão presas ao “dever ser” do consumidor. Assim, a psicologia se apresenta como mais um aliado para a compreensão do comportamento do consumidor ao estudar a subjetividade, compreendida como “[...] a maneira de sentir, pensar, imaginar, sonhar e fazer de cada indivíduo” (LIMEIRA, 2008, p. 97)

 Para tanto, a psicologia possui três principais escolas: behaviorismo (toda ação humana é uma resposta a estímulos externos); gestalt (construtivista, entre o estímulo e a resposta há a percepção, que nos faz dar significado às coisas a partir de influências internas e externas); e a psicanálise[20]. (LAMEIRA, 2008)

Entretanto, especificamente no que se refere ao comportamento do consumidor, a psicologia entende que este, na sua maneira de interagir com o meio, é influenciado por fatores psicológicos, tais como: motivação, envolvimento, percepção, aprendizado, atitudes e personalidade.

A motivação constitui a primeira etapa da psique que justifica o comportamento do indivíduo, em suma:

[...] Quando a pessoa se conscientiza da existência de uma necessidade, ocorre uma discrepância entre o estado atual e o almejado, provocando uma tensão. A pessoa procura, então, eliminar essa tensão, satisfazendo a necessidade (LIMEIRA, 2008, p.103)

Após a motivação, o indivíduo, através de sua percepção, atribui sentido às sensações provenientes dos estímulos do meio. Ao atribuir sentido o indivíduo desenvolve a aprendizagem que tem por consequência o conhecimento[21], o qual terá forte influência em sua tomada de decisão. (LIMEIRA, 2008)

A partir da aprendizagem e do conhecimento adquirido é que o consumidor irá avaliar os acontecimentos, objetos e símbolos e efetivamente tomará atitudes que irão, por fim, orientar seu comportamento, este, ainda influenciado pela sua personalidade, esta compreendida como “[...] unidade integrativa da pessoa, com todas as características diferenciais permanentes (inteligência, caráter, temperamento, constituição entre outras) e suas modalidades únicas de comportamento. [...]” (LIMEIRA, 2008, p. 113)

Ademais, relevante destacar que o ato de consumir é prazeroso para o ser humano, causando sensação de felicidade, tendo sido a busca por tal sentimento recentemente reconhecida enquanto princípio constitucional[22], em julgado do STF referente à União Civil entre pessoas do mesmo sexo.

Na decisão acima mencionada, o STF entendeu que o princípio da busca à felicidade seria de fato um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo que este novo princípio somente é alcançado a partir do pleno gozo dos demais direitos tidos como fundamentais pelo ordenamento pátrio; devendo sempre permear todas as relações jurídicas, inclusive as privadas, priorizando assim, a realização existencial e não patrimonial do indivíduo.

Neste contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana, presente no art. 1º inciso III da Constituição Federal da República Brasileira em vigor, é a base do ordenamento jurídico brasileiro[23], posto que tanto o Estado quanto o Direito em si tem por razão de ser a valorização da pessoa humana, primando por garantir ao indivíduo, pelo simples fato de este existir, a liberdade de gerir sua vida frente ao meio social em que vive da maneira que lhe convier, isto dentro dos limites legais. Logo, inviabilizada sua liberdade de se autodeterminar, estaria infringido o supracitado princípio[24].  (FERNANDES, 2010).

Assim, o consumidor em estado de superendividamento encontra-se fragilizado sem poder gerir, da maneira que entender melhor, sua vida financeira e social. Sem condições de sustentar-se, visto que o crédito no momento do superendividamento passa a funcionar como fator de exclusão social limitando seu poder de compra e sua vida social, sua dignidade enquanto ser humano é afetada desencadeando diversas problemáticas.

[...] o cidadão superendividado, que teve reduzidas suas economias a patamares negativos, que tem seu nome inserido em cadastros restritivos ao crédito, que sofre corte de serviços essenciais, que está submetido à autoridade do gerente bancário, que não tem mais qualquer autonomia para gerir as próprias prioridades, vive uma cidadania de baixa ou nenhuma densidade, reduzida sua dignidade a de um escravo da pós-modernidade. (GAULIA, 2010, p. 148)

Ainda enfatiza Fernandes:

É patente, portanto, que a situação de superendividamento afeta a dignidade humana em vários aspectos, sejam eles materiais em virtude da perda de capacidade de consumo de bens básicos como alimentação e medicamento, chegando a ter alcance e comprometimento moral, social e médico/psicológico. (FERNANDES, 2010, p. 2)

Os efeitos materiais do superendividamento do consumidor, como a negativação em órgãos de proteção ao crédito, são consequências imediatas e de fácil percepção. Entretanto, não se pode desconsiderar as consequências morais, sociais e psicológicas; as quais afetam não só a dignidade do consumidor assim compreendido, mas também do núcleo familiar ao qual este pertence, tendo-se por principais reflexos elencados pela doutrina: a angústia, a culpa, a vergonha, a dor, o sofrimento, o isolamento social, a sensação de fracasso, e a degradação da autoestima[25]. (FERNANDES, 2010)

Em meio às observações já expostas deve ser lembrado que o princípio da dignidade da pessoa humana não tem por finalidade única garantir a liberdade do indivíduo de gerir sua vida no meio social no qual está inserido, mas também, garantir o seu mínimo existencial, sendo tal definido por Torres (1989 apud FERNANDES, 2010, p.3) como “[...] um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas.”

Por analogia ao artigo 8º do Decreto 6.386/2008[26] e ao artigo 1º da Lei 10.820/2003[27], tem-se compreendido, a depender da análise das particularidades inerentes a cada caso específico, que o comprometimento acima de 30% (trinta por cento) da renda do consumidor feriria sua dignidade enquanto ser humano[28]. (FERNANDES, 2010, p.4)

Como se pode observar a decisão de compra é extremamente complexa, influenciada por fatores internos e externos, de cunho econômico, psicológico, ou até mesmo cultural, estando muitas das vezes o consumo associado a felicidade do indivíduo na realidade social atual.

Assim, a problemática do superendividamento não pode ser observada a partir de um olhar eivado de pré-julgamentos, afinal, a influência dos fatores externos, é decisiva no comportamento e na tomada de decisão do consumidor, principalmente ao que diz respeito a publicidade ostensiva, tema do presente trabalho, devendo sempre o operador do direito e demais esferas do conhecimento primar por assegurar a dignidade deste ser humano.

2.2 A INFLUÊNCIA DO MARKETING SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DA RELAÇÃO CONTRATUAL: DEVER DE INFORMAR, ACONSELHAR E ADVERTIR

O ato de consumir faz parte do cotidiano da sociedade, pois somente através deste é possível adquirir bens e serviços necessários para a sobrevivência do homem moderno. Então, o consumo se caracteriza “[...] como ato ou efeito de consumir, ou seja, o comportamento de escolha, compra, uso e descarte de produtos e serviços para a satisfação de necessidades e desejos humanos. [...]”. (LIMEIRA, 2008, p. 7)

Consumo é igualdade. Hoje, ser cidadão econômico ativo é aproveitar das benesses do mercado liberal e globalizado como agente ativo e consumidor. Consumo é inclusão na sociedade, nos desejos e benesses do mercado atual. Em outras palavras, consumo é, para as pessoas físicas, a realização plena de sua liberdade e dignidade, no que podemos chamar de verdadeira “cidadania econômico-social”. (MARQUES, 2010, p. 25, grifo do autor)

Assim, o consumo se apresenta não só como fator econômico, mas também, como fator de inclusão social, forma de expressão da personalidade de cada indivíduo, e ainda, como fator preponderante na busca pela felicidade do homem.

Desta forma, o comportamento do consumidor representa “[...] um conjunto de respostas provocadas por estímulos do meio ambiente.” (LIMEIRA, 2008, p.87). Tais fatores de influência podem ser pessoais (fisiológicos e psicológicos), ambientais (contexto sócio, econômico e cultural), situacionais (situações momentâneas), ou estímulos de marketing.

Especificamente com relação ao marketing, este tem influência direta na tomada de decisão do consumidor, ao fasciná-lo através da publicidade vinculada nos meios de comunicação, que segundo Limeira (2008), têm por objetivo principal estimular desejos e não criar necessidades. Nesse diapasão, o ramo do marketing diferencia desejo de necessidade:

Diferentemente da necessidade, o desejo é um estado psicológico direcionado à obtenção de uma satisfação por si mesma (saborear uma pizza, por exemplo), sem que seja preciso haver uma carência (fome) que justifique o sentimento e a ação decorrentes. Mas o desejo e a necessidade estão relacionados, isto é, o desejo de saborear uma pizza alia-se à necessidade de eliminar a fome. (LIMEIRA, 2008, p.5)

Assim, para o marketing, a necessidade caracteriza-se pela carência de algo essencial ao indivíduo, podendo apresentar-se em duas formas: inata (inerente a natureza humana, como as necessidades fisiológicas); e adquirida (proveniente das do contexto cultural e social que cada indivíduo está inserido). (LIMEIRA, 2008)

De fato, necessidade e desejo, são conceitos divergentes. Porém, o que se percebe é que a publicidade ostensiva vai além, não só influencia o simples desejo do consumidor, mas também cria necessidades neste[29]. Tanto é verdade que o próprio Direito, frente à hipossuficiência do consumidor dentro desta relação, apesar de em linhas gerais, preocupou-se em tentar estabelecer limites à publicidade por meio do CDC, como forma de garantir o direito de informação, e, uma real autonomia da vontade.

Neste contexto, o crédito se apresenta como principal meio financeiro para satisfazer as necessidades do homem contemporâneo, independente de ser inata ou adquirida. Portanto, acaba por ser um reflexo da sociedade de consumo atual, a qual é definida por Limeira (2008) pela presença de quatro condições:

1) a maior parte da população consome acima de suas necessidades básicas; 2) a maior parte das necessidades é satisfeita pelo mercado e não pela produção doméstica, pela dádiva ou pelo escambo; 3) as práticas de comprar e consumir são socialmente aprovadas e aceitas como fonte de satisfação e prazer; 4) as identidades de indivíduos e grupos se constroem cada vez mais baseados nos estilos de vida definidos pelo consumo diferencial de certos bens e serviços (LIMEIRA, 2008, p. 10) 

Logo, a publicidade é compreendida como uma comunicação persuasiva que tem por objetivo promover mudanças comportamentais, desta feita, é evidente a conclusão de que a publicidade não só influencia a decisão do indivíduo, mas também ao provocar a mudança de atitude/comportamento, acaba por gerar novas necessidades neste, persuadindo-o a consumir cada vez mais.

Além disso, esta também tem por objetivo desviar, chamar a atenção do consumidor para a marca, entendida como símbolo, fazendo com que este a perceba, criando cria um sentido e um significado à marca que será difundido através de sua vinculação nos meios de comunicação, e nesse emaranhado mais uma vez associa-se o consumo ao individualismo e à integração social:

[...] os produtos de consumo são símbolos, porque são meios de auto-expressão (expressar para os outros quem eu sou, o que penso e o que desejo), distinção pessoal (construir identidade, estabelecendo diferenças em relação a outras pessoas) e integração social (ser igual à comunidade, fazer parte do grupo de referência).

Como consumidores, as pessoas utilizam-se da imagem da marca ou do produto para expressar seu autoconceito e sua identidade[...] (LIMEIRA, 2008, p. 123-124, grifo do autor)

O marketing ao utilizar-se da comunicação imprime diversas necessidades aparentes, por meio da transmissão de informação que nem sempre representa a transparência necessária à formação do contrato de consumo. Sendo assim, o papel do profissional do marketing nesse contexto vai além, pois almeja entender o consumidor[30], compreender as características de seu comportamento, e qual a sua motivação para efetuar a compra. Munido destas informações, este profissional poderá, através de estratégias de marketing adequadas, atender às necessidades do consumidor e influenciar diretamente na sua tomada de decisão. (LARENTIS, 2009, p. 15)

Diante deste contexto mais que evidente a necessidade da aplicação da nova concepção de relação contratual defendida pelo CDC, a qual relativiza a força obrigatória dos contratos e limita o princípio da autonomia da vontade das partes. Afinal, a força obrigatória, dentro da concepção clássica, provém da ideia de que o contrato se origina da vontade entre as partes. Porém, infere-se, conforme conclui Bertoncello (2011), que a existência de uma autonomia da vontade das partes contratantes, seria resultante da igualdade entre de força e liberdade para discutir as cláusulas contratuais, o que não ocorre em verdade nas relações de consumo, onde em geral, o fornecedor dita as regras contratuais reduzindo quase a zero a autonomia da vontade do consumidor.

Assim, o Estado deve considerar os efeitos sociais do contrato, e, como consequência, intervir de forma a promover o equilíbrio contratual entre as partes limitando e ao mesmo tempo legitimando a autonomia destas dentro da relação de consumo, valorizando a boa-fé, a confiança e as expectativas depositadas na relação contratual. Esta relativização da concepção de contrato e de seu principal princípio perfaz-se para que o contrato possa alcançar sua função social[31]. (MARQUES, 2004, p. 175-176)

Ainda com relação à tentativa de mitigar a desigualdade entre fornecedor e consumidor, vale destacar que o conhecimento técnico do fornecedor aliado às técnicas de publicidade a acentuam.

Esse desequilíbrio, devido à desigualdade no conhecimento técnico, tem reflexos no processo de decisão dos consumidores e dos profissionais de crédito. A generalização da produção e a distribuição dos produtos deu nascimento a técnicas de publicidade, visando tocar o consumidor em seu inconsciente, gerando a degeneração de sua vontade, quase desaparecimento do mecanismo volitivo, visado pelos autores do Código Civil, ao passo que os profissionais, além de dominar o direito do crédito, possuem uma técnica de decisão. (BERTONCELLO, 2011, p. 40)

Assim, a relativização da força obrigatória dos contratos é relevante para a limitação da autonomia da vontade das partes, principalmente com relação aos contratos de consumo, pois há de se considerar, conforme destaca Giancoli (2008) a existência do fator estrutural-social da pressão, este presente desde a formação do contrato, sendo inclusive inerente ao próprio objeto da relação jurídica. Tal pressão, oriunda principalmente da publicidade e das necessidades internas do consumidor, escraviza o consumidor, em especial quando se trata de produto ou serviço essencial ou urgente, interferindo na sua autonomia de escolha.

Nesse diapasão, se tratando especificamente do consumidor em estado de superendividamento, o fator estrutural-social da pressão interfere muito mais na autonomia da vontade deste consumidor do que na daquele que não se encontra alienado e abandonado pelo próprio mercado de consumo. (GIANCOLI, 2008)

A relativização de tais princípios é uma medida empregada pela doutrina jurídica a partir da qual não mais se presume a racionalidade das partes contratantes, entretanto, esta passa a ser obrigatória dentro do contexto da relação jurídica estabelecida, principalmente dentro da relação de consumo, onde a fragilidade do consumidor é notória. (BERTONDELLO, 2011)

Diante dos fatos, importante frisar a diferença entre publicidade e propaganda, conceitos por vezes utilizados como sinônimos, porém, a publicidade, em verdade, representa uma espécie do gênero propaganda.

O termo publicidade refere-se exclusivamente à propaganda de cunho comercial; é uma comunicação de caráter persuasivo que visa a defender os interesses econômicos de uma indústria ou empresa. Já a propaganda tem um significado mais amplo, pois refere-se a qualquer tipo de comunicação tendenciosa (as campanhas eleitorais são um exemplo, no campo dos interesses políticos). Assim, o âmbito da propaganda envolve e contém a publicidade. Em suma, publicidade é um esforço de persuasão, evidentemente com a finalidade de vendas, às vezes com arte e às vezes nem tanto, mas sempre visando, desde a causa até o efeito, uma venda imediata e/ou mediata.(AMARAL, 2010, p. 171-172)

Em função disto, o CDC se preocupa em limitar a atuação da publicidade, tanto que lhe dedica uma seção inteira. Isto devido ao fato de a publicidade estar relacionada com o direito à informação, o qual se constitui como direito subjetivo de terceira geração, fundamental e com caráter tanto individual quanto coletivo[32], sendo amplamente defendido pela Constituição vigente (artigo 5º, XIV) devido ao fenômeno da constitucionalização do direito privado, à teoria do diálogo entre as fontes, e a defesa do pleno exercício da cidadania, posto que “[...] somente um indivíduo bem informado é capaz de exercer os diversos papéis que lhe são reservados na convivência social [...]”. (BARBOSA, 2008, p. 42-43)

Considerando que consumidor e fornecedor estão inseridos dentro do mesmo sistema, para que sobrevivam aos diversos altos e baixos, possibilitando ao fornecedor o ganho econômico e ao consumidor sua permanência no mercado como economicamente ativo, é necessário que exista nas relações estabelecidas entre estes personagens da economia o princípio da cooperação no consumo.

Tal princípio é compreendido, segundo Giancoli (2008), como uma variação específica do princípio da solidariedade, entretanto, este além do objetivo construtivista e valorativo, possui eficácia absoluta, com aplicação concreta e imediata.

Assim, o legislador ao colocar o consumidor como titular do direito de informação previsto no inciso III do artigo 6º do CDC, teve por intuito não só protegê-lo contra a publicidade enganosa e/ou abusiva, mas também de vincular e responsabilizar o fornecedor pela informação que divulga[33].

Logo, devido ao caráter de cooperação existente entre estes, é que o fornecedor passa, com base no princípio da transparência contratual, a ter o dever de informar, aconselhar e advertir, tornando mais abrangente o direito à informação (COSTA, 2002).

Afinal, necessário impor-se responsabilidade ao fornecedor pela publicidade ostensiva, indiscriminada, e por vezes, enganosa, para vender o crédito, principalmente quando este não tem uma atitude seletiva para averiguar o poder de compra do consumidor, o que gera um defeito na prestação do serviço:

Logo, o serviço de crédito fornecido pelos fornecedores pode ser considerado defeituoso à medida que não se obtém a segurança que legitimamente dele se espera. Ao se conceder o crédito sem a seletividade é prestado um serviço inseguro, restando, portanto, delineada a responsabilidade dos fornecedores do crédito diante do superendividamento. (FERNANDES, 2010, p.1)

Conclui ainda Bertoncello:

A necessidade e desejos dos consumidores bem explorados, aliados à generalização do crédito a todos os tipos de bens, assim como a facilidade e rapidez das condições de acesso, podem transformar a vontade do consumidor em um automatismo, um ato resultante simplesmente de um desejo, cujo o comando se dá mais pelo prazer do que pela razão, o que revela a inadequação do conceito tradicional e absoluto de autonomia da vontade. ( BERTONCELLO, 2010, p. 43-44)

Neste sentido, a comunicação representa o processo de transmissão e interpretação de uma informação, a qual de maneira geral é vista como a mensagem que o transmissor (fornecedor) deseja que o receptor (consumidor) absorva daquela comunicação, devendo-se sempre considerar os elementos conceituais pré-existentes no receptor, os elementos conceituais novos, a atuação dos sujeitos, o código escolhido, bem como o contexto no qual tal informação é transmitida (BARBOSA, 2008).

Ademais, o fato de se considerar o direito à informação como direito fundamental representa o reconhecimento do direito de escolha do consumidor, este defendido pelo princípio da autonomia da vontade consciente. Afinal o acesso à informação é fundamental para que o consumidor não corra o risco de ver-se em estado de superendividamento, posto que, consciente da dimensão de seu comprometimento serão menores as chances deste ser induzido ao erro.

Estar bem informado é essencial, principalmente na fase de formação do contrato de consumo, devendo a informação também se caracterizar enquanto uma espécie de aconselhamento por parte do fornecedor[34]. Apesar disto, o dever de informar do fornecedor, proveniente dos princípios da transparência e da boa-fé objetiva previstos no CDC, não está presente somente na fase de formação do contrato, mas sim, durante toda a relação contratual.

Deve ainda a transmissão de informação ser feita de modo adequado, ou seja, que o consumidor ao ter acesso a informação do produto ou serviço consiga compreende-la, através de um mínimo necessário de informações e os dados essenciais do contrato de consumo para, desta forma, contratar consciente dos riscos e benefícios. (BERTONCELLO, 2010)

A transparência é imprescindível principalmente nos contratos de adesão, onde persistem diversas práticas abusivas por parte dos fornecedores. Sendo assim, no intuito de coibir algumas destas é que o CDC no § 3º do art. 54 determina que tais contratos sejam escritos em termos claros, legíveis e com caracteres ostensivos cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo 12.

A transparência imposta pela lei depende também da localização das cláusulas no documento contratual, pois a clandestinidade opõe-se a clareza. Por isso, as estipulações mais importantes para o consumidor, como as que implicarem limitações a seus direitos, deverão ser redigidas com destaque, permitindo a sua imediata e fácil compreensão, exatamente como dispõe o artigo 54, § 4º, do CDC.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem aplicando exemplarmente o mandamento legal, ao decidir reiteradamente que qualquer cláusula restritiva de direito deve ser obrigatoriamente estabelecida de forma clara e expressa com pleno conhecimento do consumidor, sob pena de não lhe ser oponível. (BERTONCELLO, 2010, p. 65-66)

Este é um exemplo do dever de advertência, o qual diferentemente do dever de aconselhar, obriga o fornecedor a informar/advertir o consumidor sobre os riscos provenientes de uma determinada operação. Na maioria dos casos, o consumidor não possui capacidade suficiente para compreender as obrigações que lhe são impostas em função de um contrato específico, devido a isto, o fornecedor deverá insistir na advertência, sendo que esta deverá ser acompanhada do aconselhamento “[...] ou seja, da opinião do profissional sobre a oportunidade de incorrer no risco ou de renunciar a operação, após um estudo da situação financeira do consumidor. [...]”. (BERTONCELLO, 2010, p. 85) 

Além da necessidade da adequação da informação, Barbosa (2008) acrescenta outras características necessárias para que esta cumpra seu papel de forma eficaz, quais sejam: clareza, precisão, completude, veracidade, compreensibilidade, necessidade e ostensividade. Portanto, a informação deverá ser clara, legível, objetiva e de fácil acesso e compreensão. Deve o fornecedor prestar informação indispensável ao uso correto do produto ou serviço, e ainda, que o represente integralmente e corresponda à sua realidade objetiva.

No que diz respeito ao requisito da precisão/objetividade é importante frisar que pelo fato de toda a informação prestada pelo fornecedor influenciar diretamente na tomada de decisão do consumidor, a objetividade auxilia para que a informação seja imparcial, caracterizando-a como uma espécie de conselho do fornecedor, deixando a tomada de decisão a cargo do consumidor.[35]        

Com relação aos contratos de crédito, os mais preocupantes para o trato do superendividamento, ressalta Bertoncello (2010) que a proteção do direito de informação do consumidor deverá ser realizada tanto de forma positiva, através da exigência de informações, quanto negativa, por meio da proibição de informações errôneas ou abusivas.

Afinal, o contrato de crédito ao consumo é mais complexo se comparado aos demais contratos de consumo estabelecidos no dia-a-dia. Devido a isto, a preocupação com a informação prestada com relação a estes contratos mereceria uma atenção maior pelo ordenamento jurídico, como critica Bertoncello:

No sistema do CDC, não há nenhuma norma específica sobre a publicidade do crédito ao consumo, que fica submetida às regras gerais (arts. 35 a 38 do CDC) sobre publicidade enganosa ou abusiva. Deveria o legislador brasileiro exigir um conteúdo mínimo de informações obrigatórias para a publicidade, na estreita das legislações européias, pois a decisão de contratar a crédito é muito mais complexa, implica uma projeção sobre o futuro, não podendo ser tomada às pressas e sem todas as informações necessárias. Dessa forma, a publicidade do crédito seria suficientemente clara e precisa e, por conseguinte, também estaria incluída na regra do art. 30 do CDC, que obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, além de integrar o contrato que vier a ser celebrado. (BERTONCELLO, 2010, p. 57)

No geral, concernente aos contratos de consumo ao crédito o CDC limita-se em seu art. 52 a obrigar o fornecedor apenas a prestar as informações referentes ao custo do crédito, não fazendo nenhum tipo de menção específica com relação à publicidade do crédito no mercado de consumo. Assim, como na prática é corriqueiro que o consumidor não tenha garantido o direito previsto no artigo mencionado, devido à ausência de trato específico, ainda se vê sujeito à publicidade que anuncia o crédito como a solução dos problemas financeiros, ou então, como uma maneira rápida e fácil de realizar sonhos. (BERTONCELLO, 2010)

Logo, a informação, com suas nuances de aconselhar e advertir, representa o melhor instrumento de prevenção do superendividamento, principalmente no momento da aquisição do crédito, o maior vilão do consumidor que se encontra em tal estado. Assim, a observância do supramencionado direito fundamental manteria o consumidor informado sobre as cláusulas do contrato e as características do produto ou serviço, podendo ainda o fornecedor adverti-lo e aconselhá-lo quanto ao melhor contrato de crédito para o seu perfil. (CARPENA, 2007)

Ademais, nas relações de consumo tais medidas acabam por prevenir o superendividamento do consumidor, ao passo que buscam difundir um consumo consciente e racional, muito embora no Brasil não se tenha uma educação para o consumo apesar de constituir um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumi previsto no artigo 4º, IV do CDC:

[...] a busca de uma autonomia da vontade educada não deve cessar até o dia em que essa vontade autônoma fizer parte da psicologia cotidiana do consumidor no momento da decisão de contratar a crédito. Esta tarefa depende de um longo trabalho de educação dos consumidores, sejam crianças, jovens ou adultos, sobre a gestão do orçamento pessoal e familiar e sobre a prevenção do endividamento excessivo. (BERTONCELLO, 2011, p. 46)

Mais à frente o autor conclui:

Podemos afirmar, com segurança, que nos encontramos no estágio da autonomia da vontade exigida, uma vez que o consumidor de crédito, particularmente vulnerável em razão das pressões da sociedade de consumo, economicamente fraco, ignorante juridicamente e sociologicamente dependente, necessita de uma forte proteção do Estado, pois não é capaz de extrair sozinho as informações importantes de um contrato, compreendê-las e valorá-las a ponto de prevenirem-se de um endividamento excessivo. É por isso que os ordenamentos protetivos exigem transparência e informação nas relações de consumo, como forma de garantir ao consumidor a expressão de uma vontade verdadeiramente livre. (BERTONCELLO, 2011, p. 47, grifo nosso)

Na ânsia por compreender a fundo o consumidor e utilizar a melhor técnica para influenciar seu comportamento, empresas de marketing como a Acxiom, se especializaram na coleta e análise de dados disponíveis na internet, vendidos a grandes empresas como HSBC, Toyota e Ford para que estas possam traçar estratégias de marketing personalizadas. Estes dados são obtidos a partir de registros do governo; postagens feitas pelos próprios consumidores através, principalmente, de sites de relacionamento como o Facebook; e ainda, através de práticas como a da Google que por meio do Sreenwise Data Panel paga a seus usuários de US$ 5 à US$ 20 de crédito para realizar compras virtuais para que estes instalem em seu computador pessoal plug ins que monitoram sua atividade virtual. (RODRIGUES, 2012, p.58 ss)

O Facebook tem um arsenal de dados capaz de revelar as tendências não apenas de consumo, mas de transformação em nossa sociedade. E Mark Zuckerberg já se tocou disso. Não à toa colocou o sociólogo com doutorado pelo MIT Cameron Marlow para comandar uma equipe interna de 12 acadêmicos – entre estatísticos, antropólogos, matemáticos e psicólogos. O trabalho deles é analisar os milhões de dados coletados pelos algaritmos que rastreiam tudo o que é postado na rede social e traçar tendências de consumo. (RODRIGUES, 2012, p. 62)

Neste contexto, a tecnologia se apresenta como aliada do marketing, porém, em consequência ocorre uma intensa invasão de privacidade devido à ausência de regulamentação para tal prática. A invasão de privacidade é tamanha que no mesmo artigo da revista Galileu faz-se alusão a um aplicativo para celular em fase de testes:

Nos EUA, câmeras de segurança estão indo além: filmam o rosto do cliente que entra e enviam a imagem para um computador, que faz o reconhecimento facial e acessa o perfil da pessoa no Facebook. Ao rastrear fotos e posts escritos, envia à pessoa, na hora, ofertas personalizadas via SMS. (RODRIGUES, 2012, p.64)

Percebe-se, portanto, que a influência do marketing é decisiva na tomada de decisão do consumidor, até mesmo porque, atualmente os profissionais da área têm cada vez mais se especializado em trabalhar na busca pela compreensão da personalidade de cada indivíduo definindo necessidades e estabelecendo padrões de consumo através da campanha publicitária. Por certo que tal prática influencia no superendividamento do consumidor, posto que, mesmo este não tendo condições econômicas, fascinado pelo mundo do consumo divulgado nos diversos meios de comunicação, se vê na necessidade de estar inserido, de fazer parte deste mundo.


3 CONCLUSÃO

O crédito é um dos principais elementos que movimentam a economia atualmente, funcionando inclusive como fator que auxilia o desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Assim, frente ao interesse do mercado econômico, facilitou-se o acesso a este, gerando a inclusão das classes de baixa renda na economia mundial por meio do estímulo ao crédito popular. No Brasil, tal inclusão gerou a diminuição da pobreza, pois, houve uma explosão do crédito ao consumidor tendo por consequência o aumento do poder de compra do salário mínimo.

Entretanto, devido ao uso não responsável do crédito, gradativamente, o consumidor brasileiro adquiriu uma cultura de endividamento em detrimento de uma cultura de poupança, que com o passar do tempo tem gerado a problemática do superendividamento, onde o consumidor vê-se impossibilitado de adimplir suas dívidas atuais e futuras, afetando sua dignidade enquanto ser humano.

Tal fato é agravado pela influência do marketing ostensivo, o qual cria necessidades no consumidor diante do contexto social no qual este está inserido, e, ainda, não respeita o direito à informação do consumidor em todas as suas vertentes, vendendo o crédito enquanto uma solução rápida e fácil para se alcançar o padrão de felicidade do homem moderno.

Desta forma, necessário que o mundo jurídico enxergue a gravidade de tal prática para o agravamento da problemática em questão, afinal ainda não possuíamos legislação específica que a aborde, o que proporciona entraves aos direitos e garantias do consumidor superendividado, sendo necessário, como meio alternativo, ao menos que o Estado tutele os princípios que permeiam a atividade da publicidade, em especial o direito à informação, o qual deve permear toda a relação contratual.

Assim, tendo em vista que somente será viável e eficaz o trato do consumidor nesta situação a partir da edição de regulamentação específica, para a produção desta legislação é necessário o conhecimento por parte dos operadores do direito, da problemática em todas as suas vertentes, desde o comportamento do mercado e do consumidor, até os fatores que o influenciam a chegar em tal estado. Afinal, somente desta forma, o direito poderá acompanhar e suprir os anseios sociais, assegurando os direitos do consumidor superendividado de forma eficaz através do conhecimento de causa, bem como, sua dignidade enquanto ser humano; e o Estado poderá promover o bem comum, sua finalidade maior.


Notas

[1] No inconsciente coletivo cristão, a usura constitui-se no pólo repulsivo da esmola: de um lado a sublimação em si, de outro a banalização do cotidiano. [...] A usura é vista como o comércio da mentira, ela desenvolve a ingratidão e o perjúrio. Os juros nascem devorando a casa dos devedores. (GIANCOLI, 2008, p. 24)

[2] Por se tratar do mercado mais antigo e mais desenvolvido do crédito moderno, os consumidores americanos são por excelência o espelho desse setor de atividade. Espelho para a profissão que lá vai procurar fontes de inovação; após a ideia de venda alienada, passando por técnicas de pontuação de métodos de pagamento. (GIANCOLI, 2008, p. 35)

[3] Segundo dados do Banco Central, entre abril e maio de 2005, o volume de crédito disponível para pessoas jurídicas caiu de R$ 169,6 bilhões para 167,9 bilhões. Entre pessoas físicas, houve uma elevação no mesmo período, o saldo passou de R$ 129,8 bilhões para R$ 134,4 bilhões. Este dado permite concluir que está ocorrendo verdadeira “migração” de recursos das instituições financeiras, das pessoas jurídicas para pessoas físicas, ou seja, da atividade produtiva para o crédito destinado ao consumo, a revelar uma perspectiva inflacionária. Com efeito, a longo prazo, o foco no financiamento para o consumo, gerador de demanda, somado à redução de investimentos na produção, não pode produzir outro resultado senão a inflação. (CARPENA, 2007, p. 77)

[4] [...] em 2007, o setor financeiro e bancário brasileiro cresceu 9,2%, bem mais que outros setores da economia (agricultura, 2,1%, serviços em geral, 4,6%; indústria, 3,0%), justamente porque – com o crédito consignado de salários, pensões e aposentadorias e seus mais de 22 milhões de contratos de crédito, sendo que 83% desses consumidores ganham entre um e três salários mínimos e 59% apenas um salário mínimo – conseguiu incluir essas classes mais baixas no que Antônio Herman Benjamim denominou “bancarização”, ou que podemos chamar de democratização do crédito ao consumo no Brasil.

Nota-se ainda que a pobreza diminuiu no Brasil, nos últimos 14 anos, cerca de 22%, em uma média de diminuição de cerca de 5,2% ao ano, e a força do salário mínimo aumentou nos últimos 10 anos em 90%, se comparado com o aumento dos custos de consumo, o que resultou em uma aumento do consumo por família de 0,91, em 2002, para 5,26, em 2007. O crédito para pessoa física aumentou oito vezes, segundo a Febraban, e hoje já é responsável por quase a metade do crédito concedido por todo o sistema financeiro brasileiro. (MARQUES, 2010, p.14-15, grifo do autor)

[5] [...] o chamado homem consumidor torna-se o protótipo do indivíduo-autômato, condenado a viver em uma sociedade opressora, voltada exclusivamente para a produção e distribuição de todos os valores com que lhe acena a sociedade produtora-consumista, eis que fundada na inexorável e mecânica aquisição pelo consenso posto, de molde a até criar, muitas das vezes, necessidades artificiais. (FILOMENO, 2005, p.18, grifo do autor)

[6] Há de se fazer ressalva que Filomeno (2005) discorda da inserção da pessoa jurídica enquanto consumidor, apesar de o Código de Defesa do Consumidor – CDC assim estabelecer, por não a considerar como hipossuficiente dentro da relação de consumo, característica relevante apesar de não ser a única a identificar o consumidor.

[7] Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

[8] Evidentemente, se alguém adquire produto não como destinatário final, mas como intermediário do ciclo de produção, não será considerado consumidor. Assim, por exemplo, se uma pessoa – física ou jurídica – adquire calças para revendê-las, a relação jurídica dessa transação não estará sob a égide da Lei n. 8.078/90. (NUNES, 2011, p. 118)

[9] Apenas se deve fazer menção à exceção considerada pelo art. 51, I do CDC, o qual possibilita a limitação do dever de indenizar do fornecedor ao consumidor/pessoa jurídica por meio de cláusula contratual, em situação justificável, desde que este consumidor seja de porte razoável; isto devido ser possível adquirir produto ou serviço para fins de produção. Destaca-se que não se trata de exoneração da responsabilidade (art. 25 do CDC), mas em simples limitação desta, sujeita a dois requisitos: que o tipo de operação de consumo seja fora do padrão regular, e que o atributo de consumidor/pessoa jurídica justifique a estipulação prévia da limitação. (NUNES, 2011)

[10] [...] nessa hipótese, não bastaria a interpretação meramente teológica ou que se prenda à destinação final do serviço ou do produto. Consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo a uma necessidade pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-la à cadeia produtiva. (FILOMENO, 2005, p. 24)

[11] [...] Na Europa, alguns chamam o fenômeno de “doentio” ou de nível perigoso de endividamento, de sobre-endividamento, mas preferimos a expressão francesa, do latim “super”, que significa apenas “muito”, não “demais”, de forma a evitar qualquer juízo de valor sobre esse estado. O “super” aqui é, pois, apenas um adjetivo de quantidade, que visa alertar para a situação de impossibilidade global de pagar, de honrar ou de suportar esse grande endividamento de consumo e de boa-fé da pessoa física consumidora. [...]. (MARQUES, 2010, p. 24, grifo do autor)

[12] RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.PRESSUPOSTOS. VEROSSIMILHANÇA E HIPOSSUFICIÊNCIA. FACILIDADE DEPRODUÇÃO DA PROVA PELO CONSUMIDOR. DANO MATERIAL NÃO COMPROVADO.DANO MORAL EVIDENCIADO.1. A inversão do ônus probatório tem como pressuposto a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor, conceito este ligado à dificuldade de produção da prova pelo consumidor e à possibilidade de sua produção pelo prestador do serviço. Não cabe atribuir ao fornecedor o ônus de comprovar o rompimento de contratos entre o consumidor e terceiros, fato que poderia ser comprovado com facilidade pelo autor.2. Os fatos narrados no acórdão recorrido não conduzem à conclusão de que houve o dano material alegado pelo consumidor. O transtorno às atividades rotineiras e a frustração decorrente do descaso demonstrado pelo fornecedor de serviços de Internet, no caso,gravitam na esfera extrapatrimonial do autor e são potencialmente capazes de ensejar o dano moral reconhecido pelo acórdão recorrido,mas não determinam a ocorrência de dano material, o qual, é sabido,requer a demonstração de um prejuízo mensurável.3. A excepcional intervenção desta Corte, a fim de rever o valor da indenização fixada pelo Tribunal local, a título de dano moral,pressupõe que esse valor tenha sido fixado de forma imoderada ou desproporcional, em situação de evidente exagero ou de manifesta insignificância, o que não ocorre no caso em tela. Precedentes.4. Recurso parcialmente provido.(1141675 MG 2009/0098409-0, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 13/12/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2011, grifo nosso)

[13] [...] não obstante a apreciação da ausência de boa-fé cumpra soberanamente ao juiz ou à comissão, com base no conjunto de elementos que lhe sejam submetidos, é encontradiço na jurisprudência francesa a necessidade de submissão ao contraditório, já que a boa-fé é presumida. Com isso, resulta que o ônus da demonstração acerca da ausência das condições formadoras da boa-fé do devedor é destinado ao credor, sendo, ainda, vedado ao juiz o exame ex officio com o fito do não-conhecimento do pedido formulado pelo superendividado. (BERTONCELO, 2011, p. 196)

[14] A apreciação da boa ou má-fé do superendividado “ativo” deve ser feita caso a caso (cas à cas). Foi julgado que, se por um lado os endividados “ativos” podem ser censurados pela “leviandade, pelo laisser-aller, pela indelicadeza, pela falta de coragem”, por outro, eles podem ter sido “vítimas de um sistema pernicioso de estimulação do consumo” (COSTA, 2002, p. 118)

[15]  [...] os analfabetos funcionais são pessoas aparentemente alfabetizadas, sabem ler e escrever, mas apresentam nível de alfabetização insuficiente para o exercício de funções básicas na sociedade moderna. (BERTONCELO, 2011, p.203)

[16] [...] tratando-se a alfabetização de um conceito social e a sua elevação a uma prioridade econômica, sobretudo nos países desenvolvidos, a própria complexidade das relações sociais de consumo, na atualidade, reclama que a inconsciência do superendividamento ativo deva ser apreciada frente aos fatores individuais de formação e inserção na sociedade atual. Exemplo ilustrativo é o incentivo ao consumo de crédito aos idosos, como já abordado anteriormente no caso do crédito consignado, através de instrumentos contratuais eletrônicos, cuja compreensão foge à capacidade de reflexão das pessoas que não dispunham na juventude destes meios tecnológicos e instantâneos de pactuação. (BERTONCELLO, 2010, p. 203)

[17] A legislação consumerista francesa silenciou acerca da classificação do fenômeno em exame, apenas elencando a boa-fé como elemento indispensável à tutela legal e relegando à doutrina a metodização do estudo. Nesse sentido é que identificamos a incidência da legislação do superendividamento tanto ao superendividado passivo, “ou seja, àquele que, por motivos exteriores e imprevistos, se vê impossibilitado de cumprir os seus compromissos de crédito”, como o superendividado ativo “inconsciente”. Este último visto como o devedor que agiu impulsivamente ou que deixou de formular o cálculo correto no momento que contraíra as dívidas, também identificado como um devedor imprevidente e sem malícia, de modo que da tutela legal resta excluído o consumidor considerado como superendividado ativo consciente, significa dizer, “aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar”, ou, ainda, os fraudadores e os que vivem deliberadamente do crédito dispostos a lesar seus credores. (BERTONCELLO, 2011, p. 197, grifo do autor)

[18] O paradigma positivista vê o consumidor “[...] como “homem econômico”, utilitarista, calculista, processador racional de informações, que faz cálculos de custo versus benefício antes de decidir” (LIMEIRA, 2008, p.15, grifo do autor).

[19] [...] a cultura de consumo está ligada à ideia de modernidade, de experiência moderna e de sujeitos sociais modernos. Na medida em que o “moderno” se estabelece com base em uma visão de mundo vivenciada por um agente social que é supostamente livre e racional enquanto indivíduo, dentro de um mundo que não é mais governado pela tradição, e sim pela abundância, e um mundo produzido pela organização racional e pelo saber científico, a figura do consumidor e a experiência do consumismo são ao mesmo tempo típicas do novo mundo e parte integrante de sua construção. (SLATER, 2002, p. 18)

[20] Teoria que ganhou destaque com o médico Sigmund Freud (1856-1939). Realiza o estudo da personalidade baseado no fato de o inconsciente influenciar a conduta do indivíduo. Para Freud a personalidade possui três partes, a saber: id, ego e superego. O id refere-se aos impulsos instintivos que têm por finalidade a busca pela satisfação imediata (a libido). Já o ego tem por objetivo controlar os impulsos do id a partir do princípio da realidade com o intuito de manter o equilíbrio psíquico. E por último, o superego atua sobre o ego ao estabelecer a consciência moral do indivíduo a partir da interação deste com o meio, estando em conflito constante com o id. (LAMEIRA, 2008, p.101-102)

[21] O conhecimento do consumidor é o conjunto de informações armazenadas em sua memória para que ele tome suas decisões de compra. Também pode ser definido como a quantidade de experiência e informação que o consumidor tem acerca de produtos e serviços específicos. [...] (LIMEIRA, 2008, p. 110)

[22] O princípio constitucional da busca pela felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais.

Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca pela felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-froça que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. (477554 MG, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287)

[23] Nesse sentido, defende-se que a pessoa humana enquanto valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto, e há de prevalecer, sempre, sobre qualquer outro valor ou princípio.

[...]

Assim, se o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Ela é, assim, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público e “um dos elementos imprescindíveis de atuação do estado brasileiro” (GIANCOLI, 2008, p. 107, grifo do autor)

[24] [...] torna-se irrefutável que a dignidade seria atingida ‘sempre que a pessoa concreta (indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa’, restando descaracterizada a pessoa humana como sujeito de direitos. (GAULIA, 2010, p.149)

[25] Sendo um fenômeno de exclusão social, o superendividado se afasta (ou é afastado) dos amigos e familiares, ocorrendo um isolamento deletério e gerador de depressão: síndromes psicoemocionais, doenças físicas, agressividade incomum.

Assim, deslocado para um espaço de verdadeiro vácuo de direitos, pois sem recursos financeiros e sem crédito o cidadão passa a ser um não consumidor, categoria irrelevante na pós-moderna sociedade de consumo, perde o superendividado parcela essencial a sua dignidade[...] (GAULIA, 2010, p.148)

[26] A soma mensal das consignações facultativas de cada consignado não excederá a trinta por cento da respectiva remuneração, excluído do cálculo o valor pago a título de contribuição para serviços de saúde patrocinados por órgãos ou entidades públicas, na forma prevista nos incisos I e II do art. 4o. (Redação dada pelo Decreto nº 6.574/2008).

[27] Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.§ 1o O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, ou arrendamento mercantil, até o limite de trinta por cento.§ 2o O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1o deste artigo.

[28] [...] se a consignação em folha de pagamento continuar a ser permitida para fins de contrato de crédito ao consumo, deverá esta sempre preservar o mínimo existêncial. Noção criada na França, que tem a ver com a dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial em matéria de crédito seria a “quantia capaz de assegurar a vida digna do indivíduo e seu núcleo familiar destinada à manutenção das despesas de sobrevivência, tais como água, luz, alimentação, saúde, educação, transporte, entre outras”. Hoje, indiretamente, por se permitir a consignação de apenas 30% do salário do funcionário público, imagina-se que o mínimo existencial é 70% do salário ou pensão. Em outras palavras, com os 70% a pessoa pode continuar a escolher quais dos seus devedores paga mês a mês e viver dignamente com sua família, mesmo que ganhe pouco, sem cair no superendividamento. (MARQUES, 2010, p. 31-32)

[29] A publicidade é o principal exemplo de pressão com origem na sociedade, pois cria necessidades sobre determinado produto e ainda contribui para vulgarizar os meios financeiros para satisfazê-las. (BERTONCELLO, 2010, p. 42)

[30] A compreensão do comportamento do consumidor, primeiramente, permitirá aos profissionais de marketing definir, dentro das estratégias de marketing, variáveis de segmentação de mercado (por idade, gênero, geográfica, estrutura familiar, classe social, etnia, cultura, estilos de vida), escolher os mercados-alvo e definir posicionamentos no mercado (relacionados a ocupar uma imagem distinta na mente dos consumidores). Além disso, auxiliará a definir as características dos produtos, os preços, a forma de comunicação e os pontos de venda/distribuição mais adequados para atender esses mercados-alvo. (LARENTIS, 2009, p. 15)

[31] A relativização da força obrigatória dos contratos vem na linha necessária da garantia efetiva do princípio constitucional da igualdade, entretanto não na acepção tradicional de uma igualdade meramente formal, porém de molde a solidificar uma versão mais eficiente de isonomia, a que pugna pelo tratamento desigual dos diferentes na medida das desigualdades que os acometem. (GAULIA, 2010, p. 152)

[32] O reconhecimento do direito à informação como direito fundamental do consumidor decorre basicamente da verificação de que o consumidor é, antes de tudo, pessoa humana, e como tal não pode ser considerado apenas na sua esfera econômica. Tal conclusão encontra suporte diretamente nas transformações verificadas no Estado contemporâneo – transformações essas de índole tanto social como econômica – a partir do que a informação passou a ser vista como valor, e a vontade como elemento material da atuação dos sujeitos. De fundamental relevância nesse contexto apresenta-se o fenômeno da constitucionalização do direito privado, como o reconhecimento da centralização do ordenamento jurídico nas Constituições, das quais emanam os princípios fundamentais que irão reger todo o conjunto normativo, e a teoria do diálogo das fontes, tendo em vista a consideração de que a nova realidade social exigia a aceitação de uma pluralidade de fontes dentro do ordenamento jurídico, que, antes de se anularem, se complementam. (BARBOSA, 2008, p. 47)

[33] Em geral, a questão do ponto de vista do direito, é tratada como um problema pessoal (moral, muitas vezes) cuja solução passa apenas pela execução pura e simples do devedor. Esquece-se que o endividamento depende de que o consumidor tenha tido acesso ao crédito (responsabilidade do credor), que tenha sido estimulado e incentivado a consumir e a consumir a crédito, que tenha sido vítima, em certos casos, de uma força maior social, qual seja, uma recessão, uma onda de desemprego [...] (LOPES, José Reinaldo de Lima, 1996 apud BERTONCELLO, 2010, p.182)

[34] No momento pré-contratual, a lei consumerista permite a imposição de especiais deveres de informação ao fornecedor de crédito, que a doutrina vem denominando de aconselhamento, cuja inobservância acarreta a invalidade da disposição, por aplicação do art. 46 do CDC [...] (CARPENA, 2007, p. 80-81, grifo do autor)

[35] [...] sobre a obrigação pré-contratual e contratual de informação e o dever de aconselhamento, o requisito da objetividade, na medida em que a informação, como regra, deve limitar-se a dados objetivos do produto ou serviço em vista do qual se trava a relação emissor-receptor, uma vez que toda menção favorável ou desfavorável à tomada de decisão pelo receptor-consumidor se transforma em conselho.” (BARBOSA, 2008, p. 64)


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MIRANDA, Aline de Fátima Lima Gomes de. Influência do marketing ostensivo no superendividamento do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5704, 12 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70879. Acesso em: 26 abr. 2024.