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Os animais de estimação enquanto titulares de direitos na jurisprudência brasileira

Os animais de estimação enquanto titulares de direitos na jurisprudência brasileira

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Analisar os direitos fundamentais dos animais não humanos, mais especificamente dos animais domésticos ou de estimação, na jurisprudência nacional. Isto, pois, o entendimento doutrinário tem evoluído no sentido de considera-los titulares de direitos.

INTRODUÇÃO

Para muitos os direitos fundamentais são, indiscutivelmente, direitos inerentes aos seres humanos; inclusive para alguns doutrinadores, a exemplo de Paulo Bonavides (2008), os fundamentos de tais direitos são o Estado de Direito e a própria dignidade humana.

Diante disto, resta claro que o Direito, ao longo de todos estes anos, se revestiu de um pensamento totalmente antropocêntrico; herança esta, proveniente das concepções da antiguidade grega, as quais, colocavam o homem enquanto o centro do universo, e, os demais seres enquanto instrumentos em prol dos interesses humanos.

Entretanto, com o passar dos séculos, com a evolução do constitucionalismo, e, o reconhecimento gradativo dos direitos fundamentais, aos poucos o olhar voltado aos seres não humanos passou a mudar, estes passaram a não mais serem vistos enquanto meros instrumentos para satisfazer os interesses da raça humana, mas enquanto titulares de direitos fundamentais.

Fato é, que o reconhecimento de que os animais não humanos são titulares de direitos, inclusive direitos fundamentais, ainda é um pensamento um tanto quanto recente na doutrina jurídica, porém, que têm ganhado força nas últimas décadas por meio de contribuições acadêmicas como as do autor Peter Singer, o qual será citado no presente trabalho.

Justamente diante deste novo cenário que se apresenta o presente trabalho acadêmico, com o intuito de defender esta nossa vertente de pensamento a qual trata os animais enquanto titulares de direitos fundamentais, enquanto seres sensitivos, analisando como a jurisprudência pátria trata os animais, dando-se ênfase aos animais domésticos ou de estimação, em seus julgados.

Destarte, se faz necessário aprofundar o estudo da temática, principalmente ao considerarmos, conforme acima mencionado, que se trata de uma nova abordagem jurídica com relação aos animais não humanos, portanto, que merece atenção do mundo acadêmico para se solidificar dentro dos parâmetros da segurança jurídica e de justiça enquanto valor.

Para tanto, no primeiro capítulo tratamos da teoria geral dos direitos fundamentais, os quais se confundem por vezes com os direitos dos homens, posto que, a doutrina peca ao abordar a temática referindo-se aos direitos fundamentais como se somente a raça humana fosse titular de tais direitos, esquecendo assim das demais espécies.

Problemática esta, que inicia o debate do segundo capítulo, onde destacamos o pensamento de Sarlet (2007), o qual considera a titularidade dos direitos fundamentais para além da espécie humana, tendo em vista o avanço jurídico-filosófico nesse sentido.

Assim, durante este capítulo abordamos, a priori, como a legislação pátria atualmente considera os animais não humanos, demonstrando os avanços em termos de codificação e alguns julgados dos Tribunais Superiores que possuem relação com o conteúdo do presente trabalho, apesar de, ainda não tratarem os animais não humanos enquanto titulares de direitos, apenas preocupando-se em repudiar qualquer prática de maus-tratos para com estes.

Em seguida, no mesmo capítulo, aborda-se a ética de Peter Singer, dando enfoque ao seu principal trabalho com relação a matéria abordada, qual seja, Libertação Animal. Isto, pois, trata-se de grande defensor dos direitos dos animais não humanos.

Por fim, no último capítulo adentramos no tema principal do presente trabalho, onde passaremos a analisar os julgados dos tribunais nacionais com relação aos animais domésticos ou de estimação em nosso país, tentando sempre identificar qual o tratamento direcionado pelos Magistrados a estes animais, que por estarem mais próximos de nossa espécie, têm sido muita das vezes humanizados, e ainda, tratados por vezes enquanto semelhantes.

Assim, para a construção da ideia central do trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica que teve por principal doutrinador o filósofo Peter Singer. Teve-se por base o método dedutivo para identificar e correlacionar o posicionamento atual dos juristas a partir do exame da legislação, jurisprudência, artigos periódicos, e ainda, de doutrina especializada principalmente na área do Direito Constitucional e Civil relacionada diretamente à temática.  


2 TEORIAL GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Necessário se faz o estudo do movimento constitucional para compreender o surgimento dos direitos fundamentais, isto, pois, o Direito Constitucional em si muito evoluiu no sentido de limitar o poder do Estado a fim de garantir as liberdades individuais.

Silva (2005) considera que a positivação dos direitos fundamentais é recente e se mostra em constante evolução, na busca por direitos a tempos perdidos a partir do momento em que se polarizou o mundo em proprietários e não proprietários.

Efetivamente, na sociedade primitiva, gentílica, os bens pertenciam, em conjunto, a todos os gentílicos e, então, se verificava uma comunhão democrática de interesses. Não existia poder algum dominante, porque o poder era interno a sociedade mesma. Não ocorria subordinação nem opressão social ou política. O homem buscava libertar-se da opressão do meio natural, mediante descoberta de invenções. Com o desenvolvimento do sistema de apropriação privada, contudo, aparece uma forma social de subordinação e de opressão, pois o titular da propriedade, mormente da propriedade territorial, impõe o seu domínio e subordina tanto quanto se relacionem com a coisa apropriada. Surge assim, uma forma de poder externo à sociedade, que, por necessitar impor-se e fazer-se valer eficazmente se torna político. E aí teve origem a escravidão sistemática, diretamente relacionada com a aquisição de bens. O Estado, então, se forma como aparato necessário para sustentar esse sistema de dominação. O homem, então, além dos empecilhos da natureza, viu-se diante de opressões sociais e políticas, e sua história não é senão a história das lutas para delas se libertar, e o vai conseguindo a duras penas. (SILVA, 2005, p. 150)

Assim, com o passar dos anos foram surgindo avanços com relação aos direitos fundamentais, na Grécia e em Roma, porém na antiguidade, tais direitos apenas eram reconhecidos às classes mais abastardas. Foi somente na Idade Média que se teve nos dizeres de Silva (2005, p. 151) “[...] os antecedentes mais diretos das declarações de direitos. [...]”

Momento este da história em que surgiu a teoria do direito natural a qual influenciou o surgimento das leis fundamentais do Reino, a qual limitava o poder do monarca, bem como, o humanismo. (SILVA, 2005)

As cartas e declarações inglesas foram de suma importância para o constitucionalismo e para os direitos fundamentais. Silva (2005) menciona a Magna Carta (1215-1225), a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679), e o Bill of Rights (1688), enquanto referência.

A Magna Carta (1215-1225), para o autor supramencionado, não detinha natureza constitucional, considerava mais o texto enquanto uma carta feudal, pois defendia direitos dos homens livre que naquele período eram pouquíssimos, apesar disto o documento representa:

[...] um símbolo das liberdades públicas, nela consubstanciando-se o esquema básico do desenvolvimento constitucional inglês e servindo de base a que juristas, especialmente Edward Coke com seus comentários, extraíssem dela os fundamentos da ordem jurídica democrática do povo inglês. (SILVA, 2005, p. 152)

Na sequência cronológica, houve a elaboração da Petition of Rights (1628) pelos membros do parlamento destinada ao monarca. Tal documento, tinha por intuito requerer o reconhecimento de certos direitos e liberdades, a maioria destes já reconhecidos pela Magna Carta, o que nos leva a concluir, que tais direitos em maioria não eram respeitados pelo monarca. (SILVA, 2010)

Em 1679 através do Habeas Corpus Amendment Act, se teve uma grande vitória para as liberdades individuais, com o término das prisões arbitrárias. Ainda assim, segundo Silva (2005), o documento mais importante deste período foi o Bill of Rights (1688), posto que este determinou a supremacia do Parlamento, dando origem à monarquia constitucional na Inglaterra.

Já nos Estados Unidos, influenciados pelos pensamentos de Locke, Rosseau e Mostesquieu tivemos a primeira declaração de direitos fundamentais, qual seja, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (1776), a qual detinha as bases dos direitos dos homens, preocupando-se com a estrutura do governo democrático e com a limitação do poder estatal; e, a Declaração da Independência Norte Americana (1787) a qual teve um maior impacto, apesar de não deter natureza jurídica. (SIlVA, 2005)

Cabe mencionar um importante trecho da Declaração da Independência Norte Americana:

[...] Consideramos estas verdades como como evidentes de per si, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que, entre estes, estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade; que, a fim de assegurar esses direitos, instituem-se entre os homens os governantes, que, derivam seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva  de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-lo ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para lhe realizar a segurança e a liberdade. (SILVA, 2005, p. 154-155 apud JEFFERSON, 1964, p.4)

No momento da criação da Constituição dos Estados Unidos, esta não continha uma declaração de direitos fundamentais dos homens, como tal documento dependia da ratificação de pelos menos nove dos treze os Estados, conseguiu-se a introdução neste de uma Carta de Direitos, que originaram as dez primeiras emendas à Constituição Americana, o que resultou no Bill of Rights dos EUA. (SILVA, 2005)

Já a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), ao contrário do que muitos doutrinadores afirmam, não foi influenciada pelos textos legais norte americanos (Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia e a Constituição Americana), mas sim, em verdade, pelo movimento político europeu do séc. XVIII, com a libertação do homem do regime absolutista.

Tal Declaração francesa tinha caráter universalista, tendo por características intrínsecas o intelectualismo (documento filosófico-jurídico), o mundialismo (valor universal), e, o individualismo (trata apenas das liberdade dos indivíduos, e as defende atitudes arbitrárias do Estado). (SILVA, 2005)

O texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em dezesseis artigos, proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas, salva as liberdades de reunião e de associação que ela desconsidera, firmado que estava numa rigorosa concepção individualista. (SILVA, 2005, p. 158)

Os movimentos acima elencados representavam o desejo da burguesia de libertar da opressão política. Entretanto, após o desenvolvimento industrial, e, surgimento de uma nova classe, a classe operária, as liberdades formais em sentido negativo estavam ameaçadas.

A classe operária, portanto, sofria bem mais com a opressão econômica, e com o controle das oligarquias capitalistas, neste sentido, surgiu a necessidade então de se suprir os anseios desta classe oprimida.

Por consequência, todas as declarações de direitos do séc. XX têm por características comuns o universalismo e socialismo, a exemplo, da Constituição Mexicana de 1917, que sistematizou um conjunto de direitos sociais do homem, e, a Constituição alemã de Weimar de 1919, a qual teve grande influência no movimento constitucionalista do pós-primeira guerra mundial. (SILVA, 2005)

Imbuída deste sentimento, entre os anos de 1928 e 1929, foi redigida a Declaração dos Direitos Internacionais do Homem, a qual possui trinta artigos, todos estes reconhecendo direitos fundamentais do homem, fixando a certeza, a segurança e a possibilidade dos direitos. Assim como, a Carta das Nações Unidas passou a conter uma maior preocupação com os direitos fundamentais, a partir da qual originou-se a ONU (Organização das Nações Unidas), Comissão que cuidaria dos direitos dos homens. (SILVA, 2005)

Porém, na Europa se têm os melhores exemplos de desenvolvimento de instrumentos em prol da eficácia dos direitos fundamentais do homem, principalmente ao considerarmos que a maior preocupação dos textos constitucionais contemporâneos diz respeito à criação de instrumentos que viabilizem o gozo efetivo dos direitos fundamentais. (SILVA, 2005)

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS-JURÍDICOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para se compreender melhor o surgimento dos direitos fundamentais e de sua tutela é necessário o estudo dos fundamentos/princípios básicos que justificam a existência destes, quais sejam: Estado de Direito e a dignidade humana.

A dignidade humana, apesar de ser um termo aberto que não permite um conceito concreto e absoluto, pode ser resumido enquanto o fato de todos os seres humanos, simplesmente por existirem, serem titulares de alguns direitos básicos, ou seja, os direitos fundamentais. (CAVALCANTE FILHO, 2010)

Entretanto, devemos considerar que os direitos fundamentais vão além dos seres humanos, posto que já é amplo o entendimento de que os seres não humanos também são titulares de direitos fundamentais, portanto, a dignidade que aqui se reporta não deve, dentro da teoria geral dos direitos fundamentais, se referir apenas a dignidade humana, mas a dignidade de forma geral.

Apesar disto, a maioria da doutrina nacional considera que os direitos fundamentais decorrem da dignidade humana, a exemplo do doutrinador Paulo Bonavides, sendo assim, no caso dos seres não humanos, podemos por analogia considerar que seus direitos fundamentais são proveniente da concepção de vida digna em sentido amplo. (BONAVIDES, 2008)

Entretanto, importante salientar que Canotilho assevera que não se pode reduzir o fundamento dos direitos fundamentais apenas a dignidade humana, pois além de se restringir o conteúdo de tais direitos, estaríamos deixando de lado a distinção entre os direitos do homem e os direitos fundamentais. (ANDRADE, 2008)

De forma geral e simplificada, os direitos do homem são direitos considerados a estes em qualquer tempo e espaço (jusnaturalismo-universalita), sendo inclusive a quantidade de direitos humanos mais extensa. Já os direitos fundamentais se referem ao homem institucionalizado, ou seja, inserido dentro de um contexto social, logo, limitado no espaço e tempo. Por isto que se afirma que os direitos do homem são analisados a partir de uma ótica internacional, enquanto, os direitos fundamentais estão sob análise do direito constitucional de cada Estado. (ANDRADE, 2008)

Apesar de ser importante mencionar, que, um direito do homem, ao ser incorporado pela Constituição de um dado Estado, acaba por ter mais condições de efetividade do que apenas renegado ao âmbito internacional.

Já o conceito de Estado de Direito pode ser encontrado na própria Constituição pátria vigente, em seu art. 1º caput, o qual se traduz em um Estado de poderes limitados, abrangendo três conceitos clássicos segundo José Afonso da Silva, quais sejam: submissão ao império da lei, separação dos poderes, e, garantia dos direitos fundamentais. (SILVA, 2005)

2.3 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

A individualização do Homem (espécie) moderno implica, necessariamente, na individualização pessoal de cada ser humano o que, por corolário, leva à emancipação humana. Esta emancipação, no entanto, não é algo já conquistado, senão ideal construído no viver diário; ideal, diga-se, que vai para além da condição de gênero, acometendo a espécie como um todo. (SARLET, 2007)

Nesse contexto, necessária se faz apresentar a diferenciação entre os dois direitos que intitulam o presente tópico, tendo em vista que por vezes são utilizados erroneamente enquanto sinônimos, pela falta de precisão na utilização dos termos, posto que tais direitos possuem diferentes âmbitos de atuação.

Algumas expressões são utilizadas para tratar uma mesma categoria jurídica erroneamente, tais como “direitos fundamentais”, “direitos do homem”, ”direitos individuais”, ”direitos humanos fundamentais”, “liberdades fundamentais”, variando a utilização de um termo ou outro de acordo com o tempo e no espaço. (SILVA, 2005)

Entretanto, a variação de uso das terminologias somente confunde o leitor, posto que direitos fundamentais e direitos do homem, ainda que a diferença seja tênue, não representam a mesma coisa.

Os direitos humanos possuem cunho jusnaturalista, existentes unicamente devido à natureza da pessoa humana, em geral positivados em Tratados ou costumes Internacionais. (MAZZUOLI, 2016)

Nessa linha de raciocínio, o jornalista e economista francês Frédéric Bastiat (2010), afirma que os homens possuem direitos naturais que precedem toda legislação escrita, inclusive relaciona os direitos a liberdade, a propriedade e a vida, enquanto direitos anteriores a lei.

A vida, a liberdade e a propriedade não existem pelo simples fato de os homens terem feito leis. Ao contrário, foi pelo simples fato de a vida, a liberdade e a propriedade existirem antes que os homens foram levados a fazer as leis. (BASTIAT, 2010, p.11)

Segundo Bastiat (2010), portanto a lei “[...] “É a organização coletiva do direito individual de legítima defesa”, ou seja, o autor reconhece o direito a legítima defesa ao indivíduo para salvaguardar os direitos a vida, a liberdade e a propriedade; entretanto, ao passo que a lei, enquanto Estado, será a substituição das forças individuais por uma força comum na tutela de tais direitos.

Como se pode observar, os direitos humanos são aqueles ligados essencialmente aos direitos de liberdade e igualdade, os quais, devido o seu caráter universalista, são considerados internacionalmente, ou seja, conforme infere Toledo (2003, p. 23) “[...]ao grupo de valores básicos para a vida e dignidade humanas, elevados a direitos dos homens universalmente[...]”.

Por outro lado, os direitos fundamentais representam direitos positivados, em geral no texto constitucional, os quais não se limitam aos direitos e garantias registrados em Tratados Internacionais, representam os valores dos direitos humanos consagrados nos diversos ordenamentos jurídicos. (MAZZUOLI, 2016)

Logo, o conteúdo pode em alguns momentos ser o mesmo, entretanto, diferem apenas quanto ao plano em que estão consagrados. Sendo assim, relevante destacar a diferenciação que Ingo Wolgang Sarlet suscitamente conclui acerca dos termos:

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspira, a validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (SLART, 2007, p. 35)

Cabe mencionar que não há consenso quanto ao status dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, podemos observar quatro correntes referentes à temática. A primeira, a atribui status supraconstitucional; a segunda a atribui status de norma constitucional; a terceira atribui status de lei ordinária; e, por último, a que define os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos enquanto legislação de status supralegal. Sendo que a quarta e última corrente é atualmente a que prevalece no entendimento do Supremo Tribunal Federal, a chamada Tese da Supralegalidade. (MAZZUOLI, 2016)

Tanto é fato que os Tratados e Convenções Internacionais que versem sobre direitos humanos têm aspecto material de supralegalidade. Tal questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal ao proferir decisão em dois Recursos Extraordinários (RE 466.343 e RE 349.703), os quais tinham por matéria a constitucionalidade da prisão civil por inadimplemento de contrato. Lenza (2012) com relação a tais julgados, faz menção ao voto do Ministro Gilmar Mendes para explicar do que se trata a tese da supralegalidade:

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, acompanhando o voto do relator, acrescentou os seguintes fundamentos: “(...) parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana”. (LENZA, 2012, p. 612)

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como se pode observar foi de extrema relevância para os direitos fundamentais o movimento constitucionalista, passando por diversas transformações, tanto com relação ao conteúdo quanto à titularidade. Nesse contexto, tem-se por costume admitir três gerações de direitos fundamentais, sendo que alguns doutrinadores, ainda consideram a existência da quarta, quinta e até mesmo de uma sexta geração. (SARLET, 2007)

Paulo Bonavides (2008) ao iniciar à discussão acerca dos direitos fundamentais, menciona Konrad Hesse para destacar que os direitos fundamentais têm por objetivo promover “uma vida na liberdade e na dignidade humana” (BONAVIDES, 2008, p.560), para logo em seguida destacar o viés muito mais objetivo de Carl Schmitt no momento de estipular os pressupostos para a sua configuração. Assim, destaca o autor acerca dos pressupostos dos direitos fundamentais suscitados por Carl Schmitt:

Com relação aos direitos fundamentais, Carl Schmitt estabeleceu dois critérios formais de caracterização.

Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.

Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (unabänderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante Lei de emenda à Constituição. (BONAVIDES, 2008, p. 561)

Apesar desta visão objetiva, Carl Schmitt, considera ainda uma visão material dos direitos fundamentais, onde estes variam de acordo com a sua ideologia, modalidade de Estado, e, de acordo com os princípios e valores defendidos pela Constituição. (BONAVIDES, 2008)

Porém, se faz necessário que os direitos fundamentais estejam além da simples vinculação à concepção de Estado de Direito liberal, para que estes possam de fato deter o caráter de universalidade que lhes é inerente.

Carls Schmitt, segundo Bonavides (2008), ao tratar da temática dos direitos fundamentais retrata os direitos de primeira geração, principalmente, pois, retrata o direito à liberdade do particular enquanto direito absoluto que somente será relativizado em casos excepcionais, e sempre dentro dos limites legais.

Nesse contexto, os direitos fundamentais estão vinculados como se bem pode perceber, à liberdade e à dignidade humana, levando assim, não só ao caráter universalista que tais direitos possuem, mas também à concepção de direitos naturais e inalienáveis. (BONAVIDES, 2008)

Como se pode observar os direitos fundamentais sempre são vinculados pela doutrina ao homem especificamente, e não de forma genérica para que pudessem ser atribuídos a todas as demais espécies de seres vivos, a exemplo dos animais não humanos.

Ainda que o presente trabalho tenha por objetivo trazer à tona a corrente doutrinária que propõe a superação desta concepção de atribuição de direitos fundamentais apenas à raça humana, interessante se faz, na sequência, abordarmos os direitos fundamentais propriamente ditos, ainda que relacionado unicamente ao homem pela doutrina.

Para tanto, estudaremos estes subdivididos em gerações, ou, utilizando uma terminologia mais adequada, dimensões. Lenza (2012) faz uma reflexão com relação ao uso equivocado da expressão “geração” para designar os direitos fundamentais.

Finalmente, cabe alertar o reconhecimento, por parte da doutrina, de certo conteúdo social no constitucionalismo francês, conforme anota Ingo Sarlet. Nesse sentido, Dimoulis e Martins chegam a afirmar que o termo “geração” não se mostra cronologicamente exato porque já se observavam nas primeiras Constituições e Declarações dos séculos XVIII e XIX certos direitos sociais. Ao tratar da Declaração francesa destaca a “... garantia a assistência aos necessitados como uma ‘dívida sagrada’ da sociedade e o direito de acesso à educação (arts. 21 e 22). E a Constituição brasileira do Império de 1824 incluía entre os direitos fundamentais dois direitos sociais, os ‘socorros públicos’ e a ‘instrução primária’ gratuita (art. 179, XXXI e XXXII), ambos direitos sociais e diretamente inspirados na Declaração francesa...”. (LENZA, 2012, p. 958-959)

Destaca Bonavides (2008), com relação ao uso adequado da expressão “dimensão” no momento em que aborda os direitos fundamentais de quarta dimensão:

[...] o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo “geração”, caso este último venha a introduzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. (BONAVIDES, 2008, p. 572)

Logo, depreende-se que o reconhecimento progressivo dos direitos fundamentais, em verdade, é cumulativo e não de alternância, sendo que o termo “geração” pode indicar erroneamente uma substituição de uma geração por outra, o que não condiz com a realidade dos direitos fundamentais, posto que estes estão em permanente processo de expansão e fortalecimento; por isto, que se mostra inadequada a utilização do termo “geração” para tratar dos direitos fundamentais. (SARLET, 2007)

Slater (2007), menciona a teoria dimensional dos direitos fundamentais, para salientar o caráter cumulativo e para natureza complementar de tais direitos, além do fato, de sua unidade e indivisibilidade dentro do Direito Constitucional, e, no Direito Internacional.

Tais fatos corroboraram ainda mais para a utilização da expressão dimensão ao invés de geração para designar os direitos fundamentais.

Por fim, importante destacar que as 1ª, 2ª e 3ª dimensões surgiram a partir da influência dos lemas da Revolução Francesa, e as demais dimensões seriam, segundo Lenza (2012), uma evolução das primeiras.

2.4.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão

Esta dimensão de direitos fundamentais marca a transição do Estado autoritário para o Estado de Direito. Nesta nova configuração de Estado, passa-se a lutar pelos direitos individuais (já reconhecidos nas primeiras Constituições escritas), os quais, são provenientes do pensamento liberal-burguês do séc. XVIII, influenciado principalmente pela Revolução Francesa. (LENZA, 2012)

Pondera, assim, Sarlet (2007) com relação aos direitos fundamentais de primeira dimensão:

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar, do pensamento liberal-burguês do século XVIII de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (SARLET, 2007, p. 54)

Portanto, a Revolução Francesa (séc. XVIII), com seu lema de liberdade, igualdade e fraternidade para todos, em muito inspirou diversos segmentos do direito, mas principalmente o movimento Constitucional.

Inclusive, a Revolução Francesa influenciou para que a universalidade dos direitos passasse a ser material, e não mais abstrata, o que foi determinante para a fixação dos direitos fundamentais das três primeiras dimensões. Quanto a isto, Bonavides infere:

Com efeito, descoberta a fórmula de generalização e universalidade, restava doravante seguir os caminhos que consentissem inserir na ordem jurídica positiva de cada ordenamento político os direitos e conteúdos materiais referentes àqueles postulados. Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do séc. XVIII. (BONAVIDES, 2008, p. 563)

Assim, os direitos fundamentais de primeira dimensão correspondem aos direitos de liberdade, a saber, os direitos civis e políticos, que nos remetem ao início do constitucionalismo do Ocidente, hoje já consolidados, os quais têm por titular os indivíduos, sendo direitos oponíveis perante o Estado. Nesse contexto, documentos como a Magna Carta (1215) e o Bill os Rights (1688), de foram de extrema relevância para o surgimento dos direitos fundamentais de primeira dimensão. (LENZA, 2012)

Como já mencionado, cada indivíduo se caracteriza enquanto titular dos direitos fundamentais de primeira dimensão, sendo que tais direitos possuem um caráter negativo, pois exigem uma não ação do Estado, resumidamente Bonavides destaca:

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2008, p. 563-564)

Podemos ainda afirma, que tais direitos se mostram enquanto garantia das liberdades individuais de cada indivíduo perante o Estado, ou seja, contra a possibilidade de existência de um poder absoluto do Estado a ser imposto ao indivíduo, como no passado já ocorreu, evitando a atuação do Estado na esfera individual.

2.4.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão

A Revolução Industrial europeia do séc. XIX será a principal inspiração para o surgimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, principalmente ao considerarmos as péssimas condições de trabalho da época, que, por consequência, ensejavam diversas reivindicações trabalhistas e de assistência social. Além disto, podemos considerar que o fato de o início do séc. XX ter sido marcado pelos traumas decorrentes da Primeira Guerra Mundial, também teve grande influência sobre o surgimento desta dimensão de direitos fundamentais. (LENZA, 2012)

Os graves problemas sociais e econômicos, bem como, a não garantia de efetivo gozo do direito à liberdade, fizeram com que, aos poucos, o Estado passasse a ter um comportamento ativo na concretização da justiça social. Assim, o intuito neste momento não é evitar a intervenção estatal na esfera individual, mas sim, de utilizar o Estado enquanto instrumento para salvaguardar o direito à liberdade. (SARLET, 2007)

Os direitos fundamentais de segunda geração são, portanto, representados pelos direitos sociais, culturais e econômicos, sendo que Bonavides, ainda considera enquanto direitos de segunda dimensão os direitos coletivos oriundos do pensamento antiliberal e do princípio de igualdade do século XX. (BONAVIDES, 2008)

Da mesma maneira que os direitos fundamentais de primeira dimensão, os de segunda surgiram, a priori, na esfera política e filosófica, com uma baixa normatividade e eficácia, ganhando mais destaque somente posteriormente, com a reconhecimento solene nas Constituições Marxistas e no constitucionalismo social-democrático. (BONAVIDES, 2008)

Quanto aos direitos fundamentais de segunda dimensão, destaca Lenza (2012), destaca enquanto documentos importantes na tentativa de promover maior evidenciação a estes: Constituição do México (1917); Constituição de Weimar (1919), Tratado de Versalhes de 1919 (OIT); e no Brasil, a Constituição de 1934

Já no ponto de vista de Paulo Bonavides (2008), ainda assim, persiste a baixa normatividade e eficácia iniciais supramencionadas, porém, estas teriam um motivo significativo:

[…] passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos. (BONAVIDES, 2008, p. 564)

Atualmente, esta limitação essencial dos meios e recursos, citada por Bonavides (2008), para LENZA (2012) representa a dita reserva do possível, posto que os direitos fundamentais de segunda dimensão, de acordo com Sarlet (2007), são direitos que concedem aos cidadãos direitos de prestações sociais estatais.

Logicamente, devido a sua baixa normatividade, por consequência, tais direitos tinham sua juridicidade questionada, portanto, passaram a compor a esfera programática devido não possuírem instrumentos de garantia para a sua concretização, que culminou em uma crise de observância e execução, a qual se ter esperança do fim com o surgimento do preceito de aplicação imediata dos direitos fundamentais, ainda que não concernentes ao direito de liberdade. (BONAVIDES, 2008)

Quanto aos direitos fundamentais de segunda dimensão conclui Paulo Bonavides:

[…] os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descomprima ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arriada no caráter programático da norma.

Com efeito, até então, em quase todos os sistemas jurídicos prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador. (BONAVIDES, 2008, p.565)

Importante destacar que com o surgimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão surgiram também a os princípios e valores que poderiam proteger as instituições, posto que se passou a compreender que tão importante quanto salvaguardar a liberdade do cidadão era a proteção das instituições, surgindo assim as garantias constitucionais, diferentemente da liberdade não pode ser institucionalizada enquanto uma garantia. (BONAVIDES, 2008)

Assim, as garantias institucionais protegem as instituições da intervenção do legislador ordinário, posto ser de sua natureza a limitação, bem como, a destinarão a certos fins. Nesse contexto, Paulo Benavides cita Weimar para conceituar garantias constitucionais:

O polêmico constitucionalista de Weimar colocou nos seguintes termos o seu conceito de garantias constitucionais: primeiro, que haja uma garantia e que esta, de ordinário, seja de natureza constitucional; a seguir, que a garantia tenha um objeto específico, a saber, uma “instituição”, visto que do contrario não se poderia falar de “garantia institucional”, e, finalmente, que se refira a algo atual, presente e existente, dotado de forma e organização, a que já se prende também uma situar jurídica constatável; a garantia institucional contam sempre, segundo a lição daquele publicista, elementos de garantia de um status quo.(BONAVIDES, 2008, p. 566)

Senso ainda relevante destacar a diferença entre garantias institucionais e as do instituto, pois, as de instituto, apesar de também corresponderam a garantias de direito constitucional, estão relacionadas à institutos jurídicos de direito privado, a exemplo da propriedade e da família; diferentemente das garantias institucionais que se referem à instituições de direito público.  Nesse contexto surge um novo conceito de direitos fundamentais. (BONAVIDES, 2008)        

Não se pode deixar de reconhecer aqui o nascimento de um novo conceito de direitos fundamentais, vinculado materialmente a uma liberdade “objetivada”, atada a vínculos normativos e institucionais, a valores sociais que demandam realização concreta e cujos pressupostos devem ser “criados”, fazendo assim do Estado um artífice e um agente de suma importância para que se concretizem os direitos fundamentais da segunda geração. (BONAVIDES, 2008, p. 567)

Logo, a busca pelos pressupostos supramencionados na passagem da obra de Paulo Bonavides torna-se o parâmetro para as Constituições e legislações mais recentes, sendo característica predominante dentre estes pressupostos a universalidade inerente aos direitos fundamentais, vistos nas palavras de Benavides “enquanto a chave de libertação material do homem”. (BONAVIDES, 2008, p. 567)

Posto isto, a garantia constitucional representa uma legitimação aos direitos fundamentais de segundo dimensão, além de valorizar os direitos à liberdade, tendo enfrentado uma crise devido o seu conceito ter perdido substância e densidade, apesar de na contramão, ter ocorrido o alagamento do conceito de instituição. Isto, pois, houve uma transição das liberdades formais abstratas para as materiais concretas, com a codificação e maior efetivação de tais direitos. (SARLET, 2007)

Se na fase da primeira geração os direitos fundamentais consistiam essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a partir da segunda geração tais direitos passaram a compreender, além daquelas garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.

Cresceu, pois, com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração o juízo de que esses direitos representam de certo modo uma ordem de valores, compondo uma unidade de ordenação valorativa que alguns juristas temem possa ressuscitar ou correr o risco de ressuscitar rejeitada concepção de sistema, à qual, segundo Scheuner, os direitos fundamentais seriam irredutíveis. (BONAVIDES, 2008, p. 568)

Dado tais fatos, o princípio da igualdade e o da liberdade deixaram de constituir apenas um direito individual, e, passaram a representar uma garantia em face de atos arbitrários do Estado.

Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como o reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia a um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns dos mais representativos. A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho “positivo” possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. [...] (SARLET, 2007, p. 56)

Por fim, salienta-se que, assim como dos direitos fundamentais de primeira dimensão, os direitos sociais, não concerne a pessoa individual, representam apenas uma densificação da justiça social e anseios das classes menos favorecidas, logo, não estando relacionados a direitos coletivos ou difusos conforme a terceira dimensão de direitos fundamentais. (SARLET, 2007)

2.4.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão

Diante de um mundo divido em nações que não estão no mesmo grau de desenvolvimento teve-se a necessidade de uma nova dimensão de direitos fundamentais pautados na fraternidade, sem que houvesse apenas proteção aos direitos individuais ou coletivos, conforme Paulo Benavides (2008) considera ao fazer menção à Karel Vasak.

Ainda concernente à origem aos direitos fundamentais de terceira dimensão, destaca-se, ainda, a seguinte passagem da obra de Sarlet (2007):

[...] os direitos fundamentais de terceira dimensão, como leciona de Pérez Luño, podem ser considerados uma resposta ao fenômeno denominado de “poluição das liberdades”, que caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias. Nesta perspectiva, assumem especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida (que já foi considerado como direito de terceira geração pela corrente doutrinária que parte do critério da titularidade transindividual), bem como o direito de informática (ou liberdade de informática), cujo reconhecimento é postulado justamente em virtude do controle cada vez maior sobre a liberdade e intimidade individual mediante bancos de dados pessoais, meios de comunicação, etc., mas que – em virtude de sua vinculação com os direitos de liberdade (inclusive de expressão e comunicação) e as garantias da intimidade e privacidade – suscita certas dúvidas no que tange ao seu enquadramento na terceira dimensão dos direitos fundamentais. De qualquer modo, também com relação aos direitos da assim chamada terceira dimensão importa reconhecer a procedência da lição de Ignácio Pinilla ao destacar a diversificação (e, portanto, a complexidade) destes direitos. (SARLET, 2007, p. 57-58)

Assim, o autor ao falar em “poluição das liberdades” tem por intuito demonstrar que os direitos fundamentais das dimensões anteriores acabavam por promover um alargamento excessivo de direitos individuais que poderiam provocar a invasão do espaço do outro, e, a promoção excessiva de um pensamento individualista.

Importante mencionar que Paulo Benavides (2008), menciona o autor Etiene-R. Mbaya para apontar que este diferentemente de Vasak, considera que os direitos fundamentais de terceira dimensão provém da concepção de solidariedade e não de fraternidade. Mbaya é o formulador do direito ao desenvolvimento, ao qual atribui enquanto titulares tanto o Estado quanto os indivíduos, posto que para os indivíduos tal direito representa o a pretensão de um trabalho, saúde e alimentação. (BONAVIDES, 2008)

Assim, Paulo Benavides (2008) destaca que Mbaya considera o princípio da solidariedade a partir de três perspectivas:

“1. O dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outos Estados (ou de seus súditos);

“2. Ajuda recíproca (bilateral e unilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza, para a superarão das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferencias de comércio em favor de países, a fim de liquidar deficits);

“3. Uma coordenação sistemática de política econômica” (BONAVIDES, 2008, p. 570)

Importante se faz destacar o pensamento de Lenza (2012) com relação a esta dimensão de direitos fundamentais, o qual não faz distinção entre as expressões solidariedade e fraternidade. Assim como Sarlet (2007), Pedro Lenza trata-as enquanto sinônimos, importando-se mais em destacar o caráter transindividual dos direitos de terceira dimensão:

Os direitos fundamentais da 3.ª dimensão são marcados pela alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional (sociedade de massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), identificando-se profundas alterações nas relações econômico-sociais. Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar aqui dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade. Os direitos da 3.ª dimensão são direitos transindividuais que transcendem os interesses do indivíduo e passam a se preocupar com a proteção do gênero humano, com altíssimo teor de humanismo e universalidade. (LENZA, 2012, p. 959-960)

Portanto, conforme expressa o autor na passagem acima transcrita, os direitos fundamentais de terceira dimensão surgiram a partir da concepção de que o homem está inserido em uma coletividade, devendo, assim, haver o respeito mútuo entre os povos, por meio das concepções de solidariedade e fraternidade, independentemente destes termos serem sinônimos ou não.

Assim, os direitos fundamentais de terceira dimensão se depreendem do fato de o indivíduo de maneira singular ser titular do direito, passando a se preocupar com a proteção de direitos de titularidade coletiva ou difusa (SARLET, 2007)

Desta forma, no final do Séc. XX surgem os direitos fundamentais de terceira dimensão dotados de imenso caráter universal e humano, não se restringindo apenas a um indivíduo ou determinado grupo de seres humanos. Segundo Vasak, os direitos fundamentais de terceira dimensão são: direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente saudável e equilibrado, direito de comunicação, e, o direito de propriedade ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, 2008)

Cabe destacar que o próprio doutrinador Bonavides (2008), em verdade, considera o direito à paz enquanto um direito fundamental de quinta dimensão.

Como já mencionado, tais direitos são o fruto dos anseios da população diante do impacto dos avanços tecnológicos e pelo clima gerado após a segunda guerra mundial; momento este em que o pensamento individualista sede lugar ã fraternidade e a solidariedade, devido a isto, a titularidade destes direitos para a ser uma titularidade coletiva (indeterminável), requerendo assim, novas formas de garantia e proteção.

Sarlet (2007), considera ainda, enquanto direito fundamental de terceira dimensão o direito à autodeterminação dos povos, representando isto a atribuição de um direito fundamental ao próprio Estado, o que por certo comprometeu a definição destes direitos enquanto fundamentais.

Enfim, os direitos fundamentais de terceira dimensão vivem em processo de constante construção, sendo, no olhar de Sarlet (2007), uma vertente do direito à dignidade humana interligado aos direitos à liberdade e à vida, isto, prol da defesa do coletivo contra os excessos do Estado e de terceiros.

2.4.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão

Ainda se discute na doutrina a existência ou não desta dimensão de direitos fundamentais. Alguns consideram que todos os direitos fundamentais já estariam inseridos nas três primeiras dimensões aqui descritas, entretanto, doutrinadores como Bonavides(2008) e Sarlet (2007) defendem a existência desta dimensão de direitos fundamentais enquanto produto da globalização no plano institucional dos direitos fundamentais, o chamado Estado Social. (SARLET, 2007)

Lenza (2012), entretanto, faz menção à Norberto Bobbio, o qual considera que tais direitos teriam surgido a partir da evolução das pesquisas na área da engenharia genética, as quais poderiam colocar em risco a própria existência humana em virtude da manipulação genética.

Já no pensamento de Bonavides (2008), o qual, conforme mencionado acima, considera a globalização política neoliberal da norma enquanto responsável pelo surgimento dos direitos fundamentais de quarta dimensão, os quais, na opinião do autor, são compostos pelos direitos à democracia, a informação e ao pluralismo.

Posto isto, para o autor supramencionado, os direitos fundamentais de quarta dimensão representam uma objetividade dos direitos da demais dimensões, absorvendo a subjetividade dos direitos individuais. Isto, pois, estes representam a globalização dos direitos fundamentais, logo, o que se faz é dotá-los de caráter universal na esfera institucional.

Diante das duas correntes, Lenza (2012) menciona o pensamento de Ingo Sarlet, o qual, considera a proposta de Paulo Bonavides mais vantajosa, no seguinte sentido:

[...] a proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade. (LENZA, 2012, p. 961 apud SALERT, 2007, p. 51)

Salienta-se ainda, que com relação ao direito a democracia, Bonavides (2008) faz um adendo para destacar que esta deve ser direta, assim como, deve ser isenta “[...] das contaminações midiáticas, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios de poder. [...]” (BONAVIDES, 2008, p. 571)

Logo, na democracia globalizada para Bonavides:

[...] o Homem configura a presença moral da cidadania. Ele é constante axiológica, o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas – será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia política.

Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política. (BONAVIDES, 2008, p. 572)

Ainda assim, nenhuma das duas perspectivas, nem a de Norberto Bobbio e nem a de Paulo Bonavides, conseguiram o reconhecimento do direito nacional positivo, ainda que existam exemplos isolados, porém somente através destes se poderia alcançar a legítima globalização política. (SARLET, 2007).

2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUINTA DIMENSÃO

O direito à paz representa o direito fundamental de quinta dimensão, o qual na concepção de Karel Vasak, conforme já destacamos anteriormente, integraria a terceira dimensão dos direitos fundamentais. Entretanto, para Bonavides (2008), Karel Vasak ao renegar o direito à paz a terceira dimensão de direitos fundamentais o fez de forma incompleta, assim ilustra o autor quanto a opção de Karel Vasak de elencar o direito à paz em meio a terceira dimensão de direitos fundamentais:

Não desenvolveu as razões que a elevam à categoria de norma. Sobretudo aquelas que conferem relevância pela necessidade de caracterizar e encabeçar e polarizar toda uma nova geração de direitos fundamentais, como era mister fazer, e ele não o fez. O direito à paz caiu em esquecimento injusto por obra, talvez, da menção ligeira, superficial, um tanto vaga, perdida entre os direitos de terceira dimensão. (BONAVIDES, 2008, p. 579)

O intuito da reclassificação do direito à paz enquanto direito fundamental de quinta dimensão é:

[...] assegurar ao direito à paz um lugar de destaque, superando um tratamento incompleto e teoricamente lacunoso, de tal sorte a resgatar a sua indispensável relevância no contexto multidimensional que marca a trajetória e o perfil dos direitos humanos e fundamentais, reclama uma reclassificação mediante sua inserção em uma dimensão nova e autônoma. (SARLET, 2007, p. 51)

Superada tal questão, surge outra problemática, a dificuldade para se reconhecer a paz enquanto direito pela doutrina e jurisprudência, ou seja, de reconhecer a sua natureza jurídica. Afinal, trata-se de um direito complexo, haja vista que podem ser titulares do direito à paz tanto os Estados, quanto os povos, indivíduos e humanidade; portanto, têm efeitos internos e internacionais tanto em âmbito individual quanto coletivo. (BONAVIDES, 2008)

Apesar de toda a discussão que envolve tal direito, este, ainda é invocado de forma tímida tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência (nacional e internacional), apesar de em nosso país o direito à paz estar codificado no art. 4º, inciso VI, da Constituição de 1988. (SARLET, 2007)

Bonavides (2008) faz menção à sentença proclama pela Suprema Corte de Justiça da Costa Rica enquanto grande exemplo do reconhecimento do direito à paz, posto que,  tal julgado reconheceu e aplicou o direito à paz enquanto direito fundamental positivo, colocando assim o direito a paz “[...] fora das esferas abstratas e programáticas e a introduziu num direito constitucional que tem vida e realidade e concretude!” (BONAVIDES, 2008, p.582)

Inegável que Karel Vasak ao designar o direito à paz enquanto um direito de terceira dimensão concedeu-lhe uma visibilidade que antes não detinha. Entretanto, assim como o direito ao desenvolvimento se configurou enquanto o direito característico da terceira dimensão de direitos fundamentais, e, como o foi o direito à liberdade para a primeira dimensão de direitos fundamentais, era necessário que o direito à paz detivesse este mesmo grau de relevância. Para tanto, era imprescindível que este encabeçasse uma dimensão de direitos fundamentais. (BONAVIDES, 2008)

Afinal, o direito à paz é um direito natural, presente no contratualismo social de Kant, um direito universal, em prol da dignidade da espécie humana; portanto, devendo ser transladado da utopia para a concreção através da positividade jurídica, dentro de uma concepção de “direito constitucional do gênero humano”, conforme designa Bonavides (2008).

Entretanto, conforme faz questão de elucidar Sarlet (2007), o direito à paz que ora tanto se defende vai além da qualificação jurídico-dogmática, mas sim em todos os sentidos, não reduzida a ausência de guerra (interna ou externa), mas enquanto pressuposto para a perpetuação dos direitos humanos e fundamentais.

Direito à paz, sim. Mas paz em sua dimensão perpétua, à sombra do modelo de Kant. Paz em caráter universal, em sua feição agregativa de solidariedade, em seu plano harmonizador de todas as etnias, de todas as culturas, de todos os sistemas, de todas as crenças que a fé e a dignidade do homem propunham, reivindicam, concretizam e legitimam.

Quem conturbar essa paz, quem a violentar, quem a negar, cometerá, à luz desse entendimento, crime contra a sociedade humana. (BONAVIDES, 2008, p. 591)

Podemos considerar assim, que a paz se reveste tanto enquanto direito quanto enquanto dever, posto que, conforme o autor menciona acima, aquele que atentar contra tal direito, estaria atentando contra a humanidade.


3 A ÉTICA DE PETTER SINGER E OS DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS

3.1 A TITULARIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA ALÉM DA ESPÉCIE HUMANA

Com o direito ao meio ambiente equilibrado elencado enquanto direito fundamental de terceira dimensão, não se pode negar que já se concedeu um olhar diferenciado aos animais, ainda que o titular do direito de fato seja o homem e não o animal, posto que, a intenção da doutrina é defender a fauna em prol dos interesses da raça humana, o que denota em nítido antropocentrismo.

O antropocentrismo tem suas raízes no pensamento filosófico grego, o qual era guiado pela razão, característica esta atribuída apenas ao homem, capaz de compreender a realidade ao seu redor. (FREITAS, 2013)

Imbuído deste raciocínio, Aristóteles considerava a existência de uma hierarquia, na qual os seres dotados de razão estariam no topo da pirâmide, sendo que, os com menos capacidade de raciocínio existiam em função daqueles que se encontravam no topo, seguindo o mesmo pensamento de Santo Tomás de Aquino. O filósofo considera ainda, dentro desta hierarquia, os animais enquanto serem superiores às plantas. (FREITAS, 2013)

A anatomia aristotélica ressalta a importância da distribuição da matéria nas funções orgânicas. Os animais superiores são dotados de matéria, forma, movimento, sensibilidade e potencialidade receptiva. Enquanto as plantas possuem apenas propriedades nutritivas, os animais são também dotados de propriedades sensitivas e motoras. O homem ocupa o vértice da pirâmide, aliando a todas essas propriedades uma potencialidade receptiva em grau elevado. (FREITAS, 2013, p. 16-17)

Logo, se tem na antiguidade um pensamento imbuído de superioridade da espécie humana com relação às demais, sempre pautado na existência de um princípio de racionalidade humana. A partir dessa concepção se nega aos animais a capacidade de sentir dor e prazer, e os rotulam enquanto meros instrumentos em serviço dos interesses do homem. (FREITAS, 2013)

Como se bem vê, a espécie humana é colocada enquanto centro do universo, como se todos os demais seres vivos estivessem ao seu dispor, posto que, este é o fim em si mesmo considerado.

Nesse sentido, Freitas (2013) menciona uma passagem do autor Tiago Fenterseifer, o qual, discorre acerca do pensamento kantiano antropocêntrico:

A formulação kantiana coloca a ideia de que o ser humano não pode ser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado como fim em si mesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação, seja em face do Estado seja em face de particulares. Isso se deve, em grande medida pelo reconhecimento de um valor intrínseco a cada existência humana. (Grifos do autor) (FREITAS, 2013, p. 19 apud FENTERSEIFER, 2008 p. 49)

É neste sentido que funciona o direito ao meio ambiente equilibrado e saudável elucidado na terceira dimensão de direitos fundamentais. Naquele momento o titular do direito é homem sendo o meio ambiente um mero objeto, que equilibrado e saudável servirá aos propósitos deste que é considerado como fim em si mesmo.

Apesar disto, não se pode negar o avanço da tutela constitucional com relação ao meio ambiente, posto que, tem se reconhecido tanto em âmbito nacional quanto internacional a necessidade de tutela dos animais, podemos, inclusive, citar o art. 225, em especial o inciso VII da Constituição brasileira vigente, no qual se define a proteção da fauna e flora nacional. (SARLET, 2007)

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;    

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;       

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;         

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;       

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;           

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (BRASIL, 1988. Grifo nosso)

Desta forma, a problemática gira em torno da possibilidade de os animais não humanos serem titulares de direitos fundamentais. Apesar de a nossa Constituição não tratar expressamente os animais enquanto titulares de direitos fundamentais, reconhece-se que a vida não humana possui uma dignidade, saindo da esfera da instrumentalização dos animais com relação aos homens. Desta forma, já se observa a proibição de práticas cruéis que causem sofrimento desnecessário aos animais, bem como, que levem a extinção de uma espécie, conforme, inclusive, se observa no artigo acima transcrito. (SARLET, 2007)

Ainda assim, segundo o próprio autor Sarlet (2007) enfatiza, apesar de prevalecer a tese de não se atribuir a titularidade de direitos fundamentais aos animais não humanos, especialmente ao que concerne aos animais, seres sensitivos, o fato de se reconhecer a fundamentalidade da vida para além da raça humana resulta, ao menos, no dever de tutela dessas vidas e destas dignidades.

Assim, ainda que não se tenha consenso quanto a titularidade ou não de direitos por parte dos animais não humanos, fato é que, se reconhecida, esta, faz com que surjam deveres fundamentais de tutela.

Porém, importante destacar que não se pretende igualar as espécies, o ser humano e o animal não humano, apenas se pretende resguardar os direitos deste último, e, regular o comportamento do homem com relação a estes animais para que não haja qualquer afronta de direitos, conforme defende Peter Singer, e, destaca Marx Neto:

A ampliação do reconhecimento de direitos aos animais deixa aberta, com ampla margem de contestação, a possibilidade de considerá-los autênticos sujeitos de direito, titulares dessa proteção. Todavia, ao assegurar proteção e bem estar aos animais, a legislação quer, na verdade, é regular o comportamento do ser humano em relação ao animal. (MARX NETO, 2007, p. 110)

Nesse contexto, já existem diversas decisões do STF, ainda que em decorrência do direito fundamental a um meio ambiente saudável, acerca da necessidade de proteção do animal não humano.

Na busca pela tutela dos direitos dos animais é necessário se compreender que o intuito não é de equiparar os animais aos seres humanos, apenas de respeitar seus direitos básicos e evitar conflito de interesses entre às espécies.

Imbuídos deste pensamento é que trataremos os animais não humanos enquanto titulares de direitos fundamentais, ao adotarmos o pensamento filosófico, principalmente, do autor Peter Singer, o qual, assim considera os animais. Afinal, não é imprescindível definir os animais dentro do contexto jurídico para reconhecermos que tais seres possuem direito à dignidade e tratamento justo.

3.2 DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS COM BASE NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA VIGENTE.

Conforme já se salientou, o primeiro argumento a ser suscitado em defesa dos animais não humanos é representado pelo direito fundamental de terceira dimensão que prima por um meio ambiente saudável e equilibrado (o que inclui à proteção a fauna nacional), o qual, inclusive, encontra-se de forma expressa na Constituição, ora vigente.

A especificação da defesa do meio ambiente em nosso regramento foi um advento do art. 225 da Constituição de 1988; anteriormente, o legislador constitucional tratava da matéria apenas de forma diluída ou casual, segundo Lenza (2012).

O art. 225, caput, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Nesse sentido, o dever de preservação será por parte do Estado e da coletividade, uma vez que o meio ambiente não é um bem privado ou público, mas bem de uso comum do povo. (LENZA, 2012, p. 1202)

Diante da passagem do livro de Pedro Lenza, podemos concluir que o meio ambiente é um bem de natureza difusa, pois, pertence à coletividade e às futuras gerações, sendo a sua preservação a distribuição da justiça entre as gerações, uma inovação de nossa Constituição.

Afinal, o século XX foi cenário de um grande avanço na defesa dos direitos dos animais não humanos. Foi neste momento que surgiram os primeiros trabalhos doutrinários como os de Henri Salt em 1914 (Les droits de l’animal considérés dans leur rapport avec le progrès social); e, de André Géraud, o qual formulou em 1789 uma Déclaration des droits de líanimal, tendo sido tal documento a base para a Declaração Universal dos Direitos do Animal da UNESCO (1978). (MARX NETO, 2007)

Seguindo esse ritmo, no Brasil, às leis até então elaboradas têm por principal objetivo evitar sofrimentos e maus-tratos aos animais, geralmente com consequências penais da prática de tais atos. (MARX NETO, 2007)

Assim, a Carta Magna prevê, ainda que de forma genérica, o controle estatal, a educação ambiental, e, a proteção da fauna e flora, enquanto forma de se tutelar o meio ambiente; porém, sempre em prol da raça humana.

Além do art. 225 da CF/88 ser um avanço na defesa dos direitos dos animais, devemos ressaltar ainda o art. 32 da Lei 9.605/98, o qual, considera crime a prática de atos de abuso, maus-tratos, ou que mutilem ou firam animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. (LENZA, 2012)

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (BRASIL, 1998)

Não podemos deixar ainda de citar, um dos primeiros documentos na história brasileira de tutela dos direitos dos animais não humanos, o Decreto nº 24.645/1934 o qual determinava medidas de proteção aos animais, o qual foi revogado pelo Decreto nº 11 de 1991. (MARX NETO, 2007)

Importante mencionar ainda que a Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, que tipifica enquanto infração penal a crueldade em face dos animais, inclusive estipulando pena de prisão cumulada com multa, conforme se pode observar no seguinte artigo:

Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.

§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. (BRASIL, 1941)

Temos ainda a Lei nº 6.338/79 que tratava da vivissecção de animais. Tal lei, não foi objeto de regulamentação à época, e, como consequência, teve sua eficácia reduzida, inclusive com a sua revogação por meio da Lei nº 11.794/2008, a qual regulamenta o inciso VII do §1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais. (MARX NETO, 2007)

Desta forma, atualmente temos as Leis nº 11.794/2008 e nº 9.605/98 que tratam de proteção aos animais, as quais são utilizadas em conjunto com o art. 225 da CF/88.

Entretanto, a quem discuta a colisão entre os direitos de proibição de tratamento cruel para com os animais (art. 225, § 1º, VII da CF/88), e, a proteção da manifestação cultural (art. 215, caput e §1º da CF/88), onde se discute na maioria das doutrinas questões como: farra do boi, brigas de galo, rodeios de animais, e, animais em circo.

Com relação à farra do boi, muito se discute por se tratar de um costume de gerações, herdado do antigo costume ibérico, chegando inclusive a ter influência religiosa, posto que se realizava, geralmente, durante o período da quaresma (LENZA, 2012).

A tentativa de defesa destes animais já é antiga, podendo ser mencionado o Martin’s Act de 22 de julho de 1822, da Grã-Bretanha, documento este que intentava prevenir o tratamento cruel ou impróprio do gado; assim como na França onde foi editada a Lei Grammont de 1850 que proibia os maus-tratos de animais em vias públicas, com a posterior proibição de maus-tratos de forma geral, em 1959. (MARX NETO, 2007)

Porém, apesar de ter uma carga de herança cultural, a crueldade para com o animal era sem tamanho.

A “farra do boi” já foi vista também como entretenimento, alegando alguns uma suposta tradição cultural. O boi fica sem comer por dias e depois é solto, sendo perseguido nas ruas da cidade. Existem relatos de maus-tratos contra os animais. (LENZA, 2012, p. 1204)

Diante dos fatos, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional tal prática, posto que, no momento de se ponderar os direitos em discussão não deveria prevalecer a crueldade contra os animais em prol de uma mera tradição cultural.

EMENTA: Costume — Manifestação cultural — Estímulo — Razoabilidade — Preservação da fauna e da flora — Animais — Crueldade. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’” (RE 153.531, Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, j. 03.06.97, DJ de 13.03.98). (LENZA, 2012, p. 1205)

Além da ementa, importante destacar a seguinte passagem do voto do Relator, Sr. Ministro Francisco Rezek:

Não posso ver como juridicamente correta a idéia de que em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural com abusos avulsos; há uma prática abertamente violenta e cruel para com os animais, e a Constituição não deseja isso.

Bem disse o advogado da tribuna: manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público, mas de pano, de madeira, de “papier maché”; não seres vivos, dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra esse gênero de comportamento. (RE 153.531, Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, j. 03.06.97, DJ de 13.03.98)

Da mesma maneira foram consideradas as rinhas de galo, às quais se atribuía um caráter esportivo, porém, que conforme já determinado pelo próprio STF, se trata de atividade inconstitucional por violar o art. 225 da Carta Magna, a qual, submete os animais a crueldade. Assim, temos um trecho da ementa do julgado:

A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). (ADI 3.776, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 14.06.2007, DJ de 29.06.20 07).

Outra questão já decidida pelo Poder Judiciário foi com relação aos rodeios, vaquejadas “calf roping” e “team roping” (laçada dupla). Apesar de haver definição jurídica para o rodeio na Lei nº 10.519/2002 em seu art. 1º, parágrafo único, o qual menciona:

Art. 1o [...]

Parágrafo único.  Consideram-se rodeios de animais as atividades de montaria ou de cronometragem e as provas de laço, nas quais são avaliados a habilidade do atleta em dominar o animal com perícia e o desempenho do próprio animal.

Em passagem, Lenza (2012), cita o Des. Castilho Barbosa, o qual definiu as demais práticas em decisão que outrora proferiu:

[...]“vaquejada - quando peões seguram fortemente o animal pela cauda para ser contido na fuga; calf roping - bezerros, com quarenta dias de vida, são tracionados no sentido contrário em que correm, erguidos e lançados violentamente ao solo, em prática que além de causar lesões pode levá-los à morte, e team roping ou laçada dupla— prática em que um peão laça a cabeça de um garrote, enquanto outro laça as pernas traseiras, na sequência o animal é esticado, ocasionando danos na coluna vertebral e lesões orgânicas” (AGRV 419.225.5/5, de 30.01.2007).

Nítida a crueldade a que os animais são submetidos em tais práticas, foi nesse sentido que o Ministro Marco Aurélio do STF declarou inconstitucional, lei cearense que regulamentava vaquejada.

Vê-se, daí, que o constituinte, com a proteção da fauna e com a vedação, entre outras, de práticas que “submetam os animais a crueldade”, objetivou assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente que compreende as noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral, consoante ressalta o magistério doutrinário (CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 20-23, item n. 4, 6ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 21-24, itens ns. 2 E 3, 4ª ed./2ª tir.,2003, Malheiros; JOSÉ ROBERTO MARQUES, “Meio Ambiente Urbano”, p. 42-54, item n. 4. 2005, Forense Universitária, v.g.).

É importante assinalar, neste ponto, que a cláusula inscrita no inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição da República, além de veicular conteúdo impregnado de alto significado ético-jurídico, justifica-se em função de sua própria razão de ser, motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a vida do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais.

Resulta, pois, da norma constitucional invocada como parâmetro de confronto (CF, art. 225, § 1º, VII), o sentido revelador do vínculo que o constituinte quis estabelecer ao dispor que o respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de subsistência e preservação do meio ambiente em que vivem os próprios seres humanos.

Evidente, desse modo, a íntima conexão que há entre o dever ético-jurídico de preservar a fauna (e de não incidir em práticas de crueldade contra animais), de um lado, e a própria subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de outro.

Cabe reconhecer, portanto, Senhor Presidente, o impacto altamente negativo que representaria, para a incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos, a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja, ainda, submetendo os animais a atos de crueldade.[1]

Interessante destacar o entendimento do Ministro do STF quanto a necessidade de se evitar qualquer situação de risco à vida e a integridade de um ser vivo, independente da espécie, colocando o direito à vida no mesmo patamar para ambos os animais, humanos e não humanos, inclusive, o Ministro faz questão de suscitar o cunho ético-jurídico de se preservar a fauna.

Cabe ressaltar que apesar de ainda não se ter definida a questão, ao menos a Lei 10.519/2002 (Lei que dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio) já estabelece regras para evitar a utilização de instrumentos nas montarias que aumentam a crueldade da prática. (LENZA, 2012)

Por último, nos cabe enfocar os animais em circo.

A arte circense, que, provavelmente, teve sua origem na Grécia antiga, enquanto demonstração de grandiosidade no retorno das guerras, onde se exibiam os animais exóticos encontrados em terras distantes. (LENZA, 2012)

Porém, o que muito se discutiu na atualidade é a utilização de animais para o entretenimento, haja vista, que estes durante o treinamento para desenvolver as atividades de picadeiro, se assim podemos nos referir, sofrem maus-tratos, como choques chicotadas, além de, sua acomodação e alimentação em geral não serem a contento.

Nesse sentido, que no contexto contemporâneo observa-se a corrente do “novo circo”, conforme coloca Lenza (2012), o qual dá enfoque ao homem e exclui a utilização de animais nestes tipos de apresentações, afinal, deixar de utilizar animais em apresentações circenses não significa o fim desta arte.

Porém, ao nos depararmos com o Código Civil vigente, os animais não humanos, são tratados apenas enquanto propriedade, violando os preceitos constitucionais e os direitos básicos dos animais.

O homem, conforme já mencionamos anteriormente, tem uma visão de mundo totalmente antropocêntrica, se colocando enquanto ser superior a todas às demais espécies de seres vivos, utilizando estes sempre em prol de seus interesses, afastando sua responsabilidade moral para com tais seres.

Venosa (2013, p. 127), por exemplo, destaca: “A sociedade é composta de pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objeto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direi­to, atributo exclusivo da pessoa.”, o que demonstra o nítido pensamento antropocêntrico, que, ora, se deseja superar.

Mais à frente retoma o autor à questão:

Os animais e os seres inanimados não podem ser sujeitos de direito. Serão, quando muito, objetos de direito. As normas que almejam proteger a flora e a fau­na o fazem tendo em mira a atividade do homem. Os animais são levados em con­sideração tão só para sua finalidade social, no sentido protetivo. (VENOSA, 2013, p. 138)

Este pensamento do autor, o qual vê o animal não humano enquanto coisa semovente e bem corpóreo, conforme iremos demonstrar, não condiz com os preceitos constitucionais e os julgados mais recentes quanto à matéria. 

Para Venosa (2013), essa percepção com relação ao ser vivo não humano tem origem no mundo primitivo, quando o homem começa a utilizar pedras, cavernas e afins para sua sobrevivência, utilizando ainda para o mesmo fim os animais. Desta forma, acaba atribuindo o mesmo valor aos animais que atribui a objetos inanimados.

Outro argumento suscitado por aqueles que não consideram os animais enquanto titulares de direitos subjetivos, é a menção ao direito de personalidade o qual, em tese, seria atribuído apenas às pessoas físicas ou jurídicas; logo, estes têm “[...] a convicção de que os direitos só podem ser aplicados a pessoas. E, portanto, só as pessoas físicas ou jurídicas podem ser sujeitos de direitos.” (DIAS, 2006, p. 120)

Isto, pois, a personalidade surge enquanto forma de ser humano existir perante o direito, isto inserido dentro de contexto histórico. Afinal, em certo período da história os escravos – ainda que seres humanos – eram tidos enquanto objetos, e, consequentemente enquanto propriedade e sem qualquer personalidade jurídica. Atualmente, a proteção do direito se estendeu a toda raça humana, independente de qualquer fator, ainda que este esteja limitado a estímulos básicos como fome e dor; logo, ainda que lhes faltem certos elementos inerentes ao conceito de personalidade jurídica. (CARDOSO, 2007)

Assim, Cardoso (2007) tem por intuito demonstrar que não se trata de capacidade racional e cognitiva, e sim, o especismo – a ser definido no próximo item – que limita a proteção dos animais não humanos.

Ademais, destaca Singer (2013), um dos grandes defensores da titularidade de direitos dos animais não humanos, em sua obra Libertação Animal:

Em mal direcionadas tentativas de refutar os argumentos deste livro, alguns filósofos se deram o trabalho de desenvolver argumentos para mostrar que os animais não têm direitos. Eles alegam que, para ter direitos, é preciso que um ser seja autônomo, membro de uma comunidade, que tenha capacidade de respeitar os direitos dos outros ou possua senso de justiça. Essas alegações são irrelevantes para o argumento a favor da libertação animal. (SINGER, 2013, p. 14)

Pensamento este que com o passar dos anos não teve grandes mudanças, com o mundo capitalista em que vivemos. Cada vez mais os seres sencientes são vistos enquanto mercadorias disponíveis aos interesses humanos. O homem se tornou proprietário e o animal a propriedade, o que faz com que se esqueça da condição de senciente destes.

Nesse contexto, muito do que se vê em termos de proteção aos animais, conforme já mencionamos, é como forma de proteger algum interesse humano. Ultrapassada esta tênue linha, os animais não humanos restam desamparados; ou ainda, sofrem maus-tratos sob a justificativa de que seria por um bem maior à humanidade, a exemplo dos relatos que Singer (2013) faz em sua obra com relação aos animais utilizados enquanto instrumentos de pesquisa.

Em sua obra o autor Peter Singer relata alguns experimentos realizados na Base Aérea de Brooks no Texas, Estados Unidos. Mas especificamente, relata um experimento feitos com macacos que envolvia algo semelhante a um simulador de voo, um aparelho chamado de Plataforma de Equilíbrio de Primatas (PEP), e assim relata:

[...] Trata-se de uma plataforma que pode ser inclinada e girar, como uma aeronave. Os macacos sentam-se em uma cadeira que faz parte da plataforma. À frente deles há uma alavanca de controle, por intermédio da qual a plataforma pode ser conduzida à posição horizontal. Depois de treinados a fazê-lo, eles eram submetidos à radiação e a agentes químicos de guerra. O objetivo é observar de que maneira isso afeta a capacidade de pilotar [...]

Fase I (adaptação à cadeira): os macacos são presos (em outras palavras, amarrados) à cadeira da PEP, uma hora por dia, durante cinco dias, até que consigam sentar-se quietos.

Fase II (adaptação à alavanca): os macacos são presos à cadeira da PEP. A cadeira é, então, inclinada para a frente e os macacos, submetidos a choques elétricos. Isso faz com que “se virem na cadeira ou mordam a plataforma. [...] Esse comportamento é redirecionado para a mão enluvada [do experimentador], colocada diretamente sobre a alavanca de controle”. Tocar a mão resulta na interrupção do choque, e o macaco (que não foi alimentado naquele dia) ganha uma uva-passa. Isso é feito com cada animal, cem vezes por dia, de cinco a oito dias.

Fase III (manipulação da alavanca): dessa vez, quando a PEP é inclinada para a frente, não basta simplesmente tocar na alavanca para interromper o choque. Os macacos continuam a receber cargas elétricas até puxar a alavanca para trás. Isso se repete cem vezes por dia.

Fase IV e VI (empurrar e puxar a alavanca): a PEP é inclinada para trás e os macacos recebem choques elétrico até que empurrem a alavanca para a frente. A PEP é, então, novamente inclinada para frente e eles precisam reaprender a puxar a alavanca para trás. Esse procedimento é repetido cem vezes por dia. Depois, a plataforma é movimentada aleatoriamente para trás e para frente, e, de novo, os macacos recebem choques até reagir de modo apropriado. (SINGER, 2013, p. 38-39)

E assim segue o relato quanto a este treinamento, cruel o bastante, entretanto, que não representava o experimento de fato, era apenas um treinamento preliminar ao experimento.

Pois, este início era apenas para treiná-los como utilizar a plataforma, superada esta fase, os macacos eram expostos a altas doses de radiação e postos para pilotar as plataformas o quanto suportassem, sendo que a maioria acabava vindo a óbito, sem que o experimento de fato obtivesse resultado práticos. (SINGER, 2013)

Como se observa o relato trata de um animal tido enquanto silvestre e não como animal doméstico, que é o enfoque maior do presente trabalho, entretanto, a tutela de direitos fundamentais tem que se estender a todos os animais não humanos. Nesse, o autor Singer (2012) utiliza o exemplo dos cães para ressaltar:

Em todo caso, é errado limitar nossa preocupação a cães. As pessoas tendem a se preocupar com cães porque, em geral, estão mais familiarizados com eles como animais de estimação; mas outros animais são tão passíveis de sofrimento quanto os cães. Poucos sentem simpatia por ratos. No entanto, eles são inteligentes e não há dúvidas de que sofrem com os incontáveis experimentos dolorosos neles realizados. (SINGER, 2013, p. 45)

Inclusive, já que mencionamos esta diferenciação entre animal doméstico e silvestre, interessante se faz mencionar a diferenciação que a legislação faz com relação a tais animais que Dias (2006) fez questão de ressaltar:

[...] a legislação brasileira classifica os animais silvestres como bem de uso comum do povo, ou seja, um bem difuso indivisível e indisponível, já os domésticos são considerados pelo Código Civil como semoventes passíveis de direitos reais. A natureza jurídica dos mesmos em nossa legislação constitui um grande obstáculo para o raciocínio diferente daquele que está arraigado na consciência popular, ou seja, o animal é um bem, seja da coletividade, seja propriedade particular. (DIAS, 2006, p. 120)

Assim, a nossa Constituição tutela a fauna em benefício de nossa geração e das gerações futuras, e, o Código Civil vigente coloca os animais enquanto coisa fungível de propriedade de alguém, ou, quando inexistente o proprietário (tidos como coisa de ninguém), podem ser apropriados por qualquer indivíduo, um mero objeto, sendo este pensamento totalmente ultrapassado. (CARDOSO, 2007)

Portanto, temos que os animais enquanto objeto são tratados pelo Código Cível vigente em seus artigos 82 (bens móveis), 936 (responsabilidade civil por dano por animal), e 1.263 (aquisição de coisa sem dono).

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

[...]

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

[...]

Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei. (BRASIL, 2002)

Ressalta-se ainda, que o conceito de bem móvel considerado pelo art. 82 do Código Civil acima transcrito é complemento ainda pelo inciso II do art. 83 do mesmo texto legal, posto que neste inciso que se dá a definição técnica de semoventes.

E, enquanto coisa, logicamente, tem um proprietário, que no caso, conforme a Constituição vigente, os animais, de maneira geral, são bens de uso comum, sendo o Estado apenas gestor deste bem.

Quanto a isto trata Cardoso (2007):

Como bem público, semelhantemente aos demais entes ambientais, a fauna é classificada entre os bens de uso comum do povo, modalidade conceituada no art. 99, II, do Código Civil Brasileiro vigente, e que, apesar de os bens públicos estarem sob regime jurídico próprio, dando-lhes todos os atributos de uso, gozo e fruição, inerentes ao domínio em geral, porém, com limitações próprias à sua natureza.

Inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis, tais características dos bens de domínio público não são absolutas às coisas que compõem o patrimônio do Estado, sendo condicionadas ao interesse público sobre o bem, e não apenas à sua destinação e afetação, porém, diríamos que relativamente aos animais, os quais “são coisas que não são coisas”, é preciso um olhar diferenciado, pois o patrimônio genético tem valor próprio (inestimável, na verdade), ou o que dizer sobre a biopirataria e o tráfico de animais, que a alimenta, É o terceiro maior do mundo? É diferente o tratamento pelo caráter ontológico do bem (vida) e das questões éticas a ele ligadas, e, especialmente, porque muitos animais têm capacidades biopsíquicas que lhes permitem sofrer das mais diversas formas e semelhantemente ao homem. (CARDOSO, 2007, p. 118-119, grifo do autor)

Importante destacar que a autora atribuiu a inalienabilidade apenas aos animais da fauna silvestre, destacando a legalidade do comércio de animais domésticos, apesar de estimular, em muitos casos, os maus-tratos. Apesar desta possibilidade de propriedade do animal doméstico salvaguardada pelo Código Civil, o autor enfatiza a impropriedade do termo dono, principalmente ao considerarmos que a proteção aos animais é generalista e parte de um entendimento constitucional. (CARDOSO, 2007)

Ainda assim a autora faz questão de destacar a diferença de trato que devemos conceder ao termo propriedade ao tratarmos de um animal não humano:

Assim, a dogmática jurídica que classifica o animal como bem semovente deve ser interpretada à luz da hierarquia de valores abraçados pelo direito, a qual põe em nível mais elevado os direitos e interesses públicos e coletivos, e por isso a “propriedade privada” sobre animais não pode ser entendida nos mesmos termos da propriedade em geral, mas sim como uma concessão do Estado, na condição de representante da coletividade e gestor do patrimônio ambiental, em favor do particular, o qual tem a obrigação de manter sua ação adstrita aos limites que começam mas não terminam na função social da propriedade. (CARDOSO, 2007, p. 123, grifo do autor)

Portanto, em verdade, deveríamos intitular as pessoas enquanto tutores ou guardiões de animais, e não como proprietários, isto denota uma maior atribuição de responsabilidade ao ser humano por aquela vida animal; se mostrando totalmente equivocada a visão dada pelo Código Civil aos animais não humanos, pois, conforme alguns doutrinadores consideram, tal abordagem se mostra em desconformidade com os preceitos constitucionais.

Para Cardoso (2007), desde o Decreto 24.645 de 1934, já havia um entendimento, ainda que minoritário, de que os animais seriam titulares de direitos. Isto, a partir da compreensão do contexto do mencionado Decreto, o qual coloca os animais não humanos enquanto tutelados do Estado, devendo ser representados em juízo pelo Ministério Público ou pelos membros de associações de proteção aos animais, só não o fez de forma expressa, como até a presente data não ocorreu em nosso ordenamento.

Tanto é fato que a Constituição atribui ao Ministério Público a legitimidade para atuar em defesa dos interesses dos animais não humanos, substituindo-os em juízo, diante, por exemplo, da violação do art. 225, §1º, inciso VII da Carta Magna, e, da Declaração Universal dos Direitos dos Animais à qual nosso país aderiu.

Nesse sentido, Cardoso (2007) enfatiza:

Não se pode ver como coisa seres viventes, pois tais elementos mostram a existência de vida não apenas no plano moral e psíquico, mas também biológico, mecânico, como podem alguns preferir, e vice-versa. O conhecimento jurídico-dogmático hoje encontra-se ultrapassado, não apenas em função de animais considerados inteligentes, mas sim em função de todos os seres sensientes, capazes de sentir, cada um a seu modo, e de individualizarem-se estabelecendo relações sociais entre si ou com humanos, constituindo-se velhaco e inadequado o tratamento dispensado, inclusive mostrando-se incompatível com os próprios fins deste Direito “atual” de ética invertida. (CARDOSO, 2007, p.132-133) [sic].

Para tanto, Cardoso dá como exemplo sobre a capacidade de aprendizagem destes seres, dois cachorros:

Em 2004, pesquisadores alemães comunicaram à comunidade científica e geral que haviam treinado um cão da raça border collie de nove anos, o qual dominava um vocabulário de 200 palavras e em expansão - o equivalente ao vocabulário de uma criança de 3 anos de idade -, bastando dizer-lhe uma palavra nova que ele logo assimilava a um brinquedo diferente que aparecia dentre os antigos, demonstrando assimilação de informações, memória e capacidade de aprendizado. Para os cientistas, isto permitiu revelar que os caninos compartilham alguns aspectos da capacidade para a linguagem que se desenvolveu nos humanos.

Dois anos depois, pesquisadores da USP treinaram uma viralatinha, a Sofia, que foi capaz de aprender frases com duas palavras, além de expressar sua vontade a partir da assimilação de formas e cores representativas de botões dispostos em uma caixa de teclar que pressionava sempre que desejava se comunicar com humanos. Para os pesquisadores, o que ela faz não é uma resposta simples, condicionada, é um ato de comunicação real, porque quando tecla, olha principalmente para quem possa atende-la, ou seja, a comunicação é um ato volitivo. (CARDOSO, 2007, p.128-129) [sic].

A autora com esta passagem, tem por intuito demonstrar além da capacidade de aprendizagem dos animais, mas ainda, o animus que estes animais possuem, tão semelhante ao dos seres humanos, por isso, inclusive, que são utilizados em pesquisas que, em tese, são para o benefício de nossa raça. Sendo algo óbvio para a ciência cognitiva a capacidade destes de sentirem dor, ansiedade, fome, além de possuírem necessidades básicas, tais como alimentação e paz. (CARDOSO, 2007)

Convém ainda destacar dois Projetos de Lei de extrema relevância para o trato dos animais não humanos, quais sejam a PLS 631/2015 (Estatuto dos Animais) e PLS 351/2015 (Projeto de alteração do Código Civil). (WITTER, 2016)

A PLS 631/2015 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, tendo por relator o senador Antônio Anastasia, o qual modificou alguns pontos do projeto original de autoria do senador Marcelo Crivella. O projeto inicia tratando de disposições gerais como conceitos, efeitos da lei e espécies incluídas. (WITTER, 2016)

Em linhas gerais, a autora Witter (2016) descreve o Projeto de Lei:

De acordo com o projeto, a integridade física, mental e o bem-estar animal são considerados interesse difuso, devendo o Poder Público e a coletividade proteger e promover ações que garantam seus direitos.

Neste projeto também é previsto deveres em relação à guarda de animais, na qual toda pessoa física ou jurídica que tenha um animal sob sua guardara deverá fornecer alimentação, abrigo adequado, espaço adequado, assegurar para que o animal não passe por situações que cause ansiedade, medo, estresse ou angústia de maneira frequente, constante ou intensa.

Quem tiver a guarda deverá também prover cuidados, medicamentos e assistência médico-veterinária quando houver dor ou doença e sempre que for necessário. (WITTER, 2016, p. 53)

Atualmente o Projeto de Lei acima mencionado está com a Relatoria da Comissão de Assuntos Econômicos (Secretaria de Apoio à Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal, desde 25/10/2017, conforme se pode observar no site do próprio Senado.

Já a PLS 351/2015, a qual propõe alteração no Código Civil para que os animais não sejam mais considerados enquanto coisas. O senador Antônio Anastasia, autor do Projeto, considera que esta classificação do animal não mais se adequa a atual conjectura atual da sociedade. (WITTER, 2016)

3.3 DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS SEGUNDO PETER SINGER

Como se pode observar o tratamento designado pelo direito positivado ao animal não humano, não é condizente com o avanço das demais ciências; isto, pois, ainda são tidos enquanto mero objetos.

Nesta linha de raciocínio temos estudos, a exemplo, do elaborado pela Dra. Irvênia Prada, professora da pós-graduação da USP de medicina veterinária, que trata da neuroanatomina dos animais. Assim, com relação a tal estudo destaca Cardoso (2007):

Por estudos desta natureza é que foi possível provar cientificamente aquilo que já se sabia empiricamente: os animais têm alma. Esclarecemos de antemão que não se está falando da alma sob o prisma da religião, a alma aqui representará o animus, ou seja, uma capacidade até então atribuída somente ao homem, mas que, segundo os resultados científicos da veterinária e da psicologia, esta exclusividade, influenciada por um antropocentrismo egoísta, é falsa.

Não queremos - assim como eles - dizer que os animais têm capacidade para executar cálculos complexos, ou reflexões profundas, mas que, a seu modo, são capazes de raciocínios simples, de aprender, de ter emoções, de encontrar soluções para alguns de seus problemas e que têm memória, pois são atributos do animus a inteligência, a razão, a consciência, o pensamento, a vontade, etc. (CARDOSO, 2007, p. 127)

Tanto é fato a conclusão do estudo da professora Dra. Irvênia Prada, que, no experimento descrito no item 3.2 do presente trabalho acadêmico, à folha 43, os macacos utilizados naquele experimento nitidamente apresentavam os atributos acima elencados. Podemos, então, observar que no caso em destaque que os animais possuem memória, e, a experiência está além da expressão verbal. (CARDOSO, 2007)

Assim, esse não contato do Direito com outras ciências acaba por prejudicar à sua aplicação, como se este existisse apenas dentro de um contexto humano. Entretanto, o homem e suas relações vão além; devendo o Direito se preocupar com os demais elementos cognitivos que envolvem o homem no momento de solucionar casos, sendo que, em todas as suas decisões os princípios da precaução e da prevenção sempre devem ser o norte da ética do direito. (CARDOSO, 2007)

O Direito é um sistema aberto, o qual deve se comunicar com outros sistemas recebendo destes informações, que podem ser aceitas ou não, e acabar por vir a modifica-lo. Essa troca é essencial para a adequação do direito às necessidades da sociedade que está em constante mudança. Assim ressalta Carvalho (2008):

O sistema jurídico é efetivamente um conjunto de normas jurídicas, que se articulam entre si, segundo regra que o caracteriza como sistema dinâmico (no mesmo sentido dado por Kelsen), com o fim de ordenar racionalmente a conduta humana, formando um todo unitário, cujo caráter aberto permite que também possa ser diretamente determinado por elementos de outros sistemas com os quais se relaciona.

[...]

Em razão do seu caráter aberto, o sistema jurídico comunica-se com outros sistemas (axiológicos, de conflitos sociais, políticos, econômico, religioso, etc.), deles recebendo informações, que, sendo aceitas, acabam por modifica-lo. (CARVALHO, 2008, p. 27-28)

Porém, apesar da legislação pátria ainda deter suas falhas com relação aos direitos dos animais não humanos, como se pode observar, a doutrina tem avançado quanto à concepção dos animais enquanto titulares de direitos subjetivos, posto que, conforme já mencionado, apesar de não possuírem capacidade para comparecer em nome próprio perante a justiça para pleitear seus direitos, ao Ministério Público se designou tal competência legal. Ou seja, seus direitos são pleiteados por meio do instrumento jurídico da representatividade, da mesma forma que ocorre com os totalmente e relativamente incapazes. (DIAS, 2006)

Ademais, à concepção de direito de personalidade, uma das bandeiras levantadas por aqueles que são contra a ideia de os animais não humanos serem titulares de direitos, quando aprofundado o seu estado, passamos a perceber que o mesmo se refere tão logo a um ente vivo, característica esta que não é exclusiva do animal humano:

[...] se aprofundarmos nossa reflexão sobre os chamados direitos de personalidade acabaremos por constatar que nada mais são do que direitos emanados da pessoa como indivíduo. Devem ser compreendidos, pois, como direitos oriundos da natureza da pessoa como um ente vivo, desde o seu nascimento. Um bebê, antes de ser registrado, já é uma pessoa, pelo menos sob o ponto de vista científico e humano. Valorando a pessoa como um ser vivo temos que reconhecer que a vida não é atributo apenas do homem, e sim um bem genérico, inato e imanente a tudo que vive. Não podemos chegar a outra conclusão senão a de que os animais, embora não sejam pessoas humana ou jurídicas, são indivíduos que possuem direitos inatos e que lhes que lhe são conferidos pelas leis, sendo que os primeiros encontram-se acima de qualquer condição legislativa. (DIAS, 2006, p. 120 – grifo nosso)

Para Peter Singer, o qual em seu clássico Libertação Animal, a partir do ponto de vista ético e filosófico de que todos os animais são iguais, princípio este que deve se estender inclusive aos animais não humanos. O autor considera que os animais humanos e não humanos de fato são diferentes assim como os seus direitos o devem ser, porém, isto não impede a extensão do princípio da igualdade aos animais não humanos. (SINGER, 2013)

[...] A extensão do princípio básico da igualdade de um grupo para outro não implica que devamos trata-los da mesma maneira, ou que devamos conceder-lhes os mesmos direitos. O que devemos ou não fazer depende da natureza dos membros desses grupos. O princípio básico da igualdade não quer tratamento igual ou idêntico, mas sim igual consideração. Igual consideração por seres diferentes pode levar a tratamentos e direitos distintos. (SINGER, 2013, p. 5)

Com relação a tal princípio, mais a frente o autor continua sua explanação, inclusive ao considerar a aplicação de tal princípio somente com relação aos seres humanos.

[...] A igualdade é uma ideia moral, não é a afirmação de um fato. Não existe uma razão obrigatória, do ponto de vista lógico, para pressupor que uma diferença factual de capacidade entre duas pessoas justifique diferenças na consideração que damos a suas necessidades e a seus interesses. O princípio da igualdade dos seres humanos não é a descrição de uma suposta igualdade de fato existente entre seres humanos: é a prescrição de como devemos tratar todos os seres humanos. (SINGER, 2013, p. 8-9. Grifo do autor)

Ou seja, quando o autor fala em extensão do princípio da igualdade aos animais não humanos ele não se refere a uma igualdade de fato, este, apenas tem por intuito que seja atribuído relevância de tratamento igual às espécies.

Nesse mesmo sentido assevera Cardoso (2007):

A natureza deu aos animais não-humanos vontade e arbítrio nos limites das manifestações axiológicas e anatômicas de seu sistema nervoso, o que nos parece fazer-lhes pessoas jurídicas, porém, não acobertados pelo atributo da capacidade, sendo este reconhecimento pelo Direito, tão natural quanto o reconhecimento de direitos humanos.

Ainda que não sejam requisitos de uma personalidade, conforme o exposto, a Natureza deu aos animais certos atributos que o Direito, equivocadamente, tem entendido como exclusivos do homem, e a partir deste princípio vem construindo seus institutos.

Por outro lado, ainda que assim não fosse, não seria razão para considerar os animais externos à proteção da ordem jurídica pelo valor próprio que possuem, ou manter-lhes protegidos sob o manto de interesses que não sejam seus, fragilizando esta mesma proteção por vezes fictícia. (CARDOSO, 2007, p. 136)

Posto isto, a partir da concepção de extensão do princípio da igualdade, o autor apresenta o termo especifismo, palavra esta a qual atribui o seguinte significado, “[...] é o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém em favor dos interesses de membros da própria espécie, contra os de outras.” (SINGER, 2013, p. 11).

Atitude esta, que segundo o autor, deve ser condenada assim como o racismo, posto que, os especistas sobrepõem os interesses de sua espécie sobre aos de outras espécies, sendo a grande maioria dos seres humanos especistas; sendo que a capacidade de sofrer se reverte no direito de igual consideração para todas as espécies, ainda mais ao considerarmos que os sinais emocionais básicos não são específicos da nossa espécie humana, mas perceptíveis nos animais não humanos.

[...] A capacidade de sofrer e de sentir é um pré-requisito para um ser ter algum interesse, uma condição que precisa ser satisfeita antes que possamos falar de interesse de maneira compreensível. Seria um contrassenso afirmar que não é do interesse de uma pedra ser chutada na estrada por um menino de escola. Uma pedra não tem interesses porque não sofre. Nenhum modo de atingi-la fará diferença para o seu bem-estar. A capacidade de sofrer e de sentir prazer, entretanto, não apenas é necessário, mas também suficiente para que possamos assegurar que um ser possui interesses – no mínimo, o interesse de não sofrer. (SINGER, 2013, p. 13, grifo do autor)

Especismo foi um termo criado nos anos setenta por Richard D. Ryder para designar a desconsideração moral de nossa espécie para com os animais não humanos, inclusive, Felipe (2007), considera que o especismo pode ser considerado enquanto um preconceito chauvinista, pois, os seres humanos se colocam enquanto raça superior.

Diante deste conceito geral que ora expressamos, Felipe (2007), apesar de considerar que o especismo original não se desdobra, propõe uma classificação de especismo; (1) o elitista (prima pelos interesses dos seres humanos que detêm racionalidade); (2) o elitivo ou afetivo (em certos casos defende os interesses de um animal, porém, somente quando aquele animal lhe gera alguma empatia, para com os demais o tratamento permanece o mesmo do especismo elitista); e, (3) aquele em que se escolhe apenas uma espécie de animal para lutar em favor desta. (FELIPE, 2007)

Tal diferenciação será importante para o nosso debate, haja vista que, por vezes, com relação aos animais não humanos domesticados ou de estimação o nosso pensamento é imbuído de um especismo afetivo, devido a empatia que temos por estes animais. Porém, independente da espécie de especismo, este deve ser combatido enfaticamente.

Em outras palavras, é preciso reconhecer valor inerente (Tom Regan) ao animal, pelo fato de este ser sujeito-de-sua-vida, independentemente de seu desenho despertar, ou não, em nós, qualquer afeto especial. O viver em paz, para um animal, não pode depender das emoções humanas, pois essas nem sempre são de boa índole. Humanos amam, por vezes, atormentando o amado. (FELIPE, 2007, p. 172, grifo do autor)

A autora ao considerar o animal enquanto ser sujeito de sua vida, em verdade, está o tratando enquanto sujeito que detém um valor inerente próprio, ou seja, o mundo exterior lhe causa um extinto que podemos denominar de extinto de conservação, onde o animal se coloca em posição defensiva sempre em busca de uma forma de assegurar a sua existência e de se afastar de tudo aquilo que possa lhe causar dor ou sofrimento. (OLIVEIRA, 2007)

Com base nesses fatos, está mais do que hialina a inadequação do animal em um status jurídico que o represente como um elemento coisificado alheio ao mundo que o circunda, pois é um mito considerar o animal um ser infinitamente inferior ao homem por ser dotado de um instinto, visto que o próprio homo sapiens sapiens se utilizou de tais instintos inerentes aos animais para fundar muitas de suas instituições sociais. Igualmente descabida é a consideração do animal como uma coisa, igual uma máquina ou um pedaço de madeira, visto sua capacidade de sentir dor, conforme comprovam pesquisas cientificas de estudiosos como Lord Brain e Richard Serjeant. Contudo, qual a solução? Utilizando a Ètica prática de Singer, pautada no “princípio da igual consideração de interesseses”, segundo a qual estender os princípios básicos de igualdade de um grupo para o outro não sugere que os dois grupos devam ser exatamente tratados da mesma maneira, mas sim que os interesses dos integrantes de certo grupo sejam considerados em relação aos de outros, ponderando-se os aspectos positivos e negativos. (OLIVEIRA, 2007, p. 285)

Os animais não humanos possuem o direito de defesa de seus direitos básicos ou essenciais, quais sejam, direito à vida ao livre desenvolvimento da sua espécie, da integridade do seu organismo e de seu corpo, e, direito ao não sofrimento. Sendo que os direitos dos animais não humanos, são deveres dos homens. (DIAS, 2006)

Afinal, para Singer (2013), se um ser sofre não há porque não se levar em conta esse sofrimento em igual consideração com relação ao demais sofrimentos semelhantes.

O autor tenta encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos dos seres humanos e dos animais não humanos, sempre demonstrando que este equilíbrio não significa tratamento igual entre as espécies, em verdade, o intuito é garantir uma coexistência harmoniosa a partir de uma concepção de igualdade que se refere a igual consideração.

Não podemos considerar que pelo fato de o ser humano deter a posse do animal, este, poderá dispor de sua vida como bem entender. Deve haver respeito e igual consideração pelos direitos desta espécie, atitude esta, que deve ter por norte o art. 225 §1º da CF/88, ou seja, sem qualquer ato de crueldade para com tais seres.

Como já mencionado, o Código Civil nacional vigente trata os animais não humanos enquanto bem semovente, entretanto, tal entendimento deve ser interpretado em harmonia com o entendimento constitucional, e com as demais leis que tratam desta matéria, o que nos leva a considerar que a propriedade dos seres sencientes:

[...] não pode ser entendida nos mesmos termos da propriedade em geral, mas sim como uma concessão do Estado, na condição de representante da coletividade e gestor do patrimônio ambiental, em favor do particular, o qual tem obrigação de manter sua ação adstrita aos limites que começam mas não terminam na função social da propriedade. (CARDOSO, 2007, p. 123).

 Afinal, como o próprio doutrinador Paulo Bonavides afirma, a propriedade a que o Direito Civil se refere no caso dos animais não humanos, se refere mais a imputação de responsabilidade em caso de dano causado à terceiro ao proprietário daquele animal, ou, como acreditamos ser a referência correta, o tutor. Ademais, tal concepção de propriedade deve ser interpretada a partir do conjunto de valores considerados pelo direito, os quais primam pela supremacia do interesse público, sendo assim, a propriedade privada de animais deve ser compreendida enquanto uma concessão do Estado, sendo que o particular tem a obrigação de exercer esta propriedade dentro dos limites de sua função social. (CARDOSO, 2007)

Inclusive, com relação aos direitos dos animais domésticos ou de estimação, foco do presente trabalho, Cardoso (2007) destaca uma grande problemática com relação à posse responsável destes animais, sejam eles de companhia ou de tração rural e urbana, ou, destinado ao corte. A autora considera:

[...] é comum o abuso de direitos sobre estes animais ao confundir-se a posse com a propriedade, sendo que, ao particular somente é permitida a posse sobre o animal, já que todos os entes faunísticos estão em patamar de igualdade na atual legislação pátria, e a posse não dá o direito de disposição, podendo-se então questionar a destinação dada aos animais de corte, e mesmo a animais de companhia, que são grandes vítimas de uma verdadeira indústria da vida. (CARDOSO, 2007, p. 120-121)

Apesar dos avanços da legislação pátria, os direitos fundamentais dos animais não humanos quase sempre são colocados de lado, quase sempre sobre a justificativa de um benefício maior para humanidade.

Com relação ao fato de os animais não humanos serem sujeitos de direitos ressalta ainda Dias (2006): 

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí poder-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas. (DIAS, 2006, p.120, grifo nosso).

Este ponto de vista é o defendido por Peter Singer, afinal, não podemos considerar chega a ser negligente considerar os animais não humanos, posto que todos os elementos já suscitados demonstram nitidamente a existência de vida tanto nos plano psíquico quanto biológico. Para o autor, a defesa dos animais não humanos perpassa pelo princípio da igualdade de consideração dos interesses, que significa o fim do especismo, seja ele de que espécie for, devendo a senciência ser o critério a ser considerado para garantir os interesses destes animais.. (SINGER, 2013)


4 O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA COM RELAÇÃO AOS DIREITOS DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Os animais domésticos, ou, mais precisamente os de estimação estão mais ligados ao nosso cotidiano, e, por consequência despertam mais empatia nos seres humanos. Isto pois, o ser humano tem recorrido a estes tipos de animais para suprir sua solidão, enquanto animais de companhia, ou, ainda, o exemplo da terapia assistida, onde os animais são utilizados em tratamentos.

Em seu artigo Graminhani (2007) entende que há troca no relacionamento entre animais não humanos (pets) e o homem, para tanto, menciona o autor Chris Woolston, o qual, partilha do mesmo entendimento.

Fato é, que os animais domésticos ou de estimação estão mais próximo física e emocionalmente da raça humana, e, por conta disto, é natural nos depararmos com o especismo do tipo afetivo no caso do trato do ser humano para com esses animais, o que acarreta um grau de defesa dos direitos destes animais satisfatório.

A família é a base de nossa sociedade, e, o animal não humano passando a ser visto enquanto ente familiar, nada mais natural que conflitos referentes a tais animais busquem soluções perante o Judiciário. Afinal, o convício do animal de estimação com o ser humano tem feito:

[...] A relação de propriedade dá lugar à identificação do animal como companheiro, que pode aplacar a solidão de muitas pessoas ou ser inserido nos momentos de interação da vida familiar. Aqui a maior preocupação está voltada às restrições ao abandono, como expressamente no item 2 do art. 3º da Convenção Européia para a Proteção dos Animais de Companhia, de 1993: “Ninguém deve abandonar um animal de companhia”. (MARX NETO, 2007, p.112)

Com relação aos pets a maioria das jurisprudências dizem respeito à problemas de vizinhança, como convenções de condomínio, contratos de locação, rejeição de alguns moradores pela presença desses animais, danos causados pelos animais, falha na prestação de serviço e posse. Sendo que o entendimento que tem prevalecido é pela garantia do direito de propriedade dos animais ou colocando-os enquanto membros da família. (GRAMINHANI, 2007)

4.1 OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E O DIREITO DE VIZINHANÇA

O Direito de vizinhança tem como principal respaldo jurídico positivado o art. 1.227 do Código Civil, e a Lei nº 4.591/64, a qual dispões sobre o condomínio em edificações e as incorporações.

Em ambas as legislações é possível observar que o objetivo principal é limitar o direito de propriedade apara evitar conflitos entre os proprietários, primando sempre pelas regras de boa vizinhança, logo, constituem obrigações propter rem.

Logo, atos prejudiciais à propriedade ou a função social da propriedade podem ser considerados enquanto ilegais, abusivos ou lesivos.

Desta feita, diante destes ditames que muitas convenções de condomínio são elaboradas, na tentativa de promover um bom convívio entre os moradores. Entretanto, ao se falar das regras estabelecidas com relação aos animais de estimação muitos são os casos de inconstitucionalidade por ofensa, principalmente, ao próprio princípio da propriedade, e, levando-se em consideração a nova percepção atribuída ao animal de estimação nas últimas décadas.

Nesse sentido temos algumas jurisprudências, sendo que apresentamos primeiramente jurisprudência do ano de 2005 para demonstrar que a mudança da percepção jurídica já vem de alguns anos:

Ação Ordinária. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL - CACHORRO EM CONDOMÍNIO - CONVENÇÃO CONDOMINIAL QUE EXPRESSAMENTE VEDA A PERMANÊNCIA DE ANIMAIS - NECESSIDADE DE RELATIVIZÁ-LA - OBSERVÂNCIA DE CADA CASO CONCRETO - LIVRE VALORAÇÃO DAS PROVAS PELO MAGISTRADO. 1 - Não convém ao magistrado generalizar em suas decisões, devendo, para atingir o valor constitucional maior que é a JUSTIÇA, observar as peculiaridades do caso concreto. 2 - As normas legais e infralegais, tais como convenções de condomínio, que disponham no sentido da proibição total de bichos de estimação devem ser relativizadas, para permitir ao condômino que tenha em sua companhia um animal de pequeno e até mesmo de médio porte, mas desde que não incomode a maioria dos outros condôminos, que só trafegue pelas áreas comuns quando estiver no trajeto da unidade residencial para a rua e com a coleira, que use o elevador de serviço etc. 3 - O magistrado possui a faculdade conferida pelo art. 131 do Código de Processo Civil - o princípio da persuasão racional das provas - que lhe permite valorar as provas livremente. Recurso desprovido. (TJ-RJ – APL: 00050321020028190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 7 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO RICARDO BINATO DE CASTRO, Data do Julgamento: 15/02/2005, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2005)

Na decisão monocrática em sede de Recurso de Apelação acima transcrita o Desembargador, sabiamente, expressou seu voto considerando que cada caso concreto possui sua peculiaridade, e, portanto, assim deve ser analisado para que assim se possa atingir o valor constitucional de Justiça.

Especificamente neste caso, a convenção de condomínio proibia veementemente a permanência de animais em suas dependências. Assim, o Tribunal por meio do voto do Desembargador, considerou que diante das provas apresentadas pelo apelado, no caso, o proprietário do animal, este não oferecia qualquer risco ao sossego, saúde e segurança dos demais condôminos.

Apesar de se tratar de julgado proferido a mais de 10 anos, já se pode observar a mudança no olhar jurídico direcionado pelo menos aos animais de estimação. Afinal, o Direito enquanto ciência deve relativizar seus princípios e ponderar os interesses para assim fornecer a solução mais adequada a cada caso concreto.

Inclusive, em passagem da decisão o Desembargador assim relata:

Não se pode esquecer que, em determinados casos, o cachorro é tratado como se fosse um ente da família. É sabido que há casos de casais que perderam um filho e adquiriram um cachorro, e acabaram se apegando ao animal como se fosse o filho perdido. Então, o que fazer em casos como este? Vamos condenar o casal a se livrar do cachorro que eles têm como filho? Tenho plena ciência de que o Código Civil define a natureza jurídica do cachorro como bem móvel semovente. No entanto, creio eu, que em casos como o presente, o cão deixa de ser um mero bem móvel, para se tornar um ente querido. Por esta razão disse acima que a prudência não deixa o magistrado generalizar nestes casos, devendo mesmo, para fazer justiça, analisar cada caso concreto. (TJ-RJ – APL: 00050321020028190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 7 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO RICARDO BINATO DE CASTRO, Data do Julgamento: 15/02/2005, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2005)

E em casos como presente, em que o cão não incomoda ninguém, e é na verdade um membro da família, deve prevalecer o interesse do apelado, eis que fulcrado nos princípios constitucionais de proteção a família (art. 226, CF) e dignidade da pessoa humana (art. 1, III CF). (TJ-RJ – APL: 00050321020028190002 RIO DE JANEIRO NITEROI 7 VARA CIVEL, Relator: ANTONIO RICARDO BINATO DE CASTRO, Data do Julgamento: 15/02/2005, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2005.)

Outra jurisprudência que nos chamou a atenção foi a decisão monocrática em sede de Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, referente a concessão de tutela antecipa para a mantença de animal sob o convício do agravado. Decisão esta já mais recente, do ano de 2014, apresentamos a ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO COMINATÓRIA. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONCESSÃO. MANUTENÇÃO. Não há motivo para a proibição na unidade dos autores do cão da raça Golden Retriever, ainda mais que a decisão determinou a condução pelo elevador de serviço com a utilização de coleira ou guia. Em decisão monocrática, nego seguimento ao agravo de instrumento. (Agravo de Instrumento Nº 70059448472, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 22/04/2014) (TJ-RS – AI: 700594484472 RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Data de Julgamento: 22/04/2014, Vigéssima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário de Justiça do dia 25/04/2014)

Este caso diverge do processo anterior, pois, o condomínio realizou assembleia onde foi estabelecido pela maioria dos condôminos a proibição de cães de grande porte, e, o condômino ingressou com demanda requerendo em um de seus pedidos tutela antecipada para que o cão pudesse permanecer morando com a família. Destaque para uma passagem da decisão:

Ademais, ainda que se trate de cão de grande porte, é público e notório que os animais de estimação se constituem importantes objetos de afeto e dedicação do ser humano, não podendo ser considerado infração o simples fato de o condomínio o possuir em sua unidade habitacional. (TJ-RS – AI: 700594484472 RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Data de Julgamento: 22/04/2014, Vigéssima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário de Justiça do dia 25/04/2014)

Comum também o mesmo tipo de demanda com relação aos gatos enquanto animais de estimação:

Agravo de instrumento. Cautelar inominada. Requerente que pleiteia, em sede liminar, autorização para que possa conservar seus animais de estimação em seu apartamento. Notificação para que a agravante desfaça-se de dois de seus quatro gatos que não indica que os animais estejam a causar desassossego, incomodo, insalubridade ou violação ao direito de vizinhança. Notificação que tão somente indica a existência de regra geral na convenção condominial no sentido de limitar a dois o número de animais domésticos. Agravante que demonstra que seus quatro gatos são regularmente vacinados. Pequeno porte dos animais que não se mostra incompatível com a área do imóvel (80 m²) no qual a agravante reside sem outros familiares. Presentes os requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada. Agravo provido. (TJ-SP - AI: 21252225620148260000 SP 2125222-56.2014.8.26.0000, Relator: Rômolo Russo, Data de Julgamento: 12/11/2014, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2014)

O que se observa nesses três casos elencados é que já se tornou um entendimento pacífico da jurisprudência pátria que somente se justificará apartar o morador de apartamento do convívio de seus animais de estimação no caso de estes estarem a causar risco à saúde, ao sossego, ou violação ao direito de vizinhança. Caso contrário, devem prevalecer os direitos de propriedade, tanto referente ao imóvel quanto ao animal em si, como ainda o direito de um ente da família – conforme os animais de estimação são descritos nas decisões – têm de conviver com seus familiares.

4.2 DA POSSE DE ANIMAIS SILVESTRES ENQUANTO ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

No item 3.2 do presente trabalho abordamos a diferenciação que a legislação faz com relação aos animais silvestres e os domésticos. Inclusive fez-se menção a autora Edna Cardozo Dias (2006) para destacar que os animais silvestres são tidos enquanto bens de uso comum do povo e os animais domésticos são bens móveis (semoventes).

No entanto, em nosso país é extremamente comum ocorrer de alguns animais silvestres virem a ser domesticados e serem tratados enquanto animais de estimação. O exemplo mais comum, são dos papagaios. Por isso, cada vez mais casos necessitam de uma solução judicial.

Inseridos dentro deste contexto é que podemos identificar julgados referentes a posse de animais silvestres enquanto animais de companhia, onde, diante da domesticação e do convívio por vários anos com a raça humana, os Magistrados têm mitigado a qualificação deste animal enquanto silvestre mediante a aplicação do princípio da razoabilidade.

Interessante se faz o caso a seguir:

DIREITO CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. IBAMA. PAPAGAIO. AMBIENTE DOMÉSTICO. MANUTENÇÃO POR MAIS DE UMA DÉCADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APREENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença, ratificando decisão antecipatória, manteve o autor na posse de ave silvestre, espécie amazona aesteiva, convencida de que, a luz do princípio da razoabilidade, um papagaio criado no convívio familiar por 16 anos, adaptado ao ambiente doméstico, tem hábitos de ave de estimação, e não ficaria mais protegido em seu habitat natural. 2. A posse de ave silvestre sem autorização ou permissão da autoridade competente constitui infração ambiental, entretanto, nas circunstâncias especiais, impõe-se analisar o caso, à luz do princípio da razoabilidade, levando-se em conta o bem estar do animal. 3. A declaração do autor, subscrita por duas testemunhas, fotos da ave com o irmão dele, e atestados de dois veterinários, testificam o tempo de convivência, os cuidados ao animal, e seu bom estado de saúde, inexistindo indícios de que comercialize animais. 4. A permanência do papagaio no ambiente doméstico por mais de uma década é sugestiva de que o seu retorno ao meio natural poderá causar-lhe dano irreversível se precisar lutar pela própria sobrevivência, sendo que o longo período em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre. Precedentes do STJ. 5. Agravo retido não conhecido. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF-2 - APELRE: 201051010025690 RJ, Relator: Desembargadora Federal NIZETE LOBATO CARMO, Data de Julgamento: 17/11/2014, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 26/11/2014)

Em resumo, o IBAMA ingressou com recurso de Apelação em face de sentença prolatada por Juíza Federal, a qual ratificou a tutela antecipada anteriormente deferida, para que o autor da demanda permanecesse na posse de papagaio que já convivia com este a 16 anos. No entendimento do Juízo o animal, apesar de silvestre, foi criado como um animal de estimação e tinha hábitos de um, logo, não teria capacidade de sobreviver em seu habitat natural.

Mesmo diante da argumentação do IBAMA de que se trata de animal silvestre deve se manter sobre proteção do Estado, com a proibição de sua utilização, perseguição, destruição, e caça, conforme as leis de nº 5.197/67 e nº 9.605/98; o Tribunal manteve a decisão de primeira instância.

O fundamento da decisão foi o princípio da razoabilidade, além do fato de não se poder estabelecer uma interpretação restrita da lei, é necessário realizar uma interpretação dentro dos ditames da hermenêutica.

Assim, entendeu-se que a restituição do papagaio ao seu habitat natural atentaria muito mais a sua vida do que permanecer no ambiente que foi criado por 16 anos, ambiente este que lhe é familiar. Entendimento este, conforme o juízo menciona em seu voto, já sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual considera que quando há um longo período de convivência do animal em ambiente doméstico, ocorre uma mitigação de sua qualificação enquanto silvestre.

Importante ressaltar que neste caso em específico, o fator preponderante na decisão do juízo foi o interesse do animal, apesar de um ser humano ter sido beneficiado da decisão, mas o enfoque da motivação do juízo foi a inviabilidade de sobrevivência do em seu habitat natural, já que dificilmente de adaptaria por ter convivido por 16 anos em ambiente doméstico, acarretando-lhe mais prejuízo que proteção.

Nesta mesma linha de raciocínio tem-se outros julgados:

Nº CNJ : 0001034-96.2014.4.02.5118 (2014.51.18.001034-4) RELATOR : Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA APELANTE INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS:NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : JOSÉ BESERRA DA SILVA ADVOGADO : MISAEL CONSTANTINO DA SILVA ORIGEM : 02ª Vara Federal de Duque de Caxias (00010349620144025118) EMENTA :ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. APELO. PAPAGAIO MANTIDO EM VIDA DOMÉSTICA. ENTREGA DAS AVES AO IBAMA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 1. Em que pese o argumento de que os animais silvestres são bem comum do povo, nos termos do art. 225 da Constituição Federal de 1988 e de que seria ilícita a conduta do autor de manter o papagaio em cativeiro, pelo que a legislação de regência determina a apreensão do animal, e, posteriormente, se for o caso, a sua libertação em seu habitat natural, no presente caso, não se mostra plausível, à luz do princípio da razoabilidade, crer que os papagaios, que foram criados no convívio familiar durante quase 30 e 10 anos, estando totalmente adaptados ao ambiente doméstico, com hábitos de ave de estimação, sem que tenha sido demonstrado sofrerem quaisquer mal tratos ou que estejam destinadas ao tráfico de animais, ficariam mais protegido em seu habitat natural. 2- O fato de as aves estarem sob a guarda e cuidados do autor há mais de vinte anos "faz supor que sua reintrodução no meio ambiente poderia resultar em dano irreversível para a própria ave, que se acostumou a não lutar pela própria sobrevivência no habitat natural respectivo, bem como poderia tornar-se presa fácil para os respectivos predadores, ou ter de suportar a rejeição - muito comum do bando ao qual procure se acostar. Assim, no caso em apreço, retirar o papagaio do ambiente doméstico acarretar-lhe-ia mais prejuízo do que efetiva proteção, mormente considerando a longa permanência desse pássaro sob os cuidados do autor" (TRF-3ª Região, Apelação Cível 0078677720084036100, Sexta Turma Especializada, Juiz Federal Convocado Hebert de Bruyn, E-DJF2R de 14/06/2013) 3. Remessa necessária e apelos desprovidos.

(TRF-2 - APELREEX: 00010349620144025118 RJ 0001034-96.2014.4.02.5118, Relator: MARCELO PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 14/07/2016, 8ª TURMA ESPECIALIZADA)

APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. IBAMA. APREENSÃO DE ARARA. CONVIVÊNCIA DOMÉSTICA DURADOURA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. 1. Não se desconhece que a guarda em cativeiro de espécime da fauna silvestre depende de permissão, licença ou autorização da autoridade competente (artigo 29 da Lei nº 9.605/98) e é evidente que a legislação ambiental deve ser cumprida. Todavia, as situações fáticas submetidas ao Poder Judiciário precisam ser analisadas à luz do princípio da razoabilidade. 2. In casu, da análise dos autos é possível constatar a convivência harmônica e integrada da arara "Lili" com a demandante e seus familiares por mais de 20 anos, assim como o zelo no trato com o animal, inclusive por declaração de médicas veterinárias, sendo certo que uma reintrodução dela ao seu meio ambiente poderia resultar em dano irreversível para a própria ave, considerando que a ave em questão já está adaptada ao convívio com os seres humanos. É cediço que os animais que vivem em ambiente doméstico por bastante tempo desenvolvem novos hábitos e acabam se tornando vulneráveis se forem devolvidos ao seu habitat natural, pois não estão adestrados pela experiência da vida silvestre, não sabem lutar pela própria sobrevivência e podem ser tornar alvo fácil de predadores. Assim, a retirada da arara do ambiente doméstico acabaria pondo em risco a sua integridade e o prejuízo seria maior do que a efetiva proteção, objetivo principal da Lei nº 9.605/98. Precedentes. 3. Apelação e remessa necessária conhecidas e desprovidas. (TRF-2 - APELREEX: 00317578620134025101 RJ 0031757-86.2013.4.02.5101, Relator: JOSÉ ANTONIO NEIVA, Data de Julgamento: 25/11/2016, 7ª TURMA ESPECIALIZADA)

Assim, podemos identificar quatro fatores preponderantes para a manutenção da posse desses animais com os seus tutores, quais sejam: a domesticação; o grande lapso temporal que inviabiliza o retorno desses animais ao seu habitat natural; que o animal não seja oriundo do tráfico de animais silvestres; e, a ausência de maus-tratos. Logo, estando presentes estes elementos, a jurisprudência entende pela permanência do animal com seu tutor, conforme já mencionado, com fundamento na mitigação do conceito de animal silvestre.

4.3 DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RELACIONADOS AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Com a crescente relação de afeto criada entre os animais de estimação e os seres humanos, como se bem pode observar, nas últimas décadas, este animal passou a ser considerado enquanto ente querido da família, e, portanto, merecedor de tratamento diferenciado, tudo isto em prol de sua saúde e bem-estar. (BARBOSA, 2016)

Assim, o Brasil se tornou o segundo maior mercado mundial em produtos e serviços destinados aos animais de estimação. Estes são dos mais variados, desde o simples veterinário ou transporte, chegando à moda e day care. (BARBOSA, 2016)

Desta forma, foi necessário que o direito apresentasse soluções quando sobreviessem conflitos em tais relações jurídicas.

Posto isto, como bem se identificará quando da falha na prestação de serviço, de maneira geral, a jurisprudência tem aplicado o art. 14 do Código do Consumidor, constituindo ônus do autor da demanda demonstrar a falha da prestação do serviço, a exemplo do caso a seguir, o qual se refere ao transporte de animais de estimação.

No caso específico, trata-se de o transporte aéreo, onde, pela falha na prestação de serviço houve a fuga do animal e maus-tratos na captura, o quê causou danos materiais à autora, mas também, danos morais.

INDENIZAÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FUGA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO DO COMPARTIMENTO DE CARGA. MAUS TRATOS NA CAPTURA. MACHUCADOS CAUSADOS POR FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA RECORRENTE. PERMANÊNCIA DA PARTE AUTORA EM CIDADE DIVERSA DO DESTINO FINAL A FIM DE PRESTAR ATENDIMENTO MÉDICO AO ANIMAL. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-RO - RI: 10011446320118220601 RO 1001144-63.2011.822.0601, Relator: Juiz Marcelo Tramontini, Data de Julgamento: 10/08/2012, Turma Recursal - Porto Velho, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 20/08/2012.)

Comum também são os litígios em face de pet shops pela falha na prestação de serviço, onde, na maioria das vezes os animais acabam por sofrer maus-tratos ou não recebem o devido atendimento.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - FUGA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO DE PET SHOP - DANO MORAIS. - Considerando o carinho dos autores pelo animal de estimação, a fuga deste de um pet shop, por período de tempo razoável, é fato capaz de gerar dano moral, não se tratando de um mero aborrecimento. (TJ-MG - AC: 10525140034949001 MG, Relator: Pedro Bernardes, Data de Julgamento: 24/05/0015, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/06/2015)

RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABALO EXTRAPATRIMONIAL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO QUE SOFRE DANOS FÍSICOS (CORTE NO PESCOÇO) ENQUANTO ESTAVA AOS CUIDADOS DE PET SHOP PARA BANHO E TOSA. FATOS INCONTROVERSOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. ANIMAL QUE FICOU INTERNADO EM HOSPITAL VETERINARIO NECESSITANDO DE CUIDADOS ESPECIAIS. ABALO PSICOLÓGICO DA PROPRIETÁRIA DO CÃO. DANO MORAL OCORRENTE. QUANTUM FIXADO EM R$ 2.000,00. SENTENÇA MANTIDA. Caso em que as requerentes pretendem ser ressarcidas pelo abalo moral suportado após seu cachorro de estimação sofrer danos físicos enquanto estava aos cuidados da requerida para banho e tosa. O animal apresentou corte de aproximadamente 2cm no pescoço, sendo anestesiado para realização de sutura sem a autorização das requerentes. Ainda, ficou em observação por 24h em Hospital Veterinário necessitando de cuidados especiais e medicação por mais 3 dias. Os fatos acima narrados restaram incontroversos, sendo a tese de defesa apenas a ilegitimidade ativa das autoras, pois não comprovaram a propriedade do cachorro, e, no mérito, a inocorrência de dano a ser reparado, pois mesmo com o corte, o cachorro foi prontamente e adequadamente tratado. Não há falar em ilegitimidade das autoras pela ausência de demonstração de propriedade do animal quando restou incontroverso que foram as demandantes que deixaram o cachorro na pet shop e que o buscaram. Situação que a demonstrar que as autoras que detém a posse do animal. Dano moral caracterizado, à... medida que os fatos comprovados ultrapassaram os meros dissabores inerentes à vida cotidiana, atingindo o âmago da parte autora. Prova testemunhal que comprovou o abalo emocional das demandantes por verem seu cão fragilizado, com significativo corte no pescoço para o porte do animal, de apenas 2kg. Desdobramentos dos danos físicos do animal que ensejaram sofrimento e angústia às demandantes. Quantum indenizatório fixado em R$ 1.000,00 para cada autora que vai mantido. Valor que se mostra razoável para compensar os danos sofridos pela parte autora e à punição do agente. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005499132, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ana Cláudia Cachapuz Silva Raabe, Julgado em 10/06/2015). (TJ-RS - Recurso Cível: 71005499132 RS, Relator: Ana Cláudia Cachapuz Silva Raabe, Data de Julgamento: 10/06/2015, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/06/2015)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS INFRINGENTES. TEMPESTIVIDADE DO PREPARO. RECURSO INOMINADO QUE MERECE SER CONHECIDO. AÇÃO DE COBRANÇA. NOTAS PROMISSÓRIAS. HOSPEDAGEM DE CACHORRO. CONTRAPEDIDO DE DANO MATERIAL E MORAL E COMPENSAÇÃO. DEVER DE PAGAMENTO DO SERVIÇO DE HOSPEDAGEM. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ANIMAL ENTREGUE SUJO, DESNUTRIDO E COM BERNES. DESPESAS COM CLÍNICA VETERINÁRIA COMPROVADAS. DANO MATERIAL DEVIDO. DANO MORAL EVIDENCIADO. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AFASTAMENTO DA AUTORA EM FACE DE TRABALHO E VIAGEM AO EXTERIOR. CONTATOS CONSTANTES COM A HOSPEDARIA ATRAVÉS DE EMAILS. FOTOGRAFIAS QUE DEMONSTRAM AS CONDIÇÕES DO ANIMAL ANTES E DEPOIS DO RECEBIMENTO PELA AUTORA. NÃO PAGAMENTO QUE NÃO AUTORIZAVA A MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TRISTEZA DO ANIMAL E FERIDAS. SOFRIMENTO DA DEMANDADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADA EM R$ 3.000,00. ACOLHERAM OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (Embargos de Declaração Nº 71005549068, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Gisele Anne Vieira de Azambuja, Julgado em 22/09/2015). (TJ-RS - ED: 71005549068 RS, Relator: Gisele Anne Vieira de Azambuja, Data de Julgamento: 22/09/2015, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/09/2015)

Importante frisar que de todos os casos apresentados apenas um não evidenciou a falha de prestação de serviço cumulada com a prática ilegal de maus-tratos. Sendo assim, as jurisprudências consideradas também poderiam servir de exemplo ao item 4.5.

Ademais, outro ponto se mostra intrigante, em todos os casos existe dano moral devido, mas este nunca é devido diretamente ao animal (ainda que fosse utilizado o instrumento da representação); sempre a indenização, qualquer que seja, é direcionada ao “proprietário” do animal.

4.4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL REFERENTE AOS DANOS CAUSADOS POR ANIMAIL DE ESTIMAÇÃO.

A responsabilidade civil por danos causados a outrem por animal, seja ele de estimação ou não, será objetiva, nos termos do art. 936 do Código Civil., conforme já demonstrado anteriormente.

Por consequência, os julgados que tratam de demanda em que se discute a responsabilidade do tutor do animal são, via de regra, extremamente objetivas com fundamento estritamente legal.

Referente à temática, comum encontrar na jurisprudência casos de ataque de cães com imputação de responsabilidade aos proprietários, ou, tutores, como preferimos chamar:

RECURSO INOMINADO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. MORTE DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO POR ATAQUE DE CÃO DA RAÇA PIT BULL. RESPONSABILIDADE DA RÉ NÃO ILIDIDA. VEROSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES DA PARTE AUTORA. NEGLIGÊNCIA DA RÉ, QUE NÃO TOMOU TODOS OS CUIDADOS DEVIDOS COM A GUARDA DO ANIMAL. DANO MORAL CARACTERIZADO TANTO PELA PERDA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO, QUANTO PELA ANGÚSTIA SUPORTADA NO MOMENTO EM QUE OCORREU A AGRESSÃO, PRESENCIADA PELOS DEMANDANTES. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE MERECE REDUÇÃO A FIM DE SE ADEQUAR AOS PARÂMETROS ADOTADOS PELAS TURMAS EM CASOS ANÁLOGOS (R$ 2.500,00). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004227658, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em 30/04/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004227658 RS, Relator: Roberto José Ludwig, Data de Julgamento: 30/04/2013, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/05/2013. Grifo nosso.)

Apenas destaca-se no caso em questão a imputação de dano moral tanto pela angústia que os autores sofreram ao presenciar o fato, quanto pela morte em si do animal, o que supera o mero dessabor cotidiano.

VIZINHANÇA. MORTE DE GALINHAS. SUPOSTO ATAQUE DE CÃES. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. PROVA INSUFICIENTE QUANTO AO NEXO CAUSAL E A EXTENSÃO DO DANO. ÔNUS DA PROVA QUE AO AUTOR INCUMBIA NA FORMA DO ART. 333, INC. I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. As alegações do autor no sentido de que seus animais (25 galinhas e um casal de gansos) teriam sido atacados pelos cães da ré não vieram suficientemente comprovadas. A prova dos autos é precária, não restando sequer demonstrado ser o demandante proprietário de todos os animais, supostamente atacados pelos cachorros da ré. Ademais, a demandada igualmente acostou fotografias e arrolou testemunhas as quais indicam que as galinhas e gansos do autor costumavam circular pela rua, podendo ter sido atacados por cães que deambulam pelas vias. Não evidenciados os requisitos da responsabilidade civil, não há dever de indenizar. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004564142, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 13/11/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004564142 RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Data de Julgamento: 13/11/2013, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 18/11/2013)

Neste outro caso, referente à interposição de Recurso de Apelação, apesar do autor restar insatisfeito com a sentença proferida em primeira instância, a Turma Recursal manteve a decisão, pois, o autor da demanda não conseguiu demonstrar todos os requisitos da responsabilidade civil. Ou seja, insuficientes eram as provas para imputar responsabilidade ao réu, tutor do cão que ora alegava ter atacado sua criação de galinhas.

4.5 DOS MAUS-TRATOS PARA COM OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Vastos são os julgados referentes à maus-tratos, inclusive, em geral, envolvem outras matérias aqui discutidas, a exemplo da falha de prestação de serviço que geralmente vem acompanhada de uma situação de maus-tratos para com o animal de estimação.

Assim, apresentamos a seguir uma jurisprudência onde se verifica em meio a outros crimes, o desrespeito para com a vida de um animal doméstico, o qual foi deferido com facadas por motivo fútil.

Tal caso foi enquadrado pelo magistrado no art. 32 da Lei nº 9.605/98, já outrora mencionada neste trabalho acadêmico.

Recurso em sentido estrito. Tentativa de homicídio qualificado, sequestro e maus tratos contra animal de estimação. Pronúncia. Afronta ao art. 413, § 1º, do CPP não configurada. Preliminar rejeitada. Mérito. Contenta-se a decisão de pronúncia, na esteira do art. 413, caput, do CPP, com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime, requisitos atendidos in casu. Recorrente que nega ter provocado colisão automotiva proposital ou ter tentado atropelar a primeira vítima, no que é confrontado por esta, daí emergindo divergência que deve ser dirimida pelo Tribunal Popular. Crimes conexos cujo julgamento também compete ao Júri. Indícios de autoria que defluem da narrativa das vítimas, de policiais militares e de testemunha. Qualificadoras do motivo fútil e emprego de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa pertinentes ao caso concreto. Vítima que teria sido colhida de modo inesperado enquanto dirigia, por outro veículo na contramão de direção, além de, ao desembarcar de seu automóvel, ver-se obrigada a correr de um carro em movimento que investia em sua direção para proteger a própria integridade física e vida, em franca desvantagem. No que diz respeito à motivação do homicídio, cuidou-se de suposta retaliação à negativa de fornecimento de informações acerca do paradeiro da ex-esposa, configurando, a princípio, móvel de somenos importância. Recurso não provido. (TJ-SP - RSE: 00018931720108260312 SP 0001893-17.2010.8.26.0312, Relator: Diniz Fernando, Data de Julgamento: 02/02/2015, 2ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 03/02/2015)

Já na jurisprudência a seguir, o que nos chamou a atenção foi o fato de o Tribunal chamar a atenção para a crueldade deferida ao animal, ao descrever os ferimentos causados ao animal enquanto evidência nítida de que este tentava fugir da agressão, que, no caso em questão, era desproporcional.

RESPONSABILIDADE CIVIL - CÃO DE ESTIMAÇÃO QUE VEM A SER SERIAMENTE LESIONADO AO ADENTRAR EM TERRENO VIZINHO AO DOS SEUS PROPRIETÁRIOS - AVENTADA FALTA DE INTERESSE DE AGIR - NECESSIDADE E UTILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EVIDENCIADAS - PRELIMINAR AFASTADA - SACRIFÍCIO DO CACHORRO POR VETERINÁRIO A FIM DE SE EVITAR UM MAIOR SOFRIMENTO - RECONHECIMENTO PELO RÉU DA AUTORIA DO FATO - ALEGADA "LEGÍTIMA DEFESA" - AGRESSOR QUE AO SAIR DE CASA JÁ PORTAVA FACÃO - FERIMENTOS NA REGIÃO POSTERIOR (CAUDA, LOMBAR E PATAS) DO CÃO QUE EVIDENCIAM A TENTATIVA DE FUGA PELO ANIMAL - DESPROPORCIONALIDADE DO MEIO UTILIZADO - CACHORRO DE MÉDIO PORTE INCAPAZ DE CAUSAR TAMANHO PAVOR - ESTADO DE NECESSIDADE NÃO VISLUMBRADO - EVIDÊNCIAS DA MANIFESTA INTENÇÃO DE LESIONAR - VERACIDADE DAS ALEGAÇÕES DOS AUTORES ESTAMPADA NO LAUDO CLÍNICO VETERINÁRIO E NA PROVA ORAL - TESE DE DEFESA NÃO COMPROVADA - EXEGESE DO ART. 333, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ABALO CONSTATADO - RESPONSABILIDADE RECONHECIDA - DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS - VALOR ARBITRADO SEGUNDO CRITÉRIOS SUBJETIVOS - QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO SE MOSTRA EXAGERADO À VISTA DO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA E DO PREJUÍZO DELA DECORRENTE - VERBA HONORÁRIA FIXADA COM RAZOABILIDADE - SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO1. "O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual 'se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais'" (Humberto Theodoro Junior).2. Gera dano moral passível de indenização aos proprietários de cão de estimação a agressão dolosa e descomedida contra este desferida por outrem por razões frívolas, levando ao sacrifício do animal.3. O quantum da indenização por danos morais - que tem por escopo atender, além da reparação ou compensação da dor em si, ao elemento pedagógico, no intuito de que o ofensor nuca mais repita tamanha brutalidade com um animal - deve harmonizar-se com a intensidade da culpa do lesante, o grau de sofrimento do indenizado e a situação econômica de ambos, para não ensejar a ruína ou a impunidade daquele, bem como o enriquecimento sem causa ou a insatisfação deste.4. Não merece reparo o comando da sentença que, no arbitramento da verba honorária a ser paga pelo sucumbente ao ex adverso, se amolda aos parâmetros previstos nas alíneas do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.(TJ-SC - AC: 4190 SC 2003.000419-0, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 20/04/2006, Terceira Câmara de Direito Civil. Grifo nosso.)

Nos casos em que o animal é de estimação é interessante observar que sempre que ocorre maus-tratos para com este é requerido o dano moral em favor do proprietário/tutor, isto, justamente diante da mudança de valor atribuído ao animal, a partir do momento que este passa a ser considerado de estimação, ganhando o status de ente querido.

4.6 O DIREITO DE FAMÍLIA E OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Por último, gostaríamos de salientar uma nova problemática social que o Judiciário terá que conceder a melhor solução prática diante dos casos concretos que lhe forem apresentados. Tal problemática se trata da guarda de animais de estimação no momento do divórcio ou dissolução de união estável.

Nos últimos anos, devido ao fato de se tratar os animais de estimação enquanto membros da família, têm se intentado utilizar por analogia vários institutos do Direito de Família, a exemplo, da guarda compartilhada com relação a estes, para assim, também salvaguardar o seu direito de convívio com seus entes e vice-versa. (BARBOSA, 2016)

Entretanto, a temática ainda não possui um posicionamento firmado na jurisprudência pátria, posto que os animais não humanos, conforme já foi amplamente expressado, possuem natureza jurídica de bem móvel para o Direito Civil, portanto, em caso de dissolução da sociedade conjugal são objeto da meação, e no caso de ação judicial de inventário objeto de partilha. Sendo muito comum a propriedade ser atribuída àquele em cujo o nome está registrado o pedigree do animal, quando este possuir. (BARBOSA, 2016)

Nesse sentido, podemos observar jurisprudências recentes que consideram inviável a aplicação do instituto por se tratar um bem semovente, devendo ser tratado como tal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA-COMPARTILHADA. INSTITUTO DO DIREITO DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO. DISCÓRDIA ACERCA DA POSSE DOS BICHOS. AUSENCIA DE PLAUSIBILIDADE DO DIREITO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A tutela de urgência está disciplinada nos artigos 300 e seguintes do Código de Processo Civil, cujos pilares são a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Inexiste plausibilidade jurídica no pedido de aplicação do instituto de família, mais especificamente a guarda compartilhada, aos animais de estimação, quando os consortes não têm consenso a quem caberá a posse dos bichos. Tratando-se de semoventes, são tratados como coisas pelo Código Civil e como tal devem ser compartilhados, caso reste configurado que foram adquiridos com esforço comum e no curso do casamento ou da entidade familiar (artigo 1.725, CC). 3. In casu, ausente o prévio reconhecimento da união estável, deve-se aguardar a devida instrução e formação do conjunto probatório, para se decidir sobre os bens a partilhar. Ademais, é vedado ao magistrado proferir decisão de natureza diversa da pedida, em observância ao princípio da adstrição ou congruência, nos termos do artigo 492 do Código de Processo Civil. 4. AGRAVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-DF 20160020474570 0050135-88.2016.8.07.0000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2017, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 12/05/2017 . Pág.: 491/501)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE POSSE COMPARTILHADA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Na ação de manutenção de posse de animal de estimação, inexiste discussão que recaia sobre Direito de Família. A lide trata de matéria cível de cunho declaratório, competindo ao juízo suscitante o processamento e julgamento do feito. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JULGADO IMPROCEDENTE, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Conflito de Competência Nº 70074572579, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 18/09/2017). (TJ-RS - CC: 70074572579 RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Data de Julgamento: 18/09/2017, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 29/09/2017)

No entanto, quando o animal não possui tal registro é necessário que o Juízo avalie outros pressupostos, ou seja, terá que avaliar cada caso concreto e designar a solução mais arrazoada possível dentro da nova conjuntura de tratamento designado ao animal não humano utilizado enquanto de estimação.

Porém, também existem casos onde os Magistrados aplicam por analogia o referendado instituto, como se pode observar a seguir.

SEMOVENTE - ALEGAÇÃO DE QUE O EX-COMPANHEIRO DA AGRAVANTE ESTARIA DISPENSANDO MAUS TRATOS A ANIMAL DE ESTIMAÇÃO CUJA GUARDA É COMPARTILHADA - MATÉRIA QUE NÃO SE MOSTRA INCONTROVERSA RECLAMANDO, PELO CONTRÁRIO, O EXAME DE FATOS E PROVAS - TUTELA DE URGÊNCIA - PRESSUPOSTOS NÃO PREENCHIDOS - INDEFERIMENTO - RECURSO IMPROVIDO. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (TJ-SP 21201403920178260000 SP 2120140-39.2017.8.26.0000, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 27/07/2017, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2017. Grifo nosso) 

Como se verifica no caso em questão, houve anteriormente uma decisão judicial em que designou a guarda compartilhada do animal de estimação, guarda esta regularizada por meio de Ação Cautelar Inominada, conforme descreve o relatório da decisão. (TJ-SP 21201403920178260000 SP 2120140-39.2017.8.26.0000, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 27/07/2017, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2017)

Porém, importante destacar um caso que ganhou grande repercussão, inclusive com edição de notícia no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em que o Magistrado Fernando Henrique Pinto considerou os animais enquanto sujeitos de direito nas ações de divórcio ou dissolução. (IBDFAM, 2016)

Assim a notícia do referendado site comenta:

Conforme o juiz, o cão não pode ser vendido, para que a renda seja dividida entre o antigo casal. Além disso, o juiz afirmou que por se tratar de um ser vivo, a sentença deve levar em conta critérios éticos e cabe analogia com a guarda de humano incapaz. O magistrado citou alguns estudos científicos sobre o comportamento de animais e leis relacionadas ao tema e afirmou que diante da realidade científica, normativa e jurisprudencial, não se pode resolver a partilha de um animal (não humano) doméstico, por exemplo, por alienação judicial e posterior divisão do produto da venda, porque ele não é uma “coisa”.

O casal está em processo de dissolução conjugal e, provisoriamente, a guarda do cão será alternada: uma semana de permanência na casa de cada um. A ação tramita em segredo de justiça por envolver questão de Direito de Família. (IBDFAM, 2016, p. 1. Grifo nosso)

Isto revela que o Brasil começa a considerar os animais de estimação enquanto membros da família, até mesmo por alguns enquanto filhos. Por isto, que, o Magistrado de forma acertada, demonstrou ser um equívoco em casos como este onde há uma afeição mútua entre os seres, considerar a natureza jurídica do animal de estimação enquanto “coisa”; em verdade tratam-se de seres sencientes com capacidade de sentir emoções. (IBDFAM, 2016)

Outro caso integrante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde em demanda ajuizada perante Vara de Família se requereu o divórcio com pedido liminar de pensão para si. Na oportunidade, requereu ainda a autora que o ex-cônjuge retirasse os cães de sua residência ou que fosse autorizada pelo Juízo a realizar a venda ou doação dos mesmos. Como no caso em questão o ex-cônjuge não tinha para onde levar os cães. Em decisão o Juízo indeferiu o pedido de pensão à autora e de retirada dos cães, e, levando em consideração os argumentos do cônjuge varão, determinou que este prestasse alimentos aos animais. (BARBOSA, 2016)

Diversos são os casos inusitados onde se observa na lide temáticas de Direito de Família envolvendo de animais de estimação. Passemos à analise do próximo caso:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DESPESAS DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO DEIXADOS PELA FALECIDA. ALVARÁ AUTORIZADO. Enquanto não for providenciado destino adequado para os animais deixados pela falecida (vinte e nove gatos e sete cachorros) as despesas de manutenção correm por conta do Espólio, até o limite de suas forças. Portanto, adequada a decisão que autorizou a expedição de alvará para que o Espólio pudesse quitar despesas dos animais NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70059926881, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 30/10/2014). (TJ-RS - AI: 70059926881 RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de Julgamento: 30/10/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/11/2014)

O caso referente a jurisprudência diz respeito a Agravo de Instrumento interposto em face de decisão interlocutória, em ação de inventário, que autorizou a expedição de alvará para que o espólio pudesse quitar as despesas dos animais (29 gatos e 7 cachorros) deixados pela falecida.

Na demanda em questão, foi ordenado à inventariante que se realiza a doação dos animais à terceiros, abrigos ou entidade afins, o que até então não havia sido feito. Entretanto, apesar do descumprimento da ordem, o Tribunal do Rio Grande do Sul entendeu que se desfazer desta quantidade de animais não se mostrava enquanto tarefa fácil, e, ainda, tais animais, enquanto propriedade, faziam parte do patrimônio deixado pela falecida.

Por certo, entendeu-se pela mantença da decisão de primeira instância, a partir de um olhar estritamente patrimonial renegado aos animais, considerando que o valor a ser liberado por meio de alvará deveria ser visto enquanto despesa de manutenção dos bens do espólio; e assim, foi negado provimento ao Agravo interposto.

Apenas enquanto adendo à matéria, não poderia se deixar de mencionar o Projeto de Lei de nº 1.058/2011, proposto pelo Deputado Federal Marco Aurélio Ubiali do PSB/SP, o qual, dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores e dá outras providências. O projeto de Lei ainda está em trâmite, porém, a sua sanção representará um grande avanço na defesa dos direitos dos animais de estimação, afinal, resta impossível manter-se esta visão objetificada com relação aos animais de estimação diante da interação que hoje este estabelece com o homem. (BARBOSA, 2016)


5 CONCLUSÃO

A tentou-se apresentar a teoria geral dos direitos fundamentais como forma de demonstrar o quanto a doutrina e o direito positivado acaba considerando a existência desta espécie de direitos apenas para o benefício da ser humano em detrimento das demais espécies de seres vivos.

Ou seja, estamos diante de um especismo gerado pelo pensamento antropocêntrico herdado da antiga sociedade grega, a qual colocava o homem enquanto o centro do universo, e, os demais seres enquanto instrumentos à serviço dos interesses do homem.

Assim, ao longo de vários anos os animais não humanos foram subjugados e maltratados sempre à justificativa de um bem maior para o ser humano, sempre deixando-se de lado a sua condição de sencientes, capazes de sentir emoções como dor, tristeza, sofrimento e afins.

Porém, com a mudança no valor atribuído ao meio ambiente começou-se a designar um olhar diferenciado aos animais não humanos, antes tidos enquanto propriedade, bem móvel particular ou bem difuso de uso comum, agora, muitas das vezes passam a ser tidos enquanto entes queridos da família.

Importante mencionar que este tratamento de ente familiar somente é designado aos animais de estimação, ora objeto do presente estudo, que são animais presentes no dia-a-dia do ser humano ou enquanto animais de companhia ou até mesmo em tratamentos clínicos.

Porém, ainda assim, o tratamento para com os animais de forma geral tem tido grandes avanços, sendo o principal a atribuição de titularidade de direitos à estes, independente de serem silvestres ou domesticados.

Tal titularidade de direitos é defendida principalmente pelo filósofo Peter Singer sobre o argumento da necessidade do fim do especismo e da extensão do princípio da igualdade à todos os animais.

Ressalta-se que tal extensão não considera tratamento igual a ser reservado a todos as espécies de seres vivos, mas sim, que se deve conceder os mesmos direitos, ou seja, igual consideração.

Dados os fatos, foi escolhido o grupo dos animais de estimação para análise das jurisprudências, pois, consideramos que pelo fato deste estar mais próximo do homem e provocar, portanto, mais empatia; teríamos avanços mais significativos.

De fato, nos surpreendeu o conteúdo encontrado, principalmente ao se perceber que se tem utilizado amplamente termos do direito de família nas relações entre animais de estimação e seres humanos, a exemplo da guarda compartilhada.

Ademais, na maioria dos julgados já se tem colocado os animais de estimação enquanto entes familiares, titulares de direitos, ou seja, não mais se tem designado tratamento de mero objeto a estes. Tanto é verdade que muitas das decisões os equiparam juridicamente às crianças e aos incapazes.

Projetos de lei estão em tramitação para trazer esta mudança doutrinária e social para o direito positivo, e, criar critérios objetivos para que os Magistrados possam fundamentar suas decisões.

Porém, estas leis ainda que sancionadas não serão suficientes para a devida atualização dos institutos jurídicos referentes aos animais não humanos. Logo, contamos apenas com a interpretação designada por cada Juiz à lei e com os precedentes que estão sendo firmados.

Assim, o Direito ainda necessita se adequar a nova realidade social e científica para proporcionar maior equidade através de leis e decisões mais adequadas a cada caso concreto referente à tutela dos direitos dos animais de estimação.

Apesar do trabalho ter por enfoque os animais já domesticados pelos quais o homem nutre um maior afeto e empatia, não poderíamos deixar de destacar que é prudente na luta pelos direitos dos animais não humanos, evitar-se o especismo elitista, necessário se faz que a legislação alcance todas as espécies de animais não humanos e lhes conceda igual consideração. Apenas consideramos que os avanços relacionados aos animais de estimação já abrem precedentes para que o judiciário e a sociedade passa a direcionar maior atenção à problemática.


Nota

[1] Ação ainda em andamento, voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/VotoMin.CelsodeMellonaAdin4.983CEVaquejada.pdf>. Acessado em: 20 de out. 2017. (GRIFOS DO AUTOR)


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