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Funções essenciais à justiça: a Advocacia-Geral da União e sua autonomia no Estado Democrático de Direito

Funções essenciais à justiça: a Advocacia-Geral da União e sua autonomia no Estado Democrático de Direito

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Até que ponto as atividades exercidas pela AGU podem ser executadas sem sofrer retaliações por conta da sua falta de autonomia?

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar as Funções essenciais à justiça criadas pelo poder constituinte com o advento da Constituição Federal de 1988, discutindo o princípio da separação dos poderes de Montesquieu, explanando a real analise sobre a autonomia de tais funções e questionar os motivos pelos quais ainda hoje a Advocacia Geral da União permanece sem autonomia financeira o que pode prejudicar o exercício das suas atividades. Empregará uma pesquisa baseada em livros, artigos científicos, trabalhos acadêmicos (monografia, tese, dissertação), legislação e anais de eventos que abordem o respectivo assunto, tentando sanar as dúvidas sobre a existência de autonomia no exercício das Funções Essenciais à Justiça como atividades de máxima importância para a manutenção da Democracia. Por meio da pesquisa realizada ficou evidente que a AGU não possui de fato uma real autonomia como as demais funções essenciais.

Palavras-chave: Advocacia Geral da União. Funções Essenciais à Justiça. Autonomia.

Sumário: 1 introdução; 2 Separação dos Poderes, Funções Essenciais à Justiça e Autonomia da AGU 2.1 O princípio da Separação dos Poderes de Montesquieu, 2.2 Autonomia das Funções Essenciais à Justiça; 2.3 A AGU e sua falta de autonomia,; 3 Conclusão; Referências


1. INTRODUÇÃO

Com a modernidade se veio a concepção de que qualquer meio só pode ser considerado democrático se for pautado na vontade popular, organizando o Estado por meio de leis que possam ser aplicadas a todos e protejam os direitos fundamentais humanos. Assim criou-se instituições, resguardadas pelo princípio da separação dos poderes, que definiu três funções básicas e autônomas em todas as democracias; o poder legislativo, judiciário e executivo.

O poder judiciário, pertencente a este Estado de direito, é o único que possui uma certa diferença, haja vista que seus magistrados, salvo em raríssimas exceções, não são escolhidos por meio do Sufrágio Universal. Para Comparato (2004, p.151) isso só ocorre porque o judiciário detém um "prestígio público, fundado no amplo respeito moral, que [...]é a legitimidade pelo respeito e a confiança que os juízes inspiram no povo".

Para a maior consolidação da efetividade do poder Judiciário e por ser um meio de extrema importância para garantir a soberania popular buscou-se traçar princípios essenciais para a sua melhor operacionalização, pautados na imparcialidade; por meio da garantia de inércia do poder judiciário, só agir se for provocado; inafastabilidade; não excluindo da apreciação do judiciário lesão ou ameaça de direito; e do devido processo legal ; traçando garantias processuais justas. Desta forma, a justiça tornou-se mais acessível e trouxe determinada segurança aos processos fixada por meio de princípios norteadores que devem ser seguidos.

Nesse sentindo, é importante destacar que a Constituição Federal de 1988 consagrou a existência de funções essenciais à Justiça (Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública), para garantir o seu bom funcionamento e assegurar o Estado de Direito optou-se por dividi-los em capítulos próprios prezando pela autonomia e garantindo sua independência de atividade para defender os interesses sociais em relação aos três poderes já supracitados.

No entanto, dentre todas essas funções essenciais à justiça somente a Advocacia-Geral da União- AGU, tendo suas funções dispostas no artigo 131 da CF/88 e sendo considerado o órgão responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, não apresenta real autonomia administrativa, funcional e financeira. Assim sendo, o questionamento norteador deste trabalho é: Até que ponto as atividades exercidas pela AGU podem ser executadas sem sofrerem retaliações por conta da sua falta de autonomia?

O trabalho empregará uma pesquisa de natureza exploratória , ou seja, este estudo será de cunho bibliográfico, baseado em livros, artigos científicos, trabalhos acadêmicos (monografia, tese, dissertação), legislação e anais de eventos. Sendo caracterizada por Severino (2007, p.123) como a pesquisa que busca apenas levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto.

Os critérios pessoais que influenciaram na escolha do presente tema se relacionam com o aprofundamento das questões que buscam entender sobre o estudo das funções essenciais a justiça e a falta de autonomia da AGU. No tocante à relevância social, destaca-se a importância de compreender como a falta de independência pode prejudicar na busca de satisfazer os anseios populares de nossa sociedade. Já no tocante cientifico,tem se o objetivo de difundir o conhecimento sobre a temática, assim como analisar a importância de que todos os órgãos delimitados pelo legislador constituinte originário possam exercer suas funções sem repressão hierárquica e desenvolver suas atividades com autonomia e independência.


2. SEPARAÇÃO DOS PODERES, FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA E AUTONOMIA DA AGU

2.1 O princípio da Separação dos Poderes de Montesquieu

O princípio da Separação dos poderes é um dos pilares das sociedades modernas que se baseiam em Regimes Democráticos, ele se constitui por buscar um equilíbrio e dividir o poder soberano de um Estado em três Esferas/Poderes, o Legislativo, Judiciário e Executivo para que ambos possam atuar em seu devido lugar sem que um possa atrapalhar na atividade do outro. Para Silva (2006, apud GUEDES, 2007, p.2):

Na sua formulação clássica, a Separação dos Poderes corresponde à forma tripartite, que vem a ser o Poder Legislativo, o Poder Executivo, e o Poder Judiciário. Ao primeiro, corresponderia à função legislativa, que compreende a edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, sendo, portanto, as leis. Ao segundo Poder, pois, cumpre a função jurisdicional; tem como escopo aplicar o direito nos casos concretos, dirimindo conflitos de interesse. Por fim, a função executiva, cabível ao Poder Executivo, que se incumbe de resolver os problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis.

E consequentemente considera-se um instrumento que limita as atividades do Estado e define direitos e garantias fundamentais que devem ser seguidas. De acordo com Chalita (1999, p. 11, apud RIBEIRO, 2014) a palavra Poder pode ser entendida como imposição, força que coloca a sua vontade na frente do outro. Todavia, o Poder político deve ser entendido como único, o que ocorre é uma separação das suas funções, para Cunha Junior( 2010, p. 515, apud RIBEIRO, 2014):

O fenômeno da separação de Poderes não é senão o fenômeno da separação das funções estatais, que consiste na forma clássica de expressar a necessidade de distribuir e controlar o exercício do Poder político entre distintos órgãos do Estado. O que corretamente, embora equivocadamente, se convencionou chamar de separação de Poderes, é, na verdade, a distribuição e divisão de determinadas funções estatais a diferentes órgãos do Estado. Deveras, como o poder é uno e incindível, não há falar em separação de Poderes, mas, sim, em separação de funções do Poder político ou simplesmente de separação de funções estatais. Insistimos: não é o poder que é divisível, mas, sim, as funções que o compõem e se manifestam por distintos órgãos do Estado.

A separação de atribuições surgiu de uma visão liberal que veio com o objetivo de acabar com o modelo de Estado Absolutista que detinha todos os poderes concentrados. No entanto, de acordo com GUEDES (2007, p.3):

A gênese da teoria da separação dos poderes encontra-se em Aristóteles (382-322 a.C.). Na sua obra, “A Política”, o filósofo isolou três tipos distintos de atos estatais, quais sejam: o ato deliberativo, o executivo e os atos judiciais. No entanto, ele não tratou da funcionalidade dessa separação; não instituiu a independência entre poderes, o que só fora feito posteriormente. Tal estudo, contudo, não influenciou os governantes que o seguiram. A era depois de Aristóteles ainda fora marcada por grandes monarcas déspotas e tirânicos.

Porém, somente Maquiavel conseguiu delimitar o que seria realmente está teoria. Antes da divisão das funções o estado absolutista reinava e como cita Almeida (2014, p. 12) o "príncipe francês Luíz XIV [...] ficou famoso por entoar a frase 'L’État c’est moi", o que pode ser traduzido como “Eu sou o Estado”, claramente evidenciando como o poder era concentrado em um único indivíduo que detinha a capacidade de subjugar toda uma sociedade com regras arbitrarias para satisfazer suas vontades a seu prazer. Para Montesquieu (1995, apud MEDEIROS, 2008, p.3 ). “essa separação de funções traz obstáculo à tendência natural do homem que o leva instintivamente a abusar do poder que ele detém". Nesse sentindo, somente o poder poderia limitar o poder e por isso foi necessário dar autonomia, por meio da separação, para garantir um Estado voltado para a soberania popular.

É importante destacar que a distinção de funções e poderes é baseada na especialização da atividade governamentais em sua natureza, sem observar qual o órgão a executa. Enquanto que a de poderes baseia-se em distribuir para 3 órgãos governamentais distintos uma função específica legislativa, executiva e jurisdicional.

Limitar a competência das funções é de extrema importância para prezar por um Estado no qual nenhuma função atrapalhe à atividade da outra, deixando-se claro que não deve existir um grau de hierarquização entre elas e com isso nenhuma pode se subordinar a outra e, acima de tudo, devem se respeitar. Silva( 2010, p.109-110, apud SOUZA, 2014) cita que:

[esse] princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em 'colaboração de poderes' [...]. A 'harmonia entre os poderes' verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas.

A Estrutura do Estado Moderno não permite mais aquela separação engessada com poderes independente, necessita agora de uma atuação com integração e harmonia. A Constituição Federal de 1988 do Brasil ratificou esse princípio, evidenciando que não existe uma completa separação dos poderes. Contudo, destaca que é um instrumento de equilíbrio e mútuo controle na relação das funções expresso no artigo 2º definindo que “são Poderes das União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Projetando o melhor desempenho das atividades estatais também criou-se Funções Essenciais à Justiça com a busca de fiscalizar e evitar o "arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem" ( MORAES, 2007, p. 69, apud, OLIVEIRA, 2017)

Para garantir a existência deste equilíbrio surge a necessidade de criar um sistema conhecido como Freios e Contrapesos- Checks and Balances, no qual o próprio poder pode limitar o poder. Para Barbosa e Saracho (2018) usar o Sistema de freios e contrapesos é sinônimo de possibilitar que os abusos sejam contidos, usando-se do exemplo de que a função típica do Judiciário é julgar, porém, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei, é um medida que acaba por frear uma ação do Legislativo, enquanto que a função típica dos legisladores é legislar, todavia podem julgar o presidente através do processo de Impeachment.

Já o Executivo, que tem por função típica executar as leis, pode também edita-lás em raríssimas exceções como é o caso das Medidas provisórias. Desta forma, buscando ser um meio necessário para que não exista concentração de forças em um só ente, proporcionando uma queda nas arbitrariedades haja vista que com a desconcentração em três partes um pode fiscalizar que outro está agindo no seu devido lugar, estabelecendo limites e autonomia a cada um dos poderes.

Marcelo Novelino (2014, p.337) destaca que "no célebre 'sistema de freios e contrapesos' (checks and balances) a repartição equilibrada dos poderes entre os diferentes órgãos é feita de modo que nenhum deles possa ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser contido pelos demais". Portanto, é o sistema em que os Poderes do Estado Brasileiro mutuamente se controlam e assim garantem que um poder não vai ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição de 1988, gerando, assim, uma das garantis de manutenção do Estado Democrático de Direito, haja vista que vai garantir que todos os entes atuem em sua devida esfera, com as exceções das funções atípicas. e terá os mandamentos constitucionais como norte.

2.2 Autonomia das Funções Essenciais à Justiça

O poder do Estado é Uno, porém ele deve ser dividido para melhor se organizar. A Constituição Federal de 1988 além de definir os poderes, também resolveu criar novas categorias constituídas por funções que visam a melhor efetividade do Estado, para que possa alcançar seus objetivos. Esses entes devem atuar com autonomia e independência para atender os interesses sociais e a própria vontade do Estado. Para Moreira Neto (2011, p. 91, apud AMORIM) elas são “categorizadas como de controle, zeladoria e promoção de interesses juridicamente qualificados de toda natureza, cometidas, [...] a quatro complexos orgânicos distintos: ao Ministério Público, à Advocacia de Estado, à Advocacia e à Defensoria Pública”. Drebes (2009) elenca que:

O legislador constituinte dedicou um capítulo específico dentro do Título IV da Constituição Federal do Brasil, que versa sobre a organização dos Poderes, às funções que considera essenciais à Justiça Pública. A inovação organizou a Defensoria Pública, criou a Advocacia-Geral da União, reforçou a autonomia do Ministério Público e atribuiu status privilegiado aos advogados

Tais funções não são um quarto poder, elas surgem com a mesma importância dos outros poderes e com a finalidade de alcançar todos os objetivos do Estado. Sua função não é meramente de interferir, atuar somente na área jurisdicional, entende-se por justiça todos os fins almejados pelo Estado Democrático de Direito como exposto por Maria Sylvia Zanella Di Pietro ( 1996, p. 13, apud AMORIM):

[...] a Constituição não colocou essas instituições dentro de um ou outro dos Poderes do Estado, colocou-as no mesmo nível daqueles, englobando-as num bloco único, quase como se constituíssem um quarto poder dentro do título IV da Constituição, pertinente à organização dos Poderes. Isto não significa que exista um quarto Poder, mas permite inferir que as funções ali referidas são do mesmo nível de importância que as desempenhadas pelos três Poderes do Estado.

Portanto, as funções essenciais surgem como uma inovação a velha separação dos poderes, focando agora na separação das Funções Estatais. Nesse sentido, cabe delimitar que o art. 127 da CF/88 elenca ao Ministério Público o dever de garantir a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" e ao longo do dispositivo discorre sobre os princípios que norteiam a atividade de tal ente; princípio da unidade que busca a integração e respeito a um só chefe, além do princípio da indivisibilidade que deixa claro que os membros do MP pode ser substituídos; além de frisar a importância da sua autonomia, como bem explica Drebes (2009):

A Constituição não fala expressamente em autonomia orçamentária e financeira, restando, pois, a controvérsia sobre o tema. A constituição dispõe tão somente que o Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias – artigo 127, § 3°.A autonomia financeira do Ministério Público vem consagrada, no entanto pelo artigo 3° da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.

Outros artigos delimitam as funções a qual o MP deve desempenhar como também a sua estrutura, garantias e vedações a quais os funcionários devem seguir. Com isso, perseguindo o entendimento de proteção a funções que são essenciais para o bom funcionamento do país, os constituintes de 88 fixaram no art. 134 a importância da Defensoria Pública que é a responsável por defender aqueles que não possuem condições financeiras para contratar advogados, além de traçar garantias e vedações para quem exerce o cargo. Drebes( 2009) cita que "a Emenda Constitucional n. 45/04 fortaleceu ainda mais o instituto das Defensorias Públicas Estaduais, assegurando-lhes autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de suas proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias". Desta forma, a Defensoria Pública também possui autonomia no desempenho das suas funções.

Neste mesmo sentido, foi assegurado garantias para os Advogados brasileiros que são os profissionais que possuem capacidade postulatória, com isso o art. 133 destaca que : “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Para Costa (2017, p. 270) elenca que "os advogados públicos, assim como os advogados privados, são indispensáveis à administração da justiça, sendo invioláveis por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

E por fim , porém de extrema importância, o artigo 131 vem elencar as garantias, estrutura e os deveres da Advocacia-Geral da União- AGU:

A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º - A Advocacia Geral da União tem por chefe o Advogado Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadão maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

No entanto, não se aproveitou o ensejo do poder constituinte para logo garantir a real autonomia a esta função que versa sobre a defesa da União e oferece atividades de consultoria ao Poder Executivo

2.3 A AGU e sua falta de autonomia

Por ser um órgão considerado novo e que surgiu do proeminente entendimento de um novo momento histórico em que o país estava para viver, a Advocacia- Geral da União- foi criada pelo legislador constituinte em 1988 e é regulamentada pela Lei Complementar nº 73/93 , nasceu com o objetivo de ter independência e autonomia dos demais poderes para melhor exercer as funções de representar "judicial e extrajudicialmente a União Federal, suas autarquias e fundações, compreendidos os atos praticados pelos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Ela também é responsável pela consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo, unicamente" (RAMOS, 2009)

Por possuir uma missão essencial à justiça e de cunho Constitucional, a AGU não é ligada a nenhum outro órgão ou se encaixa dentro de um dos três poderes. Fazem parte da AGU, trabalhando em conjunto, a Procuradoria-Geral Federal - PGF; responsável por postular judicial e extrajudicialmente pelas autarquias, fundações púbicas além de assessorar o poder executivo; e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN; representa a União sobre questões de dívidas de natureza tributária. Costa (2017, p.270) cita que "hodiernamente, entende-se que a Advocacia-Geral da União possui 4 carreiras jurídicas distintas: os Advogados da União, os Procuradores Federais, os Procuradores da Fazenda Nacional e, de modo um tanto quanto peculiar, os Procuradores do Banco Central do Brasil".

No entanto, até hoje é único órgão das funções essenciais que não possui autonomia haja vista que sua atividade financeira está ligada ao Ministério do Planejamento, podendo ter seus recursos limitados pelo Governo. Deste modo, se a AGU não possui autonomia nas questões orçamentárias pode gerar certa instabilidade pois não trás segurança ao corpo administrativo do órgão na hora de tomar as suas decisões. Ramos(2009) destaca que:

Ministério Público, Advocacia-Geral da União (e também as Procuradorias dos Estados e Municípios) e Defensoria Pública, instituições típicas de Estado, que exercem Função Essencial à Justiça, deveriam gozar dos mesmos privilégios e vedações, garantindo-se a devida isonomia, como se evidencia a intenção do Constituinte, cada qual atuando em sua esfera de competência, sem qualquer tipo de discriminação

Sérgio de Andréa Ferreira (1991, p. 12, apud AMORIM) cita que "o que se busca com a atuação dessas instituições é a realização da justiça, tomando esse termo não apenas no sentido da justiça de estrita legalidade; de justiça jurisdicional mas da justiça abrangente da equidade, da legitimidade, da moralidade" e esse tipo de justiça só pode ser alcançado por meio da autonomia e independência a qual a própria Constituição já disponibilizou a este órgão, cabendo ao congresso só positivar. Costa (2017, p.274) elenca que no "julgamento de mérito da ADI n. 291, o STF [...] sedimentou o entendimento que os advogados públicos apenas possuem autonomia técnica ou profissional, inexistindo a independência funcional da AGU".

Pensando nisso, é importante destacar a Proposta de Emenda Constitucional-PEC 82/2007 que tramita no Congresso de autoria do ex Deputado Federal e atual Governador do Maranhão, Flávio Dino, que visa atribuir autonomia financeira, funcional e administrativa a AGU. A PEC detém o objetivo de acrescentar os artigos. 132-A e 135-A além de alterar o artigo. 168 da Constituição Federal de 1988, versando da seguinte redação:

Art. 1.º Ficam acrescentados os seguintes Artigos 132-A e 135-A à Constituição Federal:

“Art. 132-A. O controle interno da licitude dos atos da administração pública, sem prejuízo da atuação dos demais órgãos competentes, será exercido, na administração direta, pela Advocacia-Geral da União, na administração indireta, pela Procuradoria-Geral Federal e procuradorias das autarquias, e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais são asseguradas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.”(NR)

Art. 135 -A. Aos integrantes das carreiras da Defensoria Pública, bem como da Advocacia da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, dos procuradores autárquicos e das procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão garantidas:

a) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;

b) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;

c) independência funcional.” (NR)

Art. 2.º O art. 168 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias Gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º da Constituição Federal.”(NR)

Os legisladores justificaram a criação da PEC elencando a importância de existir um paralelismo pela qual a AGU possa conter as mesmas prerrogativas que as demais Funções Essenciais à Justiça, além de garantir, por meio do princípio da simetria, a mesma autonomia para as procuradorias Estaduais, Distritais e Municipais. Tudo isso visando a melhor atuação destes órgãos.


3. CONCLUSÃO

O objetivo geral deste trabalho foi elencar as Funções essenciais à justiça destacando a importância de cada uma delas mencionadas para a manutenção do Estado Democrático de Direito sendo positivados pelo legislador constituinte como uma importante ferramenta para garantir o funcionamento da ordem jurídica brasileira; analisar o princípio da separação dos poderes que funciona como um dos principais sintomas da existência de uma constituição, haja vista que limita o poder o do Estado; discutir sobre a autonomia e independência das Funções essenciais à justiça na qual quase todas as elencadas realmente possuem uma autonomia consolidada para o exercício de suas atividade e destacar os motivos da falta de autonomia da AGU que é a única das funções essenciais que não possui autonomia.

As hipóteses abordadas foram as de que os legisladores constituintes não se alertaram para o detalhe de garantir todas as possibilidades para que AGU, assim como o MP, pudesse gozar de uma autonomia plena e ficou confirmado analisando o texto constitucional notando esta lacuna. Pode-se citar também como o legislativo atual também não demonstra tamanha preocupação com o assunto, pois existe uma PEC versando maneiras de equipar a AGU às demais funções essenciais tramitando no Congresso Nacional desde 2007 e até hoje o legislativo ainda não garantiu sua aprovação.

Uma das grandes limitações da pesquisa foi em achar artigos que pudessem demonstrar como de fato tal falta de autonomia é prejudicial para o Estado Democrático de Direito e como a omissão do legislativo desmoralizada os preceitos constitucionais elencados para as funções essenciais à Justiça. Para pesquisas futuras, pode ser buscado elencar fatos que corroborem no discurso de que a AGU necessita de sua autonomia para o exercício pleno de suas atividades.


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