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Renda per capita familiar não pode ser único critério para concessão de benefício assistencial

Renda per capita familiar não pode ser único critério para concessão de benefício assistencial

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“A dignidade da pessoa humana jamais poderá ser mensurada simplesmente com critérios matemáticos objetivos”.

Melissa Folmann.

RESUMO: O estudo monográfico apresentado neste elaborado tem por objetivo trazer entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a renda per capita familiar não pode ser único critério para concessão de benefício assistencial. É fato que somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os legisladores tiveram uma maior preocupação com as questões assistenciais e o bem-estar social estendido a todos. Em especial, as pessoas menos favorecidas economicamente ou que estão em uma condição desfavorável, como de pessoas com deficiência e os idosos, estes últimos são parcelas cada vez maior na sociedade. Essas pessoas podem ser agraciadas com o amparo social do Benefício de Prestação Continuada (BPC) positivada pela Lei nº 8.742/93 e o Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/2003 e o Decreto nº 6.214/2007. Contudo, o critério para a concessão do beneficio apenas é concedido àqueles que não ultrapassem a renda per capita de ¼ do salário mínimo. Buscando o entendimento necessário para fundamentar que esse critério deixa a desejar, utilizou-se como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica, fundamentada na revisão de literatura em fontes primárias e secundárias, tendo como norte doutrinas, Decretos, Jurisprudências, leis constitucionais e infraconstitucionais que forneceram o embasamento necessário à compreensão do fenômeno estudado. As principais informações dessa copiosa busca permitiram dizer que o critério objetivo positivado no art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93, tendo em vista as nuances presenciadas na sociedade não atende fundamentalmente as necessidades básicas das pessoas que necessitam do benefício e, dessa forma, conforme já positivado nos julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) nada impede que se utilizem outros critérios legais para atestar a miserabilidade. Essa questão não é privilégio e sim de justiça social.

Palavras-chave: Seguridade Social. Renda Per Capita. Benefício Assistencial. Jurisprudência.

ABSTRACT:The monographic study presented in this elaboration has the objective of bringing doctrinal and jurisprudential understanding that family per capita income can not be the only criterion for granting care benefit. It is a fact that only after the promulgation of the Federal Constitution of 1988, legislators were more concerned with welfare issues and social welfare extended to all. In particular, people who are economically disadvantaged or who are in an unfavorable condition, such as people with disabilities and the elderly, the latter are growing plots in society. These persons can be awarded the social protection of the Continuous Benefit Benefit (BPC), as amended by Law Number. 8,742/93 and the Statute of the Elderly - Law Number 10,741/2003 and Decree Number. 6,214/2007. However, the criterion for granting the benefit is only granted to those who do not exceed the per capita income of ¼ of the minimum wage. Seeking the necessary understanding to justify that this criterion leaves unsatisfactory, the bibliographical research, based on the literature review on primary and secondary sources, was used as a methodological procedure, having as its core doctrines, decrees, jurisprudence, constitutional and infraconstitutional laws that provided the to understand the phenomenon studied. The main information of this copious search allowed to say that the objective criterion positive in art. 20, § 3 of Law No. 8,742 / 93, in view of the nuances witnessed in society does not fundamentally meet the basic needs of the people who need the benefit, and thus, as already affirmed in the Federal Supreme Court (STF) judgments, nothing prevents that other legal criteria are used to attest miserableness. This question is not a privilege but a question of social justice.

Keywords: Social Security. Per Capita income. Benefit Assistance. Jurisprudence..

LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

BPC               Benefício de Prestação Continuada

CAP’s            Caixas de Aposentadorias e Pensão

CF/88             Carteira de Trabalho e Previdência Social

CNAS            Conselho Nacional de Assistência Social

IBGE              Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

INSS              Instituto Nacional de Seguro Social

LBA                Legião Brasileira da Assistência Social

LOAS             Lei Orgânica da Assistência Social

PNAS            Politica Nacional de Assistência Social

RGPS           Regime Geral de Previdência Social                                                              

STJ                 Superior Tribunal de Justiça

STF                Supremo Tribunal Federal

SUAS            Sistema Único de Assistência Social

SUS               Sistema Único de Saúde

TUN               Turma de Uniformização Nacional

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO . 1 DIREITO PREVIDENCIÁRIO . 1.1 SEGURIDADE SOCIAL . 1.1.1 Contextualização Histórica . 1.2 Benefício de Assistência Social . 1.3 Natureza Jurídica dos Benefícios . 1.4 Princípios que regem os benefícios de Assistência Social . 1.5 Breves considerações sobre a Assistência Social . 2 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA . 2.1 Renda Per Capita: Características e Conceitos . 2.2 Incongruências Administrativas e Judiciárias acerca da Renda per Capita . 2.3 A Relativização da Renda Per Capita Familiar em Face dos Princípios Constitucionais . 3 A LEI Nº. 8.742/93 – LOAS E SUAS PECULIARIDADES . 3.1 Sistemas Classificatórios da Condição da Miserabilidade . 3.1.1 Sistema Relativo3.1.2 Sistema Legal-Constitucional . 3.2 Critérios de Miserabilidade e os Programas Assistencialistas do Governo . 3.3 Renda Per Capita Familiar e a Correta Interpretação à Luz dos Precedentes do STJ e STF . CONSIDERAÇÕES FINAISREFERÊNCIAS. ANEXOS . 


INTRODUÇÃO

Tendo por objetivo analisar acerca da renda per capita familiar não pode ser único critério para concessão de benefício assistencial, busca-se trazer algumas ponderações acerca desse assunto é que propôs esse elaborado monográfico.

A Constituição Federal de 1988, tendo como fundamento à uniformidade e equivalência entre as pessoas, especialmente no âmbito da Seguridade e Assistência Social, adotou a universalidade como instrumento basilar na concessão de benefícios previdenciários, e no que tange ao amparo social esse princípio também é adotado.

O Estado Brasileiro, embora existam diversos programas assistenciais, os governantes por mais que se tentem não conseguem diminuir o nível de miséria da população brasileira, pois de acordo com dados do Instituto de Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE, dados de 2010), atualmente, há mais de 30 milhões de brasileiros vivendo em condições de absoluta miséria.

Grande parte dessa população vive no mercado informal que não contribui ou nunca contribui para a Previdência Social, em virtude disso não têm direito a aposentadoria, restando apenas recorrer ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Entretanto, essa questão enfrenta algumas controvérsias, quando se trata da comprovação da renda per capita para fazer jus ao benefício, pois o critério objetivo utilizado pelo INSS é que a renda não pode ser superior a ¼ do salário mínimo.

Assim sendo, para entender de forma mais clara o fenômeno estudado adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica fundamentada em diversos doutrinadores, tais como: Aguiar (2017), Amado (2018), Folmann e Soares (2012), Martins (2014), Santos e Lenza (2013), dentre outros, além dos diplomas constitucionais e Decretos que foram suficientes para à compressão ampla do tema dissertado.

Assim, o estudo encontra-se esquematizado em três seções da seguinte forma: na primeira seção discorre-se sobre o Direito Previdenciário; a Seguridade Social dentro de um contexto histórico e as suas caraterísticas, abrangendo logo depois os benefícios previdenciários, conceito e natureza jurídica desses benefícios e os princípios e uma breve consideração sobre a Assistência Social.

A segunda seção, destaca-se o Beneficio de Prestação Continuada (BPC), análise sobre a renda per capita, características e conceitos, incongruências administrativas e judiciárias acerca da renda per capita, para finalizar a seção traz entendimentos sobre a relativização da renda per capita familiar em face dos princípios constitucionais.

A terceira seção, enfatiza-se questões relacionadas a Lei Nº. 8.742/93 – LOAS e suas peculiaridades; os Sistemas classificatórios da condição da miserabilidade, com ênfase no sistema relativo e sistema legal-constitucional, aborda-se também o Critério de Miserabilidade e os Programas Assistencialistas do Governo, finalizando a seção descreve-se a Renda Per Capita Familiar e a Correta Interpretação à Luz dos Precedentes do STJ e STF.

Culminando com as considerações finais que, traz um apanhado do que foi discutido. Os resultados dessa copiosa busca estão disponibilizados, conforme segue.


1 DIREITO PREVIDENCIÁRIO

O Direito Previdenciário, em linhas gerais, trata-se de um dos ramos do direito público e tem como finalidade precípua estudar e regulamentar a seguridade social inclui, entre outras questões, o amparo assistencial dos beneficiários, quer sejam na qualidade de segurados ou dependentes, na medida em que estes se encontrem em situações de necessidade social.

Nesta mesma direção, Amado (2018, p. 200), define-o como um ramo do Direito, “composto por regras e princípios que disciplinam os planos básicos e complementares da previdência social no Brasil, assim como a atuação dos órgãos e entidades da Administração Pública e as pessoas jurídicas privadas que exerçam atividades previdenciárias”. O sistema protetivo adotado no País assegura a todos os cidadãos essa proteção social, conhecida por Previdência Social.

O Direito Previdenciário de certa forma encontra-se relacionado a todos os ramos do Direito, inclusive o de Direito Internacional Público, pois não raro, é possível ver a celebração de tratados internacionais visando reconhecer do tempo de contribuição dos brasileiros que residem nos países estrangeiros. Não se pode olvidar, contudo, que o ramo Previdenciário, bem como os demais ramos do Direito, tem suas bases ajustadas na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF/88).

É, portanto, neste sentido que a fim de garantir a proteção social, todos os segmentos sociais devem financiar a seguridade social, direta ou indiretamente, tendo em vista seu cunho universal no qual objetiva proteger as pessoas contra os riscos sociais, de acordo com o interesse da coletividade, através das prestações na área da saúde pública, assistência e previdência social.

1.1 SEGURIDADE SOCIAL

É cediço que, o instituto da seguridade social brasileira tem como fundamentação basilar um conjunto de políticas sociais com a finalidade precípua garantirem aos cidadãos direitos fundamentais essenciais ao seu bem estar, de qualidade de vida e de meios imprescindíveis à sua manutenção, principalmente quando se trata de concessão de benefício assistencial às pessoas menos favorecidas, tais como: idosos e pessoas com deficiência.

Como bem retratado por Santos e Lenza (2013), o seguro social emergiu da imperatividade de amparo ao trabalhador, no sentido de oferecer proteção contra os riscos das atividades trabalhistas. Fazia-se, crucial um sistema de proteção social que atingisse todas as pessoas e as amparasse em todas as situações de necessidade, em qualquer momento de suas vidas.

1.1.1 Contextualização Histórica

A proteção social tem a sua gênese de acordo com Ibrahim (2015), no seio familiar. Em tempos remotos, a família exercia poderes sobre os seus, tendo em vista que viviam em grupos com inúmeras outras etnias. Nesse período, as obrigações eram bem delineadas, em que cada um tinha seu papel, por exemplo, aos jovens incumbiam-se os cuidados com os idosos e aqueles que tinham alguma incapacidade.

Entretanto, embora houvesse essa responsabilidade, não eram todas as pessoas que recebiam essa proteção na esfera familiar, e, mormente, nas vezes que recebia, a precariedade era latente. A partir de então, emergiu a necessidade que terceiros participassem dessa questão no sentido de, preencher essa ausência protetiva. Como bem ressalta Ibrahim (2015), de pronto, o auxilio externo veio da igreja, somente no século XVII na Inglaterra, teve-se o inicio normas de atendimento àquelas pessoas que por alguma razão não podiam se manter, instituindo-se a Lei dos Pobres “Poor Law”.

Depois disso, alguns países europeus também adotaram normas protetivas, porém no que tange ao cunho previdenciário, a Alemanha foi à precursora. No século XIX (1883), Otto Von Bismarck editou a primeira lei que versava sobre o seguro-doença. Conquanto, a primeira previsão constitucional acerca desse tema foi apresentada pelo México, em 1917, posteriormente a Constituição Alemã de Weimar, em 1919, também consolidou essa questão (KERTZMAN, 2015).

No âmbito brasileiro, foi ainda no Brasil Império que houve essa preocupação assistencial que assegurava os socorros públicos aos necessitados, pela Constituição do Império Brasileiro de 1824 (art. 179, XXXI). Kertzman (2015), aponta que, seguindo a mesma trilha, a Constituição de 1891 dispôs sobre a aposentadoria por invalidez para os servidores públicos (não se pode considerar um marco mundial, pois era exclusivo aos servidores).

Após esses entendimentos, o ordenamento jurídico pátrio se preocupou em considerar outras espécies de proteção social, como a Lei Eloy Chaves (1923), esta instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensão (CAP’s) e a Legião Brasileira da Assistência Social (LBA), criada pelo Decreto 4.890/42. Contudo, apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88) a expressão Seguridade Social foi positivada abraçando a Saúde, a Assistência Social e a Previdência Social (KERTZMAN, 2015).

A seguridade social encontra-se positivada na CF/88 no Título VIII, Da Ordem Social. O art. 194, caput dispõe: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A criação da seguridade social, pode-se dizer que foi criada com o intuito de proteger e satisfazer os interesses sociais.

Assim, a seguridade social, de acordo com Michel Neto (2009, p. 36) pode ser conceituada como: “a seguridade social nada mais é que um dos aspectos do “Estado Social” no qual se insere como elemento essencial, mediante o pressuposto de uma solidariedade social que permita uma relativa distribuição de renda”. A solidariedade social, em linhas gerais incluem todos os cidadãos. Isso resta claro que Ibrahim (2015, p. 5), assim se manifesta:

[...] a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida digna.

Observa-se que o conceito de seguridade social transcende a segurança jurídica, visto que esse instituto social admitem inúmeras garantias e direitos do indivíduo. Ao conceber uma rede protetiva em virtude do elo que existe entre os componentes da seguridade social, Kertzman (2015) aduz: o Estado ao investir em saúde tem a pretensão que menos pessoas fiquem doentes ou que a cura seja mais rápida, sendo assim, os benefícios por incapacidade de trabalho serão menores. Sem contar que, os investimentos em previdência social, terão mais pessoas incluídas no sistema e, por conseguinte, a dependência da assistência social será pífia.

A CF/88 nos artigos 196 a 200, estabelece que a saúde constitui um direito de todos e dever do Estado, que através de políticas públicas, deve assegurar à redução de doenças, além de outros agravos. Em virtude da sua importância, está condicionada à regulamentação, fiscalização e controle do poder público.

Também o artigo 199 da CF/88 dispõe que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Mas, a cooperação deve ser de forma suplementar ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com suas diretrizes, através de contrato público ou convênio, sendo proibido destinar recursos públicos de subsídios às instituições privadas com fins lucrativos (TSUTIYA, 2013).

Importante ressaltar que segundo Branco e Mendes (2014), o SUS recebe subsídios por meio dos recursos do orçamento da seguridade social e dos entes federativos incorporando uma rede regional e hierarquizada. Tendo em vista o aspecto de regionalização do SUS, o artigo 23, inciso II da CF/88 estabeleceu cunho de solidariedade da responsabilização para com a saúde, entre os entes da federação. Significa dizer que a rede pública é do usufruto de todos, mesmo que essa pessoa possua condições de arcar com as despesas médicas, diferente da Previdência Social, pois para usufruir é necessário ter contribuído.

A previdência social está prevista nos artigos 201 e 202 da CF/88, bem como nas Leis 8.212/91 e 8.213/91. O artigo 201, dispõe que “a previdência social será organizada por meio de regime geral, de caráter contributivo e filiação”. A Lei nº 8.212/1991, Lei de Organização e Custeio da Seguridade Social, dispõe: “Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social”.

Entende-se por regime previdenciário aquele que abrange vários indivíduos ligados entre si, por meio de uma relação jurídica previdenciária, em razão do trabalho ou vínculo profissional que estão sujeitos, assegurando-os benefícios de proteção a eventualidades, a exemplo de auxílios, aposentadorias e pensões. O principal regime de previdência social da ordem interna é o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que abrange todos os trabalhadores privados (CASTRO; LAZZARI, 2016).

O RGPS é gerenciado pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social. A autarquia tem a função conceder e manter os benefícios e serviços previdenciários, dirigir os recursos do Fundo Geral de Previdência Social e orçar o montante das contribuições que incidem sobre as remunerações e demais rendimentos (CASTRO; LAZZARI, 2016).

Tendo como finalidade precípua à proteção daquele que por algum motivo não contribuiu ou nunca contribuiu, e encontra-se em situação de hipossuficiência, o Estado estabeleceu o instituto da Assistência Social, último componente da tríade Seguridade Social, que possui o principal objetivo atender as necessidades do assistido (IBRAHIM, 2015).

A assistência social encontra-se estabelecida nos artigos 203 e 204 da CF/88 e, assim igual à Saúde, não necessariamente depende de contribuição direta do segurado. Entretanto, apenas será concedida àqueles que não reúnem condições de prover a sua mantença, como a própria família também não o tem.

Ibrahim (2015), explana que a finalidade principal da assistência social é preencher as brechas deixadas pela previdência social, visto que inúmeros indivíduos não possuem remuneração e, por conseguinte, não contribuem com o sistema, impossibilitando de usufruir de algum benefício previdenciário, ao Estado cabe nesse ajustar segmento assistencial a quem precisa. 

Em suma, constata-se que a seguridade social tem por objetivo precípuo assegurar, por meio de um sistema de proteção social, a todos aqueles que forem submetidos a conjunturas de vulnerabilidade, o direito à saúde, à assistência social e à previdência social. Para tanto, é regida por princípios constitucionais que asseguram a sua indispensabilidade. 

1.2 Benefício de Assistência Social

O benefício assistencial compreende o valor de um salário mínimo, em que sua previsão encontra-se no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o qual foi regulamentado pela Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). O benefício é destinado ao idoso maior que 65 (sessenta e cinco) anos e à pessoa portadora de deficiência, que comprovem não possuir meios de prover a sua própria manutenção ou de seu núcleo familiar. Portanto, a necessidade ou miserabilidade constitui requisito para que seja concedido o benefício assistencial do Amparo Social.

O valor mínimo estipulado pela LOAS é insuficiente para a mantença dessas pessoas citadas, pois, não obstante, traz um grave problema para a sociedade de uma maneira geral, visto que há indivíduos vivendo em condições deploráveis e, mesmo assim não tem o direito consolidado. Isso porque o seu rendimento mensal ultrapassa o valor estipulado na Lei nº 8.742/93, qual seja: de até ¼ do salário mínimo por pessoa.

A maior incongruência sobre essa questão é ocasionada pelo posicionamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em não permitir a flexibilização do requisito da miserabilidade trazido pela Lei Orgânica, para conceder o benefício assistencial por meio do requerimento administrativo. Por conseguinte, vale ressaltar que, o poder legislativo não pode ser o único meio de atualizar o direito à realidade social.

Pinheiro (2012), enfatiza que o benefício supra, encontra-se intrinsicamente vinculado ao princípio da supletividade ou subsidiariedade, isto é, via de regra, qualquer que seja a atividade estatal ela possui caráter substitutivo, quer dizer, o particular tem a faculdade inicialmente, exercer esses misteres. “A proteção social do Estado, por consequência, deverá ser deflagrada como mecanismo supletivo da atividade individual” (DIAS; MACÊDO, 2008, p. 113). Significa dizer que, caso a pessoa não consiga prover a sua subsistência e de sua família, em virtude de problemas diversos, à Seguridade Social deve intervir para garantir uma vida digna ao indivíduo e sua família.

A Assistência Social, desse modo, tem como finalidade manter uma política social direcionada para atender as necessidades básicas dos indivíduos. Designada, sobretudo, em prol da: “família, maternidade, infância, adolescência, velhice, bem como a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a reintegração à vida em comunidade” (KERTZMAN. 2015 p.15).

O Estado, consequentemente, não pode, entre outros, utilizar de erros legislativos para desvirtuar direitos dos cidadãos, mesmo porque o Direito não é estanque, aliás, é bastante dinâmico, logo, o melhor instrumento contra esse ato arbitrário. Comunga neste diapasão as lições do professor Machado (2010, p. 37), de acordo com seu entendimento “o direito é um instrumento de defesa contra o arbítrio [...]. Não pode ser invocada pelo Estado contra o cidadão”. Neste sentido, não há nenhum impedimento para que o julgador faça uso de outros meios de prova, para a comprovação da condição de necessidade dos indivíduos. Tartuce (2009), vai além ao ressaltar que, ora se o Legislativo não tem condições de acompanhar a evolução social, nada mais justo que o Judiciário o faça.

1.3 Natureza Jurídica dos Benefícios

A previdência social no Brasil se mostra como um dos segmentos da seguridade social, que encontra-se definida no art. 194 da CF/88, já visto alhures. A previdência, é um seguro social característico em que seu principal objetivo, de acordo com Martinez (1998, p. 99) é, “amparar os seus segurados assim como os respectivos dependentes contra os infortúnios sociais que os incapacite de prover o próprio sustento”.

A definição do Ministério da Previdência acerca da Previdência Social é assim sintetizada:

Um seguro que garante a renda do segurado e de seus dependentes, em casos de doença, acidente, gravidez, prisão, morte e velhice, oferecendo vários benefícios que juntos garantem tranquilidade quanto ao presente e em relação ao futuro assegurando um rendimento seguro. Para ter essa proteção, é necessário se inscrever e contribuir todos os meses (BRASIL, 2006, p. 3).

Benefícios previdenciários, deste modo, encontram-se centrados na esfera da seguridade social e possuem natureza assistencial. São designados ao pagamento dos segurados e seus dependentes, a fim de que estes possam ter condições de subsistência quando advier a perda ou redução da habilidade laborativa do trabalhador.

Considerando que a previdência social não pode ser vista como sendo de natureza jurídica contratual, tendo em vista que não há vontade do segurado, pois isso é feito de forma compulsória, ainda que se tenha o segurado facultativo, mas vale lembrar que essa facultatividade apenas encontra-se presente na previdência de cunho complementar.

Ibrahim (2015), diz que a obrigatoriedade de filiação ao sistema previdenciário constitui norma de ordem pública, portanto defeso ao contribuinte segurado se manifestar o seu desejo da não filiação, por já ter previdência privada. A questão do regime compulsória elenca várias justificativas, dentre ela é possível citar: a solidariedade que assegura o pagamento dos benefícios, embora existam pessoas que contribuem insuficientemente ou mesmo àqueles que nunca contribuíram que recebem um benefício assistencial. Acerca dessa assistência, Martins (2014, p. 21), aduz: “A assistência social irá tratar de atender os hipossuficientes, destinando pequenos benefícios a pessoas que nunca contribuíram para o sistema”.

Seguindo o mesmo raciocínio, Cutait Neto (2009, p. 80), assevera que o segurado por contribuir obrigatoriamente como o sistema, “tem o direito de exigir que, na qualidade de trabalhador, lhe sejam prestados os benefícios e serviços que o instrumental protetivo da previdência social ofereça”. Essa relação, emerge a partir da ideia da solidariedade, que dá legitimação de todos os membros da sociedade na composição da seguridade social, existindo assim uma relação jurídica entre ambos.

Assim, diante do enunciado Ibrahim (2015, p. 29), assim se manifesta:

Em verdade, a natureza dos regimes básicos previdenciários é institucional ou estatutária, já que o Estado, por meio de lei, utiliza-se de seu Poder de Império e cria a figura da vinculação automática ao sistema previdenciário, independente da vontade do beneficiário. Por isso o seguro social é vinculado a ramo público do direito (Direito Previdenciário), ao contrário do seguro tradicional, que é vinculado a ramo priva (Direito Civil).

O seguro social age, em linhas gerais, por meio de prestações previdenciárias em que se configuram de benefícios de natureza pecuniária ou serviços que, aí incluem: reabilitação profissional e serviço social. Esses benefícios podem ser feitos de forma programada ou não, conforme a previsão do evento categórico.

Como exemplo, pode-se dizer: o empregado que tem um mal súbito e fica temporariamente afastado das suas funções, esse segurado terá direito ao benefício do auxilio doença e sua natureza não foi programada, mesmo porque não se pode dizer que uma pessoa ficou doente porque assim quis. Já no que se refere a idade avançada, também tem a sua proteção, sendo esta de natureza programada, afinal essa questão é fato, pois todos envelhecem.

1.4 Princípios que regem os benefícios de Assistência Social

O artigo 194, § único da CF/88 evidencia que a seguridade social será estabelecida, nos termos da lei, tendo por base os objetivos que relaciona. E a assistência social de acordo com a previsão constitucional tem por escopo principal: proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; amparar as crianças e adolescentes carentes; promover a integração ao mercado de trabalho; habilitar e reabilitar as pessoas portadoras de deficiência promovendo a sua integração à vida em sociedade (art. 203, CF/88).

Entretanto, pela composição das disposições, esses objetivos funcionam como verdadeiros princípios setoriais, ou seja, a sua aplicabilidade é somente à seguridade social. É por isso que a Lei nº 8.742/93, elenca no art. 4º os princípios que regem a assistência social, que pode-se dizer são fontes do direito.

Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:

I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

Por esses princípios é possível constatar que a seguridade social busca destacar a realização das necessidades básicas dos indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade social, em verdade o que se procura e a restauração e/ou preservação da dignidade humana, sem nenhum viés econômico, pois os benefícios assistenciais independem de contribuições dos beneficiários.

Amado (2018), aduz que o assistencialismo e inclusão social daqueles que precisam, devem atingir os direitos sociais. O que não significa se uma pessoa necessita desse benefício ou de serviços assistenciais o Estado ou a sociedade irá colocá-lo em situação vexatória, ao contrário, deve-se preservar a sua dignidade, qualquer ato discriminatório ou preconceituoso deve ser combatido com veemência.

1.5 Breves considerações sobre a Assistência Social

Como já dito alhures a assistência social deve promover uma política social direcionada ao atendimento das pessoas que necessitam do seu amparo. Então, na esfera dos direitos fundamentais, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem ser parceiros. Conquanto, a sociedade através das pessoas jurídicas de direito privado também devem participar da assistência social através das instituições sem fins lucrativos, porém, não se pode olvidar que a responsabilidade primeira é do Poder Público.

Pensando justamente na questão da criação de uma Politica Nacional de Assistência Social (PNAS) criou-se o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) através da Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), esse Conselho está vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Trata-se de um órgão superior de deliberação colegiada, em que dentre as suas competências, conforme previsto no art. 18, estão:

I - aprovar a Política Nacional de Assistência Social;

II - normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública e privada no campo da assistência social;

III - acompanhar e fiscalizar o processo de certificação das entidades e organizações de assistência social no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; (Redação dada pela Lei nº 12.101, de 2009);

IV - apreciar relatório anual que conterá a relação de entidades e organizações de assistência social certificadas como beneficentes e encaminhá-lo para conhecimento dos Conselhos de Assistência Social dos Estados, Municípios e do Distrito Federal; (Redação dada pela Lei nº 12.101, de 2009);

V - zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de assistência social; [...]

VIII - apreciar e aprovar a proposta orçamentária da Assistência Social a ser encaminhada pelo órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social;

IX - aprovar critérios de transferência de recursos para os Estados, Municípios e Distrito Federal, considerando, para tanto, indicadores que informem sua regionalização mais equitativa, tais como: população, renda per capita, mortalidade infantil e concentração de renda, além de disciplinar os procedimentos de repasse de recursos para as entidades e organizações de assistência social, sem prejuízo das disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias;

Importante dizer que cabe aos , dentro dos seus respectivos territórios, os programas assistenciais. A descrição das competências de cada ente federativo encontra-se estabelecida nos arts., 12 a 15 da LOAS.

Um marco de extrema importância para aperfeiçoar a assistência social no Brasil foi a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que surgiu pela Resolução 130 de 15 de julho de 2005, do CNAS, aprovando as Normas Operacionais Básicas do SUAS. Com a normatização da Lei nº 12.435/2011, promovendo alterações de vários dispositivos da LOAS, o SUAS passou a ter previsão legal.

A forma de atuação do sistema, teve bastante semelhança ao SUS, Lenza (2013), assevera que a pretensão da Lei nº. 12.435/2011 foi aperfeiçoar o serviço de Assistência Social, agregando serviços públicos e privados, buscando definir mais minuciosamente as responsabilidades das entidades participantes do sistema, de tal sorte tornar efetiva a proteção social assegurada pelo art. 203 da CF/88.

Amado (2018), aduz que o SUAS terá em sua composição a Proteção Social Básica, destinada a população que são hipossuficientes ou vivem em situação de vulnerabilidade social oriundos da pobreza, precariedade, ausência de rendas, acesso aos serviços públicos inexistentes ou insuficientes, dentre outros, além da fragilização de vínculos efetivos e de discriminações sociais, quer seja, por idade, etnias, gênero, deficiência ou outras questões relacionadas.

Caberá, portanto a União,


2 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA 

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) também denominado de amparo social é assegurado pela CF/88 equivalendo-se a um valor de um salário mínimo de benefício mensal destinado à pessoa com deficiência e ao idoso que possam comprovar insuficiência econômica para prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, de acordo com os preceitos legais.

A previsão deste benefício encontra-se no art. 203, V, da CF/88, estando disciplinado pelos arts. 20 e 21 da LOAS, com regulamentação do Decreto nº. 6.214, de 26.09.2007 e redação dada pelo Decreto nº. 7.617/2011. Para efeitos da concessão considera-se idoso e deficiente:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 

[...]

§ 2º.  Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015).

A concessão do benefício, para pessoas com deficiência, encontra-se relacionada à prévia avaliação da deficiência e da condição de impedimento. Significa dizer que, é imprescindível que a perícia indique qual a deficiência constatada conforme o § 2º citado, além de apontar o grau de impedimento para o trabalho e para a integração social.

Não se deve desprezar que a Lei nº. 12.470/2011, movida, certamente, pelos anseios da doutrina, acrescentou ao art. 20, o § 10, em que identifica-se a possibilidade de percepção do amparo assistencial àquelas pessoas com impedimentos de longo prazo, isto é, os incapacitados para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 anos.

Realçando que esse benefício tem caráter personalíssimo, ou seja, não tem natureza previdenciária, sendo assim, não origina nenhum direito de pensão em caso de morte (art. 23 do Decreto nº. 6.214/2007). Igualmente não gera nenhum direito a abono anual (art. 22 do mesmo Decreto), caso venha a óbito o beneficiário, os dependentes não tem direito à pensão.

De acordo com Folmann e Soares (2012), a cada dois anos o beneficio é revisto e não gera direito ao 13º salário, o seu cancelamento se dá conforme esses critérios: óbito do beneficiário; ao cessar a incapacidade; renda per capita for superior o estipulado em lei; acumulo com outro benefício (exceto de assistência médica).

Um novo entendimento trazido pelo Decreto nº 6.214/2007, em seu art. 23; § único, foi que: “O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil”. Ressaltando que no dispositivo legal anterior não havia essa previsão. Oportuno realçar que ao implantar o BPC alguns benefícios foram extintos, tais como: renda mensal vitalícia, auxílio-natalidade e auxílio-funeral, visto que anteriormente estes existiam no âmbito da Previdência Social.

O BPC também faz parte da proteção social básica no âmbito do SUAS e encontra-se integrado pela PNAS, que dentre outras coisas tem o intuito de erradicar e/ou minimizar os índices de pobreza, garantir a proteção social e prover condições adequadas de atendimento aos contingentes sociais e universalizar os direitos sociais, conforme estabelecido no art. 2º; § único, da  Lei nº. 8.742/1993.

O BPC destina-se às pessoas que vivem em extrema situação de pobreza ou carentes, inclusive àquelas que não possuem família ou moradia. O Decreto nº 6.214/2007 traz em seu arcabouço no art. 13, § 6º, que a “pessoa em situação de rua” (grifo nosso), também faz jus ao beneficio.  Nesse caso, de acordo com Aguiar (2017), a referência adotada deve ser o endereço do serviço da rede socioassistencial que o acompanha, ou, caso contrário, pessoas com as quais tenha relação de proximidade e convive na mesma situação. Por relação de proximidade entende-se indivíduos apontador pelo requerente e do seu convívio que podem ser facilmente localizados (§ 8º).

A Portaria Conjunta SPS/INSS/SNAS nº 2 de 19 de setembro de 2014, no art. 2º, inciso VII define população de rua da seguinte forma:

[...] grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente [...].

O grupo familiar a ser considerado é o mesmo elencado acima e convivam com o requerente também em situação de rua. Devendo, neste caso, ser  relacionadas na Declaração da Composição e Renda Familiar.

Não obstante, no entendimento de Lazzari e Castro (2016), embora o benefício seja de uma prestação derivada da assistência social, a instituição jurídica responsável por sua concessão, manutenção e fiscalização é o INSS, conforme disposto no art. 29, § único, da Lei n. 8.742/1993. Desse modo, os recursos de responsabilidade da União designados para financiar o BPC devem ser repassados pelo Ministério da Previdência diretamente ao INSS.

Em suma, para fazer jus ao BPC à pessoa idosa, deficiente ou àquela que por algum motivo não tem como se manter deve possuir uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. À título didático pedagógico é  importante realçar que o fato de certas pessoas, ainda que estejam doentes com patologia de câncer, doenças cardíacas crônicas, AIDS dentre outras não são consideradas deficientes.

A esse respeito assim se pronuncia Pierotti (2011), doença não é a mesma coisa que deficiência, embora algumas pessoas sofram das patologias elencadas ou outras de origem crônica e são incapacitantes para atividades laborais, mas se não tiverem sequelas motoras, intelectual, mental, cegueira, entre outras, não se enquadram como pessoas com deficiências. E para fazer jus ao beneficio precisa se enquadrar na renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

2.1 Renda Per Capita: Características e Conceitos

Um dos principais critérios, senão o principal, para conceder o benefício assistencial se esbarra em reconhecer a renda familiar, que de acordo com a Lei 8.742/1993 não pode ultrapassar ¼ do salário mínimo, qualquer valor acima disso há o indeferimento do beneficio.  A LOAS no art. 20 § 3o dispõe: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. Todavia, analisando literalmente o texto infraconstitucional, pode esbarrar na real condição da família.

Sob a ótica da Lei nº 8.742/93, a família conforme estabelecido no art. 20; §1º é composta: “pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. Em que pese essa definição, em linhas gerais, pessoas que habitam sob o mesmo teto constitui requisito geral de admissibilidade para ser integrantes do mesmo grupo familiar.

Ao estipular um valor absoluto que comprove a miserabilidade, considera-se o parâmetro de pobreza estabelecido pelo Programa Nacional de Acesso a Alimentação (PNAA), que de acordo com a Lei nº. 10.839/2003, dispõe:

Art. 2º O Poder Executivo definirá:

§ 2º Os benefícios do PNAA serão concedidos, na forma desta Lei, para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo.

§ 3º Para efeito desta Lei, considera-se família a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e mantendo sua economia pela contribuição de seus membros (grifo nosso).

§ 4º O recebimento do benefício pela unidade familiar não exclui a possibilidade de recebimento de outros benefícios de programas governamentais de transferência de renda, nos termos de regulamento.

§ 5º Na determinação da renda familiar per capita, será considerada a média dos rendimentos brutos auferidos pela totalidade dos membros da família, excluídos os rendimentos provenientes deste Programa, da Bolsa-Alimentação, e da Bolsa-Escola.

§ 6º No levantamento e na identificação dos beneficiários a que se refere esta Lei, será utilizado cadastro unificado para programas sociais do Governo Federal.

Todavia, Lazzari e Castro (2016), enfatizam que embora vivendo sob o mesmo teto, existem pessoas que podem permanecer excluídas do grupo, tire como exemplo, indivíduos sem relação de parentesco, e também alguns parentes, incluindo-se aí: filhos e enteados casados (divorciados ou viúvos), netos, irmãos casados (divorciados ou viúvos), sobrinhos e avós, entre outros. Os filhos solteiros de qualquer idade passaram a compor o grupo familiar, o limite de 21 anos de idade não existe mais.

Entretanto, importante destacar que esta conceituação de grupo familiar é estabelecida pelo art. 20, § 1º., da Lei n. 8.742/1993, já elencada, tendo excepcionalmente e exclusivamente a finalidade precípua de fazer os cálculos relacionados a renda per capita.

O questionamento pronunciado anteriormente continua em evidência, ou seja, os critérios de renda individual dos membros familiares no caso concreto podem ser flexibilizados, adotando outros critérios mais apropriados, v.g., abater da renda familiar os gastos com medicamentos que não estão disponíveis no SUS. Sobre esses critérios a própria Lei nº 8.742/93, prevê essa flexibilização, pois em seu art. 39, dispõe:

Art. 39. O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), por decisão da maioria absoluta de seus membros, respeitados o orçamento da seguridade social e a disponibilidade do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), poderá propor ao Poder Executivo a alteração dos limites de renda mensal per capita definidos no § 3º do art. 20 e caput do art. 22.

Mesmo havendo essa possibilidade e por ser um assunto um tanto complexo, o CNAS por meio dos seus membros nem cogitaram entrar nesta seara, assim, essa providência, jamais foi adotada.

Em julgamento da ADI 1.232/1998 o STF decidiu que o art. 20, § 3º da LOAS é critério objetivo e, plenamente constitucional, portanto tem que ser cumprido, mas de acordo com Amado (2018), mesmo que a Corte Suprema tenha se posicionado pela constitucionalidade do dispositivo, não restou clarividente que não utilizasse outros critérios para comprovar a renda mínima. Embora várias discussões a respeito, em 2013 ao julgar os Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963 o STF decidiu: “por maioria de votos, o STF pronunciou a inconstitucionalidade material incidental do §3º, do artigo 20, da Lei nº 8.742/93, que prevê o critério legal da renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo para a caracterização da miserabilidade” (AMADO, 2018, p. 54, grifos do autor).

Não obstante, que a decisão em tela resta clara o posicionamento da Suprema Corte é relevante arrolar a decisão, mesmo que sucintamente para efeitos didáticos e melhor entendimento. Neste viés a decisão foi:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. [...] 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei nº 8.742/93. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. [...] Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado Brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronuncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/93. (STF, RE 567985, de 18/04/2013).

A decisão em voga não tem efeito vinculante, visto que não foi decidido em controle abstrato de constitucionalidade, esse é o motivo pelo qual o INSS continua adotando administrativamente o critério de renda per capita estipulada na Lei nº 8.742/93, qual seja, ¼ inferior ao salário mínimo.

Ademais, caso o INSS deixasse de lado o critério legal invalidado pelo STF, não haveria nenhum outro a adotar, pois o Congresso Nacional não tomou nenhuma posição para a sua validação, logo é válida a decisão postural da autarquia previdenciária até que haja uma solidificação legislativa sobre o tema.

2.2 Incongruências Administrativas e Judiciárias acerca da Renda per Capita

Não se pode deixar de lado que foi para assegurar e garantir a dignidade humana que o art. 203 da CF/88 atribuiu ao Estado o dever de oferecer assistência social para todos que necessitam, mesmo que não tenham contribuído para a seguridade social, a partir do momento em que for verificada uma limitação física ou mental que impeça ou dificulte o exercício de uma atividade laboral e, por conseguinte, não obtenha meios de se prover à própria manutenção, desde que essa pessoa esteja convivendo em um grupo familiar e social que não o ampare.

A CF/88, fixou em um salário mínimo a remuneração mínima e o valor dos benefícios previdenciários, demonstrando que ninguém pode ter seu sustento provido com valor inferior. Porém, fixando em ¼ do salário mínimo o fato discriminante para aferir a necessidade, pode-se dizer que o legislador optou pela inconstitucionalidade do instituto, mesmo porque promoveu aos necessitados conceitos distintos de bem-estar social, utilizando como presunção que a renda per capita superior a ¼ do mínimo seria a ideal e suficiente para a sua manutenção.

Ora, como bem explanado por Canotilho (2007), ao quantificar o bem-estar social em valor inferior ao salário mínimo é a mesma coisa que “retroceder no tempo” em se tratando de direitos sociais. A ordem jurídica constitucional e infraconstitucional não pode “retroceder” em termos de direitos fundamentais, pois se assim o fizer estará indo na contramão ao princípio do não retrocesso social.

O STJ, julgando processos sobre esse assunto, tem decidido conforme o posicionamento do STF que ao não retirar a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar; aquela de ¼ do salário mínimo estaria configurada presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outras provas. Daí que, ultrapassado o limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para demonstrar a condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência. O STJ em Recurso Especial, assim se manifestou:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFPÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. [...] 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº. 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e da sua família. 4. Recurso especial a que s e dá provimento (STJ – Resp. 841.060/SP – Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura – DJU 25.06.2007).

Na seara desse entendimento a Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso exclui do cômputo, para cálculo da renda per capita, o benefício de prestação continuada anteriormente concedido a outro idoso do grupo familiar (art. 34, § único). O Decreto nº 6.214/2007 repete o comando da lei conforme o art. 19, § único. A Turma de Uniformização Nacional (TUN) entende da mesma forma, a interpretação análoga é perfeitamente possível com o Estatuto do idoso, em conformidade com o julgado do processo nº 2006.63.06.001310-9/SP (PIEROTTI, 2011).

Essa condição é plenamente justificável, afinal é notório que na velhice as despesas, principalmente com medicamentos são maiores, sem falar em planos de saúde, pois o sistema de saúde pública deixa muito a desejar. Assim, a título de exemplo, se um casal de idosos, em que um deles já recebe o BPC, como pela regra do Estatuto não é computado a título do cálculo da renda, é perfeitamente possível os dois receberem o benefício.

Mas, em se tratando de pessoa com deficiência, também existe essa possibilidade? Entende-se que essa decisão abre precedente, logo deve ter a sua aplicabilidade adotando o mesmo critério, por analogia, excluindo-se para computar a renda per capita familiar o benefício assistencial também concedido à outra pessoa com deficiência do grupo familiar. Existem julgados que também entendem que até mesmo o benefício previdenciário com renda mensal de um salário mínimo não deve ser computado.

“[...] VII — Embora o dispositivo legal refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem [...]” (TRF 3ª Região, AC 200761110005413, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, DJF3 CJ2 13.01.2009, p. 1636).

Posição diferente vem do STJ, ao se posicionar de maneira contrária o emprego interpretativo analógica da Lei Assistencial com o Estatuto do Idoso, o parecer do Ministério Público, no posicionamento do Ministro Nilson Naves foi: “nesse cálculo somente serão desconsiderados os benefícios assistenciais, restando incabível o entendimento de que a expressão alcançaria qualquer tipo de beneficio, inclusive o previdenciário” (RESp. 1.056.306-SC; Rel. Min. Nilson Naves; 11.06.2008).  O entendimento é que o critério de miserabilidade deve ser interpretado conforme o caso em concreto cabendo ao magistrado lograr essa condição.

Em casos que o idoso ou a pessoa com deficiência esteja em situação de cuidados de saúde especiais, não se tem a necessidade que estes sejam interditados judicialmente para requerer o BPC, mesmo porque em conformidade com o artigo 35 do Decreto nº. 6.214/2007: “O beneficio devido ao beneficiário incapaz será pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta, e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento”. O período de 6 (seis) meses poderá ser prorrogado por iguais períodos se tiver a comprovação do andamento de processo legal de tutela ou curatela.

Santos e Lenza (2013), esclarecem que embora esses indivíduos estejam abrigados em instituições de longa permanência, o idoso e a pessoa com deficiência preenchendo os preceitos legais têm direito ao benefício (art. 20,§ 5º, da LOAS). O art. 6º do Decreto nº. 6.214/2007 dispõe que esse internamento, no caso, deve ser em hospital, abrigo ou instituição congênere.

Cabe, portanto, ao INSS operacionalizar o BPC, tendo como fundamento o art. 3º do Regulamento. A tramitação de todo o procedimento administrativo de operacionalização do BPC se dá no âmbito do instituto em tela. O requerente deve submeter-se às avaliações médica e social por peritos do INSS. Nos casos em que há indeferimento do benefício, caberá processo recursal à Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social, no prazo de 30 dias, contados do recebimento da comunicação.

Pode-se dizer que o real escopo da CF/88, não encontra-se resumido à concessão de uma salário mínimo à pessoa com deficiência, idosos, crianças e adolescentes e pessoas em situação de miserabilidade, mas também assegurar a proteção a essa clientela. Logo, a verdade é que a renda per capita de ¼ do salário mínimo não pode e não deve ser o único requisito para pleitear o amparo social.

2.3 A Relativização da Renda Per Capita Familiar em Face dos Princípios Constitucionais

Como já apontado em tópicos anteriores, o BPC é concedido aos idosos e pessoas com deficiências que não reúnem condições de prover a sua subsistência, nem tampouco a sua família, estes agentes estão na linha de pobreza, ou seja, são vistos em uma situação de carência de recursos. Por linha de pobreza, segundo Crespo e Gurovitz (2002, p. 3) se entendem:

Uma linha de pobreza relativa pode ser definida, por exemplo, calculando a renda per capita de parte da população [...].  A percepção da pobreza como conceito relativo é uma abordagem de cunho macroeconômico, assim como o conceito de pobreza absoluta. A pobreza relativa tem relação direta com a desigualdade na distribuição de renda. É explicitada segundo o padrão de vida vigente na sociedade que define como pobres as pessoas situadas na camada inferior da distribuição de renda, quando comparadas àquelas melhor posicionadas.

O âmbito da segurança de proteção aos mais necessitados, por conseguinte, inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes, além de v.g., a distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados. A assistência social positivada na Carta Magna assegura isso aos cidadãos.

Interpretando sistematicamente o texto constitucional, é possível admitir que o maior objetivo da assistência social brasileira e prestar atendimento ao cidadão incapaz e privado do mínimo para ter a sua dignidade restaurada. Qualquer entendimento diverso desse seria como deixar o cidadão excluído socialmente, bem como deixado à mercê do Estado Social de Direito.

Savaris (2005), aduz que o incapaz é considerado para fins de adquirir beneficio assistencial, previsto na CF/88, art. 203, V, a pessoa que tem dificuldade de inclusão na sociedade por motivos psicológicos, fisiológicos ou anatômicos. Independentemente se esta dificuldade de inserção esteja repercutindo no trabalho ou na vida cotidiana. Isso tem a ver com a dignidade humana.

Tendo por propósito sintetizar o entendimento acerca dos princípios norteadores da seguridade social e, por conseguinte, àqueles que colaboram à assistência social, oportuno destaca-los, conforme colacionado no quadro 1.

Quadro 1 – Princípios da Seguridade Social e suas Características

PRINCÍPIOS

CARACTERÍSTICAS

Universalidade da Cobertura e do Atendimento

Confere a maior abrangência possível às ações da seguridade social no Brasil, na medida dos recursos disponíveis.

Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais

Proíbe qualquer discriminação em desfavor das populações urbanas ou rurais, devem ser tratados todos de forma isonômica.

Seletividade

Escolhe e seleciona os benefícios e serviços da seguridade social, bem como os requisitos para sua concessão, conforme as necessidades sociais e disponibilidade de recursos.

Irredutibilidade do valor dos benefícios

Não é permitido reduzir os valores do beneficio e ainda a Constituição garante reajuste para manter seu valor real

Diversidade da base de financiamento

O financiamento da seguridade social deverá ter múltiplas fontes, no sentido de garantir a sua solidez.

Gestão quadripartite

A gestão será democrática e descentralizada, envolvendo representantes dos trabalhadores, empregadores, aposentados e do Poder Público.

Solidariedade

A solidariedade visa proteger as pessoas em momento de necessidades.

Precedência da fonte de custeio

Nenhum benefício ou serviço poderá ser criado, majorado ou estendido sem citar a fonte correspondente.

Fonte: Com algumas adaptações de Amado (2018).

Com a implantação do estado provedor, as medidas assistenciais de cunho social passaram compor uma categoria de um dever governamental, pois a partir de então o Poder Público evidenciou a obrigação do Estado conceder a quem delas necessitasse. É válido dizer, portanto que a questão da miserabilidade é algo que precisa ser combatido veemente.

Corrobora com esse entendimento Folmann e Soares (2012, p. 45), ao trazerem a seguinte explicação:

Neste sentido, é necessário utilizar, no caso concreto, de elementos subjetivos que comprovem o real estado de necessidade do requerente, servindo-se do requisito objetivo apenas como mais um instrumento na identificação do contexto socioeconômico em que vive o requerente

Por esse entendimento não há o que se falar em restrição da renda per capita em ¼ do salário mínimo, pois taxar a questão da pobreza e miséria baseada neste critério (como já apontado) não condiz com a realidade fática e concreta da situação das pessoas que necessitam do amparo social.

Com o julgamento da ADIn 1.232 do STF não reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93. Surgiram duas correntes de argumentação no tocante ao critério da renda per capita positivada no dispositivo legal: a corrente governamental em que o INSS é seu maior defensor e o STF que reconhecendo a constitucionalidade, não se deve deixar de lado o caso concreto, ou seja, deve-se reconhecer efetivamente o assistencialismo brasileiro.

O entendimento dos Ministros julgadores da ADIn supracitada reconheceram a necessidade de agregar outros instrumentos de análise para constatar a condição do indivíduo ao beneficio assistencial. Folmann e Soares (2012), realçam que o fato do dispositivo em julgamento ser considerado constitucional não exclui outros meios de prova à condição de miserabilidade da pessoa, ao menos é isso que transparece a Carta Magna e os Ministros por ocasião do julgamento.

O Ministro Gilmar Mendes em julgamento de Reclamação nº 4.374, assim se pronunciou: “[...] não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão [...]”. Em seu parecer o Ministro vai além ao ponderar que: “[...] constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais tem feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova [...]” (STF – RECLAMAÇÃO 4374 MC/PE, 2006).

Ainda que a Suprema Corte admita outros meios de comprovação de renda per capita, acima do estipulado no preceito legal da Lei nº 8.742/93 adota esse preceito como critério objetivo, é justamente nessa corrente que o INSS se fundamenta.

A outra corrente mais assistencial parece ser a mais acertada, pois parte do entendimento adequado do interesse do Estado Social de Direito, ao analisar o dispositivo em apreço, presume-se a iuris et iure[1] a ser complementada por outros meios probantes das necessidades da pessoa em situação de miserabilidade.

O STJ de maneira reiterada tem interpretado dessa forma, o que pode ser verificado no texto a seguir: “na hipótese de comprovada a renda por pessoa inferior a ¼ do salário mínimo, presume-se absolutamente, iuris et iure (!), a miserabilidade. Tal presunção não obsta a demonstração da penúria por outros meios de prova em direito admitidas, juris tantum” (RESp. 478.379/RS – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – j. em 16.03.2006 – DJ 03.04.2006).

Em outro julgado, o posicionamento não foi diferente, como constatado no parecer do Ministro Napoleão Nunes:

A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para provar a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo (REsp. 1.112.557/MG – 3ª Seção – Rel. Min.  Napoleão Nunes Maia Filho – Dje 20.11.2009).

Esta parece ser a decisão mais acertada e congruente com a situação de necessidade das pessoas que necessitam amparo social. Coerentemente a jurisprudência tem mantido o entendimento da admissibilidade de outros meios de prova para a configuração da necessidade do indivíduo. Este também é o posicionamento pacificado no STF no julgamento dos Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963 julgados em 18/04/2013.   


3 A LEI Nº. 8.742/93 – LOAS E SUAS PECULIARIDADES

A assistência social sempre foi tida como uma maneira de proteger os assim denominados grupos vulneráveis, neste estudo inclui-se; idosos, pessoas com deficiência e àqueles que estão abaixo da linha da pobreza, que independente da causa, vive às margens da sociedade.

Lembrando que a população idosa aumentou consideravelmente no País, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 havia 28 milhões de idosos (13,5%) da população, segundo projeções do instituto em dez anos, chegará a 38,5 milhões (17,4% do total de habitantes). Com a edição da Lei n º 8.742/93 do LOAS e redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o art. 20 considera-se idoso a pessoa com: “[...] 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família”. Significa que a renda familiar não pode ultrapassar ¼ do salário mínimo.

Já no que tange a população de deficientes, no último Censo Demográfico (2010), 45,6 milhões de pessoas declararam ter pelo menos um tipo de deficiência, seja do tipo visual, auditiva, motora ou mental/intelectual (BRASIL, 2010). Apesar de representarem 23,9% da população brasileira em 2010, estas pessoas não vivem em uma sociedade adaptada. Porém, para fazer jus ao beneficio assistencial implica que a incapacidade para a vida independente e para o trabalho (grifo nosso) por 2 (dois) anos ou mais.

Incapaz para a vida independente e para o trabalho no entendimento de Miranda (2007, p. 277), “é aquele que não pode se sustentar, necessitando do auxílio ou atenção de terceiro para a execução de tarefas que lhe exija maior esforço”. Contudo, para fazer jus ao beneficio a pessoa com deficiência necessita preencher alguns requisitos, como bem explana julgado da Segunda Turma Recursal do Tribunal Regional Federal (TRF), in verbis:

[...] A concessão do benefício assistencial encontra-se atrelada ao preenchimento dos requisitos previstos no art. 6º, incisos I e II do Decreto nº 1.744/95, quais sejam, a deficiência incapacitante para a vida independente e o trabalho, e a falta de meios do grupo familiar para prover subsistência. [...] (TRF5 – APELAÇÃO CIVEL Nº 341013 PB (2004.05.99.0010360) – ORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE CONCEIÇÃO – PB – RELATOR: JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI – Segunda Turma).

O LOAS, segundo Pierotti (2011), representa 12,4% do total de benefícios concedidos à pessoa com deficiência, isso reforça a sua importância para o Estado brasileiro e para àqueles que o recebem, pois contribui para aumentar a distribuição de renda, especialmente para às pessoas menos favorecidas.

Já em relação do beneficio estendido ao idoso, antes de procurar ajuda do Estado, cabe a família prover a subsistência dos seus, como bem estabelece a CF/88 no artigo 229, a responsabilidade dos filhos maiores a amparar os pais, in verbis: “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. A responsabilidade do Estado, desse modo, é subsidiária, no que concerne a concessão do benefício assistencial.

Adversamente, é inegável admitir que na velhice as despesas do cotidiano sejam bem maiores, remédios, alimentação adequada, vestuário, sem contar logicamente com planos de saúde. Visando suprir essa condição, Pierotti (2011, p. 54), destaca que: “a Lei 10.741, de 01/10/2003, abrandou pra os idosos a comprovação do requisito da hipossuficiência, no que concerne à exigência da renda per capita ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo”.

Esse abrandamento está positivado no parágrafo único, do artigo 34, do Estatuto do Idoso, que assim dispõe: “art. 34. [...]; Parágrafo único: o benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere o LOAS”.

Desse modo, a condição que mais se adapta ao interesse do Estado Social de Direito, pois assim entendem Folmann e Soares (2012), a interpretação deve ser feita da Lei do LOAS, no artigo 20, § 3º como presunção iuris et de iure a ser complementada por outros meios probantes que comprovem a necessidade dos idosos e dos deficientes.

Esse também é o entendimento do STJ que, reiteradamente tem adotado essa interpretação, conforme relatado no texto a seguir:

A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios  para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo (RESp. 1.112.557/MG – 3ª Seção – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – Dje 20.11. 2009).

PROCESSUAL CIVIL PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, AFERIÇÃO DO ESTADO DE MISERABILDIADE POR OUTROS MEIOS QUE NÃO A RENDA FAMILIAR “PER CAPITA” INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO.

1. A terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no regime do art. 543-C CPC, uniformizou o entendimento de que possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência, por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal “per capita” inferior  a1/4 do salário mínimo (AGA 1. 164.852, DE26.10.2010).

Consoante recurso especial repetitivo 1.112.557/MG, a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada s única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para provar a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo (AgRg no AREsp 379927, de 15/10/2013).

 Entende-se, portanto que o idoso ao receber o amparo social e tendo outra pessoa na mesma condição em seu domicilio os valores não devem constar para calcular a renda per capita, logo, pode-se dizer que isto comprova que a justiça social está sendo feita.

3.1 Sistemas classificatórios da condição da miserabilidade

De acordo como já exposto, o benefício de prestação continuada pé estendido às pessoas com deficiência, idosos e àqueles que vivem na linha da pobreza e não tenham condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido pela sua família.

3.1.1 Sistema Relativo

Ferreira e Litchfield (2003), dizem que na Europa, questões relacionadas à pobreza são vistas como um conceito relativo, pois a sua definição de família pobre se resume naqueles no qual a renda é inferior a estabelecida percentualmente a uma renda média.

Já no Brasil, não há essa relatividade, visto que existe uma desvinculação do grau da pobreza e da desigualdade, isso demonstra um critério mais apropriado para aqueles que fazem jus ao benefício assistencial conforme a Lei nº 8.742/93. A condição pode ser destacada por um cálculo da linha de pobreza, que segundo Rocha (2003, p. 48), pode ser assim sintetizada:

A primeira etapa consiste em determinar, para a população em questão, quais são as suas necessidades nutricionais. A etapa seguinte objetiva derivar, a partir das informações de pesquisa de orçamentos familiares, a cesta alimentar de menor custo que atenda às necessidades estimadas. O valor correspondente a essa cesta é a chamada linha de indigência (LI), parâmetro de valor associado ao consumo alimentar mínimo necessário. [...] Esse valor associado é obtido de forma simplificada, correspondendo geralmente à despesa não-alimentar observada quando o consumo alimentar adequado .    

Por esse entendimento, entende-se, por ser um Brasil um país de enorme diversidade cultural entre as regiões, esse cálculo deveria ser feito de maneira regional, mas isso não é feito, logo o sistema relativo para calcular a miserabilidade não se adota no território brasileiro.

3.1.2 Sistema Legal-Constitucional

O sistema legal-constitucional é o que se adota no Brasil para fins de aferição da miserabilidade. O art. 203, inciso V, da CF/88 era um dispositivo com eficácia limitada, significa dizer que, para produzir eficácia plena havia a necessidade da edição de uma lei regulamentando este dispositivo constitucional.

Assim, a Lei nº 8.742/93 da LOAS, regulamentou o artigo dando-lhe status de norma constitucional de eficácia plena, conforme disposto no § 3°, do artigo 20, da Lei em comento, regulando à concessão do benefício cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo

Os requisitos básicos exigidos para essa concessão de acordo com a LOAS, art. 20, § 12, são: “[...] a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento”.  (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019). Não há exigência de filiação à Previdência Social, pois trata-se de um benefício assistencial e não previdenciário.

Pierotti (2011), aduz ser preciso, mormente, avaliar a situação concreta de condições de vida do idoso ou da pessoa deficiente. Para tanto, é imprescindível a visita de um assistente social, ou de quem lhe faça às vezes, quer seja o benefício requerido no âmbito administrativo ou judicial. A visita tem o condão de verificar as condições de vida e a pobreza em que vivem essas pessoas e sua família.

A condição de pobreza deveria ser percebida como no ensinamento de Sen (2003, p. 142):

A pobreza deve ser e vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixa de nível de renda, que é critério tradicional da identificação da pobreza. Isso implica dizer que a “pobreza real” (no que se refere à privação de capacidades) pode ser, em um sentido significativo, mais intensa do que pode parecer no espaço renda.

No entanto, conforme apontam Pierotti (2010); Folmann e Soares (2012), não era a vontade de o legislador adotar de forma objetiva o critério do § 3°, do artigo 20, da LOAS, no que tange à renda per capita superior a ¼ do salário mínimo, que ora denomina-se sistema legal-constitucional e que posteriormente será analisada à luz do entendimento do Colendo STF.

3.2 Critério de Miserabilidade e os Programas Assistencialistas do Governo

Buscando atender ao Estado Social de Direito construído pela CF/88, o governo brasileiro implanta programas sociais visando atender ás condições mínimas do cidadão, que não reúne qualidades de subsistência por si mesma ou por sua família.

Por conseguinte, existem leis sucessoras da Lei 8.742/93, que regulam os programas assistenciais em múltiplas áreas que incluem: do auxílio-gás ao programa de erradicação do trabalho infantil.

Ocorre que, ao contrário do critério adotado pela Lei 8.742/93, suas sucessoras adotaram como instrumento de configuração de pessoas pobres para fins de concessão dos benefícios assistenciais, a renda familiar per capita ser inferior a ½ salário mínimo.

É cediço que o critério de ¼ do salario mínimo da LOAS deveria ser interpretada lógica-sistematicamente com leis assistenciais supervenientes que trouxeram requisitos mais elásticos para a identificação da miserabilidade. Folmann e Soares (2012), realçam que a lei em comento deveria ter a sua interpretação em face de uma nova realidade social, diferente daquela, existente em 1993. Os autores defendem ainda que, uma revogação tática do art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93.

Como já visto o STF, por meio da ADI nº. 1.232/DF, declarou a constitucionalidade do parágrafo e do artigo mencionado. Esta constitucionalidade, finalmente, se refere ao critério objetivo de aferição da miserabilidade (renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo). Destarte, a presunção absoluta de miserabilidade sendo constitucional, nada obsta que o magistrado faça análise de outros critérios capazes de comprová-la.

Afinal, em 2013, o STF julgou improcedente a Reclamação 4.374-PE e negou provimento ao RE 567.985/MT, na qual transcreve-se parcialmente para fins contextuais:

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. [...] Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro) (STF, Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013).

A função social do benefício assistencial incide em não deixar as pessoas menos favorecidas desamparadas, tendo em vista que detém a garantia constitucional de requerer ao Estado um salário mínimo mensal. Assim, estabelece o art. 204, I e II da CF/88:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I – descentralização político‑administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

I - despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

II - serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).

Acredita-se que no Estado Social, os direitos não visam somente tutelar os indigentes, longe disso, o intuito é trazer o indivíduo para o seio social, de tal sorte que esta representação é acima de tudo ter acesso à dignidade.

Essa constitui uma das maiores demonstrações do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois, como bem explanado por Tavares (2013, p. 35), a sua efetividade implica, “consideração pela vida e pela integridade do ser humano, garantia de presença de condições básicas para uma existência na qual se possa exercer a liberdade e receber respeito como pessoa dotada de razão”.

A justiça ao reconhecer que, na esfera judicial, é possível buscar outros meios probantes ao reconhecimento da miserabilidade, demonstra que a Lei não é absoluta e, portanto é justo enquadrar essas pessoas, pois elas não detêm do mínimo para sobreviver.

Foi justamente tentando minimizar a situações das pessoas menos favorecidas que a Lei nº 8.742/93, versa sobre projetos de enfrentamento da pobreza e suas parcerias, essa questão encontra-se explicitadas nos artigos 25 e 26, que assim dispõem:

Art. 25. Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão da qualidade de vida, a preservação do meio-ambiente e sua organização social.

Art. 26. O incentivo a projetos de enfrentamento da pobreza assentar-se-á em mecanismos de articulação e de participação de diferentes áreas governamentais e em sistema de cooperação entre organismos governamentais, não governamentais e da sociedade civil.

A lei em comento positiva ainda no art. 28, que o financiamento dos benefícios, serviços, programas e projetos serão feitos utilizando os recursos dos entes federativos e as demais contribuições sociais elencadas no art. 195 da CF/88[2], bem como, os recursos advindos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).

Uma das fontes basilar do financiamento do programa assistencial da LOAS encontra-se na Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), que de acordo com Folmann e Soares (2012, p. 54),

[...] representou, em 2005, 20,55% do total repassado pelo Ministério da Fazenda” . Em outro estudo realizado no ano de 2007, pela mesma entidade, verificou-se que “a COFINS/LOAS, rubricas que suporta o pagamento de benéficos assistenciais do INSS, representou em 2006 cerca de 17,82% do total repassado pelo Ministério da Fazenda. E, em um novo relatório, realizado em 2008, constatou-se que a COFINS/LOAS representou cerca de 20,9% do total repassado pelo Ministério da Fazenda, havendo um fluxo de caixa do INSS, relativo a esta contribuição específica, de 12,9 bilhões de reais para o pagamento do citado benefício assistencial.

Desse modo, negar o benefício assistencial, como muitos fazem, com base na falsidade da ausência de fonte de custeio é, no mínimo, uma leitura errônea financeira do sistema da seguridade social.

3.3 Renda Per Capita Familiar e a Correta Interpretação à Luz dos Precedentes do STJ e STF

Um dos temas que mais existem discussões na atualidade quer seja em doutrinas ou nos Tribunais tem a ver com a concessão do benefício de prestação continuada, inserido no § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/93. A redação do dispositivo em virtude de “suposições” de inconsistências constitucionais comparada com o art. 203, V da CF/88, foi impugnada ao STF através da ADIn nº 1.232.

No julgamento liminar, vale frisar, o Pretório Excelso advertiu que o dano decorrente da suspensão da norma objurgada seria maior do que a sua manutenção no sistema jurídico, pois “a concessão da liminar, suspendendo a disposição legal impugnada, faria com que a norma constitucional voltasse a ter eficácia contida, razão pela qual o pedido foi indeferido”. (PINHEIRO, 2012, p. 235).

O plenário do STF, seguindo o mesmo raciocínio concretizado por ocasião do indeferimento da medida liminar de suspensão do § 3º do art. 20 da LOAS, em 27/08/1998, por maioria de votos, julgou improcedente a ADIn, conforme ementa in verbis:

[...] Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critério para receber o benefício do inciso V do art. 203, da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado (BRASIL, 2011, p. 1920).

O STF ao consolidar a constitucionalidade da Lei nº 8.742/93 em sede de controle concentrado, gera importantes efeitos a toda nação brasileira. Vejamos o que reza o dispositivo da Lei n° 9.868/99, artigo 28, § único in verbis:

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Diante desta disposição legal, percebe-se que o julgamento em sede de ADIn, ao transitar em julgado não pode ser contestado e a sua declaração tem eficácia erga omnes. Sem contar que é importante ressaltar, o fato da declaração possuir efeito vinculante para todos os órgãos do Poder Judiciário sob as questões arguidas acerca da matéria. Tal característica não permite que sentenças disponham de modo contrário daquele previsto pelo Pretório Excelso (PIEROTTI, 2012).

Embora o voto na ADIn 1.232, apontou a improcedência, e os seus efeitos erga omnes e vinculativos, não é possível deixar de lado os pareceres insertos nesse processo, tais como as manifestações da Procuradoria Geral da República (PGR) e dos demais ministros da Corte Constitucional, tendo por finalidade a definição real da intenção do legislador, ao indicar os parâmetros objetivos de renda per capita familiar, e a adequada interpretação constitucional, ambos importantes ao estudo ora proposto.

No parecer da PGR, corroborado, inclusive, pela decisão do Ministro Relator Ilmar Galvão ter presunção juris et de jure, mas, sim, relativa, tendo em vista a interpretação de acordo com a constituição que seria imperativa, isto é, “sem excluir a possibilidade de serem comprovados outros casos de efetiva falta de meios para que o portador família” (PINHEIRO, 2012, p. 236).

Comunga com o mesmo entendimento o voto do Ministro Sepúlveda Pertence que, salientou a possibilidade de haver outras situações caracterizadoras para completar a efetivação do programa normativo de assistência contido no artigo 203 da CF/88.

No mesmo sentido, o Ministro Gilmar Mendes proferiu as seguintes palavras: “não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão” (STF – Reclamação 4374 MC/PE, DJ 06/02/2007).

Tendo em vista essa decisão do STF, diversas Reclamações Constitucionais, especialmente na esfera do INSS, foram ajuizadas com a aspiração de que a força normativa sobressaísse dos provimentos jurisdicionais divulgados pela Corte Constitucional, em virtude das proclamações jurisdicionais que, supostamente, não cumpriam, totalmente, a decisão da Suprema Corte no controle concentrado de constitucionalidade.

A problemática, entretanto, passou a sofrer, ao longo da marcha evolutiva jurisprudencial do STF, algumas ponderações/suavizações, haja vista, conforme dito pelo Ministro Marco Aurélio, a insuficiência dos critérios definidos pelo § 3º do art. 20 da Lei nº. 8.742/93 para fiel cumprimento do art. 203, inciso V, da Carta Constitucional.

Na decisão do Ministro Gilmar Mendes no julgamento da ADIn nº. 1.232/DF revela que o Supremo Tribunal Federal, não afirmou que, ao examinar o caso em concreto, o magistrado não poderia atribuir o que fosse necessário para que a norma constitucional do artigo e inciso em comento, bem como demais direitos fundamentais e princípios constitucionais se cumprissem de maneira rigorosa, prioritária e inescusavelmente (PINHEIRO, 2012).

Em harmonia com o assunto, é oportuno apresentar o posicionamento jurisprudencial consolidado pelo STJ:

[...] 3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF. 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável. 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado (STJ - REsp: 1112557 MG 2009/0040999-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 28/10/2009, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/11/2009)

Assim, o STF teve por constitucional, em tese, a norma do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, mas não afirmou inexistirem outras situações concretas que impusessem atendimento constitucional e não subsunção àquela norma, nos moldes taxados, igualmente, no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, transcrito parcialmente alhures.

[...] a miséria constatada pelo juiz é incompatível com a dignidade da pessoa humana, princípio garantido no art. 1º, inc. III, da Constituição da República; e a política definida a ignorar a miserabilidade de brasileiros é incompatível com os princípios postos no art. 3º e seus incisos da Constituição; a negativa do Poder Judiciário em reconhecer, no caso concreto, a situação comprovada e as alternativas que a Constituição oferece para não deixar morrer à mingua algum brasileiro é incompatível com  a garantia da jurisdição, a  todos assegurada como direito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República). [...] A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3º da Lei nº 8.742/93. Consoante dito pelo Ministro Relator da Reclamação n. 4.374/PE

Verifica-se, por conseguinte, que a Reclamação acima foi um verdadeiro divisor de águas da possibilidade de flexibilizar a norma inserta no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93, tendo em vista os princípios constitucionais, entre outros, da dignidade humana e da solidariedade constitucional.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), no ano de 2018, para uma família viver razoavelmente bem o salário mínimo deveria girar em torno de R$ 3.960,57. Ora, calculando ¼ do salário mínimo de 2018 o valor, perfaz em R$ 238,50. É inegável admitir que um ser humano consiga sobreviver com esse valor ao menos em relação à proteção da sua dignidade humana.

Diante das considerações elencadas acerca do critério de ¼ do salário mínimo parece oportuno contrapor sob a ótica de dois conceitos básicos: miséria e pobreza, como bem apontadas pelo agora Ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, in verbis:

A linha da indigência é definida pela renda necessária para atendimento das necessidades calóricas mínimas de um indivíduo. A linha de pobreza é calculada como um múltiplo da linha de indigência, considerando a renda necessária para o atendimento de outras necessidades básicas mínimas, como vestuário, habitação e transporte (MORO, 2003, p. 146-7).

Analisando os dados do DIEESE, é possível dizer que ¼ do salário mínimo é extremamente inferior ao custo indicado e, por via de consequência, o benefício da LOAS, ao impor o critério objetivo, não tutela nem o indigente. Neste viés, ipsis litters interpretando a Lei, estaria apenas atendendo àqueles que estão abaixo da linha de miséria (FOLMANN; SOARES, 2012).

 No que tange aos idosos, torna-se rotina usar frequentemente medicamentos que nem sempre o Estado fornece. Em Relação aos deficientes, estes necessitam de cuidados e tratamento médico, infraestrutura familiar, de móveis adequados à sua deficiência, além de medicamentos, que constituem elementos cruciais para avaliar a real circunstância econômica do grupo familiar (FARIAS, 2015).

Há, portanto, desvantagens quando se atinge uma determinada idade, comunga com esse mesmo pensamento Sen (2010, p. 110):

Desvantagens como a idade, incapacidade ou doenças reduzem o potencial do indivíduo para auferir renda. Mas, também tornam mais difícil converter renda em capacidade, já que uma pessoa mais velha, mas incapacitada ou mais gravemente enferma pode necessitar de mais renda (para assistência, prótese, tratamento) para obter os mesmos funcionamentos (mesmo quando essa realização é de algum modo possível).

O texto, sem dúvida justificam a acolhida que o Judiciário dispensou ao cidadão e suas reais necessidades, firmando decisões como as já citadas. Logo, ao adotar objetivamente o art. 20 § 3º da LOAS estar-se-ia condenando essas pessoas a viverem à margem da sociedade. Inclusive existe decisão de abrangência nacional condenando o INSS a dedução das despesas supracitadas, como pode ser verificada a seguir:

Deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde, requeridos e negados pelo Estado (Ação Civil Pública-ACP nº 5044874-22.2013.4.04.7100/RS).

Harmonicamente, assim, se posiciona o STJ, em que pese o tema miserabilidade, “o preceito contido no ar. 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade. A renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo deve ser considerada como um limite mínimo [...]” (AGA 1.164.852, de 26.10.2010).

A Turma Nacional de Uniformização (TNU), em incidente de uniformização representativo de incongruência do ano de 2016, forneceu o seguinte entendimento: “a renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não exclui a utilização de outros elementos de prova para aferição da condição socioeconômica, em face da inexistência de presunção absoluta de miserabilidade [...]” (Processo Nº. 5000493-92.2014.4.04.7002, julgado em: 14.04.2016). Resta clarividente que para conceder o beneficio assistencial não se deve apenas restringir ao critério objetivo do art. 20, § 3º da LOAS.

Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais que, conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003, determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, nos seguintes casos:

I - quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993:

a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

II - quando requerido por pessoa com deficiência, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 o benefício assistencial:

a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar.

Analisando o dispositivo é fato que a máquina judiciária pode buscar outras formas de manter a pessoas menos favorecida acobertado pela assistência social, pois como elenca João Carlos Espada (2009), que:

Os direitos de cidadania representam bilhetes de ingresso, oportunidade de acesso, removedores de barreiras, garantia de ingresso num universo de liberdades e, por conseguinte, de condições desiguais. O propósito dos direitos de cidadania não é promover a igualdade; é o evitar a exclusão de um universo de oportunidades. Porque as pessoas são iguais enquanto cidadãos, podem ser livres e diferentes enquanto indivíduos (ESPADA, 2009, p. 86-7).

Pode-se constatar que a hipossuficiência suplanta a condição real, ou seja, seu rendimento mensal. Igualmente, a assistência social na atualidade precisa de uma atenção especial a concessão dos benefícios, quer seja no campo administrativo ou judicial.  

Em suma, como se observou em linhas anacrônicas, essa alteração de concessão do amparo assistencial, assinala, sim, uma evolução ativista do Poder Judiciário, aproximando, cada vez mais, seu entendimento com as transformações da sociedade e os anseios desta por direitos e garantias fundamentais não ideológicas, mas efetivas, ocasião em que corrobora o pensamento clássico de direito: “esforça-se encontrar o melhor caminho e, desde que se lhe depare, deve terraplanar toda a resistência que lhe opuser barreiras” (IHERING, 2009, p. 29). Esse é a verdadeira justiça social que se espera.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de tudo que foi exposto neste elaborado, pode-se dizer que dentro daquilo que se propôs a discorrer o estudo obteve a sua finalidade, qual seja, trazer informações relevantes ao tema que a renda per capita estipulada em ¼ do salário mínimo é insuficiente para atender as necessidades do idoso, da pessoa com deficiência e daqueles que estão à margem da sociedade sem conseguir o mínimo para sua mantença.

Contudo, conforme a Lei nº 8.742/93 e o próprio STF a exigência de ¼ do salário é constitucional, devendo para tanto ser observado em todas as instancias inferiores, mas o STF em posicionamento mais recente restou claro que outros requisitos legais podem ser utilizados para comprovar a questão da miserabilidade do indivíduo. Sendo que este entendimento não ofende a Lei Maior do País, trata-se de um direito social.

Os direitos sociais configuram-se como direitos fundamentais, são direitos reconhecidos por normas constitucionais. Resultam garantidos por princípios jurídicos fundamentais. Só que esses princípios não se apresentam como comandos ou mandatos definitivos, mas como comandos ou mandatos prima facie, que necessitam ser interpretados, e, em caso de colisão reclamam por uma ponderação daqueles que são responsáveis à sua interpretação e aplicabilidade.

Nesse diapasão, é imperativo realçar que deixar de lado a concessão do BPC unicamente pelo fato de a família atingir o limite legal ou superá-lo, é colocar em xeque o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Mesmo porque o indivíduo somente será completo se houver um tratamento digno, estimulando-o ao desemprego ou até mesmo ao trabalho informal, para preencher tão somente os preceitos legais, extrapola qualquer limite do tolerável, visto que a situação de miséria não deixará de existir em virtude do não preenchimento do requisito legal com valores absolutos.

O direito, portanto, tendo como parâmetro o entendimento do jurista Celso Lafer (2011), não deve ser estanque. Aliás, o direito precisa ter uma compreensão como um instituto em ininterrupta transformação, direcionado para a gestão de sociedades estatalmente organizadas. Cabe ao intérprete, dessa forma, encontrar uma solução razoavelmente satisfatória às normas sem agilidade e eficácia social em vigência, independentemente da realçada pela dogmática positivista, permitindo, aos que não tem condições adequadas de subsistência na nova ordem jurídica, tem um pouco de dignidade, ou seja, é necessário ir além do fetichismo da lei, mas sem ultrapassar os limites do ordenamento jurídico pátrio.

Reforça-se, portanto o entendimento que a renda per capita de ¼ do salario mínimo para comprovação do grau de necessidade do idoso, da pessoa com deficiência ou daqueles que precisam desse amparo para ter uma qualidade de vida mais amena, não pode ser o único critério para atestar a miserabilidade.

Logo, é preciso que na situação fática os juízes não fiquem engessados e tomem a decisão em favor dos necessitados, pois em um Estado Democrático de Direito as questões sociais aliados a dignidade da pessoa humana devem vir em primeiro plano. É o mínimo que se espera de um País que luta constantemente contra as desigualdades sociais. 


REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999. Dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual, o cálculo do benefício, altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9876.htm>. Acesso em: 20 out. 2017.

______. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm>. Acesso em: 22 nov. 2017.

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TSUTIYA, Augusto M. Curso de Direito da Seguridade Social. 4. ed. - São Paulo: Saraiva, 2013.


ANEXOS

ANEXO A – PROJETO DE LEI Nº 7.588/2007.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI N.º 7.588, DE 2017

(Do Sr. Diego Garcia)

Altera a redação do § 9º do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre o direito ao Benefício de Prestação Continuada - BPC à pessoa com deficiência, mesmo que a renda do grupo familiar a que pertence esteja acima do limite da renda familiar per capita mensal prevista.

DESPACHO:

APENSE-SE AO PL-5836/2013.

APRECIAÇÃO:

Proposição Sujeita à Apreciação Conclusiva pelas Comissões - Art. 24 II

PUBLICAÇÃO INICIAL

Art. 137, caput - RICD 2

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O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O § 9º do art. 20 da Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 20................................................................................................................................

§ 9º. Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, bem como benefício assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo, já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput, não serão computados para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo.

..........................................................................” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação

JUSTIFICAÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988, restou garantido, no âmbito da Assistência Social, às pessoas idosas e pessoas com deficiência, o recebimento de um salário mínimo aos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei, nos termos do inc. V, do art. 203 da CF.

O benefício referido acima se efetiva por meio da concessão do Benefício de Prestação Continuada – BPC, regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. A referida norma estabelece como um dos critérios para concessão e manutenção do benefício assistencial, o limite de renda familiar per capita mensal de até um quarto do salário mínimo (art. 20, §3º). Para os efeitos do disposto no caput do art. 20 dessa Lei, de acordo com o §1º, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

A Lei nº 13.146, de 5 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), busca assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

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Com relação aos idosos, o parágrafo único do art. 34 da Lei nº 8.741, de 1º de outubro de 2003, estabelece que o benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. Essa concessão não se estende à pessoa com deficiência.

Sendo assim, de acordo com a legislação atual, caso o grupo familiar a que pertence a pessoa com deficiência já tenha membro que receba o BPC, o requerente não terá direito ao recebimento do benefício.

Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal - STF declarou inconstitucional o critério para concessão de benefício assistencial representado pelo §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742, de 1993, que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou pessoas com deficiência a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, pois considerou que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Foi declarada também a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471 – Estatuto do Idoso. Esse dispositivo levou a uma considerável discriminação entre os deficientes e os idosos beneficiários da assistência social e entre estes e os idosos titulares de benefícios previdenciários.

Na interpretação da referida norma ocorriam determinadas situações, como, por exemplo: dois casais hipotéticos, ambos carentes, sendo o primeiro casal formado por dois idosos e o segundo por uma pessoa com deficiência e um idoso. Na situação apresentada, os dois idosos casados teriam direito ao benefício assistencial de prestação continuada. No entanto, a pessoa com deficiência casada com um idoso não teria direito ao benefício assistencial se o seu cônjuge ou companheiro já o recebesse. A situação explanada se repetiria se, em vez de ser deficiente, o outro idoso fosse beneficiário de benefício previdenciário e não assistencial. O seu cônjuge com deficiência não teria direito ao benefício assistencial, pois o benefício previdenciário entraria no cálculo da renda per capita familiar. A decisão do STF, proferida sob o manto da repercussão geral, veio restabelecer a isonomia de tratamento existente entre situações idênticas como as acima indicadas, para benefícios assistenciais ou previdenciários no valor de até um salário-mínimo.

Segundo o Ministro Gilmar Mendes, em decisão com repercussão geral de 18 de abril de 2013 (Recurso Extraordinário nº 580.963 – Paraná), foi gerado um processo de inconstitucionalização do §3º do artigo 20 da LOAS, pois houve um conjunto de alterações legislativas que adotaram outros parâmetros para 4

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A caracterização da condição de pobreza ou miserabilidade. Conforme destacou o Ministro, essas leis abriram portas para a concessão do benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelo artigo 20 da LOAS, autorizando, por consequência, juízes e tribunais a adotar outros valores, a exemplo do meio salário mínimo já adotado por outros programas de transferência de renda, como referência para aferição da renda familiar per capita, além de outros critérios que contribuam para comprovar a miserabilidade do postulante ao benefício assistencial. Ele ressaltou que esse é um indicador bastante razoável, uma vez que o critério de um quarto do salário mínimo previsto na LOAS está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade do solicitante.

Sendo assim, o STF entende que, para a concessão do BPC, deve ser excluído do cálculo da renda per capita qualquer benefício assistencial ou previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por membro do grupo familiar. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, “Inexiste justificativa plausível para discriminação das pessoas com deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.”

A proposição apresentada objetiva corrigir essa injustiça e equiparar os direitos da pessoa com deficiência aos do idoso, no que se refere ao BPC. Diante da relevância social dessa proposta para que pessoas com deficiência possam usufruir de direito já previsto para as pessoas idosas, contamos com o apoio dos ilustres pares para a aprovação desta proposição.

Sala das Sessões, em 10 de maio de 2017.

Deputado DIEGO GARCIA

LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA

Coordenação de Organização da Informação Legislativa - CELEG

Serviço de Tratamento da Informação Legislativa - SETIL

Seção de Legislação Citada - SELEC

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 1988

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

.............................................................................................................................................

TÍTULO VIII

DA ORDEM SOCIAL

.............................................................................................................................................

CAPÍTULO II

DA SEGURIDADE SOCIAL

.............................................................................................................................................

Seção IV

Da Assistência Social

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I - despesas com pessoal e encargos sociais;

II - serviço da dívida;

III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (Parágrafo único acrescido pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003)

.............................................................................................................................................

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LEI Nº 8.742, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1993

Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

.............................................................................................................................................

CAPÍTULO IV

DOS BENEFÍCIOS, DOS SERVIÇOS, DOS PROGRAMAS E DOS PROJETOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Seção I

Do Benefício de Prestação Continuada

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (“Caput” do artigo com redação dada pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011)

§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 13.146, de 6/7/2015, publicada no DOU de 7/7/2015, em vigor 180 dias após sua publicação)

I - (Revogado pela Lei nº 12.470, de 31/8/2011)

II - (Revogado pela Lei nº 12.470, de 31/8/2011)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011)

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011)

§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 12.470, de 31/8/2011) 7

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§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 9.720, de 30/11/1998)

§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 9.720, de 30/11/1998)

§ 9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 12.470, de 31/8/2011 e com redação dada pela Lei nº 13.146, de 6/7/2015, publicada no DOU de 7/7/2015, em vigor 180 dias após sua publicação)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 12.470, de 31/8/2011)

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 13.146, de 6/7/2015, publicada no DOU de 7/7/2015, em vigor 180 dias após sua publicação)

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.

§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização.

§ 3º O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011)

§ 4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 12.435, de 6/7/2011, e com redação dada pela Lei nº 12.470, de 31/8/2011)

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LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015

Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

LIVRO I

PARTE GERAL

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TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III - a limitação no desempenho de atividades; e

IV - a restrição de participação.

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.

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LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003

Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

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TÍTULO II

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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CAPÍTULO VIII

DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Coordenação de Comissões Permanentes - DECOM - P_6599

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Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

Art. 35. Todas as entidades de longa permanência, ou casalar, são obrigadas a firmar contrato de prestação de serviços com a pessoa idosa abrigada.

§ 1º No caso de entidades filantrópicas, ou casa-lar, é facultada a cobrança de participação do idoso no custeio da entidade.

§ 2º O Conselho Municipal do Idoso ou o Conselho Municipal da Assistência Social estabelecerá a forma de participação prevista no § 1º, que não poderá exceder a 70% (setenta por cento) de qualquer benefício previdenciário ou de assistência social percebido pelo idoso.

§ 3º Se a pessoa idosa for incapaz, caberá a seu representante legal firmar o contrato a que se refere o caput deste artigo.

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FIM DO DOCUMENTO


Notas

[1] iuris et iure: Presunção absoluta. Presunção que não admite prova em contrário.

[2] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)


Autor

  • José Carlos Sabadini Junior

    Advogado, Bacharel em Direito - Faculdades Associadas de Ariquemes/RO (FAAR), Bacharel em Turismo (Centro Universitário de Jales/SP), Mestrando em Direção e Gestão dos Sistemas de Seguridade Social, pela Organização Iberoamericana de Seguridade Social (OISS) e Universidade de Alcalá - Madrid (Espanha). Pós-Graduado em Gestão Ambiental - Faculdades Integradas de Ariquemes/RO (FIAR) e Especialista em Direito Constitucional e Direito e Processo Previdenciário (Faculdade Damásio Ariquemes/RO). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Participações no XXVII Simpósio Brasileiro de Direito Previdenciário (2017) - Teresina/PI, IX Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário/Belo Horizonte/BH, X Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário e IV Congresso de Direito Previdenciário do Mercosul/Florianópolis/SC. Participação do III Congresso Jurídico Online - Direito do Trabalho e Previdenciário - CERS

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