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Novo Código de Processo Civil/2015: precedentes judiciais e incidente de resolução de demandas repetitivas

Novo Código de Processo Civil/2015: precedentes judiciais e incidente de resolução de demandas repetitivas

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As técnicas processuais trazidas pelos precedentes e pelo IRDR entreveem a celeridade processual, o tratamento isonômico e a segurança jurídica, e não o “engessamento” da atuação interpretativa dos juízes e tribunais, ou a supressão de direitos dos jurisdicionados.

RESUMO:O objetivo desse trabalho é analisar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), consolidado pelo Novo Código de Processo Civil de 2015 (NCPC/2015). Esse fenômeno processual é o corolário da importância do estudo dos precedentes judiciais e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro, pois, por meio dos precedentes, torna-se possível ao juiz aplicar decisões semelhantes a casos análogos, respeitando-se de um lado o poder decisório, a motivação e o livre convencimento, e, de outro, privilegiando a isonomia, a celeridade e a economia processual. Metodologicamente, o estudo representa uma pesquisa bibliográfica, dotada de valor qualitativo e de cunho exploratório. Quanto aos resultados, nota-se que o IRDR representa um reflexo de um fenômeno patrocinado pelo Código de Processo Civil de 1973, acobertado pelo incidente de uniformização de jurisprudência (art. 476 do CPC/1973), julgamento de improcedência em casos idênticos (art. 285-A do CPC/1973) e o julgamento de casos repetitivos por amostragem (art. 543-B e 543-C do CPC/1973), que já apontavam para a positivação do IRDR. Conclui-se que o instituto é capaz de apaziguar as lacunas legislativas: ontológicas e axiológicas, proporcionar aos jurisdicionados um acesso à justiça conjugando instantaneamente o art. 5, inciso LXXVIII (razoável duração do processo) e o Art. 4º do NCPC/2015 (perspectivado em uma sentença de mérito). Cumpre ressaltar que a utilização dos precedentes judiciais evidencia que o sistema jurídico brasileiro não possui um sistema puro e sim misto, uma vez que há um diálogo entre os sistemas, e, por conseguinte, influências recíprocas do que Porto (2005), denomina de “commomlawlização”.

Palavras-chave: NCPC/2015. Incidente de demandas repetitivas. Precedentes judiciais. Acesso à justiça.

ABSTRACT:The objective of this paper is to analyze the Incidents of Resolution of Repetitive Claims (IRDR), consolidated by the New Civil Procedure Code of 2015 (NCPC / 2015). This procedural phenomenon is the corollary of the importance of the study of judicial precedents and their influence in the Brazilian legal system, since, through the precedents, it becomes possible for the judge to apply similar decisions to similar cases, respecting on the one hand the decision-making power, motivation and free convincing, and, on the other, privileging isonomy, celerity and procedural economy. Methodologically, the study represents a bibliographical research, endowed with a qualitative and exploratory character. Regarding the results, it is noted that the IRDR is a reflection of a phenomenon sponsored by the Civil Procedure Code of 1973, covered by the incident of uniformity of jurisprudence (article 476 of CPC / 1973), dismissal of similar cases (art. And the judgment of repetitive cases by sampling (articles 543-B and 543-C of CPC / 1973), which already pointed to the positivation of the IRDR. It is concluded that the institute is able to appease the legislative gaps: ontological and axiological, to provide the courts access to justice by instantly conjugating art. 5, item LXXVIII (reasonable duration of the process) and Art. 4 of NCPC / 2015 (contemplated in a judgment of merit). It should be noted that the use of judicial precedents shows that the Brazilian legal system does not have a pure system but a mixed one, since there is a dialogue between the systems and, therefore, reciprocal influences of what Porto (2005) calls " commomlawlization ".

Keywords: NCPC / 2015. Incident of repetitive demands. Judicial precedents. Access to justice


INTRODUÇÃO

A morosidade do Judiciário no Brasil é senso comum. Há uma quantidade elevada e gradativa de processos, por um lado, e uma defasagem de servidores e juristas, por outro; resultando em um déficit crescente. Nesse patamar, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) verificou que mais da metade das reclamações recebidas na ouvidoria dizem respeito à morosidade do judiciário1.

Não obstante, esse fenômeno se deve, além dos motivos citados, ao próprio procedimento, aos instrumentos processuais e à burocratização e aos muitos recursos (cujos fins são assegurar a segurança jurídica e uma prestação jurisdicional equânime e efetiva).

Seguindo a concepção adotada, Junquilho e Teixeira (2016) asseveram que a modernidade trouxe uma “litigiosidade de massa”, ou seja, “a judicialização dos inúmeros conflitos advindos de situações semelhantes e reiteradas”, principalmente na área consumerista.

A ampliação do conhecimento das leis, trazidas pelas tecnologias e redes sociais, contribui também para o ajuizamento de mais ações, uma vez que o cidadão está mais cônscio de seus direitos e vai ao encontro de novas possibilidades para que seja efetivado o acesso à justiça.

Esses “litígios de massa” já demandavam novos mecanismos processuais desde os idos do então Código de Processo Civil de 1973, dentre os quais: o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 476 do CPC/1973), a possibilidade de suspensão de segurança em liminares (Leis 8.437/1992 e 12.016/2009), a uniformização de jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais (Lei 10.259/2001), julgamento de improcedência em casos idênticos (art. 285-A do CPC/1973), as súmulas vinculantes (art. 103-A da CRFB/1988) e o julgamento de casos repetitivos por amostragem (art. 543-B e 543-C do CPC/1973), que já apontavam para a positivação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), (JUNQUILHO; TEIXEIRA, 2016).

No bojo da judicialização, há um fortalecimento do precedente judicial plural, que se estabelece com mais prerrogativas no NCPC/2015, principalmente no tocante ao IRDR, que é um aparato utilizado como instrumento balizador, para reduzir o trâmite dos processos que podem representar um longo caminho, caso fosse mantido o sistema anterior, e pode, desse modo, favorecer a celeridade e a economia processual na resolução dos dissensos.

Assim, cabe, então, discutir sua importância como medida alternativa, isto é, como uma possibilidade para amenizar o acúmulo de demandas, uma vez que, julgando o incidente, aplica-se aos casos semelhantes a mesma solução, em harmonia com o que é delineado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 5º, inciso LXXVIII em parceria com o Art. 4º do Novo Código de Processo de 2015 (NCPC/2015). E ademais, o IRDR pode ser de fundamental importância para um tratamento isonômico no judiciário.

Nessa toada, Soares (2010, p.123) aponta que “o reconhecimento da mudança jurisprudencial só se afigura possível com a constatação de que a jurisprudência desponta como fonte de direito justo, capaz de acompanhar as exigências axiológicas da sociedade”.

Convém acrescentar que o Direito mostra-se lacunar, seja ontologicamente ou axiologicamente, cabendo à jurisprudência a tarefa de atualizar ou tornar o direito mais justo, aplicando a norma, quando for o caso, mas também os princípios gerais do Direito, os costumes, a analogia e a própria jurisprudência.

Oportuno, nesse ínterim, trazer a lume a existência de discussões acerca das decisões de instâncias superiores, Tribunais e, principalmente, do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como sobre a normatividade da jurisprudência, reforçada recentemente com o advento do IRDR no NCPC/2015 (Lei nº 13.105/2015), previsto nos art. 976 a 987.

No bojo desse debate, vislumbra-se a força dos precedentes judiciais no NCPC/2015, bem como a aparente simbiose entre os sistemas jurídicos: civil law e commow law, constatando que:

Existe uma recíproca aproximação entre as tradições de civil law e de commow law no mundo contemporâneo. De um lado, a tradição commow law cada vez mais trabalha com o direito legislado, fenômeno que já levou a doutrina a identificar a statutorification do commow law [...]. De outro, a tradição de civil law cada vez mais se preocupa em assegurar a vigência do princípio da liberdade e da igualdade de todos perante o direito trabalhando com uma noção dinâmica do princípio da segurança jurídica, o que postula a necessidade de acompanharmos não só o trabalho do legislador, mas também as decisões dos tribunais, em especial das Cortes Supremas, como expressão do direito vigente. (MARINONI et. al., 2017, p.639-640)

Historicamente, e graças à previsão constitucional, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição Federal de 1988, art. 5º, II), o sistema jurídico brasileiro afilia-se ao civil law, sendo a legalidade o princípio norteador, ou seja, no ordenamento jurídico brasileiro a lei é a fonte primária (DONIZETTI, 2015).

Os sistemas marcados pelo commow law e pela força dos precedentes judiciais priorizam a jurisprudência como fonte direta do Direito, enquanto no civil law, a jurisprudência é fonte indireta (SOARES, 2010).

Diante desse panorama, é preciso pesar a influência do stare decisis2 em um sistema civil law, haja vista o fato de que a Constituição Federal, lei maior e norteadora do ordenamento jurídico brasileiro, preceitua a lei como espécie legislativa, mas há a inevitabilidade do reconhecimento da força do precedente judicial, que também tem força no ordenamento (DONIZETTI, 2015).

Verifica-se que o sistema brasileiro, por vezes, aproxima-se do commow law ao prestigiar as súmulas dos tribunais superiores, em especial as do Supremo Tribunal Federal (STF), a súmula com efeito vinculante, claramente influenciada pelo stare decisis, além da consagração do poder normativo da Justiça do Trabalho e, mais recentemente, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto nos art. 976 a 987, no Novo Código de Processo Civil.

Há, portanto, duas vertentes. A interpretação judicial pode ser entendida, conforme GRAU (2002), do ponto de vista de uma ideologia estática, que entende o conteúdo da norma jurídica como imutável, suscetível apenas “a interpretações sistemáticas e literais”, dentro daquilo que foi positivado; ou do ponto de vista dinâmico, para o qual a interpretação realizada pelo juiz é “atividade criadora”. No ponto de vista dinâmico, as decisões judiciais supõem a criação de normas gerais ou até normas novas, se assim for necessário para solucionar a demanda.

Não obstante, as teorias contemporâneas, entendem que o juiz tem papel construtivo no fomento da justiça (dinâmico). Assim, “a lei passa a ser apenas uma referência, dela devendo o juiz extrair a interpretação que melhor se ajuste ao caso concreto, ainda que, para tanto, tenha de construir um novo entendimento sobre a lei.” (SOARES, 2010).

O papel do juiz brasileiro contemporâneo assemelha-se, então, ao do juiz do sistema commow law, na medida em que lhe é concedido o poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto (DONIZETTI, 2015).

A preocupação primeira quando se propõe uma flexibilização das decisões, constituindo o magistrado um intérprete ativo da lei, é a insegurança jurídica, uma vez que se dará ao juiz a prerrogativa de “legislar às avessas”, ou incorrer em “ativismo judicial”, o que poderia gerar instabilidade institucional (TEIXEIRA, 2012).

Deve-se ressaltar, por oportuno, que não se trata aqui de suprimir a segurança jurídica em prol da realização do direito do indivíduo, pois, como é sabido, que, ela: (segurança jurídica) é o princípio basilar na garantia dos direitos fundamentais; mas de uma relativização necessária nos casos concretos, a fim de aplicar um direito justo. Ao pulso desse raciocínio, negar a força e a eficácia do precedente judicial seria aprisionar a justiça a uma abstração, que se realiza na lei, mas não na prática jurisdicional.

Desse modo, é preciso compreender-se que a previsão de se observar as Súmulas e Acórdãos, não suprime a interpretação. “O que fica explícito é a obrigatoriedade de os juízes e tribunais utilizarem os provimentos vinculantes na motivação de suas decisões para assegurar não apenas a estabilidade, mas a integridade e a coerência da jurisprudência.” (ABBOUD, 2016, p.68).

É imperioso reter o que foi dito a pouco, aduzindo que o NCPC/2015 contempla mecanismos importantes do sistema commow law e do stare decisis, visando a uma uniformização e à estabilização da jurisprudência, nos artigos 976 a 987. Estabelecendo requisitos e efeitos da sentença por meio da aplicação do distinguishing, que é “o método de confronto pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma” (DONIZETTI, 2015, p.10).

O IRDR, tal como disposto no NCPC/2015, contribui sobremaneira para a formalização do caráter paradigmático das decisões judiciais nos tribunais, fortalecendo os precedentes judiciais e revelando a importância do tema para conferir efetividade à isonomia e à celeridade processual, princípios tão caros no contexto judiciário brasileiro.

​A lei 13.105/2015 que regula o NCPC/2015, além das diversas mudanças trazidas, introduz o que Souza (2016) denomina de novo “conceito de precedentes no ordenamento jurídico pátrio”. Isso porque é inevitável a constatação de que a natureza jurídica do precedente foi alterada, quando a nova lei atribui caráter vinculante às decisões proferidas pelo STF e STJ em sede de recurso extraordinário ou demandas repetitivas.

O NCPC, então, dota o precedente de força “normativo-vinculante”, alterando não só a sua percepção enquanto procedimento, mas também a estrutura jurídica das resoluções de conflito.

Esses conflitos passam por uma massificação (JUNQUILHO; TEIXEIRA, 2016), e as medidas judiciárias tradicionais já não solucionam tais conflitos de relações jurídicas cada vez mais multitudinárias, como esclarece Teodoro Jr. (2017):

Os tribunais modernos, portanto, têm de se aparelhar de instrumentos processuais capazes de enfrentar e solucionar, com adequação e efetividade, os novos litígios coletivos ou de massa. Dessa constatação da realidade nasceram diversos tipos de tutela judicial coletiva, ora como modalidade de ações coletivas [...], ora como incidente aglutinador de ações originariamente singulares [...] (TEODORO JR. , 2017, p.920).

Coadunando com o sobredito, Wurmbauer Jr. (2014) aponta que o direito processual clássico apresenta um viés individualista, “estruturado para resolver os conflitos intersubjetivos singulares”, não resolvendo os conflitos cada vez mais coletivos e transindividuais3.

Nesse diapasão, fica evidente que o NCPC/2015 deu um grande passo no sentido da coletivização, e do fortalecimento dos precedentes, principalmente ao ampliar a aplicação do “incidente aglutinador”4, transmitindo os efeitos de uma decisão a diversas causas individuais que contenham o mesmo objeto.


EVOLUÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO DIREITO BRASILEIRO

O direito brasileiro já apresentava indícios do fortalecimento da teoria dos precedentes judiciais, desde as alterações efetuadas no CPC/1973, como o art.285-A (Da improcedência liminar do pedido), o art. 481 parágrafo (sobre o acidente de arguição de inconstitucionalidade), o art. 475, §3º (sobre a remessa necessária), o art. 518, §1º e o art. 557.

Oportuno, nesse ínterim, trazer o escólio de Donizetti (2015) que considera que há mais de 20 (vinte) anos o Direito Brasileiro adota o sistema de obrigatoriedade dos precedentes, aduzindo que:

Basta lembrar que a Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, permitiu ao relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidir monocraticamente o pedido ou o recurso que tiver perdido o objeto, bem como negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, súmula do respectivo tribunal (art.38). (DONIZETTI, 2015, p.16)

Cabe destacar ainda, pela relevância e importância para o fortalecimento da teoria dos precedentes, o que estabelece a Emenda Constitucional nº. 03 de 1993, que atribui no §2º, do art. 102 da CRFB/1988, efeito vinculante às decisões do STF em Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade e a Emenda Constitucional nº 45/2004, a mais importante emenda no tocante aos precedentes judiciais, pois fomentou reformas e inseriu as súmulas vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao pulso desse raciocínio, Sousa (2016, p.5) afirma que tais alterações comprovam “o intenso diálogo entre processualistas e constitucionalistas na utilização da processualística como instrumento de concretização e aprimoramento da jurisdição constitucional”.

Os fatos jurídicos apontam, com base no exposto, para uma aproximação dos sistemas jurídicos em uma crescente e importante valorização do precedente judicial, como mecanismo de promoção da justiça.


CIVIL LAW X COMMOW LAW

O Brasil, de tradição romano-germânica, possui um sistema jurídico essencialmente baseado na Civil Law, cuja jurisdição se estrutura, de forma preponderante, sob o direito positivado, tendo os precedentes papel secundário e supletivo. Nesse sentido, segundo Souza (2016):

Até a vigência da Lei 13.105/2015 os precedentes no ordenamento pátrio apresentavam, em regra, com as exceções apontadas pela doutrina, tão somente eficácia argumentativa/persuasiva, voltada primordialmente ao convencimento do julgador para a aplicação de determinada tese jurídica, sem força vinculante ou obrigatória. (SOUSA, 2016, p.2)

Diferente disso, no Commow Law o direito é construído, de forma consuetudinária, a partir das decisões dos juízes. As decisões criam precedentes (princípio do stare decisis) que influenciam decisões futuras. Se não existe direito ou há dúvidas que a controvérsia em análise é semelhante às demais já analisadas, os juízes podem alterar o convencimento, estabelecendo um novo precedente (matter of first impression).

Não pode ser esquecido, contudo, que, como afirma Lourenço (2011), muitos processualistas são preconceituosos com o Commow Law, desmerecendo seus institutos, sob o argumento de que cabe ao legislativo “criar” o direito e ao Judiciário aplicá-lo sob pena de ameaça à segurança jurídica. Afirma ainda, o susodito Autor que, apesar das críticas, ambos os sistemas estão cada vez mais próximos, asseverando que:

Tal visão esquece que a jurisdição da civil law, durante a história, teve a sua natureza transformada, tendo o pós-positivismo (ou neoconstitucionalismo) inegavelmente aproximado o sistema de civil law ao da common law. [...]

Atualmente, com a recente perda de credibilidade ou de confiança da sociedade na justiça e nos juízes, decorrente da elevação da consciência jurídica da população e do seu grau de exigência em relação ao desempenho do judiciário, os países que adotam a civil law tem se voltado para alguns parâmetros da common law, e vice-versa. (LOURENÇO, 2011, p.3)

Diante desse panorama, fica claro, então, que a segurança jurídica está no civil law atrelada ao direito positivado, devendo o juiz a ele se subordinar e vincular-se. Mas, é necessário esclarecer que o precedente se forma pela ratio decidendi5, ou seja, pela norma jurídica firmada. Nesse sentido, Donizetti (2015, p. 7) assevera que “os fundamentos que sustentam os pilares de uma decisão e que podem ser invocados em julgamento posteriores”, não dispensando a análise das circunstâncias de fato de outros casos análogos, o que não compromete a segurança jurídica. Por meio dessa percepção, um precedente origina-se de um caso concreto e para ser utilizado em outro fato análogo exige-se a demonstração da semelhança relacionada entre esse e aquele.

Insta no momento pontuar que a aplicação do stare decisis, ou precedente obrigatório, é mais uma evidência da aproximação com a commow law, embora de forma mitigada, haja vista não se tratar de vinculação a direito consuetudinário, como esclarece, Donizetti (2015) que:

Vale ressaltar, entretanto, que a utilização dos precedentes judiciais – pelo menos no ‘civil law brasileiro’ – não tem o condão de revogar as leis já existentes. A rigor, a atividade dos juízes e dos tribunais é interpretativa e não legislativa. Assim, por mais que haja omissão ou que a lei preexistente não atenda às peculiaridades do caso concreto, o Judiciário não poderá se substitui ao Legislativo. (DONIZETTI, 2015, p.9)

A título de exemplo, a vinculação judicial tem forte inspiração nas class actions6 norte-americana. De acordo com Porto (2005), há uma “commomlawlização” do sistema jurídico brasileiro; que, segundo Ele, não se trata de influência unilateral, já que existe um diálogo entre os sistemas, e, por conseguinte, influências recíprocas.

Lourenço (2011) postula que a aproximação dos dois sistemas é fruto do pós-positivismo7 (ou neoconstitucionalismo) e que “o precedente é uma realidade inerente a qualquer sistema jurídico” [...] “variando, somente, o grau de eficácia que possui”.


O IRDR NO NCPC/2015

Considerado uma das maiores novidades do Novo Código de Processo Civil, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitiva, apresenta-se como alternativa para a solução de conflitos individuais que contemplem uma pretensão comum, a fim de minimizar o número de processos em trâmite, além de assegurar que haja tratamento igualitário aos jurisdicionados (DONIZETTI, 2015).

Seu objetivo é “estabelecer a tese de direito a ser aplicada em outros processos”. (THEODORO JR., 2017, p. 921) Embora tenha caráter coletivo, não deve ser confundido com ação coletiva, pois enquanto na ação coletiva há litígios cumulados em um único processo, no incidente, existem vários processos sobre os quais se delibera a questão de direito comum, mas cada demanda desenvolve-se independentemente.

Encontra semelhança com outros institutos existentes em países diversos, em especial, a Group Litigation Order (GLO, do direito inglês), o Musterverfahren (do direito alemão)8, e o Pilot-Judgment Procedure da Corte Europeia de Direitos Humanos (MARINONI, 2017; THEODORO JR., 2017).

É importante observar que o acórdão que pronuncia o IRDR não faz coisa julgada material, apesar de ter projeção erga omnes. Conforme THEODORO JR. (2017), a projeção não é dos efeitos da coisa julgada, mas da ratio decidendi.

Necessário esclarecer, ainda, que o objetivo do IRDR não é aplicar-se a um número maior de casos, mas regular “uma só questão infiltrada em casos que se repetem ou se multiplicam” (MARINONI, 2017, p. 602).


NATUREZA JURÍDICA

O IRDR encontra-se disciplinado nos arts. 976 a 987 em capítulo próprio. É um instrumento processual cujos objetivos são “racionalizar o tratamento judicial das causas repetitivas”, bem como “formar precedente de observância obrigatória”. (THEODORO JR., 2017), a partir do estabelecimento de uma tese de direito que servirá de “modelo” para outros processos, ou como melhor esclarece Didier Jr. (2017) uma “causa-piloto” ou “caso-piloto”9. Como corrobora Sofia Temer (2016) apud Theodoro Jr. (2017, p.921): “O incidente de resolução de demandas repetitivas visa à prolação de uma decisão única que fixe tese jurídica sobre uma determinada controvérsia de direito que se repita em numerosos processos”.

Tendo em consideração a denominação “causa-piloto”, evidencia-se ainda mais a concepção do IRDR como ponto de partida para os juízos singulares, sendo sua função elaborar tese de direito que se aplique a questões fático-jurídicas semelhantes às que serviram de ensejo para a instauração do incidente.

Assim, como esclarece Theodoro Jr. (2017, p. 923):

Não basta, em suma, que o tribunal do incidente defina uma tese de direito. É indispensável que seja ela contextualizada no plano fático-jurídico, o que só se alcançará se do acórdão vinculante constar a identificação da causa de pedir presente nas diversas demandas repetitivas.

Somente pela análise contextualizada é possível que se compreenda a tese defendida e, desse modo, aplicá-la aos casos que se enquadram, ou seja, as questões jurídicas repetidas.


CABIMENTO

Em consonância com o art. 976 do NCPC/2015, o cabimento do IRDR se dá quando se verificam dois requisitos, quais sejam:

  • A efetiva repetição de processos que versem sobre controversa questão de direito;

  • O risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

É importante elucidar que tais requisitos devem ser cumulativos, e que o incidente tem caráter repressivo, a fim de pacificar as controvérsias jurisprudenciais existentes e, por conseguinte, unificar as decisões, com vistas à isonomia e à segurança jurídicas.

Nesse itinerário, Souza (2015) apud Arrais (2017, p.57), aponta ainda os seguintes princípios norteadores da implementação do IRDR:

a) efeitos ultra-singuli, demandas da decisão nele proferida, a fim de alcançar outras demandas individuais – extensão subjetiva do julgado;

b) efetivo acesso à justiça;

c) economia processual, pois impede a multiplicação de demandas que tenham por objeto a mesma questão jurídica;

d) redução do impacto de contenciosos seriais sobre o sistema judiciário;

e) igualdade dos cidadãos diante da lei;

f) uniformização de julgados

g) justiça équo e eficiente.

Razão tem Didier Jr. (2017, p.718), ao esclarecer que “não cabe IRDR preventivo”, sendo requisito a “efetiva repetição de processos” com sentenças antagônicas.

Pela sua natureza “aglutinadora”, não cabem vários incidentes sobre a mesma tese de direito em um mesmo tribunal, assim como não cabe um IRDR no tribunal local quando no tribunal superior (STF ou STJ) já houver recurso visando à mesma tese.

Se, porventura, o IRDR for denegado por ausência de pressupostos de admissibilidade, ele pode novamente ser suscitado, desde que se supra o pressuposto ausente (art. 976, §3º, NCPC/2015).

Quanto à legitimidade, aduz o NCPC/2015 o seguinte:

Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente. (BRASIL, 2017a)

Uma vez instaurado o incidente, não poderá ser impedido seu julgamento, nem mesmo pelos que o propuseram. Havendo desistência, a titularidade será do Ministério Público (art. 976, §2º), visto que cabe ao parquet a defesa dos direitos individuais homogêneos (Theodoro Jr., 2017).


PROCEDIMENTO

Nos termos do art. 978 do NCPC/2015, o julgamento do IRDR caberá “ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal”. (JUNQUILHO; CERQUEIRA, 2016, p. 279)

A publicidade de todos os atos que envolvem o IRDR deve ser ampla e mediada eletronicamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cabendo aos tribunais a atualização do banco de dados sobre as informações relativas ao incidente e à comunicação imediata ao CNJ.

Distribuído o incidente, o órgão colegiado competente procederá ao juízo de admissibilidade. Uma vez instaurado, serão suspensos os processos pendentes em tramitação que discutam a questão de direito incursa no incidente. Por conseguinte, O Ministério Público será intimado para manifestar-se em 15 (quinze) dias. Repisa-se, pois, que o Incidente tem preferência sobre os demais feitos e deve ser julgado, idealmente, em 1 (um) ano.


ANTINOMIAS DOUTRINÁRIAS

Com a força vinculante dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, o impacto dela em alguns princípios merece ser analisado, com o escopo de adequá-los à “nova” realidade.

É cediço que toda inovação traz consigo posicionamentos doutrinários divergentes. Para alguns autores, o IRDR pode ser um “eficaz mecanismo de resolução de litígios em massa”. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015). Para outros é um “problema”. (MARINONI et al., 2017).

Os que são contrários ao incidente, alegam que há inconstitucionalidades que violam princípios basilares. Diante desse panorama, Abboud e Cavalcanti (2015) apontam os seguintes: independência funcional dos magistrados e a separação funcional dos poderes, o contraditório, o direito de ação e ao sistema de competências da Constituição.


VIOLAÇÃO À INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS E À SEPARAÇÃO FUNCIONAL DOS PODERES

De acordo com Abboud e Cavalcanti (2015), não há previsão expressa na Constituição da República de 1988 a respeito da vinculação das decisões dos juízes hierarquicamente inferiores às decisões prolatadas pelos tribunais, como propõe o IRDR, ou seja, defendem que o efeito vinculante (como ocorreu com as súmulas vinculantes) é matéria que deve estar expressa na Constituição, sob pena de ofender a independência funcional dos magistrados e a separação funcional dos poderes.

Há o entendimento, todavia, que a emenda constitucional para tratar do IRDR seria desnecessária porque não atingiria, em tese, a Administração Pública. Os autores questionam:

Se a questão jurídica a ser dirimida no incidente for referente a um tributo federal ou municipal, o julgamento não atingirá respectivamente a União e os Municípios? Obviamente que sim. Do contrário teríamos que sustentar que nas lides em que figurar o Poder Público, a decisão paradigma do incidente vinculará pela metade, tão somente o particular. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015, p.4)

Conforme os autores supracitados, a instituição do sistema de decisões vinculativas dentro desse cenário levará o Judiciário a se concentrar na criação e aplicação da norma, violando a separação funcional dos poderes (tripartite) e, por conseguinte, o regime democrático.


VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO

Ainda conforme Abboud e Cavalcanti (2015), o IRDR fere o contraditório na medida em que não há “controle judicial de adequação da representatividade”, ou seja, não é prevista a possibilidade de o tribunal controlar a representação adequada, pois as partes de quaisquer demanda repetitiva pendente no tribunal poderá dar ensejo à instauração do incidente.

Mais sério aspecto apontado pelos autores é o fato de que a decisão favorável ou não terá eficácia vinculante sobre todos os processos afetos ao IRDR suscitado, violando o direito ao contraditório de todos os litigantes, até mesmo os de causas futuras: “A ideia de julgamento abstrato do IRDR permite aplicar a tese jurídica às causas futuras, referentes a litigantes que não tiveram qualquer possibilidade de participação e influência no julgamento coletivo” (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015, p. 5).

Nunca é demais asseverar, como acrescentam Rodrigues e Veloso (2017), que a inclusão da participação das partes é uma forma de validar o Estado Democrático de Direito, tendo em vista a teoria neoinstitucionalista10 do processo, perspectivando que:

o espaço processual deve dar garantia ao debate entre as partes, [...] Essa perspectiva retira a figura do juiz Hércules, que, com seus poderes, decide não dar ao réu espaço à discursividade. Desse modo, ao réu deve ser dado o direito de participar de todas as fases do processo, de modo a ter uma ampla defesa que o permita estar em paridade de armas com a parte adversa. (RODRIGUES; VELOSO, 2017, p. 130)

Para Marinoni et al (2017) a sistemática do NCPC/2015, ao regular o IRDR não tutela os direitos dos litigantes, sendo um risco ao sistema decisório, aduz mais precisamente que:

[...] resolver uma questão que determina a solução de diversos litígios está longe de ser o mesmo que resolver uma questão de direito que agrega sentido à ordem jurídica e, sobretudo, apenas tem a intenção de orientar a sociedade e os diferentes casos futuros que possam ser resolvidos pela mesma regra de direito ou pela mesma ratio decidendi. (MARINONI et al, 2017, p.607)

No entendimento do autor supracitado, a melhor saída para evitar a lesão ao contraditório seria tornar presentes no IRDR os legitimados à tutela dos direitos individuais homogêneos11, haja vista que o incidente não pode se desvincular da participação.

Em consonância, Junquilho e Cerqueira (2016, p.275), alertam que a participação é “elemento primordial para se aferir a legitimidade das normas”, em uma perspectiva habermasiana de democracia discursiva/deliberativa. Nesse sentido, o IRDR fere não apenas o contraditório, mas também a participação democrática.


VIOLAÇÃO AO DIREITO DE AÇÃO

Assim como no direito ao contraditório, o direito de ação é frontalmente atingido. A vinculação do IRDR não permite ao indivíduo optar pela ação individual, sendo praticamente absoluta:

O novo sistema processual não adota o sistema de opt-in12, de modo que todos os processos repetitivos serão alcançados pela decisão de mérito, independentemente de requerimento nesse sentido. [...]

Do mesmo modo, o NCPC não segue o sistema de opt-out13, uma vez que não aceita o exercício do direito de autoexclusão, com a possibilidade de o litigante prosseguir com sua demanda isoladamente. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015, p.6)

Essa vinculação fere o direito fundamental de ação previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, ao não fornecer mecanismos de exclusão ou escolha aos litigantes abrangidos pelo IRDR.

Além disso, a vinculação atinge causas futuras impossibilitando a revisão da tese jurídica por meio dos mecanismos processuais como improcedência liminar do pedido ou risco de multa por litigância de má-fé, entre outros; sendo necessária a alteração legislativa para atualizar a jurisprudência.

Para Abboud e Cavalcanti (2015, p.8), “o Brasil adquiriria mais uma característica de originalidade, seria o único pais (sic) em que a legislação atualizaria a jurisprudência e não o contrario.” Alertam os autores que, nesse sentido, a tese jurídica não seria “ponto de partida” para os jurisdicionados, mas como “linha de chegada”, correndo a jurisprudência um sério risco de engessamento.


VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

O art. 985, I do NCPC/2015 determina que uma vez julgado o IRDR, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que tratem da mesma questão de direito, inclusive em face daquelas que tramitam nos juizados especiais do respectivo Estado ou região.

Há quem elogie tal medida e existe quem defenda sua inconstitucionalidade. Em sentido adverso, Didier Jr, (2017) afirma não haver inconstitucionalidade nisso, propugnando que:

Se é verdade que não há hierarquia jurisdicional entre os juízes dos juizados e os tribunais, não é inusitado haver medidas judiciais em tribunais que controlam atos de juízos a eles não vinculados. O STJ, por exemplo, julga conflito de competência entre juízos comuns e juízos trabalhistas, embora estes últimos não estejam a eles vinculados. (DIDIER JR., 2017, p.744)

Abboud e Cavalcanti (2015), por outro lado, alegam que embora o STF tenha decidido diversas vezes que os juizados especiais não estão sujeitos à jurisdição dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais, o IRDR suspende os processos, vinculando-os à tese jurídica emitida, violando a competência dos juizados especiais.


O IRDR NA PRÁTICA: A APLICAÇÃO IN CASU

Em 14 de abril de 2016, no Rio de Janeiro, foi julgado o primeiro IRDR14 do país, que tratada do acréscimo de 11,98% (onze vírgula noventa e oito por cento) à remuneração dos servidores públicos estaduais, a título de diferenças salariais decorrentes da conversão da moeda URV (Unidade Real de Valor) para o Real, em 1994, assim como do pagamento das parcelas eventualmente devidas de forma retroativa. Como é comum aos IRDR o tema é objeto de diversas ações em tramitação naquele tribunal.

Conforme o CNJ15, já são mais de 21 (vinte e um) mil feitos sobrestados por efeito do IRDR, sendo que, até o momento, 38 tribunais integram a base de dados: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Regiões, Tribunais de Justiça dos Estados do Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e do Distrito Federal e Territórios, além dos Tribunais Regionais do Trabalho da 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 12ª, 13ª, 14ª, 17ª e 18ª Regiões. 

Para efeitos de exemplo, cita-se o IRDR 1.0000.16.0328084/002 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG)16, que analisa a aplicabilidade da tabela de remuneração de advogados dativos, tema bastante polêmico. Muitos advogados têm ingressado na Justiça questionando os honorários arbitrados pelos magistrados. Desde 2012, o TJMG, a Advocacia-Geral do Estado (AGE-MG) e a Ordem dos Advogados do Brasil/ Seção Minas Gerais (OAB/MG) mantinham um termo de cooperação no qual foi estabelecida uma tabela para a remuneração. Todavia, em novembro de 2013 a OAB rescindiu o termo.

O incidente deverá definir se a aplicação da tabela do convênio é obrigatória durante o período de sua vigência e se, mesmo após sua revogação, ela pode ser utilizada como parâmetro pelo juiz. Alguns desembargadores entendem que a observância da tabela era obrigatória durante a vigência do convênio, mas não poderia ser aplicada depois de novembro de 2013. Outros admitem a utilização após o fim do convênio como parâmetro, entendendo ainda que a aplicação não era obrigatória nem mesmo durante a vigência, dada a autonomia do juiz em fixar os honorários.

Ainda há muitas dúvidas quanto à aplicação do IRDR, havendo divergência na mera admissibilidade dos mesmos, assim como cisões doutrinárias e jurisprudenciais. O fato é que o incidente já é uma realidade, embora com contornos ainda a definir.


O IRDR E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: instrumento efetivo para a tutela dos direitos repetitivos?

O ordenamento jurídico brasileiro, construído por meio de uma aparato de técnicas em prol da efetividade e razoável duração do processo tem como escólio os institutos sobre análise. Nesse diapasão, Wurmbauer (2014) aponta que o IRDR surge com o escopo de minimizar a vastidão de demandas e o discrepante número de julgados divergentes sobre uma mesma questão de direito.

Desse modo, O IRDR pode ser entendido como um importante e moderno instrumento processual para assegurar a isonomia, garantindo a celeridade, a duração razoável do processo e a economia processual, cujo escopo é a segurança jurídica.

Seguindo a concepção adotada, Sousa (2016) alerta que a divergência na interpretação da Lei por parte dos juízes de primeira instância é previsível e aceitável. Todavia, o mesmo não se espera dos tribunais, que, segundo ele, “têm a missão de impedir a cristalização dessas decisões divergentes ou conflitantes” (p.13). Por esse motivo, Lourenço (2011) defende que quanto mais uniformizada a jurisprudência mais se fortalece a segurança jurídica, sendo o IRDR um grande passo no sentido do fortalecimento dos precedentes no ordenamento jurídico pátrio.

No mesmo sentido afirma Wurmbauer (2014, p.175) que:

Esta opção legislativa em torno do incidente ajuda a sacramentar princípios processuais importantíssimos, especialmente aqueles que estão na base do fenômeno processual das demandas repetitivas, como a segurança jurídica e isonomia. De fato, concorre para a garantia de uma tutela judicial efetiva.

O novel incidente representa ainda um avanço no tocante aos processos coletivos pois pode abarcar direitos individuais homogêneos não contemplados por ações coletivas e que terminam se transformando em demandas repetitivas.

Na mesma linha, Wurmbauer (2014) ressalta que é salutar reconhecer a contribuição do IRDR para celeridade processual, podendo ser proposto logo na segunda instância de jurisdição, por quaisquer dos envolvidos nas demandas individuais, indicativas de massificação.

Na perspectiva habermasiana17, o IRDR ainda possibilita às partes, cujos processos trazem questões de direito submetidas ao incidente, contribuir com a instrução probatória no incidente, seja diretamente ou por intermédio do amicus curiae. Com isso, vislumbra-se uma prestação jurisdicional de mais qualidade, mais completa e também mais legitimada pela efetiva participação dos jurisdicionados no julgamento. (WURMBAUER, 2014)

E nessa mesma direção é o magistério de ARRAIS (2017), em defesa ao IRDR, afirmando que:

O objetivo do IRDR, caso alcançado, poderá contribuir para a economia processual e a razoável duração do processo, na medida em que poderão ser evitados ajuizamentos de ações clonadas, economizando tempo e recursos, propiciando previsibilidade no resultado de tais contendas, pelo simples fato de que o mérito após julgados, aliado ao seu efeito vinculante, servirão de paradigma para as ações presentes e futuras. (ARRAIS, 2017, p.56)

É incontroverso que o IRDR pretende privilegiar um dos princípios mais caros ao Estado Democrático de Direito, que é o princípio da igualdade (art. 5º, da Constituição Federal de 1988), e o faz ao assegurar “equivalência na tramitação dos processos a todo jurisdicionado, lhes garantindo, além da previsibilidade nos ritos procedimentais, que as decisões neles tomadas sejam equânimes em situações de mesma natureza” (ARRAIS, 2017, p.68).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O IRDR tem como desiderato a melhoria na efetividade da prestação jurisdicional, balizada na segurança jurídica e nos princípios constitucionais da isonomia, da celeridade e economia processuais e da razoável duração do processo. (SOUSA, 2016)

Obviamente, como toda e qualquer inovação, o IRDR não está imune de críticas, principalmente dos que afirmam que o incidente viola princípios constitucionais importantes como legalidade, separação dos poderes, direito de ação e contraditório, dentre outros. Quanto às inadequações incipientes, percebe-se, pois, que serão, em seu tempo, corrigidas ou suprimidas do diploma legal.

As mudanças, todavia, são impulsionadas no sentido de aperfeiçoar o processo civil pátrio como um todo, e nas instâncias superiores, a contrário senso, promover uma prestação jurisdicional com uma duração razoável e que não apresente resultados díspares para situações idênticas. Logo, o escopo do IRDR é privilegiar a isonomia e a celeridade processual e princípios constitucionais também importantes.

Apostar nesse sistema decisório, é, para alguns doutrinadores, dedicar em uma “jurisprudência lotérica”, visto que o IRDR pode “engessar” a jurisprudência, promovendo celeridade às custas de “instrumentos vinculatórios” que ignoram a conflituosidade da atividade jurisdicional e desconsideram a realidade social cada vez mais complexa e dinâmica. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015)

Não obstante ao sobredito, mister se faz valorizar o aprimoramento da atuação judicial para que seja prestigiado o esforço, principalmente no tocante ao tratamento isonômico.

Deve-se considerar ainda que o teor vinculante de um precedente respeita uma questão de direito previamente apreciada, não sendo uma mera “escolha de lados”, mas a elaboração de uma norma jurídica, fruto de uma atuação responsável do julgador que precisará fundamentar sua decisão, e que servirá de parâmetro na aplicação de casos semelhantes.

Percebe-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro está em nítida mudança. E ademais, rendendo-se à cultura dos precedentes judiciais. Nesse contexto, o IRDR é um desafio para uma sociedade que se assenta na instabilidade de decisões e entendimentos.

Curial asserir, pois, que as técnicas processuais trazidas pelos precedentes e pelo IRDR entreveem a celeridade processual, o tratamento isonômico e a segurança jurídica, e não o “engessamento” da atuação interpretativa dos juízes e tribunais, ou a supressão de direitos dos jurisdicionados.

Convém acrescentar que o processo deve estar aberto ao diálogo, uma vez que a adoção dos precedentes não significa meramente a “cristalização” das decisões, mas, por outro lado, a atuação judicial continuará vinculada ao livre convencimento do juiz com o condão de orientar as demais decisões. Assim, os provimentos não dispensarão a atividade interpretativa do julgador, muito menos o contraditório.

O processo passar a ser um espaço de criação do direito, de participação democrática, “commomlawlização, perspectivar esse fenômeno é acrescenta o escólio de Didier JR. (2011) que faz uma reflexão do direito processual civil brasileiro ligado a características próprias sendo inclusive denominado de brazilian law18. Nesse sentido, o paradoxo da sociedade atual, parafraseando Habermas é que o projeto inacabado do mundo contemporâneo corresponde a grande vácuo a ser preenchido pela sociedade atual que tem como crise, a ser superada, uma bifurcação determinada pelo círculo de especialistas em contraste com uma grande massa da sociedade. (HABERMAS, 1994).

Quando o dispositivo processual impõe a norma vinculante ou o precedente, não há proibição de interpretar, mas uma necessidade atribuída à motivação de suas decisões e, dessa maneira, assegurar estabilidade e coerência jurisprudencial. Cabe ao magistrado, diante dessa nova dinâmica, adequar-se a essa nova metodologia processual que parte do coletivo para o individual, caminho inverso do costumeiro.

Enfim, o debate é sempre salutar, principalmente diante de uma inovação processual de tamanha relevância. Os labirintos apontados servem para vislumbrar os caminhos e não para exaurir a trajetória. Em busca de uma nova forma de aproximar o direito da sociedade, carente de decisões mais efetivas e em tempo razoável.


REFERÊNCIAS

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Notas

1 Dados informados no site institucional do CNJ, www.cnj.jus.br.

2 Stare decisis: expressão que deriva do brocardo latino stare decisis et non quieta movere e que significa: ficar com o que foi decidido e não mover o que está em repouso. No commow law é o precedente com força vinculante, que assegura que casos semelhantes tenham decisões análogas. (SOARES, 2010)

3 Hoje são bem comuns relações jurídicas complexas, fundamentadas em interesses coletivos e transindividuais, cuja titularidade muitas das vezes pertence a uma classe inteira, multitudinária, ou mesmo transborda para toda a sociedade, e à própria humanidade, como acontece com as questões ambientais. Por outro lado, também se observa o fenômeno dos contratos de adesão os quais, regulando relações e serviços complexos mediante cláusulas unilateralmente fixadas e, não raro, eivadas de ilegalidades, permitem a serialização das relações de consumo conforme as necessidades e premissas mercadológicas de uma sociedade de consumo massivo. (WURMBAUER, 2014, p.4-5)

4 Termo cunhado por Teodoro Jr. (2017).

5 A ratio decidendi é o conceito mais importante dentro da teoria dos precedentes. É a motivação da decisão, os fundamentos do juiz, os argumentos por ele utilizados que são determinantes para a situação e que podem servir de paradigma para futuras decisões. São das razões de decidir do precedente que vão operar vinculação, extraindo-se uma regra geral que se aplica a outras situações semelhantes. Considera-se na atualidade que esta engloba não só o dispositivo da sentença, mas também os fundamentos principais para aquela decisão. Assim é que a ratio decidendi inclui os fatos relevantes da causa (statement of material facts), o raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning) e o juízo decisório (judgement). (NOGUEIRA, 2014, p.12)

A ratio decidendi constitui uma generalização das razões adotadas como passos necessários e suficientes para decidir um caso ou as questões de um caso pelo juiz. [...] refere-se à unidade do direito. (MARINONI, 2017, p. 652)

6 Class action pode ser compreendida como o remédio através do qual uma ou mais pessoas, devidamente representadas por um advogado, iniciam ou mantêm uma ação em nome de um grupo de pessoas, de uma classe, para obter a solução de um conflito coletivo de interesse. (Zavascki, 2012)

Trata-se de um poderoso instrumento transformador, concebido para ampliar o acesso à justiça, tornar efetivo o direito material e implementar as políticas públicas do Estado, de maneira simples, direta e conjuntamente pelos próprios interessados. Além de se mostrar vantajosa para a coletividade, que pode enfeixar as suas demandas por meio de alguns poucos representantes, evitando assim o tumulto processual, o instituto também beneficia os réus, pois estes podem concentrar os seus esforços de defesa em um único processo, ao invés de lidar com inúmeras ações individuais. Yeazell menciona que já foram concebidas as ações coletivas como “uma espécie de aspirador de pó judicial, coletando em um saco de pó litigioso pedaços idênticos de ação e arrumando, assim, a carga de trabalho dos tribunais.” Por outro lado, em razão da função de deterrência (deterrence), muito bem desenvolvida no direito americano, a possibilidade de uma tutela coletiva eficiente como a das class actions serve como desestímulo a que potenciais infratores venham praticar condutas ilícitas contra a coletividade. (WURMBAUER, 2014, p. 25)

7 A criação do termo pós-positivismo e a sistematização desse paradigma são oriundos da obra de Friedrich Müller, que constrói uma teoria do direito que não almeja se opor ao positivismo (daí ser pós e não antipositivista), mas complementá-lo, corrigindo os equívocos. Assim, podemos afirmar que o pós- positivismo tem dois grandes objetivos: a) carrear as conquistas e as inovações filosóficas advindas do giro-linguístico para o direito e b) sistematizar a teoria da norma atrelando ao fenômeno decisório com o intuito de se superar a concepção de que decisão judicial seria mero ato de vontade ou uma operação mecânica de cariz silogístico. (ABBOUD, 2016, p.65)

8 A GLO inglesa intenta permitir que demandas semelhantes, mas não necessariamente idênticas, tenham tramitação conjunta. Já o Musterverfahren alemão trata do julgamento de um caso-piloto, que serve de base para o posicionamento da jurisdição acerca de uma controvérsia (MARINONI et. al., 2017)

9 Fredie Didier Jr. (2017, p. 678-681) esclarece que o IRDR constitui-se por julgar uma causa e fixar um entendimento uma “causa-piloto”. Todavia, quando há desistência ou abandono de vários casos ou de todos sob análise do incidente, o julgamento do IRDR prosseguirá apenas para a fixação da tese, com titularidade do Ministério Público, e então, passa-se a ter uma “causa-modelo”.

10 A teoria neoinstitucionalista do processo fora idealizada por Rosemiro Pereira Leal, tendo como fundamento a processualização testificante da validade normativo-democrática, leito onde o pensar jurídico racional é sempre problematizável, por falibilidades reversíveis, da produção e aplicação do direito. (LEAL, 2014).

11 Art. 81, parágrafo único, inciso III da Lei n. 8.078/90: [...] assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, 2017b)

12 As partes devem optar positivamente por participar do julgamento coletivo das demandas atingidas pela ordem de litígio coletivo. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015)

13 Direito de pedir desistência da demanda individual, a fim de não ser alcançado pelos efeitos da decisão-modelo. (ABBOUD; CAVALCANTI, 2015)

14 Fonte: https://www.conjur.com.br/2016-abr-18/julgar-novidade-cpc-corte-depara-situacoes-nao-previstas

15 Dados de 23 de Maio de 2017, informados no site institucional do CNJ, http://www.cnj.jus.br/tktj

16 http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_complemento2.jsp?listaProcessos=10000160328084002

17 Jürgen Habermas é um filósofo e sociólogo alemão, cujo pensamento caracteriza-se pela crítica ao positivismo e por uma nova formulação da teoria marxista. Trata dos fundamentos da teoria social e da epistemologia, da análise da democracia nas sociedades sob o capitalismo avançado, do Estado de direito em um contexto de evolução social (no qual a racionalização do mundo da vida ocorre mediante uma progressiva libertação do potencial de racionalidade contido na ação comunicativa, de modo que a ação orientada para o entendimento mútuo ganha cada vez mais independência dos contextos normativos e da política contemporânea. (PINTO, 1995)

18 Termo cunhado em sala de aula por intermédio do Aluno Gabriel Dourado Dias, graduado em direito na Universidade Federal da Bahia, segundo semestre de 2009.



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