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A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro

A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro

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Com o surgimento do sistema funcionalista e da teoria da imputação objetiva, criou-se a possibilidade de solucionar determinados casos pelos quais, até então, o agente seria considerado culpado e responderia pelo crime de forma injusta.

A impossibilidade de alcance da sistemática do dogma causal despido de critérios normativos e axiológicos tem gerado no direito penal moderno o que se pode denominar de “crise do dogma causal”. Em oposição a esse pensamento, surge a necessidade de criação de critérios objetivos para atribuição da responsabilidade penal e possível imputação de fatos a seus autores.

Nos crimes materiais, a tipicidade objetiva depende da comprovação de um nexo, de uma relação de subsunção, entre ação e resultado típico, de modo que se possa afirmar que este é concreção daquela, ou, melhor dizendo, que é produto daquela ação. Saber quais requisitos de natureza objetiva são exigidos para a caracterização dessa relação dependerá do modelo interpretativo da realidade imposto por determinada teoria do delito e, mais especificamente, da concepção de tipo penal por ela adotada. A Teoria da Imputação Objetiva é apenas uma entre inúmeras outras teorias já formuladas com o fim de solucionar questão fundamental no Direito Penal, qual seja a de saber quando se pode afirmar a existência de uma relação objetiva entre conduta e resultado, condição inafastável de tipicidade nos crimes materiais.

A imputação objetiva é tema que tem atraído a atenção dos mais renomados doutrinadores penais de todo o mundo. O desenvolvimento da ciência penal, sua evolução ao longo dos anos e a mudança dos parâmetros aferidores do nexo de causalidade, têm gerado grandes polêmicas na história do direito repressivo.

A teoria da imputação objetiva é adotada pela maioria dos autores alemães, bem como em outros países europeus. No Brasil, conta com uma crescente adesão dos estudiosos do Direito Penal, sendo que várias decisões dos Tribunais brasileiros já se valeram de seus fundamentos.

O clássico conceito analítico de crime possui três substratos que foram, por razões didáticas, separados, de forma a configurar como criminoso todo fato típico, antijurídico e culpável. A subsunção de determinada situação em concreto aos preceitos normativos somente resultará em um resultado criminoso quando preenchidos todos os substratos do delito, sem prejuízo dos seus elementos. Na seara do fato típico, mostra-se comum a sua subdivisão em conduta, resultado, tipicidade, e o nexo de causalidade. Nesse diapasão, somente pode ser considerado típico determinado fato quando guardar uma intima relação de causalidade entre a conduta e o resultado produzido. A apuração desse nexo causal tem sido uma das maiores problemáticas do direito penal moderno, diante da evolução da sociedade.

Tendo em vista a problemática ideológica envolvendo o dogma causal, a teoria objeto deste estudo surge como uma possível solução para o problema: tal construção ideológica não estaria presa unicamente ao nexo de causalidade, mas sim, configuraria uma problemática de imputação. Restaria à Jurisprudência propor um critério seguro para definir quando determinado fato penalmente relevante poderia ser imputado a um determinado agente: é nesse contexto que surge a Teoria da Imputação Objetiva, com a delineação que modernamente tem se apresentado.


Crise da teoria normativa pura da culpabilidade

Nos tipos penais de crimes materiais, a tipicidade objetiva depende da comprovação de um nexo, de uma relação, entre ação e resultado típico, de modo que se possa afirmar que este é concreção daquela, ou, melhor dizendo, que é seu produto.(BACIGALUPO, Enrique. Direito Penal – Parte Geral, p. 229.)

Saber quais requisitos de natureza objetiva são exigidos para a caracterização dessa relação dependerá do modelo interpretativo da realidade imposto por determinada teoria do delito e, mais especificamente, da concepção de tipo penal por ela adotada. (ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Imputação objetiva, p. 15.)

A teoria da imputação objetiva é apenas uma entre inúmeras outras teorias já formuladas com o fim de solucionar questão fundamental no Direito Penal, qual seja, a de saber quando se pode afirmar a existência de uma relação objetiva entre conduta e resultado, condição inafastável de tipicidade nos crimes materiais ou de resultado. Dessa forma, antes de conceituá-la, entendemos ser mais adequado proceder a um breve excurso, mostrando como a referida questão foi tratada ao longo do desenvolvimento da teoria do delito.

O sistema clássico, desenvolvido principalmente por Liszt e Beling, fundamentava o tipo no conceito de causalidade. O tipo considerava-se realizado toda vez que alguém constituía uma condição para o resultado nele previsto, ou seja, toda vez que alguém o causava, no sentido da teoria da equivalência dos antecedentes ou “condictiosinequa non”.

Concebido ao final do século XIX por BELING e VON LISZT, o sistema causal-naturalista, também chamado sistema clássico de delito,foi construído sob a influência do positivismo científico.(JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal, v.1, p. 275.)

Neste marco filosófico, dominava a idéia de que a ciência jurídica, tal qual as ciências naturais, deve lidar apenas com aquilo que pode ser apreendido através dos sentidos, com aquilo que é mensurável e tangível, inexistindo conhecimento científico fundado em valores. (GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº. 32, p.122).

Não é sem motivo, portanto, que no sistema clássico de delito, a relação que permite considerar um resultado como produto de uma ação é uma relação de causa e efeito idêntica à dos eventos da natureza, ou seja, uma relação de causalidade (BACIGALUPO, Enrique. Direito penal – parte geral, p. 229).

Em virtude disso, o tipo acabava sendo muito extenso, afinal, nesta perspectiva, praticava a ação de matar não só aquele que disparou o tiro mortífero, mas todos os que contribuíram para o resultado com uma “condictiosinequa non”: o fabricante e o vendedor do revólver e da munição, aqueles que ocasionaram a desavença da qual resultou o tiro, até mesmo os pais e outros ascendentes do criminoso (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012).

O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mas ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao vem público e pode tornar-se mais comum. Deve, pois, haver uma proporção entre os delitos e as penas (BECCARIA, 1764, p. 123).

As necessárias restrições à responsabilização jurídico-penal daí resultantes teriam de ser realizadas em outros níveis do sistema: na antijuridicidade ou, principalmente, na esfera da culpabilidade, onde se localizavam todos os elementos subjetivos do delito, pois como sabemos, o dolo e a culpa não eram previsto na conduta, mas sim na culpabilidade como dolo normativo.

As necessárias restrições à responsabilidade jurídico-penal eram realizadas em outros níveis do conceito analítico: na antijuridicidade ou, principalmente, no âmbito da culpabilidade, que abrangia o dolo e a culpa, únicos elementos subjetivos do delito no sistema causalista. (ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva. Estudos de direito penal, pp. 101 e 102.)

Contudo, já no início do século XX, se impõe uma nova fase no pensamento jurídico-penal: o sistema neoclássico de delito. A teoria do delito erigida por LISZT e BELING foi, então, submetida a um profundo processo de transformação. O sistema neoclássico de delito abandonou o formalismo típico do positivismo jurídico e, sob o influxo da filosofia neokantiana do sudoeste alemão (WINDELBAND, RICKERT, LASK), propugnou a construção de uma teoria teleológica do delito, orientada pelos fins do direito penal e pelas perspectivas valorativas que lhe servem de base. (JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho penal, v.1, p. 277.)

Contra este sistema, surgiu a Teoria Finalista da Ação, tendo como principal representante Welzel, que vê a essência da ação humana não no puro fenômeno natural da causação, e sim no direcionamento, guiado pela vontade humana, de um curso causal no sentido de um determinado fim: “A finalidade é a espinha dorsal da conduta humana”. Esta compreensão da conduta como um ato finalístico, orientado a um objetivo, evita consideravelmente o “regressus ad infinitum” da teoria causal da ação, eis que, ao contrário dela, já analisa o dolo no nível do tipo, como a parte subjetiva deste. Em virtude disso, o posicionamento do dolo no tipo é aceito quase unanimemente pela ciência jurídica alemã.

A compreensão da conduta como ato ontologicamente finalístico, isto é, não como puro fenômeno natural de causação, mas como acontecimento sicologicamente supradeterminado, impôs a consideraçãodo dolo já ao nível do tipo, evitando consideravelmente o regressus ad infinitum da teoria causal da ação. (ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva. Estudos de direito penal, p. 102.)

Porém, o progresso que o Sistema Finalista trouxe limita-se ao tipo subjetivo. Para a realização do tipo objetivo, tal Teoria considerava suficiente a mera relação de causalidade, baseada na Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais. Dessa forma, o Tipo continuava demasiado extenso.

Os finalistas acrescentaram ao tipo uma face subjetiva, mas o tipo objetivo dos crimes de resultado permanecia intocado, esgotando-se na causalidade: o fabricante da arma utilizada para matar continuaria praticando uma ação objetivamente típica,sendo a tipicidade eventualmente excluída na análise do tipo subjetivo, por considerações a respeito do dolo (GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva, pp. 08 e 09.)

Podemos observar dessa forma que, a limitação do tipo imposta pelo conceito de ilícito pessoal de WELZEL, somente se dava no âmbito do tipo subjetivo, e ainda assim, nos delitos dolosos. Sendo assim, por exemplo, se um traficante entrega drogas a uma pessoa capaz desejando que ela morra em virtude de uma overdose. De acordo com o finalismo, caso a morte efetivamente sobreviesse, o traficante responderia por homicídio doloso consumado, o que, de acordo com os princípios da moderna teoria da imputação objetiva, seria inaceitável.

Foi sempre um problema para a teoria da relação de causalidade objetiva (imputatiofacti) a questão do risco de determinada conduta em face de conhecimentos particulares do autor. Ex.: no Bairro de Zähringen, em Freiburg i. Br., na Alemanha, há um bosque conhecido pelo fato de, por razões minerológicas, sucederem-se muitas descargas elétricas durante as tempestades. Numa pequena fortaleza edificada na parte mais alta, há um cartaz em homenagem a um teutão que, nos idos de 1960, morreu fulminado por um raio numa tormenta. Junto à placa, há uma mensagem: “O acesso à torre corre por conta de seu próprio risco. No caso de aproximar-se uma tempestade, deve-se abandonar o monte”. Suponha-se que um filho, para ficar com a herança do pai, conhecedor do perigo, induza-o a visitar a fortaleza no momento em que se aproxima uma tempestade, vindo uma descarga a matá-lo. Aplicada a doutrina causal da conditio sinequa non, responderia pelo resultado por força da teoria da equivalência dos antecedentes: eliminado o induzimento, a vítima não iria à fortaleza e não encontraria a morte (princípio da eliminação hipotética) (DAMASIO, 2011, p. 319).

Em todos os casos semelhantes ao do bosque alemão, teríamos a imputação do resultado, quando aplicada à Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais, o que nos parece não ser a melhor solução, pois, nesses casos, o sujeito apenas se aproveita de um risco existente, ou seja, um risco permitido, um risco que todos correm, não tendo efetivamente causado o resultado.  No caso acima, o filho não pode efetivamente ser considerado autor, pois, induzir alguém a visitar um bosque não é um ato executório de homicídio.

Apesar da coerência da tese de Welzel, e da proposta de estandardização da exigibilidade defendida posteriormente por autores como Jescheck, o fundamento do juízo de reprovabilidade do comportamento injusto, com base na capacidade do sujeito de atuar de outro modo, recebeu muitas críticas, sendo determinante da crise do conceito material de culpabilidade estruturado pela dogmática finalista, especialmente a partir da crítica formulada por Engisch. Esse autor afirmou a impossibilidade de demonstrar empiricamente o livre-arbítrio humano, com o pressuposto do poder atuar de outro modo. Esse problema não foi resolvido de maneira convincente pelo critério do homem médio; além disso, critica-se a vinculação da teoria normativa pura da culpabilidade com a concepção retributiva da pena. Se a culpabilidade é concebida como fundamento e limite da pena, e se no marco dessa categoria sistemática do delito não há espaço para considerações político-criminais, de fato, é possível deduzir que a teoria normativa pura conduz a uma teoria da pena carente de fins, alheia, portanto, à finalidade preventiva da pena (BITENCOURT, 2012, p. 1006).

Sendo assim, defendem os funcionalistas que o juízo de tipicidade objetiva não pode se restringir ao juízo de causalidade, uma vez que não se pode relegar a uma categoria puramente naturalística a função de determinar aquilo que é ou não penalmente relevante. A causalidade continua necessária, mas não suficiente, para o estabelecimento de relação entre conduta e resultado. A atribuição de um resultado a uma conduta, nos crimes materiais, passa então a depender de outros critérios.

De modo simplista e equivocado, alguns doutrinadores brasileiros chegaram a afirmar que a teoria da imputação objetiva “é uma teoria que tem o destino de substituir, no futuro, a causalidade material (JESUS, Damásio E. Imputação objetiva, p. XVII.)

Em função disso, a doutrina já vinha a algum tempo, recomendando a adoção de novas teorias limitadoras no nexo de causalidade objetivo. Foi assim que surgiu a Teoria da Imputação Objetiva, decorrente do Sistema Funcionalista, com o objetivo de solucionar problemas não resolvidos de forma satisfatória pelo Sistema Finalista.


CONCEITO DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Diz-se imputar, do latim imputare, o ato pelo qual se atribuiu algo a alguém. É a declaração que se faz de que algo pertence a uma pessoa ou foi praticada pela mesma. Noutras palavras, é o ato pelo qual se declara alguém como causador de um efeito ( SILVA, 2005, p. 717).

Imputação objetiva significa atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico.

De modo sucinto, pode-se dizer que a teoria geral da imputação objetiva (conforme concebida por Roxin) consiste num conjunto de pressupostos jurídicos que condicionam a relação de imputação (atribuição) de um resultado jurídico (ou normativo) a um determinado comportamento (penalmente relevante). Luís Greco a conceitua como “o conjunto de pressupostos que fazem de uma causação uma causação típica, a saber, a criação e realização de um risco não permitido em um resultado” (GONÇALVES, 2012, p. 261).

O ponto central não é imputar um resultado a um homem segundo o dogma da relação de causalidade material, i. e., se ele, realizando determinada conduta, produziu certo resultado naturalístico. O âmago da questão, pois nos encontramos no plano jurídico e não na área das ciências físicas, reside em estabelecer o critério de imputação do resultado em face de uma conduta no campo normativo, valorativo. Por isso, não põe em destaque o resultado naturalístico, próprio da doutrina causal clássica e do fato típico, e sim o resultado (ou evento) jurídico, que corresponde à afetação jurídica: lesão ou perigo de lesão do bem penalmente tutelado, i. e., o objeto jurídico (JESUS, 2011, p.320).

Devemos destacar a expressão resultado naturalístico, pois o reconhecimento do resultado jurídico independe da imputação, referindo-se, exclusivamente, ao descumprimento da norma, a qual, por vezes, não prevê alteração no mundo fenomênico, já que o resultado jurídico refere-se tão somente a subsunção do fato ao conceito contido na norma. É a hipótese dos delitos de mera conduta/simples atividade ou delitos formais/consumação antecipada, os quais não exigem, para consumação, qualquer resultado naturalístico, mas carregam em seu bojo, resultado jurídico. Assim, a imputação se refere tão somente aos delitos de resultado, ou também chamados crimes materiais, tais como o homicídio, lesão corporal, aborto, estelionato, furto etc.

Assim, à guisa de síntese preliminar, podemos afirmar que a teoria da imputação objetiva é aquela que enuncia o conjunto de pressupostos normativos necessários para a atribuição do resultado causado à conduta de alguém, fazendo de uma causação uma ação objetivamente típica. (ROXIN, Claus. Derecho penal, t.1, p. 363.)


HISTÓRICO DA TEORIA GERAL DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Coube a Claus Roxin, precursor da teoria, indicar sua árvore genealógica. Segundo ele, quem primeiro introduziu, no âmbito do Direito, o conceito da imputação de uma conduta a um resultado como problema de cunho jurídico (e não naturalístico) foi o civilista Karl Larenz, em 1927. Esse autor definira o conceito de imputação para o Direito em sua tese de doutorado, intitulada A teoria da imputação de Hegel e o conceito de imputação objetiva (Hegels Zurechnunglehreund der Begriff der objektiven Zurechnung). Nessa obra, Larenz demonstra intensa preocupação em estabelecer os pressupostos jurídicos adequados para determinar quais consequências de nossos atos podem nos ser atribuídas como obras nossas e quais são obras do acaso (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 262).

No ano de 1930, Richard Honig trouxe para o direito penal a mesma preocupação de Larenz, em seu artigo Causalidade e imputação objetiva (Kausalitätund objektive Zurechnung). Honig tomou como ponto de partida a polêmica existente entre a teoria da equivalência dos antecedentes causais e a teoria da causalidade adequada, no que concerne à busca do critério acertado para se atribuir um resultado a uma pessoa. O autor concluiu que a aferição da relação de causalidade material não poderia ser considerada como um dos aspectos centrais da Teoria do Delito. No lugar de pressupostos causalísticos (ou materiais), deveria o jurista valer-se de requisitos jurídicos para se estabelecer um liame entre ação e resultado.

A Teoria da Imputação Objetiva questiona se o Nexo Causal de Causalidade seria um critério adequado. Para Honig, deveriam deixar de aplicar o Nexo de Causalidade e começar a aplicar Critérios Jurídicos de Imputação> Controle do Curso Causal. Em 1970, quando Roxin escreveu seu primeiro trabalho acerca da Imputação Objetiva, Roxin concordou com a idéia de Honig, mas, ele propôs dois critérios. Roxin percebeu que não seria possível abandonar totalmente o Nexo de causalidade (Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais), não há como abrir mão de um mínimo de causalidade. Se não houver Nexo de Causalidade, o agente não responde, porém, se houver Nexo de Causalidade, ai deve-se observar a Imputação Objetiva.

Claus Roxin, no ano de 1970, escreveu suas reflexões sobre a problemática da imputação no direito penal. Neste momento, Roxin utilizou as bases do pensamento de Honig quanto a rejeição da importância da causalidade material, e elaborou bases para a sua visão da Teoria da Imputação Objetiva.

A principal diferença entre a moderna teoria da imputação objetiva (Roxin) e sua concepção original (Larenz e Honig) consiste em que “primeiramente, a formulação moderna trabalha com a ideia de risco, de perigo, ainda não presente de forma explícita nas primeiras construções; em segundo lugar, a formulação moderna desenvolve uma série de critérios de exclusão da imputação, enquanto as teorias primitivas esgotavam-se, fundamentalmente, em excluir os resultados imprevisíveis”, isto é, cuidavam dos chamados “cursos causais extraordinários” (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 262).

Em seu surgimento, em 1930, por criação de Richard Honig, a imputação objetiva estava limitada ao nexo causal, ficando sua incidência restrita aos crimes materiais e comissivos. Atualmente, há uma tendência para ampliá-la a todos os crimes, mediante o entendimento de que qualquer comportamento socialmente padronizado será considerado objetivamente (independentemente de dolo e culpa) atípico (CAPEZ, 2011, p.122). 


TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA SEGUNDO CLAUS ROXIN

Segundo a teoria da imputação objetiva, desenvolvida por ROXIN em 1970, o resultado deve ser imputado ao autor quando ele ultrapassar o risco permitido, criando um perigo não permitido, e esse perigo se concretizar em um resultado que esteja dentro do âmbito de proteção da norma. De acordo com ROXIN, para que o agente seja responsabilizado pelo dano, não basta apenas a existência do nexo de causalidade, como propõe a teoria da equivalência das condições (conditio sinequa non), é necessário, para, além disso, a existência de um nexo, de aumento do risco, o qual seria apurado através dos critérios por ele desenvolvido na teoria da imputação objetiva (SANTOS; BÜRGEL, 2015, p. 308).

O citado autor intenta, em suas primeiras concepções, construir uma teoria geral da imputação objetiva, aplicável aos crimes materiais. Para ele, a imputação objetiva deveria substituir a relação de causalidade, abandonando-se de vez o “dogma da causalidade” (fundado na teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sinequa non) (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 262).

Dito isso, podemos afirmar que a imputação objetiva, na concepção de ROXIN, aqui adotada, fundamenta-se no princípio do risco, segundo o qual um resultado causado por um agente só pode ser imputado ao tipo objetivo se importar a realização de um perigo criado pelo autor, não coberto pelo risco permitido, dentro do alcance do tipo. (ROXIN, Claus. Derecho penal, t.1, p. 364.)

Uma tal imputação objetiva, nos delitos comissivos, é de antemão impossível se o autor não causou o resultado. Quando, por ex.,não se puder comprovar que um determinado medicamento é causa das lesões ocorridas nos pacientes com ele tratados, não se pode considerar que o fabricante do medicamento tenha lesionado alguém.Por causa disso, a teoria do nexo de causalidade (ao menos nos delitos comissivos, os únicos de que aqui se vai tratar) é o fundamento de toda imputação ao tipo objetivo. O primeiro pressuposto de toda realização do tipo é sempre que o autor tenha causado o resultado. Contudo, ao contrário do que antigamente se supunha, para que o tipo objetivo se considere realizado não basta estarem presentes a causalidade e as elementares escritas [...] Como veremos, além do acaso, há outros motivos que podem excluir uma imputação ao tipo objetivo” (ROXIN, 2002, p. 270).


Níveis de Imputação

Inicialmente, para Roxin, a imputação ao tipo objetivo constitui problema ligado aos crimes que exigem resultado desvinculado no tempo e no espaço da conduta do agente.

Um resultado espaço-temporalmente distinto da ação do autor. Nos delitos de simples atividade, como a violação do domicílio (§123) ou o falso testemunho (§154), a imputação ao tipo objetivo esgota-se na subsunção sob os elementos específicos do tipo em questão. [...] Nos delitos de resultado, pelo contrário, é de se decidir de acordo com regras gerais se a lesão ao objeto da ação (por ex., a uma pessoa nos §§ 212, 213, ou a uma coisa, no§ 313) pode ser imputada ao acusado como obra sua; se não for este o caso, não terá ele matado, lesionado, danificado, etc., no sentido da lei (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 263).

Em sua teoria geral da imputação objetiva, Roxin a estrutura a partir de três níveis de imputação (três requisitos jurídicos para se imputar um resultado jurídico a uma determinada conduta). São eles: Criação ou aumento do risco proibido; Materialização do Risco no Resultado; Âmbito de Alcance do Tipo.


Criação ou aumento do risco proibido

Não haverá imputação quando o agente deixar de criar um risco, ou ainda, mesmo tendo criado eventual risco, se o mesmo não for proibido. Também faltará a criação de risco, e, portanto, a imputação objetiva, nos casos em que o autor modificar um curso causal, de maneira a diminuir a situação de perigo preexistente para o bem jurídico. Ou seja, quando embora tenha causado a lesão ao bem jurídico, tiver o agente atuado de modo a diminuir o risco, pois, embora não tenha conseguido impedir o resultado, tenha atuado de forma eficaz e conseguido diminuir os danos. Afinal, se o Direito Penal não pode proibir ações não perigosas, inócuas, neutras e que não acarretem riscos, não poderá proibir ações benéficas para o bem jurídico, que se orientam no sentido de melhorar sua situação.

ROXIN nos traz o exemplo em que A afasta com a mão uma pedra que iria atingir a cabeça de B, de modo que apenas lese levemente seu braço. A lesão no braço, ainda que causal em relação à conduta de A, não lhe será imputada, pois implicou diminuição do risco de uma lesão mais grave41. Pelo mesmo motivo, quem convence um ladrão a furtar não R$10.000, 00 (dez mil reais), mas somente R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não será punível por participação delitiva no furto. (ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva. Estudos de direito penal, p.109.)

Toda proibição, por importar uma restrição de liberdade, deveexistir em função de uma finalidade que a legitime. Nesse sentido, as proibições impostas pelo Direito Penal só se justificam na medida em que realizem uma finalidade, a saber, a proteção de bens jurídicos. Somente serão legítimas as proibições que sejam idôneas a proteger um bem jurídico. Por essa razão, o Direito Penal somente pode proibir ações objetivamente perigosas, que criem risco a um bem jurídico. (GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva, p. 24).

Só é típica a conduta que de uma perspectiva (ex ante) constitui a criação ou aumento relevante de um risco socialmente não autorizado.

O primeiro nível de imputação requer que o sujeito tenha produzido (ou aumentado) um risco relevante e proibido, caso contrário (riscos irrelevantes, permitidos ou diminuídos), ter-se-á um fato penalmente atípico. Roxin indica como riscos irrelevantes os “riscos gerais da vida” (p. ex., induzir alguém a praticar paraquedismo, na esperança de que um dia o aparelho falhe e a vítima faleça, ou incentivar uma pessoa a realizar viagem de automóvel por uma estrada perigosa, visando a ocorrência de um acidente fatal). Desta forma, quem se aproveita de tais riscos não pode ser considerado responsável pelo resultado, já que este não pode ser tido como obra sua (GONÇALVES, 2012, p. 263).

Didaticamente, GRECO explica o referido critério: prognose, porque é um juízo formulado de uma perspectiva ex ante, levando em conta apenas os dados conhecidos no momento da prática da ação, póstuma, porque, embora sejam considerados apenas os dados ex ante conhecíveis, é uma análise feita depois da prática do fato, e objetiva, porque parte dos dados conhecíveis por um observador hipotético. (GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva, p. 30.)

Portanto, não haverá imputação objetiva em três situações:

  1. Diminuição do Risco: Se a conduta é dirigida a reduzir um risco já existente melhorando a situação do bem jurídico.
  2. Aumento Irrelevante do Risco Criado.
  3. Risco Permitido: Não há imputação objetiva se a conduta mesmo aumentando significativamente o risco ao bem jurídico está dentro dos limites do risco permitido.

Haverá um risco permitido quando:

  1. Forem atendidas as normas de segurança;
  2. Princípio da Confiança: O agente realiza a conduta corretamente, confiando que os demais envolvidos também o farão.

Quem dirige um automóvel de acordo com as normas legais oferece a si próprio e a terceiros um risco tolerado, permitido. Se, contudo, desobedecendo às regras, faz manobra irregular, realizando o que a doutrina denomina “infração de dever objetivo de cuidado”, como uma ultrapassagem perigosa, emprego de velocidade incompatível nas proximidades de uma escola, desrespeito a sinal vermelho de cruzamento, “racha”, direção em estado de embriaguez etc., produz um risco proibido (desvalor da ação). Esse perigo desaprovado conduz,em linha de princípio, à tipicidade da conduta, seja a hipótese, em tese, de crime doloso ou culposo. Significa que não há um risco proibido para os crimes dolosos e outro para os culposos. O perigo é o mesmo para todas as espécies de infrações penais. Assim, se o autor, no trânsito, realizando uma conduta produtora de um risco desaprovado, causa um acidente com morte de terceiro, há imputação objetiva da conduta e do resultado jurídico (JESUS, 2011, p.322).

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. VÍTIMA - MERGULHADOR PROFISSIONAL CONTRATADO PARA VISTORIAR ACIDENTE MARÍTIMO. ART. 121, §§ 3º E 4º, PRIMEIRA PARTE, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. 1. Para que o agente seja condenado pela prática de crime culposo, são necessários, dentre outros requisitos: a inobservância do dever de cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia) e o nexo de causalidade. 2. No caso, a denúncia imputa ao paciente a prática de crime omissivo culposo, na forma imprópria. O teor do § 2º do art. 13 do Código Penal, somente poderá ser autor do delito quem se encontrar dentro de um determinado círculo normativo, ou seja, em posição de garantidor. 3. A hipótese não trata, evidentemente, de uma autêntica relação causal, já que a omissão, sendo um não-agir, nada poderia causar, no sentido naturalístico da expressão. Portanto, a relação causal exigida para a configuração do fato típico em questão é de natureza normativa. 4. Da análise singela dos autos, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, verifico que a ausência do nexo causal se confirma nas narrativas constantes na própria denúncia. 5. Diante do quadro delineado, não há falar em negligência na conduta do paciente (engenheiro naval), dado que prestou as informações que entendia pertinentes ao êxito do trabalho do profissional qualificado, alertando-o sobre a sua exposição à substância tóxica, confiando que o contratado executaria a operação de mergulho dentro das regras de segurança exigíveis ao desempenho de sua atividade, que mesmo em situações normais já é extremamente perigosa. 6. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta do acusado e a morte do mergulhador, à luz da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da criação pelo paciente de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese. 7. Com efeito, não há como asseverar, de forma efetiva, que engenheiro tenha contribuído de alguma forma para aumentar o risco já existente (permitido) ou estabelecido situação que ultrapasse os limites para os quais tal risco seria juridicamente tolerado. 8. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta.(STJ - HC: 68871 PR 2006/0233748-1, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 06/08/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:  DTPB: 20091005 - DJe 05/10/2009).


Materialização do risco no resultado

O segundo nível de imputação, a ser analisado depois da verificação da criação de um risco relevante e proibido, consiste em constatar se o risco produzido se refletiu no resultado (ou se este foi produto de outros fatores). Nesse contexto, são analisadas as “causas imprevisíveis” ou “cursos causais extraordinários ou hipotéticos” (ou, ainda, causas supervenientes relativamente independentes à conduta). Não se imputará objetivamente um resultado ao autor, quando este não detinha controle sobre o desenrolar causal dos acontecimentos. Por exemplo, o atropelador não responde pela morte do pedestre ferido se esta se deu por força de um incêndio no hospital. Também se enquadram neste nível de imputação os riscos que não tiveram nenhuma influência no resultado (e, portanto, teriam ocorrido de qualquer maneira). Há casos nos quais o resultado teria ocorrido de qualquer modo, ainda que o agente empregasse toda a diligência recomendada para a situação (GONÇALVES, 2012, p. 264).

Para que haja Imputação Objetiva é preciso que o resultado corresponda exatamente ao risco proibido criado. Desta forma, não haverá Imputação Objetiva em três situações:

  1. Resultado Aleatório: Embora o resultado tenha sido causado pela conduta, ele não corresponde ao risco proibido criado por ela.
  2. Resultado que esta fora do âmbito de proteção de norma de cuidado. Não há imputação objetiva se o resultado não corresponde ao fim de proteção da norma de cuidado violada.
  3. A Conduta Alternativa Irrelevante. Não há imputação objetiva se ficar demonstrado que a conduta correta não teria evitado o resultado.

Âmbito de Alcance do tipo

O terceiro e último nível de imputação consiste em examinar se o risco gerado está compreendido no alcance do tipo. Constatados os níveis anteriores de imputação, deve-se analisar se o risco encontra-se dentro do “alcance do tipo, o fim de proteção da norma inscrita no tipo (ou seja, da proibição de matar, ferir, danificar, entre outras)”. Pode haver casos, segundo Roxin, em que o tipo não compreende “resultados da espécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a impedir acontecimentos de tal ordem. Esta problemática é relevante em especial nos delitos culposos” (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 322).

Os eventos que não correspondam à função do direito penal não são objetivamente imputáveis como crime. A função do direito penal é impedir condutas que ofendam ou ameacem de forma relevante bens jurídicos alheios. Não há imputação objetiva nas seguintes situações:

  1. Lesão Insignificante: O princípio da insignificância torna atípica a conduta, pois, constitui situação fora do âmbito de alcance do tipo.
  2. Participação na Autocolocação da vítima em risco.
  3. Heterocolocação consentida.

Ementa: Violação de direito autoral com intuito de lucro. Art. 184, §2º, do Código Penal. Autoria e materialidade comprovadas. Conduta ocasional, contudo, que não se insere no âmbito de vigência da norma, cabendo invocar, especificamente neste caso, o delito de bagatela. Absolvição decretada. Recurso provido. ( Tribunal de Justiça de São Paulo Processo: 0028826-73.2009.8.26.0405 .Órgão julgador:10ª Câmara de Direito Criminal Relator(a):Francisco Bruno Comarca:São Paulo Data do julgamento:13/09/2012 Data de registro:16/09/2012).

Para nós, a ausência da imputação objetiva conduz à atipicidade do fato. Não se trata de causa de justificação (excludente da antijuridicidade). Uma conduta que, p. ex., conduz alguém a submeter-se a um risco normal na vida em sociedade, o chamado “risco tolerado”, não gera adequação típica, i.e., não constitui nenhum tipo incriminador. Assim, não há tipicidade no fato de induzir alguém a se colocar em tal situação que venha a correr um risco natural na vida social, tolerado e permitido pela ordem jurídica. A criação de risco permitido é atípica, ainda que produza resultado jurídico. De modo que não existe delito por ausência de fato típico (JESUS, 2011, p.325).


A IMPUTAÇÃO OBJETIVA NA JURISPRUDÊNCIA

A Teoria da imputação objetiva, por ser relativamente nova, e por não estar contemplada no Sistema Finalista, o qual norteia atualmente nosso Código Penal, não é reconhecida por grande parte dos magistrados em suas sentenças, porém, alguns tribunais, já aplicam tal Teoria. Merece destaque a orientação do Superior Tribunal de Justiça que, em diversos casos, já reconheceu a Teoria da Imputação Objetiva, tanto para afastar a imputação como para reconhecê-la.

Cite-se, como exemplo, julgado prolatado em 2009, no qual se concedeu ordem de habeas corpus em favor do paciente, engenheiro naval a quem, embora se pudesse falar em nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado, não se poderia imputar objetivamente a morte de um mergulhador profissional, pois o risco por ele gerado mostrou-se juridicamente permitido. Note-se que, embora não citado na ementa, aplica-se ao caso o princípio da confiança (que Roxin analisa dentro do risco permitido e Jakobs trata destacadamente, como excludente da imputação causalisticamente constatada); confira-se:

“Habeas Corpus. Homicídio Culposo. Vítima — Mergulhador Profissional Contratado Para Vistoriar Acidente Marítimo. Art. 121, §§ 3º e 4º, primeira parte, do Código Penal. Trancamento de Ação Penal. Ausência de Justa Causa.

Para que o agente seja condenado pela prática de crime culposo, são necessários, dentre outros requisitos: a inobservância do dever de cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia) e o nexo de causalidade. No caso, a denúncia imputa ao paciente a prática de crime omissivo culposo, na forma imprópria. A teoria do § 2º do art. 13 do Código Penal, somente poderá ser autor do delito quem se encontrar dentro de um determinado círculo normativo, ou seja, em posição de garantidor. A hipótese não trata, evidentemente, de uma autêntica relação causal, já que a omissão, sendo um não agir, nada poderia causar, no sentido naturalístico da expressão. Portanto, a relação causal exigida para a configuração do fato típico em questão é de natureza normativa. Da análise singela dos autos, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, verificou que a ausência do nexo causal se confirma nas narrativas constantes na própria denúncia. Diante do quadro delineado, não há falar em negligência na conduta do paciente (engenheiro naval), dado que prestou as informações que entendia pertinentes ao êxito do trabalho do profissional qualificado, alertando-os sobre a sua exposição à substância tóxica, confiando que o contratado executaria a operação de mergulho dentro das regras de segurança exigíveis ao desempenho de sua atividade, que mesmo em situações normais já é extremamente perigosa. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta do acusado e a morte do mergulhador, à luz da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da criação pelo paciente de uma situação de risco não permitido, não ocorrente, na hipótese. Com efeito, não há como asseverar, de forma efetiva, que engenheiro tenha contribuído de alguma forma para aumentar o risco já existente (permitido) ou estabelecido situação que ultrapasse os limites para os quais tal risco seria juridicamente tolerado. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta.”(STJ, HC 68.871/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Ac. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 06.08.2009, DJe05.10.2009). (GONÇALVES, 2012, p. 270).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.

Afirmar na denúncia que “a vítima foi jogada dentro da piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam presentes, ocasionando seu óbito” não atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez que, segundo o referido dispositivo legal, “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Mesmo que se admita certo abrandamento no tocante ao rigor da individualização das condutas, quando se trata de delito de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial para uma acusação genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não demonstrar qual a conduta tida por delituosa, considerando que nenhum dos membros da referida comissão foi apontado na peça acusatória como sendo pessoa que jogou a vítima na piscina.

Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal.

Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa.

Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.

Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal.STJ (STJ, HC 46.525-MT, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 20.03.06)

EMENTA: APELAÇÃO. NULIDADE PROCESSUAL. LESÃO CORPORAL CULPOSA. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. CAUSA DETERMINANTE. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA.Não há falar em nulidade processual, haja vista ser inaplicável a esta Justiça Especializada o instituto da defesa preliminar introduzido no CPP pela Lei nº 11.719/2008. O Diploma adjetivo castrense dispõe de rito próprio, inexistindo lacuna a sersuprida.Embora o Laudo do Instituto de Criminalística tenha apontado como causa determinante do acidente o excesso de velocidade, os autos revelam terem os peritos desconsiderado o comportamento da vítima.Inolvidável ter o ofendido fomentado o risco, violando, por impulso, o dever de autoproteção e infringindo, por consequência, as normas de trânsito cuja expectativa social deveria cumprir.Os depoimentos testemunhais não deixam dúvidas sobre o estado de embriaguez da vítima e confirmam o semáforo aberto no momento do sinistro, tendo o ofendido se lançado à frente do carro sem o menor cuidado.Por inexistir culpa, deve ser considerada atípica a conduta nos moldes do art. 439, alínea b, do CPPM. Em virtude de a Apelação ter efeito devolutivo amplo, restituindo à Corte toda a matéria para reanálise, necessária a alteração da alínea emquestão, por ser mais benéfica ao réu.Preliminar de Nulidade. Rejeitada por unanimidade.Recurso Negado. Decisão majoritária.(STM AP 132520097120012 AM 0000013-25.2009.7.12.0012 Publicação 20/09/2012 Vol: Veículo: DJE Julgamento 16 de Agosto de 2012 Relator Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha)

APELAÇÃO CRIMINAL. ACUSADA QUE DEIXOU DE LANÇAR, EM LIVROS PRÓPRIOS, NOTAS FISCAIS DE ENTRADA DE MERCADORIA. DENÚNCIA PELO CRIME-MEIO (FALSIDADE IDEOLÓGICA). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA EXISTÊNCIA DOS CRIMES. DECISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES ATESTANDO A AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO À ORDEM TRIBUTÁRIA. CONDUTAS DIVORCIADAS DE PONTENCIALIDADE LESIVA SUFICIENTE A ENGANAR AS AUTORIDADES FAZENDÁRAIS. FÉ PÚBLICA NÃO PREJUDICADA. CONDUTAS MATERIALMENTE ATÍPICAS PORQUE INÁBEIS A CRIAR OU INCREMENTAR RISCO JURIDICAMENTE RELEVANTE E PROTEGIDO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BEM JURÍDICO PROTEGIDO QUE IMPEDE SE DENUNCIE PELO CRIME-MEIO. ABSOLUTA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO MANTIDA, PORÉM, COM FUNDAMENTAÇÃO DIVERSA.

Pelo conceito constitucional do tipo penal, a subsunção do comportamento exige, além das dimensões formais, subjetiva e normativa, a imputação objetiva, ou seja, a criação ou incremento de risco juridicamente protegido e socialmente relevante caracterizada pelo efetivo prejuízo ao bem jurídico tutelado.

A falsidade ideológica, divorciada de um mínimo de potencialidade ofensiva, e, por isso, inábil a enganar as autoridades fazendárias, não se mostra materialmente típica porque incapaz de prejudicar efetivamente a fé pública, carecendo, portanto, de imputação objetiva.(TJ PR ACR 6837609 PR 0683760-9 Orgão Julgador 2ª Câmara Criminal Publicação DJ: 508 Julgamento 21 de Outubro de 2010 Relator João Kopytowski).


CONCLUSÃO

Como visto, ao longo do tempo, através da evolução do direito penal, o qual evoluiu juntamente com nossa sociedade, foram apresentados alguns sistemas penais, os quais se mostraram adequados para a época, porém, tiveram que ser substituídos por novos sistemas, como forma de se adequar a nova realidade do direito.

Dessa forma, e conforme demonstrado, conclui-se que a reforma da parte geral do atual Código Penal, a qual se deu em 1984, baseada no sistema Finalista, mostrou-se adequada para a época, porém, deixou de se mostrar plenamente eficaz ao longo do tempo. Seria papel do nexo causal vincular determinado resultado à seu real causador. No entanto, o desenvolvimento da sociedade fez que com que diferentes situações concretas surgissem, de forma a se questionar a real eficácia dos critérios de causalidade, já consolidados na árdua tarefa de atribuir a justa responsabilização penal.  

A tarefa principal do direito penal estava em distinguir um fato realmente causado por determinado agente daqueles fatos que poderiam ser atribuídos ao acaso, estando estes últimos fora dos limites da imputação penal. Para que essa tarefa fosse cumprida com êxito, a teoria da conditio sine qua non fora substituída por novas e modernas teorias que à época propunham a resolução dos problemas da causalidade no direito penal: a missão era tão difícil que apesar da contribuição de tais teorias para o aprimoramento da questão, nenhuma foi capaz de resolver os problemas já existentes de forma completa e definitiva. Nesse contexto, Claus Roxin sistematiza os conceitos de Karl Larenz e Richard Honig para criar uma verdadeira teoria da imputação objetiva. Buscando criar uma teoria geral, Roxin elabora vários critérios objetivos de imputação por meio de uma casuística ampla que gerou uma tópica amplamente criticada.

Com surgimento do Sistema Funcionalista e da Teoria da Imputação Objetiva de Roxin, Teoria esta não englobada por todos, pelo Sistema Finalista, e que mostra-se de suma importância para a solução de alguns casos, vemos a necessidade de atualizar novamente o direito penal, de forma a abranger de forma inequívoca a Teoria em estudo, como forma de se adequar ao atual momento do direito penal. Conforme alguns julgados apresentados dentre os inúmeros existentes, podemos perceber que se não fosse a Teoria da Imputação Objetiva, os agentes seriam condenados de forma indevida, com base na Teoria da “Conditio sinequa non” presente no sistema Finalista, Teoria esta, que não consegue dar solução satisfatória a determinados casos.

Conforme pode ser observado, esse trabalho teve como objetivo, não a observância de forma altamente detalhada nas minúcias da teoria da imputação objetiva e suas complexas vertentes, mas limitou-se a traçar em linhas gerais as principais informações sobre tal Teoria e sua aplicabilidade no direito penal.

Com este breve estudo, procuramos, sinteticamente, apresentar os fundamentos dogmáticos e a estrutura básica da teoria da imputação objetiva, de modo a introduzir o leitor naquela que, talvez, seja a teoria que mais discussões suscite na moderna teoria do crime.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Rodrigo Pivato da. A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5759, 8 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73079. Acesso em: 25 abr. 2024.