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A participação das crianças e adolescentes no Santo Daime

a dicotomia entre a liberdade religiosa e o exercício do poder familiar

A participação das crianças e adolescentes no Santo Daime: a dicotomia entre a liberdade religiosa e o exercício do poder familiar

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Reflexões sobre o direito fundamental à liberdade religiosa e seus reflexos sobre a faculdade que aos pais assiste de inserir seus filhos na religião ayahuasqueira, dentro do exercício do poder familiar.

RESUMO: Este artigo tem o propósito de verificar a liberdade religiosa, a qual se constitui em direito fundamental declarado pelo ordenamento pátrio, a partir do estudo dos direitos e deveres que os pais possuem na inserção dos seus filhos na religião ayahuasqueira do Santo Daime. Lançar-se ao estudo do tema aqui proposto é vivenciar a aplicação do direito fundamental, é tornar real a previsão constitucional e dar à liberdade religiosa eficácia e concreção.  Considerando a escolha religiosa dos incapazes, o poder familiar, no que se referem à utilização da beberagem consumida pelos participantes desse culto, tem como objetivo verificar a possibilidade da interferência do poder de família no direito de liberdade do adolescente, no que diz respeito à opção de crença religiosa. A problematização é em torno do consumo da ayahuasca por crianças. O objetivo deste ensaio etnográfico volta-se à descrição e ao entendimento qualitativo dos fenômenos cotidianos e místicos experienciados por “crianças ayahuasqueiras”. Observa-se no presente trabalho que, em caso de eventual conflito, entre a liberdade religiosa do menor e o poder familiar dos pais a solução passará pelo princípio do melhor interesse do menor, de forma que o papel dos pais é educar e não impor religião, sendo este o posicionamento adotado pelos Tribunais.    

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade Religiosa, Poder Familiar, Santo Daime    


INTRODUÇÃO 

Neste trabalho, temos o propósito de discutir sobre as relações entre o direito à liberdade religiosa e o poder familiar. Desenvolveremos essa discussão a partir do caso da participação de crianças e adolescentes na religião ayahuasqueira do Santo Daime. Discutiremos, assim, sobre o direito dos pais na inserção dos seus filhos nessa religião e, portanto, no consumo da ayahuasca, que é uma bebida psicoativa utilizada nesse culto. 

Segundo Labate (2004, p. 65), basicamente a ayahuasca no Brasil é formada por uma decocção composta por água e duas espécies vegetais, o cipó Banisteriopsis Caapi e a folha do arbusto Psychotria Viridis. Trata-se de uma bebida de origem indígena, provinda da região amazônica, onde se desenvolveram religiões cristãs que a consomem como sacramento. Essas religiões, o Santo Daime (Alto Santo/ Iceflu), a Barquinha[1] e a União do Vegetal [2] foram definidas como religiões ayahuasqueiras brasileiras durante o processo de regulamentação do uso dessa bebida no Brasil que deu origem à Resolução N ͦ 1 de 2010 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas -  CONAD. De acordo com Labate et al (2008: 23) essa definição apareceu Ipsis litteris pela primeira vez na obra organizada por Araújo & Labate (2009), “O uso ritual da ayahuasca”.

Atualmente, o uso dessa substância psicoativa no Brasil e no mundo encontra-se bastante difundido, mas não há um registro específico da quantidade de participantes dos cultos aonde há ingestão da bebida, os pesquisadores estimam que somente no território nacional esse número se aproxima das duas dezenas de milhares Labate et al  (2008). A expansão do uso gerou vários questionamentos na sociedade sobre a legitimidade desta prática, é um desses questionamentos consiste em indagar se o uso da ayahuasca causaria prejuízos sociais e individuais, no aspecto físico-químico e das interações entre as pessoas.

O fato de a ayahuasca conter uma molécula proibida pela ONU a dimetiltriptamina (DMT), que é considerada alucinógena, causou grande embaraço no tratamento da questão, mas a própria Organização admitiu que sua regulamentação não recaia sobre as espécies vegetais que compõe a ayahuasca e nem sobre a bebida, o que deu certa abertura para que a questão fosse tratada mais do ponto de vista cultural e do direito, do que do ponto de vista da criminalização. 

Diante disso, o Estado brasileiro realizou um longo processo de investigação sobre o uso da ayahuasca e os grupos que fazem esse uso. Processo este que teve início na primeira metade da década de 1980 e desfechou-se na autorização do uso ritual da ayahuasca em 2010, o que também deu suporte para que em 2011 o governo brasileiro, através do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional), iniciasse o processo de inventário desse uso para possível patrimonialização (COSTA 2017). Nesse cenário, o caso da participação de crianças e adolescentes no Santo Daime gera determinados questionamentos como, por exemplo, sobre os alcances e os limites do poder familiar no respeito à liberdade religiosa dos menores.

Sendo assim, dividimos este trabalho em três capítulos através dos quais pretendemos primeiro, desenhar um cenário sobre o consumo religioso da ayahuasca chamada de Santo Daime no culto fundado por Raimundo Irineu Serra no início do século XX no Acre. Escolhemos esse grupo religioso como foco de análise, porque ele é um dos grupos que mais se expandiu na última década e vivenciou controvérsias jurídicas. Num segundo momento do trabalho, dedicamos um capítulo à definição das categorias de liberdade religiosa e poder familiar, com o intuito de constituirmos ferramentas teóricas para analisar, finalmente, a relação desses direitos no contexto do Santo Daime, no terceiro capítulo.  


O CONTEXTO DO USO RELIGIOSO DA AYAHUASCA NO SANTO DAIME

Para desenharmos o contexto do uso religioso da ayahuasca no Santo Daime é importante considerarmos a dimensão do controle do uso dessa substância psicoativa, pois por um lado vigora certo controle estatal sobre a prática e por outro lado os grupos possuem seus próprios mecanismos de controle interno do uso. Essas formas de controle influenciam o direito à liberdade religiosa e o direito familiar exercido. Logo, no texto a seguir descreveremos sinteticamente a história e a configuração doutrinária do Santo Daime para podermos visualizar com mais clareza esses mecanismos internos de controle. Depois, citaremos os parâmetros normativos estabelecidos pelo Estado brasileiro através da Resolução N ͦ 1 de 2010 do CONAD.  

O Santo Daime considerado como uma religião possui arcabouço doutrinário, ou seja, um conjunto de normas morais que orientam a vida do fiel, ao mesmo tempo em que possui uma institucionalidade. As referências para a formação desse arcabouço encontram-se, segundo os antropólogos (LABATE et al 2008; MACRAE 1992), no cristianismo popular, na cultura de matriz africana, como o tambor de mina, no espiritismo europeu, no esoterismo europeu e especialmente no xamanismo amazônico, da onde deriva o consumo ritual de substâncias psicoativas como sendo uma interação com o sagrado.

Essa característica é fundamental para entendermos o papel central que o santo daime ocupa quanto ao sacramento, pois na cultura xamânica a ayahuasca é considerada um ser superior que ensina e revela a verdade para quem entra em contato íntimo com ela, por isso é chamada, também, de planta professora. Dentro do Santo Daime, a substância psicoativa é considerada como sendo o próprio corpo do Cristo, um ser que deve ser muito respeitado e que é compreendido, por exemplo, como “o professor dos professores”. Podemos dizer que essa concepção valórica fundamentada na própria trajetória de criação e consolidação de dita religião influencia de maneira determinante o comportamento de consumo dentre os fiéis, uma vez que a vulgarização desse uso significaria um rompimento com um dos princípios fundadores dessa crença. 

No que se refere à relação dessa centralidade do Santo Daime com a história dessa religião, é interessante frisarmos alguns aspectos. O fundador desse culto, posteriormente conhecido como Mestre Irineu, migrou do Maranhão para o Acre a fim de trabalhar na economia da borracha no início do século, levando consigo toda sua influência cultural. Na fronteira com o Peru, no interior da Amazônia, o negro maranhense travou contato com o xamanismo indígena onde aprendeu a usar a substância psicoativa em questão. A partir desse consumo, quer dizer, das implicações que a bebida gerava em sua vida, esse líder espiritual foi configurando um novo formato ritual. Uma dessas implicações foi o contato com seres oriundos do plano espiritual, sendo o principal deles uma entidade que Irineu reconheceu como Rainha da Floresta ou Nossa Senhora da Conceição. Esse ser teria lhe ensinado a preparar a bebida dentro de uma nova concepção, a qual definia a função da bebida que era dar tudo o que uma pessoa realmente estivesse precisando, sobretudo o entendimento da sua própria realidade, por essa razão que a bebida indígena milenar dentro dessa ritualização passa a se chamar daime, em referência ao verbo dar, dai-me, tudo o que eu precisar, sendo assim a bebida conteria em si toda potencialidade, todo poder (COSTA, 2015; MACRAE, 1992 p.59-125).

Após essa primeira experiência, Raimundo Irineu Serra em conjunto com um grupo de amigos, que, posteriormente, seriam conhecidos como “companheiros do Mestre”, e passou a realizar reuniões de caráter religioso onde era consumida a bebida psicoativa do santo daime. Inicialmente, o grupo, chamado de Círculo de Regeneração e Fé, sofreu grande perseguição policial por ser considerado um grupo de negros curandeiros que utilizavam substâncias venenosas, como bem explica a obra de MacRae & Moreira (2011). Dessa forma, o grupo que se mudou para a periferia de Rio Branco no Acre em busca de melhores condições de vida, já que o último ciclo da borracha havia entrado em crise, reconfigurou seus rituais dando-lhe um caráter institucionalizado. Por isso, muitos adeptos dessa religião consideram que a mesma nasceu por volta do início da década de 1930, que é justamente quando o ritual é padronizado e o grupo registrado nos órgãos competentes do poder público.

Segundo MacRae (1992, p.65), nessa época vigorava uma intensa política de repressão à práticas consideradas feitiçaria, com base no código penal de 1890 que criminalizava a prática ilegal de medicina, da magia e do curandeirismo. Diante da ameaça que essa visão criminalizante poderia representar para o culto que estava organizando, Mestre Irineu teria incentivado certas características e desencorajado outras. A organização do culto em si num formato bastante parecido com uma estrutura militar é prova disso, os fiéis são divididos em dois batalhões, feminino e masculino, ademais os adeptos devem vestir uma farda cuja confecção e manutenção exigem zelo e investimento. Além disso, o uso da bebida alcoólica e do cigarro são desencorajados e em alguns momentos até proibidos, ou seja, os elementos que poderiam sinalizar para qualquer ideia de desordem e descontrole vão sendo eliminados. Outro detalhe muito importante na configuração ritualística é o papel central exercido pela música. Dentro do Santo Daime, a referência doutrinária da religião, quer dizer, todo o arcabouço doutrinário com suas normas e valores advêm do conjunto de hinos de louvor que os seus adeptos canalizam como mensagens mediúnicas. No ritual, esses hinos são cantados, dançados e tocados de forma bem ordenada, com passos e melodias bem definidas, dentro de uma divisão de funções no espaço do salão da Igreja. Mestre Irineu possui um hinário, caderno que contém um conjunto de hinos de louvor, chamado O Cruzeiro, o qual foi considerado fonte da forma básica dessa religião, depois outros adeptos também canalizaram hinários, os quais compõem hoje os cultos do Santo Daime. Vemos assim, que essas características ajudam a estabelecer uma determinada ordem na relação com o consumo da bebida psicoativa dentro do exercício dessa religiosidade. Tudo isso sugere a existência de um uso controlado socialmente, pois há regras rígidas de produção, distribuição, armazenamento e consumo da substância, evitando consequências prejudiciais aos integrantes (MACRAE, 1992 p.59-125).

No início da década de 1970, após a morte de Raimundo Irineu Serra, um grupo importante de adeptos do Santo Daime se reuniu em torno da liderança do ex-seringueiro Sebastião Mota de Melo, que deu continuidade ao culto e fundou uma instituição diversa da original, o hoje chamado Iceflu (Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal). Foi a partir desse ramo que o Santo Daime se expandiu como religião pelo Brasil e pelo mundo, causando, assim, a desconfiança da sociedade e do Estado que questionaram o consumo de uma substância psicoativa como sacramento, considerando que pudesse se tratar de um disfarce para o uso de drogas.

É importante sublinhar, que a concepção da bebida como sacramento ocorre de maneira bastante natural dentro da mentalidade xamânica ou cabocla, da qual o Santo Daime sofre grande influência e segundo a qual a natureza e suas espécies representam um conglomerado de seres com os quais devemos aprender a nos relacionar e respeitar. Nessa concepção muitas espécies vegetais são vistas como “plantas professoras”, ou seja, substâncias que trazem muitos ensinamentos para quem as consome. Devido a esta característica fundamental, o Santo Daime do ramo liderado pelo homem que ficou conhecido como Padrinho Sebastião, encontra-se em certa medida aberto para o reconhecimento da importância de outras espécies além daquelas que compõem a bebida sagrada. Entretanto, neste artigo não entraremos no mérito do consumo de outras substâncias que não o Santo Daime, pois a relação com este é o nosso foco de análise, uma vez que é esta bebida que é normatizada pelo governo brasileiro, influenciando o direito dos pais a levarem seus filhos aos rituais.

Para MacRae (1992), a ingestão da ayahuasca no âmbito daimista reproduz uma invocação emblemática à redução da nocividade.

Entre os membros da seita, o efeito da bebida é tradicionalmente entendido como um transe em que o sujeito expande seus poderes de percepção, tornando-se consciente de fenômenos de um plano espiritual que, por sua sutileza, normalmente escapam aos sentidos. Além disso [...] essa prática é rigorosamente prescrita em seus menores detalhes, tornando-se um bom exemplo do uso controlado de um psicoativo (MACRAE 1992 p. 117)    

Com a expansão da religião durante a década de 1980, o governo brasileiro iniciou um processo de investigação dos grupos a fim de averiguar a finalidade do uso do Santo Daime e se este uso causava algum dano social e/ou individual. Foram quase trinta anos de pesquisas e diálogo com os grupos religiosos até que em 2010 foi publicada a Resolução N 1 do CONAD (Conselho Nacional Sobre Drogas) que autoriza o uso religioso dessa substância nos seguintes termos nas letras c) e d) do artigo 2:

c) a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual;

d) deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts. 5 o, VI e 215, § 1o da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito" (CONAD, 2010).    

Vemos que a própria normativa aufere papel central ao direito à liberdade religiosa e ao poder familiar, conceitos estes que serão objeto de nossa dissertação no próximo capítulo. Eles servirão de base para discutirmos no terceiro e último subtítulo deste artigo, o caso do exercício do Poder Familiar dentro da Liberdade Religiosa de culto ao Santo Daime.

De acordo com MacRae (1992 p.87), durante o processo de investigação do governo brasileiro sobre as chamadas religiões ayahuasqueira a grande parte das denúncias apuradas sobre os grupos diziam respeito a relacionamentos entre pais e filhos que discordavam da participação destes nos rituais.       

Contudo, acompanhando os argumentos do Juiz Federal Jair Araújo (2013) Facundes, podemos considerar que se a ayahuasca é aceita enquanto base fundamental de uma atividade religiosa de boa-fé, originada da cultura ameríndia, seu uso, nesses limites, não poderia ser refreado pela legislação proibicionista, ou pela política de drogas, porque a liberdade de religião e o poder familiar, como direitos fundamentais, apresenta organização preferencial no manifesto político, não conseguindo ser extinta pela medida majoritária. No capítulo a seguir abordaremos a definição desses conceitos fundamentais para podermos refletir em seguida sobre o caso do Santo Daime.    


2. LIBERDADE RELIGIOSA DE CRIANÇA E ADOLESCENTES COMO DIREITO FUNDAMENTAL     

A Liberdade religiosa é o direito do homem de pensar, agir e demonstrar o que se sente intimamente, de acordo com os princípios da própria consciência moral, a liberdade de desenvolver e manter convicções e valores, de agir em conformidade com as mesmas. O pensamento religioso tem sido um elemento essencial para o homem compreender a si mesmo e a realidade que o norteia, as religiões também foram fatores determinantes para definir a formação das sociedades.

Inicialmente, cabe esclarecer que a definição de religião é algo em que os teóricos sobre o tema contrapõem bastante, pois buscam se abarcar todos os aspectos religiosos possíveis, sem cair no egotismo.

 Esse risco é avaliado por Gaarder, Hellern e Notaker (2009):

Muitas pessoas tentam definir religião, buscando uma fórmula que se adeque a todos os tipos de crença e atividades religiosas- uma espécie de mínimo denominador comum. Existem, naturalmente, até um risco nessa tentativa, já que ela parte do princípio de que as religiões podem ser comparadas. Esse é um ponto em que nem todos os crentes concordam: eles podem dizer, por exemplo, que sua fé se distingue de todas as outras por ser a única religião verdadeira, ao passo que todas as outras não passam de ilusão, ou na melhor das hipóteses, são incompletas. (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2009, P 19).    

Contudo, alerta Oliveira (2010) que o ideal é buscar um conceito que se mostre compatível com as mais diferentes confissões religiosas, ou independentemente da crença na existência de Deus, que é o que mais se adequa a uma visão jurídica e constitucional acerca da liberdade de religião.

A expressão “liberdade religiosa” não se menciona em qualquer parte da Constituição da República Federativa do Brasil, publicada em 05 de outubro de 1998. O termo, no entanto, não se tornou disposto em qualquer das Constituições brasileiras anteriores. Este termo foi cunhada pela doutrina, nas afirmações de Santos (2013, p. 127) para estabelecer um conjunto de ações jurídicas fundamentais que preservam a expressão religiosa individual e coletiva e foram expressa ou implicitamente, acolhidas em nosso ordenamento jurídico constitucional”.

Sem procurar aprofundar no complexo do tema, do contexto da definição de liberdade, vale salientar a colaboração de Alexy (2008, p. 227), que estabelece que a “liberdade de crença”   enquadra-se no conjunto das liberdades não protegidas.

As liberdades não-protegidas podem ser totalmente reduzidas às permissões [...] A simples permissão para professar uma crença, que pode coexistir com a obrigação de fazê-lo, não cria uma liberdade jurídica, tanto quanto não a cria a simples permissão de não-professar uma crença, que é conciliável com a proibição de professá-la. Uma liberdade jurídica de professar uma crença surge apenas quando - mas também sempre quando - é, não apenas permitido fazê-lo, mas também não o fazer. Nesse sentido, a liberdade jurídica não-protegida, que é totalmente reduzível a permissão, pode ser definida como uma conjugação de uma permissão jurídica de se fazer algo e uma permissão jurídica de não o fazer. (Alexy, 2008, p. 227).    

Nesse viés, falaremos sobre a Liberdade Religiosa que deriva da liberdade de consciência, uma vez em que é mantida expressa, faz-se por meio de demonstração do pensamento, ela abrange a liberdade de escolha da religião. (Pires; 2012). A liberdade integra os direitos fundamentais de primeira dimensão/geração, sendo o direito mais importante para a vida humana, a expressão “liberdade” é extremamente ampla, sendo o gênero dos tipos de liberdade presentes e que obtêm assistência em nosso ordenamento jurídico.

A liberdade religiosa é direito que foi primeiramente relacionado à demanda por uma liberalização religiosa, muito mais orientada a não superposição de uma religião fundamental pelo Estado, do que propriamente a análise da dignidade e liberdade do indivíduo. Recentemente, representa a um dos direitos alternativos de liberdade que inclui o direito à crença, ao culto, bem como o direito de não crer. A liberdade religiosa surge como uma atividade do poder social de independência, incluindo a liberdade de crença e a liberdade de culto. Observando a liberdade de consciência como o direito que tem a pessoa de realizar como as suas convicções, é capaz pensar que esta abrange o poder de crença. Como a liberdade de consciência demanda na participação a alguns princípios morais e espirituais, livremente de um sentido religioso. . (MENEZES, 2015).

Para Luís Paulo dos Santos Pontes:

A liberdade religiosa é uma das facetas do direito à autodeterminação que representa a faculdade que tem a pessoa de escrever o pergaminho da própria vida, por meio do autogoverno e do seu poder de definição.    

Não se pode deixar de falar, que a liberdade de crença e culto não se apresentam somente como direito internos. Dessa maneira, a liberdade de crença não se refere apenas à capacidade de o ser de fato crer em determinados ensinamentos ou preceitos no próprio íntimo, ela está assim como a evitar que outras pessoas, até mesmo o Estado, procuram intervir nesse meio de domínio da pessoa, estabelecendo que ninguém seja capaz, sem o consenso da pessoa, buscar transformar os princípios religiosos.

A despeito dos recursos nacionais e internacionais que asseguram a liberdade religiosa de cada e qualquer sujeito, até mesmo das crianças e adolescentes, deparamo-nos de acordo com o meio de que essas pessoas estão sujeitas ao papel de responsabilidade de outrem, em busca, seus pais, mesmo que o poder familiar seja secundário à posição de assegurar o bom andamento, o cuidado, a proteção e o bem estar do menor, é provável que uma finalidade disfuncional apresente a rejeitar a interesse das crianças/ adolescentes e, ainda malferir suas liberdades fundamentais. (Menezes; 2015)

A liberdade religiosa constitui um direito fundamental assegurado expressamente pelo ordenamento pátrio a todas as pessoas (art. 5, VI, CF/88), até mesmo aquelas civilmente incapazes. Não impeditivo ao enorme reconhecimento desse direito às crianças e adolescentes, o sistema remete aos pais, a função pública do poder familiar que demanda uma quantidade de condições jurídicas (ônus, direito, dever, encargo, interesse etc.) dirigido à responsabilidade e a autonomia da criança e do adolescente. (Menezes; 2015). Pode se seguir o mesmo raciocínio no que tange à constituição, que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e titulares do direito do direito humano fundamental à liberdade religiosa.

  Convém aos pais orientar o ensino e a disciplina, como o capaz envolve uma introdução no desenvolvimento religioso. Mas, a manifestação do poder familiar nessa sociedade é propícia de compreender outras preferências da criança que também existem segundo os cuidados do Estado e da sociedade, como a vida, a virtude psicofísica e a saúde. Há discussões de vontade que chegam ao Poder Judiciário envolvendo diversidade dos responsáveis quanto à orientação religiosa da criança e do adolescente ou mesmo a impacto entre essa.

Como bem leciona a jurista Ana Carolina Reis Paes Lemes:

“A garantia da liberdade”, no aspecto da religião, consiste na possibilidade de livre escolha pelo indivíduo da sua orientação religiosa e não se esgota no plano da crença individual, meramente subjetiva, de foro íntimo, mas abarca a prática religiosa, também denominada de liberdade de culto.    

 No parágrafo único acrescido pela Lei nº 13.257/2016 ao artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura, expressamente, ao pai, mãe ou responsáveis, o direito da transmissão das suas crenças, respeitando-se os direitos legalmente previstos.

Assim conclui-se que na perspectiva de Mônaco, (2005), a liberdade religiosa é entendida como um direito homogêneo a todos os seres humanos, reafirmando em relação à criança e o adolescente.

Para atingir o cerne da discussão sobre a liberdade religiosa das crianças e adolescentes, entraremos no vínculo entre liberdade religiosa e o exercício do poder familiar, em que fica evidente o conflito entre determinadas religiões e seitas, que tem como destaque em nosso artigo (Ayahuasca) o chá do Santo Daime, no qual é fato que a influência dos pais quanto à escolha da religião é predominante na maioria dos casos e não pode o estatuto impedi-los de orientar seus filhos nesse sentido. Porém, a criança e adolescente tem direito à livre manifestação do pensamento por fazer escolha de seu culto religioso.    


3. CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO SANTO DAIME: RELAÇÕES ENTRE LIBERDADE RELIGIOSA E O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR    

Para a melhor compreensão do tema principal deste estudo, qual sejam Crianças e adolescentes no Santo Daime, necessário faz-se a explicação do que é poder familiar e a importância que possui para ser exercido como forma de orientar os filhos nas decisões da vida, respeitando sempre suas opiniões, no qual, baseia-se em um conjunto de direito e obrigações em vinculo a pessoa e bens do filho menor, ainda não independente, exercido em relação de caráter, por ambos os genitores, a fim de exercerem os interesses resultantes do arcabouço regulamentar, tendo em vista, principalmente, o interesse a segurança do menor.

O direito antigo estabeleceu o instituto de o pátrio poder porque se pretendia uma condição mais austera da imagem paterna em relação à família e se tinha uma base familiar com alicerce no princípio do poder do pai, a mãe era tida como reprodutora e cuidadora dos filhos e do lar, sem que conseguisse intervir sobre nada, uma vez que isso se tornasse dever do pai. Logo mais o direito interno só reconheceu a igualdade jurídica da mulher quando publicou a Lei n°4.121 de 1962 (Estatuto da mulher casada), tendo como fundamento o exercício equilibrado do pátrio poder, em que o pai exerceria este com o auxílio da mulher e não mais sozinho. Com a transformação do direito de família e da própria família, a guarda ganha total autonomia. A mudança de nomenclatura "pátrio poder" para "poder familiar" implicou, na realidade, no efetivo desuso. O marco dessa mudança foi a Declaração Universal dos Direitos das Crianças da ONU de 1989, a qual permitiu um tratamento diferenciado às crianças e aos adolescentes por meio da doutrina da proteção integral. Destaca-se o artigo 227 da Constituição Federal, em seu caput:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.    

Recorrer a expressão “poder familiar” deixa mais certo que a formação e a educação dos filhos cabem ao pai e a mãe, em proporção de condições, e respeito a Constituição Federal. Sobre o tema, assim explica Carlos Roberto Gonçalves (2011 p 417); o poder familiar é constituído por um corpo de regras que abrangem direitos e deveres impostos aos pais, no referente à pessoa e aos bens dos filhos menores. As relacionadas à pessoa dos filhos são, provavelmente, as mais importantes. No entanto o poder familiar veio a alinhar-se com o princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges bem como ao princípio da proteção integral dos filhos menores, a fim de que se desse uma função protetiva aos filhos.

Assim preceitua Waldyr Grissard Filho (2013):

Delimitando então o conceito, pode-se dizer que o poder familiar – a questão terminológica será examinada adiante - é o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, física, mental, moral, espiritual e social. (Filho, 2013).    

Assim, o poder familiar nada mais é o do que um conjunto de direitos instituídos no ordenamento jurídico aos pais a fim de que estes sejam capazes criar orientar, educar, sustentar e proteger seus filhos menores.   É um poder reconhecido pela lei como meio de atuar no cumprimento de um dever (MACHADO FILHO, 2012). O projeto jurídico da família democrática não permite a estrutura rígida, apesar de não afastar o dever de obediência dos filhos em relação aos pais e nem as atividades que precisam ser prestadas por eles na base de sua maneira. Necessita avaliar a ação do poder parental na mais boa vontade do menor e não mais no relativo interesse da família, como sociedade, ou dos próprios pais num estímulo de assistência da conjugalidade a seja qual for sacrifício.

Após a época do pátrio poder, que estabelecia uma posição dentro da base familiar, e considerando os parâmetros de igualdade entre os constituintes integrantes da família, percebem-se novos aspectos para o desenvolvimento da criança/adolescente; e é nesse contexto familiar que iremos destacar como conciliar o exercício do poder familiar com o respeito à liberdade religiosa dos filhos e o conflito entre o poder familiar e o exercício da liberdade religiosa, crença e culto das crianças e dos adolescentes, e como o mesmo pode ocorrer sob diversas circunstâncias e nem sempre escapar do domínio da família.

O adolescente, sujeito de direito, possui todas as garantias constitucionais, possui o direito de escolha, de escolher para si o que é compatível com seu consentimento, o que for do seu melhor interesse (VERONESE, 2006, p.18). Assim é certo que as preferências individuais da criança e do adolescente devem ser levadas em respeito, tal quanto a sua capacidade de agir, na base de sua maturidade e capacidade, principalmente no que se refere a propósitos existenciais. Na importância de pessoas de direitos fundamentais, não parece possível que possam ser privados do seu exercício, quando apresentarem a devida capacidade.

A criança deve ter a possibilidade de conhecer e raciocinar para que possa formar livremente sua convicção, e esta, seja qual for, deverá ser respeitada, podendo-se, sim, estimular a criança a repensar e está sempre disposta a reconsiderar novas ideias. Esse método é o modo de proceder de quem realmente respeita o direito da criança e do adolescente se expressar (PEREIRA, 2008, p. 143).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A.), por sua vez, prevê que todas as oportunidades e facilidades devem ser asseguradas de modo a permitir, aos seus destinatários, o “[…] desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (art. 3º). A crença e o culto religioso estão compreendidos como aspectos do direito à liberdade (art. 16, III). Nesse viés, o parágrafo único acrescido pela Lei nº 13.257/2016 ao artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura, expressamente, ao pai, mãe ou responsáveis, o direito da transmissão das suas crenças, respeitando-se os direitos legalmente previstos.

Na condição de decisão da opção religiosa das crianças é onde se arrisca haver debate com o poder familiar dos pais, em que há desacordo por meio das crenças pretendidas pelo menor e a fé adotada por seus pais. Muitas circunstâncias - acreditam os pais - que tão somente a eles próprios ocorreria falar em liberdade religiosa, no entanto as crianças geralmente adotam a crença dos pais, pois não têm conhecimento considerável para estabelecer sua opinião. Já os adolescentes, na maior parte das vezes, já apresentam capacidade bastante para escolher por sua crença. Os filhos têm capacidade de exercício de seus direitos de liberdade e privacidade mesmo em face dos pais, porque o poder destes, no cuidar dos filhos, se tornou limitado pela função instrumental da promoção da personalidade daqueles. Conforme Pereira (2008, p. 162), a liberdade de crença da criança e do adolescente é estreita, pois é conexa com a de sua família. Terceiros, autoridades, entidades e instituições não podem impor crenças às crianças e adolescentes, mas não se pode recusar aos pais o direito de orientar seus filhos religiosamente. É um direito que lhes cabe, mas apenas como uma faculdade do poder de família.

Neste seguimento, falaremos sobre a participação das crianças no Santo Daime, no qual, provavelmente, é o tema mais argumentado dentre os “fenômenos xamanísticos”. De acordo com os “moldes adultocêntricos ocidentais”, encontra-se associado à participação de crianças nos ritos, onde ocorre o consumo de enteógenos. O adultocentrismo é capaz julgar “absurda” tal participação, considerando como “louco” ou “irresponsável” o adulto que “submeta menores” às experiências com psicoativos. Precisamos lembrar que nos mundos não ocidentais, primordialmente, entre as civilizações ameríndias, a participação infantil, em ritos próximos é fundamental à sobrevivência das tradições, assim como para o proteção das relações sociais entre os povos. (HARNER, 1995; MELLO, 2006; GIL, 2008; COSTA, 2009).

O consumo da ayahuasca por mulheres grávidas, em período de amamentação e por crianças é um dos capítulos mais polêmicos do uso da ayahuasca no Brasil. Embora o governo brasileiro tenha reconhecido, na última resolução de 2004, o direito de uso da ayahuasca por menores de idade e grávidas em contexto religioso, o assunto continua despertando controvérsia e permanece muito pouco discutido na literatura. Beatriz Labate, abril, 2007 “CONSIDERANDO que a participação no uso religioso da ayahuasca, de crianças e mulheres grávidas, deve permanecer como objeto de recomendação aos pais, no adequado exercício do poder familiar (art. 1.634 do Código Civil), e às grávidas, de que serão sempre responsáveis pela medida de tal participação, atendendo, permanentemente, à preservação do desenvolvimento e da estruturação da personalidade do menor e do nascituro.”

O relatório final do grupo multidisciplinar de trabalho –GMT ayahuasca – do CONAD, apresentado em 23.11.2006, afirma:

“IV.VIII – uso da ayahuasca por menores e grávidas.

46.  Tendo em vista a inexistência de suficientes evidências científicas e levando em conta a utilização secular da Ayahuasca, que não demonstrou efeitos danosos à saúde, e os termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, o uso da Ayahuasca por menores de 18 (dezoito) anos deve permanecer como objeto de deliberação dos pais ou responsáveis, no adequado exercício do poder familiar (art. 1634 do CC); e quanto às grávidas, cabe a elas a responsabilidade pela medida de tal participação, atendendo, permanentemente, a preservação do desenvolvimento e da estruturação da personalidade do menor e do nascituro. ”

Conforme crença nativa, a criança daimista já o é desde o ventre materno, pois que a mãe, durante toda gestação, ingere a bebida sagrada e acredita que há um compartilhamento da substância com o feto, e, que este, ainda no ventre, já sente os efeitos da bebida e já está trabalhando sua espiritualidade. (FEIJÃO 2015).

No entanto é fundamental que a pessoa tenha a eficácia de compreender os dados e de analisá-los sob um olhar crítico, de forma que seja capaz, por fim, articular uma opinião sobre preciso assunto (LEAHY, 2012). É propriamente nesse objetivo que surge um método diferenciado para as crianças e adolescentes, onde ainda não apresentam a maturidade fundamental para demandar as informações com o refino devido. Muito pelo contrário, são seres que estão em fase de desenvolvimento do raciocínio crítico, que estão tendo as primeiras relações com as diversidades do mundo. Por tal razão, estão muito mais em uma fase de compreensão de conhecimento do que de construção do mesmo (LEAHY, 2012).

Pereira (2002, p. 274) expõe; Incapacidade absoluta dos menores – A primeira incapacidade é a que decorre da idade. O verdor dos anos e a consequente inexperiência, o incompleto desenvolvimento das faculdades intelectuais, a facilidade de se deixar influenciar por outrem, a falta de autodeterminação e auto-orientação impõem ao menor a completa abolição da capacidade de ação. Não pode exercer nenhum direito.

O judiciário teve poucas possibilidades para se relatar acerca de conflitos de vontade, integrando a liberdade religiosa de menores, sendo que a maior parte das decisões em divergência dos pais acerca das práticas religiosas na orientação da educação do filho comum.  Demanda em que o direito religioso e o poder familiar afiguram-se conflitar é ainda mais comum, quando em ações de separação ou divórcio e casos pela guarda da criança e do adolescente, os pais demonstram práticas religiosas diversas e os apresentam aos processos de ações de divórcio ou guarda. Esse é o caso do Agravo de Instrumento nº 70037756525 e da Apelação Cível nº 70049252687 ambos tratando da mesma situação, sendo julgados no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que a mãe divorciada, em desacordo com a vontade do genitor varão, levava o filho menor a ritual onde este ingeria chá alucinógeno.

Na ação, em conflito pela tutela do filho menor, ficou exposto que a genitora da criança, depois do divórcio, passou a praticar com o filho de seis anos o culto religioso, no qual serviam um chá possivelmente alucinógeno, que segundo  o genitor,consiste em liquido considerado ou equiparado a droga,em insatisfação ao que afirmava o genitor,O juiz de primeira instância concluiu por definir que a genitora se abstivesse de levar o filho ao referido culto, porém a determinação foi descumprida, pelo motivo pelo qual a genitora perdeu a guarda provisória da criança, no qual foi concedida ao genitor varão.

Na sentença, consignou-se que o titular do direito à liberdade religiosa é o menor de modo que não concerne à genitora estabelecer ao menor seus princípios religiosos, apenas porque mudou de religião, ainda mais no caso em que o pai não aceita a introdução da criança e do adolescente em escolhida doutrina religiosa.

Em 2001, teve início uma investigação  científica no qual  Dartiu Xavier da Silveira, médico, doutor em Psiquiatria, informou que : Durante a pesquisa, 97,5% dos jovens da UDV relataram que a experiência com o Chá teve uma forte influência no seu destino, para melhor. Segundo Dartiu Xavier, em resumo, “os testes qualitativos avaliaram valores e crenças dos adolescentes, as condições gerais de saúde tanto física quanto mental (inclusive dependência de substâncias) e algumas funções cognitivas tais como memória, atenção, capacidade de concentração, capacidade de aprendizado”.

Para o psiquiatra Elisaldo de Araújo Carlini, em princípio, não é aconselhável que crianças façam uso constante de qualquer droga, “para o daime deve haver muita parcimônia, com doses pequenas, diluídas e sem muita constância”. Por precaução, ele recomenda a suspensão do consumo para mulheres grávidas, mesmo que “veteranas”. (CARLINI, 2010). A regulação do CONAD não entra nesse mérito. Atribui a decisão aos pais. A decisão em não proibir o uso para crianças foi ancorada no direito à liberdade individual dos pais em dar educação religiosa aos seus filhos

 Contudo, devem os responsáveis, ante seu dever de cuidado, resguardar a segurança e integridade psicofísica da criança e do adolescente, por exemplo, impedindo-o de frequentar cultos em que se colocará em risco sua integridade física. Por fim, é dever da família, da comunidade, da sociedade, em geral, e do poder público, assegurar à criança e ao adolescente o direito à liberdade religiosa.    


CONCLUSÃO

Conforme amplamente analisado ao longo deste trabalho, que objetivou constituir-se em breve estudo acerca do histórico contexto do uso religioso da ayahuasca no Santo Daime, pode-se constatar que há relevância maior sobre o poder de família, com foco na liberdade de crença da criança e do adolescente, tema este que conforme tivemos a oportunidade de notar é de real importância vez que é a família base de um Estado digno.

Ficou constatado que a família, formada por uma instituição afetiva e harmoniosa, um lugar onde se encontra proteção, dentro do qual os pais são capazes de orientar o ensino e a disciplina, o que envolve uma introdução no desenvolvimento religioso. E, para haver uma convivência harmoniosa entre seus membros é necessária à compreensão dos pais, e a obediência dos filhos, para com estes. Portanto, o cenário que se evidencia é o do reconhecimento da sucessiva autonomia das crianças e dos adolescentes no decorrer de seu desenvolvimento, e do reconhecimento do relacionado ganho de capacidade, no qual envolvem em reconhecer as crianças e  de exercer por si mesmo os direitos fundamentais dos quais são titulares.

Verificou-se que hoje o poder familiar é um direito, mas também um dever que os pais assumem sobre os filhos para que a família esteja ajustada, buscando a convivência pacífica entre os seus membros. A sociedade prevê a igualdade entre as pessoas e isto se estende à autoridade dos pais. São poderes conferidos aos pais, sempre com a finalidade de proteger a criança ou adolescente quanto aos perigos que possam vir a existir, bem como para a preparação da vida.

 Neste seguimento, falamos sobre a participação das crianças no Santo Daime onde a prática é interpretada como sendo desenvolvida em ambiente educacional no qual cercam práticas relevantes à criação da personalidade dos sujeitos atraídos e na permanência de suas práticas.


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Notas

[1] A Barquinha é um sistema religioso sincrético do Brasil.É composta por centros espíritas que comungam da ayahuasca, fundada por Daniel Pereira de Matos, o Frei Daniel, que também foi companheiro do Mestre Irineu. Ela é o único grupo destes três no qual não há doutrinas que confiram aspectos sobrenaturais ao seu mestre fundador. É também o único no qual a ayahuasca não é bebida em todos os rituais, e que conta com frequentadores assíduos que não comungam o chá e nem são membros do grupo.

[2] A União do Vegetal (UDV) é uma religião de origem brasileira e um dos caminhos para o desenvolvimento espiritual do ser humano. Em seus rituais religiosos, os discípulos bebem o Chá Hoasca, e chegam a um estado de concentração mental chamado de borracheira. Durante o efeito do Chá, reunidos em sessões em templos da União do Vegetal, estudam os ensinos espirituais e a doutrina do Mestre Gabriel, que em sua forma simples de ensinar, explicou que com o Vegetal encontrou “um jeito de tirar a maldade do coração das pessoas”.



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