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Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais

Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais

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Critica-se a decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 4.650/DF, em que se declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

INTRODUÇÃO

O objeto deste artigo é a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF que, por maioria, julgou inconstitucionais os dispositivos legais que autorizavam as doações feitas por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. Decisão essa que foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI no 4.650/DF, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em um momento bastante particular da constante crise de legitimidade da democracia representativa no Brasil.

Vale lembrar: quando a ADI em questão foi proposta, em setembro de 2011, acabara de se encerrar no STF a fase instrutória da Ação Penal no 470 – AP470, até então o mais rumoroso e maior – em termos de volume de recursos públicos desviados – escândalo de corrupção do Brasil. Mais, a tese central de defesa dos principais agentes políticos acusados – além da sempre óbvia negativa de autoria e inexistência de atos ilícitos – na AP470 consistia na alegação de que a enorme quantidade de dinheiro público desviado servira não para enriquecimento pessoal, e sim como “recursos não contabilizados de campanha eleitoral” de vários políticos – das mais diversas matrizes “ideológicas”[1], registre-se –, eufemismo para aquilo que se denomina popularmente como “caixa dois”.

Insta observar, porém, que a sociedade brasileira sequer imaginava que os malfeitos escancarados na AP470 seriam depois rebaixados em magnitude com as descobertas da operação Lava-Jato e suas ramificações, nas quais até agora foi possível identificar, segundo algumas decisões judiciais já proferidas, que dinheiro oriundo de corrupção não foi destinado apenas ao “caixa dois”, mas também ao “caixa um”, como doação de campanha registrada e contabilizada nos termos da legislação eleitoral até então vigente.

Pois bem. Nesse contexto, a OAB se insurgiu contra diversos dispositivos da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Lei dos Partidos Políticos e da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997 – Lei das Eleições, que autorizavam pessoas jurídicas a fazer doações eleitorais, impunham limite linear às doações efetuadas por pessoas físicas e não impunham limites ao autofinanciamento por parte dos candidatos.

A primeira parte do artigo abordará os argumentos expostos pela OAB na petição inicial da ADI para, no capítulo seguinte, analisar a decisão do STF e seus fundamentos, especialmente o voto do relator. Ao final, o artigo tratará daquilo que o STF deixou de abordar ao se deixar seduzir pelo clamor da ocasião e pelos argumentos expostos na petição inicial, em especial pela equivocada premissa one person, one vote[2], o que levou a Corte a exercer equivocadamente seu papel contramajoritário.


2. OS FUNDAMENTOS DA ADI NO 4.650/DF

2.1 Contextualização

Importante, antes de expor os fundamentos utilizados pela OAB para propor a ADI no 4.650/DF, entender o que se passava politicamente no Brasil no momento da propositura da ação.

Historicamente, a discussão acerca do modelo de financiamento das campanhas eleitorais no Brasil não pode ser dissociada do debate sobre a corrupção. Escândalos recentes podem fazer parecer que o problema é novo, porém, ele data pelo menos da parte final do período da ditadura militar, quando voltou a ser admitido no país o multipartidarismo e as eleições diretas, primeiro nas prefeituras das grandes cidades, depois para os governos estaduais e, por fim, para a presidência. Esse fato não é coincidência, aliás, já que com a implementação das mencionadas etapas e com a promulgação da Constituição em 1988 (fato que devolveu a independência ao Poder Legislativo), as disputas eleitorais passaram a ter importância para aqueles a quem interessa o controle da elaboração das leis e do processo de votação/alocação dos recursos orçamentários[3].

Não sem motivo, o processo de impeachment do ex-Presidente da República, Fernando Collor de Mello, trouxe ao conhecimento do grande público um dos segredos mais mal guardados dos bastidores do poder em Brasília: desde o início da transição dos anos de chumbo para a democracia, com a implementação de eleições diretas para alguns cargos paulatinamente, as empresas haviam se tornado as principais, senão as únicas, financiadoras verdadeiras do processo eleitoral[4]. Afinal , o direito à participação no Brasil[5] sempre teve um custo financeiro elevado.

Há 30 anos, referindo-se às eleições gerais[6] ocorridas dois anos antes, Maria Lucia Victor Barbosa[7] constatou que

nas eleições de 1986, para governador, senador, deputado federal e deputado estadual, nunca o dinheiro correu tão solto. Fortunas incalculáveis foram gastas por candidatos de todos os partidos. Partidos menores e candidatos menos abastados usaram de toda a sua criatividade e imaginação para obter preciosos votos. Mesmo aqueles que ‘defendiam’ ideologias de esquerda, e diziam acreditar nos ensinamentos de Karl Marx, preferiram não apostar na ‘consciência’ do ‘proletariado’, e investiram o que puderam de uma maneira bem capitalista.

Para efeito de registro, a socióloga faz referência às eleições de 1986, disputadas ainda sob a égide da Lei no 5.682, de 21 de julho de 1971, que no inciso IV do caput do artigo 91 expressamente vedava aos partidos políticos o recebimento de recursos de empresas, entidades de classe ou sindical[8], situação que perdurou até a edição da atual Lei dos Partidos Políticos, que revogou norma anterior e passou a permitir como fonte de receita dos partidos políticos, as doações feitas por pessoas jurídicas, o que ficou ainda mais evidente dois anos mais tarde com a edição da Lei das Eleições. Sobre essa transição, do modelo proibitivo à permissão com limites – ainda que inadequados –, vale recordar o registro feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da Medida Cautelar na ADI no 1.076-0/DF:

9. Dispensa comentários o rotundo fracasso dessa tentativa ingênua de expungir o financiamento das eleitorais do dinheiro da empresa privada: além da ineficácia notória, a vedação gerou o efeito perverso do acumpliciamento generalizado dos atores da vida política com a prática das contribuições empresariais clandestinas, frutos, na melhor das hipóteses, da sonegação fiscal.

10. Assim, como ocorrera na América, sob o estrépito do Watergate, era previsível que, também no Brasil, os escândalos dos últimos anos, universalizando a consciência da sua hipocrisia, sepultariam o velho modelo proibitivo.

As alterações na legislação eleitoral decorrentes dessa primeira leva de escândalos pós-redemocratização tiveram como principal objetivo tornar transparente algo que era de conhecimento geral, já que as empresas eram as grandes financiadoras das campanhas eleitorais, porém, impondo algumas restrições, muitas delas já existentes na legislação anterior, como a vedação a doações feitas por sindicatos, entidades de classe ou governos estrangeiros, por exemplo.[9]

Naquele momento, pareceu-se ter encontrado certo equilíbrio entre o que de fato acontecia nas campanhas eleitorais – novamente, há muito majoritariamente financiadas por empresas – com o que partidos políticos e candidatos apresentavam em suas prestações de contas à Justiça Eleitoral. A relação empresas x agentes políticos, antes mal disfarçadas na penumbra dos bastidores, estava exposta nos documentos públicos à disposição de todos nos processos de prestação de contas de campanha em trâmite na Justiça Eleitoral.

Entretanto, o passar do tempo demonstrou que a legislação eleitoral continha falhas graves quanto à regulamentação de arrecadação de recursos para campanhas, bem como no sistema de prestação de contas. Somada a esses fatores a atuação quase que exclusivamente cartorial[10] – de homologação – da Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas eleitorais até então, a conclusão óbvia no sentido de que faltavam limites objetivos à interferência do poder econômico no processo eleitoral era inescapável.

Cada vez mais o valor gasto em campanhas eleitorais aumentava, e aumentava significativamente, em progressão geométrica, a cada eleição, geral e municipal, sem que o cidadão sentisse maior confiança ou legitimidade na representação eleita a cada pleito disputado. Na verdade,

(...) nunca o comércio da política foi tão exacerbado e jamais os partidos políticos estiveram tão descaracterizados como representantes da opinião pública, ou de seguimentos sociais (...)[11]

Seguiram-se, então, algumas crises econômicas e escândalos de corrupção ‘localizados’[12], até que o STF iniciou o julgamento da AP470, até então o maior escândalo de corrupção da história recente do Brasil. Essencialmente, agentes políticos desviavam dinheiro público, a maior parte de empresas estatais, com a finalidade de locupletamento e compra de apoio político no Congresso Nacional.

O esquema envolvia, majoritariamente, membros do partido que ocupava a presidência e dos partidos que formavam a base de apoio ao governo. Entretanto, as investigações demonstraram que o know how do esquema de desvios fora adquirido anos antes no Estado de Minas Gerais, então governado por um membro do principal partido de oposição ao governo federal. Para piorar, o Governador do Distrito Federal foi filmado em cenas nada republicanas recebendo dinheiro vivo das mãos de um delator que havia confessado diversos crimes, inclusive os de corrupção ativa e passiva.

Em resumo: o partido que comandava o governo federal (junto com toda sua base de apoio) e os dois maiores partidos de oposição estavam juntos, todos tinham um ‘mensalão’ para chamar de seu. Outro ponto em comum: todos, com bastante naturalidade, justificavam (ou tentavam justificar) seus ilícitos ao argumento de que aqueles recursos nada mais eram do que “recursos não contabilizados de campanha eleitoral”, como se essa conduta não fosse grave. Como bem definiu o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso[13]

O mal-estar na sociedade, somado à overdose de informações sobre desmandos e corrupções que circulam em uma sociedade livre, colocou em xeque o arranjo político institucional. (...) Corrupção não é coisa nova no Brasil. (...) a corrupção não era, em geral, sistêmica, e sim um ato individual de conduta ou uma prática isolada de grupos políticos. Como o volume de recursos manejados pelo Estado era muito menor do que hoje, os casos de desvio de dinheiro público envolviam quantias muito menores. (...) De um lado, a política passou a custar cada vez mais caro e, de outro, as oportunidades de abocanhar recursos públicos se ampliaram. Um número reduzido de grandes empresas se apropriou dessas oportunidades, em conluio com a coalizão de partidos dominantes.

Foi nesse contexto, em que, de fato a sociedade clamava por mudanças – que não viriam do Congresso Nacional, diga-se – que o Conselho Federal da OAB propôs a ADI no 4.650/DF.

2.2 OS ARGUMENTOS DA OAB

Em sua petição inicial[14], a OAB se insurgiu contra os dispositivos legais que, à época vigentes, permitiam a doação de pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, bem como contra a inexistência de limites de doações a partidos políticos e campanhas eleitorais por pessoas naturais.

São quatro os fundamentos expostos na inicial: a) inadequação da intervenção do poder econômico nas eleições; b) violação ao princípio da igualdade; c) violação ao princípio democrático; e, d) violação ao princípio republicano.

O primeiro item, a inadequação da intervenção do poder econômico nas eleições, foi justificado essencialmente nas relações promíscuas entre empresas e agentes políticos que à época da propositura da ação já eram conhecidas, bem como na afirmação de que

As pessoas jurídicas são entidades artificiais criadas pelo Direito para facilitar o tráfego jurídico e social, e não cidadãos, com a legítima pretensão de participarem do processo político-eleitoral.[15]

O esgotamento da sociedade com a situação que à época se afigurava e ainda hoje se afigura é compreensível, porém, a afirmação parte da premissa de que não há interesse legítimo de uma pessoa jurídica participar do processo eleitoral. Nada mais errado.

Os direitos políticos podem ser exercidos ativamente (votando) ou passivamente (sendo votado). Por óbvio, não é concebível que uma “entidade artificial criada pelo Direito” possa exercer passivamente seus direitos políticos, seria inimaginável votar para eleger uma empresa como Presidente da República. Também não é possível que uma empresa pretenda exercer ativamente seus direitos políticos, ou seja, que essa “entidade artificial” queira, no dia da eleição, comparecer a uma seção eleitoral para depositar seus votos em uma urna.

Entretanto, os rumos do país, as diretrizes econômicas e sociais que serão seguidas pelos governantes, as medidas de incentivo ao crescimento que serão ou não adotadas pelo governo a depender de quem se eleja são sim de interesse dessa “entidade artificial”, cuja personalidade e patrimônio não se confundem, a não ser em casos de fraude, com a de seus sócios ou acionistas. Em seu voto no julgamento da ADI, em que acabou ficando vencido, o Ministro Teori Zavascki asseverou que não é ponto de discordância a necessidade de alteração do estado de coisas – referindo-se à sistemática de arrecadação, gastos e prestação de contas em campanhas eleitorais – e do marco legal das eleições, porém, ressaltou que

(...) nem por isso se pode concluir que as contribuições financeiras, só por serem de pessoas jurídicas, encontram óbice direto e frontal na Constituição. Afirma-se, como argumento central da inconstitucionalidade, que as pessoas jurídicas “não exercem cidadania”, pois não têm aptidão para votar. É, com o devido respeito, um argumento do qual não se pode extrair a radical conclusão de que a Constituição proíbe, terminantemente, o aporte de recursos a partidos políticos. A Constituição não faz, nem implicitamente, essa relação necessária entre capacidade de votar e habilitação para contribuir, até porque há também muitas pessoas naturais sem habilitação para votar e nem por isso estão proibidas de contribuir financeiramente para partidos e campanhas. É que o voto é apenas uma das variadas formas de participar da vida em sociedade e de influir para que a escolha de representantes políticos recaia sobre os mais eficientes e mais qualificados. As pessoas jurídicas, embora não votem, embora sejam entidades artificiais do ponto de vista material, ainda assim fazem parte da nossa realidade social, na qual desempenham papel importante e indispensável, inclusive como agentes econômicos, produtores de bens e serviços, geradores de empregos e de oportunidades de realização aos cidadãos.

Essa posição, infelizmente vencida no julgamento, é muito mais adequada e ponderada, considerando o que realmente estabelece o texto constitucional[16] acerca da matéria e sem se socorrer da retórica principialista, do que o restou decidido pela maioria da Corte. Em que pese a impossibilidade de exercício de direitos políticos por uma empresa, afirmar taxativamente que as eleições e o resultado delas não são de interesse legítimo das pessoas jurídicas é equivocado, apesar de claramente motivado no caso concreto pelo cansaço com a situação em que se encontra(va) o país.

Já a violação ao princípio da igualdade ocorreria porque a permissão legal para o financiamento privado de campanhas eleitorais estaria a exacerbar as desigualdades políticas e sociais do Brasil, já que permitiria aos detentores do poder econômico maior participação e influência no resultado da eleição. Para a OAB[17],

As pessoas físicas e jurídicas não são iguais perante a política. Estas não são cidadãos, que podem ter a pretensão legítima de exercer influência no processo político-eleitoral. As doações eleitorais por parte das pessoas naturais – desde que limitadas, de forma a não favorecer excessivamente os ricos - podem ser vistas como um instrumento legítimo à disposição do cidadão para participação na vida pública. O mesmo raciocínio não vale para as pessoas jurídicas. A doação para campanhas ou partidos se insere no sistema integrado pelos direitos políticos, que são restritos ao cidadão: não se trata de direito individual, passível de ser estendido também às pessoas jurídicas.

De novo, a premissa do argumento é a de que pessoas jurídicas não têm qualquer interesse ou legitimidade para intervir nas eleições. Novamente, nada mais equivocado. Basta refletir sobre os governos ruins que alguns Estados e municípios já tiveram e que o próprio país já teve: quantas empresas fecharam suas portas nesses governos, nos quais, em geral, as crises econômicas foram criadas ou potencializadas pela incompetência do príncipe de plantão? Não há, de fato, qualquer interesse que legitime a intervenção de uma empresa no processo eleitoral? Faltavam, e ainda faltam, limites legais e morais-legais melhor estabelecidos, e não legitimidade para as pessoas jurídicas participarem do processo eleitoral.

Adiante, a suposta violação ao princípio democrático decorreria do fato de que a Constituição atribuiu o mesmo valor a todos os votos, o tão (mal) festejado princípio do one person, one vote[18]. Segundo a argumentação expendida, como o financiamento privado potencializava a desigualdade entre os cidadãos, assegurando maiores chances de êxito aos que tivessem maior poder econômico ou ao menos intimidade com os detentores do poder econômico, o sistema político brasileiro havia se transformado em uma aristocracia, o governo das elites.

O argumento é falacioso. O próprio princípio one person, one vote não resiste a uma análise criteriosa de alguns fatores, como por exemplo a composição igualitária em número de representantes do Senado Federal e a fixação pela Constituição de um número mínimo e um número máximo de representantes por Estado na Câmara dos Deputados sem considerar efetivamente o número de habitantes ou ao menos eleitores das unidades da federação. Por causa dessas distorções, os representantes dos Estados que compõem as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde moram “apenas” 43% da população brasileira, ocupam 74% dos assentos do Senado Federal e 50,1% das cadeiras da Câmara dos Deputados[19].

Porém, o argumento se perde mesmo quando se constata que 98% das pessoas jurídicas do Brasil são micro e pequenas empresas[20], as quais operam, com raras exceções, com margem bastante pequena de lucro em relação ao faturamento, não podendo se dar ao luxo de fazer doações eleitorais – ao menos não em valores suficientes a eventualmente comprometer o equilíbrio de forças dos pleitos.

Por outro lado, há pessoas físicas que, em razão das grandes fortunas pessoais de que dispõem, poderiam interferir com maior vigor nas eleições do que 98% das pessoas jurídicas do Brasil. Para não citar personagens envolvidos em escândalos recentes, o empresário Rubens Ometto, Presidente do Conselho de Administração da Cosan, uma das maiores empresas do Brasil, com investimentos no agronegócio, combustíveis e logísticas, até o dia 14 de setembro, já fez doações eleitorais que totalizam R$ 5.780.000,00, faltando ainda 20 dias para as eleições. Na lista de agraciados há partidos políticos, candidatos a Deputado Federal, Deputado Estadual, Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador da República, enfim, basicamente todos os cargos em disputa. Curioso notar, ainda, que não existe identidade ideológica, já que foram destinados pelo empresário recursos a candidatos do Partido dos Trabalhadores, do Partido Socialista Brasileiro, do Movimento Democrático Brasileiro, do Democratas, do Partido da Social Democracia Brasileira, entre outros.[21]

Por fim, a violação ao princípio republicano ocorreria porque o sistema de financiamento privado de campanhas eleitorais fomenta a prática, por parte de agentes políticos, públicos e privados, de atos não-republicanos, culturalmente arraigadas no modo de agir de toda a nossa sociedade, marcada como um todo por condutas patrimonialistas. Na lógica do argumento, o candidato recebe a contribuição da empresa durante a campanha para, uma vez eleito, retribuir com algum tipo de favorecimento, a depender do cargo que estiver ocupando.

Sim, essa era, é e sempre será uma realidade da política, com ou sem financiamento privado de campanhas eleitorais[22]. Isso porque, como a própria OAB admitiu em sua peça, o patrimonialismo é um traço cultural da sociedade brasileira, não só da classe política. O reducionismo do argumento é sedutor e de fácil propagação porque a imensa maioria da população não se sente representada pela classe política, não entende o porquê da existência dos partidos políticos, desprezam os parlamentos e enxergam os governos, de qualquer viés ideológico, como “corruptos, injustos, burocráticos e opressivos”[23]

Insta observar, entretanto, que esses problemas são também dos partidos políticos e da classe política, e não só deles. Na verdade,

a acentuação do oportunismo partidário, a ausência de qualquer ideologia, princípio ou disciplina por parte de partidos e de políticos, não podem ser explicadas a partir de um enfoque apenas institucional, porquanto as instituições refletem uma totalidade social especificamente brasileira.[24]

Dito de outra maneira, é necessário  a OAB adotou o caminho mais fácil ao invés de enfrentar o problema real. O sistema de financiamento privado de campanhas precisava de regulamentação adequada e não ser proibido, como infelizmente acabou acontecendo e será abordado no próximo capítulo.


3. A DECISÃO DO STF

3.1 O voto do Ministro Luiz Fux

Ao decidir a questão, o STF entendeu que os dispositivos legais autorizadores das contribuições de pessoas jurídicas aos partidos políticos e às campanhas eleitorais eram incompatíveis com a Constituição, tendo, portanto, proibido o que se entendia como financiamento privado de campanha[25]. Essa decisão foi tomada a partir do voto do relator, o Ministro Luiz Fux, que se passa a analisar.

Antes de adentrar no mérito, a Corte precisou resolver algumas preliminares suscitadas pela Advocacia-Geral da União, tendo-as rejeitado integralmente. Como são questões processuais não relevantes para o que e está a tratar nesse artigo, não serão abordadas com maior profundidade.

No mérito, o STF, antes de decidir fez interessante exercício de reflexão acerca da jurisdição constitucional em matéria de reforma política, já que suscitada pelas próprias autoridades que foram intimadas a prestar informações na ADI (Presidente da República, Presidentes do Senado Federal e da Câmara do Deputados) a suposta ausência de legitimidade da Corte para apreciar temas inerentes ao núcleo essencial do processo democrático.

Acertadamente, o STF entendeu que, a despeito de o Congresso Nacional ser o locus adequado para o debate das reformas estruturais do Estado, em algumas hipóteses cabe ao Poder Judiciário, especificamente na jurisdição constitucional, interferir para salvaguardar os pressupostos do regime democrático, caso entenda que estão eles em risco[26]. Aliás, como bem asseverou o Ministro Luiz Fuz, Relator do acórdão,

(...) diagnosticado o inadequado funcionamento das instituições, é dever da Corte Constitucional otimizar e aperfeiçoar o processo democrático, de sorte (i) a corrigir as patologias que desvirtuem o sistema representativo, máxime quando obstruam as vias de expressão e os canais de participação política, e (ii) a proteger os interesses e direitos dos grupos políticos minoritários, cujas demandas dificilmente encontram eco nas deliberações majoritárias.

No caso concreto, a arguição da OAB, refletindo, é verdade, um sentimento universalizado da sociedade brasileira, era no sentido de que o modelo de financiamento do sistema político brasileiro estava a corroer a democracia, logo, seria necessário declará-lo inconstitucional para forçar o Congresso Nacional o alterar o esse modelo.

Novamente, quanto à necessidade de mudança no modelo, parece não haver discordâncias. Discute-se se solução oferecida pelo STF – proibir as doações de pessoas jurídicas em vez de limitá-las ou fixar prazo para o Congresso fazê-lo – foi adequada, tendo em vista o quadro que se avizinha nas eleições de outubro.

Porém, dentro da lógica de que dificilmente a pretensão buscada pela OAB na ADI, na qual ela dizia representar a coletividade – e de fato representava boa parte dela –, não era factível esperar pela mudança vinda do próprio Congresso, ao menos não sem uma determinação cogente da Corte. Sobre esse aspecto, novamente o voto do Ministro Luiz Fux foi preciso:

Pela sensibilidade da matéria, afeta que é ao funcionamento do processo político-eleitoral, acredito que haja sim terreno amplo o suficiente para viabilizar o escrutínio judicial mais estrito e criterioso sobre as opções exercidas pelas maiorias políticas no seio do Parlamento, instância, por excelência, vocacionada à tomada de decisão de primeira ordem sobre a matéria. Há algumas razões para isso.

Inicialmente, repiso que me parece indisputável que a Reforma Política deva ser capitaneada pela classe política, e não pelo Poder Judiciário. Sucede que não se pode olvidar que o produto final deste debate interessa, em alguma medida, aos próprios agentes decisórios que estão no exercício do poder e foram eleitos segundo as regras vigentes. Esse cenário coloca uma questão de sinceridade e realidade institucional, que poderia ser resumida em uma pergunta direta e imediata: é factível confiar única e exclusivamente aos agentes políticos a prerrogativa de reformulação das regras concernentes ao financiamento de campanhas, quando, em verdade, foi o exato sistema em vigor que permitiu a sua ascensão aos cargos que ocupam? A resposta é, a meu juízo, negativa.

(...)

Exatamente porque matérias intimamente ligadas ao processo eleitoral aumentam consideravelmente as chances de manipulação e parcialidade no seu tratamento pelos órgãos eleitos por este mesmo processo, justifica-se, a meu sentir, uma postura mais expansiva e particularista por parte do Supremo Tribunal Federal, em detrimento de opções mais deferentes e formalistas. Creio que, ao assim agir, a Corte não amesquinha a democracia, mas antes a fortalece, corrigindo pelo menos algumas de seus naturais disfuncionalidades.

A capitulação feita por Sua Exa. reduz significativamente as complexidades envolvidas no processo de reforma na legislação eleitoral[27], porém, não deixa de ser a constatação prática da situação brasileira, já que as últimas alterações na legislação tiveram todas o condão de facilitar a manutenção do status quo e dificultar o surgimento de novas caras no cenário político. Em outras palavras, fazendo uso de certa licença poética, também no Congresso Nacional faz-se uso da “jurisprudência defensiva”, já que os

(...) partidos podem diferir em políticas, mas concordam em manter o monopólio do poder dentro de um quadro de possibilidades preestabelecidas por eles mesmos. A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar: forma-se uma classe política, que, com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio.[28]

Feitas essas considerações, ao julgar o mérito em si da ADI, o voto do Ministro Relator acabou se limitando a repetir as formulações retóricas relacionadas ao one person, one vote. Isso porque considerou como legítimo interesse de participação no processo democrático apenas aquelas atividades que podem ser diretamente exercidas por pessoas naturais: o direito de votar, ser votado e influir na vontade popular por intermédio de instrumentos de democracia direta.

Por outro lado, imputou às doações de pessoas jurídicas – e apenas a elas – o aumento em progressão geométrica dos custos das campanhas eleitorais, o que é falacioso. Ainda assim, em alguns pontos a argumentação tangencia o problema de fato do modelo de financiamento de campanhas eleitorais no Brasil: a falta de regulamentação adequada:

(...) as pessoas jurídicas, nomeadamente as empresas privadas, são as principais doadoras para candidatos e partidos políticos. Deveras, as pessoas jurídicas são as grandes protagonistas no financiamento das campanhas eleitorais, respondendo pela absoluta maioria das doações. E os dados a este respeito são bastante eloquentes. De acordo com a substanciosa petição apresentada pela entidade Clínica de Direitos Fundamentais da prestigiada Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Clínica UERJ Direitos, nas eleições de 2012, por exemplo, as pessoas naturais doaram pouco menos de 5% dos recursos. Mesmo entre as pessoas jurídicas existe uma forte concentração entre os principais doadores. No pleito de 2010, por exemplo, apenas 1% dos doadores, o equivalente a 191 empresas, foi responsável por 61% do montante doado. Não bastasse, os dez principais financiadores – em geral construtoras, bancos e indústria – contribuíram com aproximadamente 22% do total arrecadado (Fonte: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Transparency International, em estudo intitulado A responsabilidade das empresas no processo eleitoral, 2012, p. 34).

Diante desse quadro empírico, não é difícil constatar que um número restrito de pessoas jurídicas – aproximadamente 20 mil empresas, o que corresponde a menos de 0,5% do total de empresas brasileiras, segundo informações do IBGE – financia as campanhas políticas no Brasil.

(...)

Examinando as informações acerca dos principais doadores de campanhas no país, eliminam-se quaisquer dúvidas quanto à ausência de perfil ideológico das doações por empresas privadas. Da lista com as dez empresas que mais contribuíram para as eleições gerais em 2010, a metade (cinco) realizou doações para os dois principais candidatos à Presidência e a suas respectivas agremiações.

O que se verifica, assim, é que uma mesma empresa contribui para a campanha dos principais candidatos em disputa e para mais de um partido político, razão pela qual a doação por pessoas jurídicas não pode ser concebida, ao menos em termos gerais, como um corolário da liberdade de expressão. A práxis, antes refletir as preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores que visam a estreitar suas relações com o poder público, de forma republicana ou não republicana.

No primeiro trecho, aborda-se o problema da concentração das doações, mesmo entre pessoas jurídicas. Se, em um universo enorme de pessoas jurídicas existentes no Brasil menos de 1% faz(ia) doações eleitorais, e tais doações equivaliam à esmagadora maioria dos recursos disponíveis para a eleição, é um claro sinal de distorção regulatória.

Da mesma forma, o segundo trecho da passagem acima transcrita retrata a situação conhecida no populacho como “um pé em cada canoa”, o que também só era possível em razão do déficit regulatório acentuado em matéria eleitoral.

Por fim, dois grandes equívocos do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux: utilizar como fundamento para declarar a inconstitucionalidade das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas as vedações expressas às contribuições dessa natureza por entidades de classe e sindicatos, e, afastar por completo do caso brasileiro a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América no caso Citizens United v. Federal Election Commission.

Na primeira hipótese, a vedação legal se justificava porque entidades de classe têm e sindicatos tinham, à época, como principal fonte de receita contribuições instituídas por lei que eram compulsórias ao sujeito devedor. Essa questão fora enfrentada pela Corte no já mencionado julgamento da Medida Cautelar na ADI no 1.076-0/DF, cujo acórdão assim foi ementado:

E M E N T A: Financiamento de campanhas eleitorais: vedação de contribuições de entidades sindicais ou de classe (L. 8.713/93, art. 45, VI): argüição de inconstitucionalidade por violação do princípio da isonomia: medida cautelar indeferida, vencido em parte o relator e os que o acompanharam, que a deferiam para suspender a proibição dirigida às entidades não sindicais de classe. 1. Considerações gerais sobre o problema da regulação e da tentativa de redução à medida do inevitável da influência do poder econômico nas eleições - desafio mais dramático do Direito Eleitoral contemporâneo - e acerca do ensaio de solução da L. 8.713/93, que, reconhecendo a superação do ingênuo modelo proibitivo da legislação anterior, rendeu-se - com a permissão das contribuições eleitorais de pessoas jurídicas e particularmente das empresas privadas -, à realidade incontornável da interferência do poder econômico na disputa do poder político, a fim de buscar discipliná-la. 2. Manutenção, não obstante, da vedação de contribuições de entidades de classe, sindicais ou não: argüição de sua inconstitucionalidade por afronta à isonomia. 3. Oponibilidade ao legislador do princípio constitucional da igualdade, que, somado à consagração explícita do princípio do devido processo legal, se traduz na exigência da razoabilidade das disposições legais e na proscrição da lei arbitrária. 4. Razoabilidade da proibição questionada, com relação às entidades sindicais, dada a limitação do princípio constitucional de sua liberdade e autonomia pela regra, também constitucional, da unicidade, que - além de conferir-lhes poder de representação de toda uma categoria, independentemente da filiação individual dos que a compõem -, propicia a manutenção da contribuição sindical, estabelecida por lei e de inequívoco caráter tributário, cujo âmbito de incidência também se estende a todos os integrantes da categoria respectiva. 5. Divisão do Tribunal quanto à plausibilidade da argüição de ofensa à isonomia, no tocante à proibição imposta às entidades não sindicais de classe: a) votos majoritários que entenderam razoável a discriminação, à vista da distinção constitucional entre entidades de classe e associações civis em geral (v.g., CF, art. 5º, LXX); b) votos vencidos, a partir do relator, no sentido da falta de congruência lógica entre o fator de discrímen - o cuidar-se de entidades de classe - e a discriminação legal questionada, no contexto de uma lei, que facultou amplamente o financiamento de campanhas eleitorais às organizações privadas de todo o tipo, independentemente de sua forma e regime jurídicos e do seu objeto social, pouco importando a falta de conexão deste com a atividade política partidária. (ADI 1076 MC, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/06/1994, DJ 07-12-2000 PP-00003 EMENT VOL-02015-01 PP-00115) (negritou-se)

Já o precedente da Suprema Corte foi afastado pelo relator porque, segundo ele, diferia em essência do caso brasileiro. Lá, se julgou se era possível a uma empresa gastar seus recursos em publicidade em favor de um candidato, e não fazer diretamente doações a ele. De fato, a questão de fundo debatida no precedente norte-americano era essa, tendo a Suprema Corte decidido que essa conduta não poderia ser coibida por ser uma extensão do direito à liberdade de expressão:

O discurso político é indispensável à tomada de decisão em uma democracia, e essa constatação não é menos verdadeira porque o discurso vem de uma corporação e não de um indivíduo. (Do original: “Political speech is indispensable to decision making in a democracy, and this is no less true because the speech comes from a corporation rather than an individual.”

A diferença, porém, é que, apesar de a liberdade de expressão também ser direito fundamental garantido em nossa Constituição, a legislação eleitoral brasileira a restringe. No Brasil, caso uma empresa pretendesse fazer aquilo que foi autorizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, ou seja, sem o consentimento do candidato financiar material publicitário pago em meios de comunicação para promovê-lo, não poderia, pois, a legislação proíbe a veiculação de qualquer tipo de propaganda paga, sendo permitida apenas a propaganda eleitoral “gratuita”. Ou seja,

Quanto aos demais pedidos formulados, relativos à imposição de limites à doação por pessoas físicas e que não são objeto deste artigo, o voto do relator foi pela improcedência, no que foi acompanhado por todos.

3.2 O Voto do Ministro Teori Zavascki

Como exaustivamente afirmado acima, o problema do financiamento de campanhas eleitorais no Brasil não é do modelo em si, e sim do déficit regulatório existente, qualquer que seja a escolha ou modelo vigente na ocasião.

Quando do julgamento da ADI no 4.650/DF pelo STF, havia sim um clamor da sociedade pelo fim das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas, tudo decorrente dos sucessivos escândalos de corrupção envolvendo agentes políticos, agentes públicos, empresários e eleições. Se, na data da propositura da ação o mensalão era a “piada de salão” da vez, quando o julgamento foi iniciado, a operação lava jato estava na sua fase mais explosiva em termos de revelações. Logo, a pressão sobre o tema era muito forte e não havia realmente muito espaço para divergências.

No próprio STF, uma das poucas vozes dissonantes e que abriu a divergência no julgamento foi o Ministro Teori Zavascki, que proferiu um voto ponderado na identificação real do problema: seja público, privado ou misto o financiamento das campanhas eleitorais, é necessária uma mudança estrutural na cultura dos políticos e da sociedade brasileira em geral, além de regulamentar adequadamente a arrecadação de fundos para campanhas. Disse Sua Exa.:

(...) o dinheiro pode fazer muito mal à democracia, mas ele, na devida medida, é indispensável ao exercício e à manutenção de um regime democrático. Onde está o equilíbrio, como conter os excessos, como direcionar o fluxo dos recursos apenas para o bem da democracia evitando corrupção e conluio, essas são algumas das perguntas cujas respostas são incessantemente buscadas, no Brasil e em muitos outros países, por especialistas e legisladores.

Não há dúvida que, nesse contexto, é de importância fundamental o estabelecimento de um adequado marco normativo. Mas, somente ele não é suficiente para coibir as más relações entre política e dinheiro. Há, sobretudo, a questão da conduta. É preciso que as normas sejam efetivamente cumpridas e a punição seja efetivamente aplicada, se for o caso. Talvez aqui, mais do que na precariedade do marco normativo, esteja a fonte principal dos abusos do poder econômico e da corrupção política: no desrespeito das normas e na impunidade dos responsáveis.

Precisamente o que se vem repetindo nas passagens anteriores desse texto: é preciso regulamentar melhor o modelo e também é necessário que as regras sejam seguidas. Do contrário, pode-se escolher o modelo que for, ele não funcionará.

Com muita propriedade, o Ministro Teori afastou também, com os argumentos da própria petição inicial, o suposto tratamento constitucional da proibição ao financiamento privado das campanhas eleitorais. Explicou a todos, para seus pares inclusive, que justamente por ter a OAB precisado recorrer à retórica principialista[29] e invocado preceitos constitucionais abertos e indeterminados para trazer o tema ao debate pelo STF, é que a Corte deveria exercer com maior grau de autocontenção a sua jurisdição.

Ainda sob o prisma constitucional, estabeleceu que não se faz necessária a existência da relação entre a capacidade de votar e a habilitação para contribuir financeiramente com o processo eleitoral. Isso porque, como também mencionado anteriormente, o exercício dos direitos políticos é apenas uma das formas de participar da vida em sociedade e de influir na escolha dos representantes, e que essa motivação, por si só, já as legitimaria a participar do processo eleitoral como doadoras:

(...) pessoas jurídicas só contribuem por interesse. Não se contesta esse fato. Todavia, é exatamente isso o que ocorre também com as pessoas naturais: suas contribuições não podem ser consideradas desinteressadas. Nem num caso, nem no outro, entretanto, há de se afirmar que os interesses a que visam as contribuições para partidos ou campanhas políticas sejam, invariavelmente, interesses ilegítimos. Não se mostra assim, por exemplo, o interesse de pessoas jurídicas em ver eleitos candidatos favoráveis a impulsionar certas reformas legislativas de natureza econômica, ou tributária, ou trabalhista, ou em ver priorizadas políticas públicas na área de infraestrutura, ou de expansão de empregos, ou de industrialização ou de desburocratização. É claro que há também interesses escusos movendo doações de pessoas jurídicas, mas seria igualmente ingênuo afirmar que os interesses que movem pessoas naturais a contribuir para campanhas sejam, sempre, interesses legítimos. A realidade está repleta de exemplos em sentido contrário, alguns até da mais alta gravidade, como é o caso de candidaturas sustentadas por organizações criminosas.

(...)

(...) olhada a questão pelo prisma do interesse que move os doadores, o fator decisivo para aferir a legitimidade acaba se transferindo, mais uma vez, do marco normativo para o marco comportamental: tanto as doações de pessoas jurídicas, quanto às de pessoas naturais serão incompatíveis com a Constituição se abusivas. As más práticas, os excessos, a corrupção política, não podem ser simplesmente debitadas às contribuições feitas nos limites autorizados por lei, mas àquelas provindas da ilegalidade. Em outras palavras: é preciso ter cuidado para não atribuir a inconstitucionalidade das normas ao seu sistemático descumprimento.

Aliás, o precedente da Suprema Corte Americana citado pelo relator, Ministro Luiz Fux, aborda o tema de maneira semelhante ao dispor, na opinião majoritária proferida pelo Justice Kennedy, que a democracia (representativa) se baseia na capacidade de resposta do representante, e que os resultados políticos por ele produzidos em favor de quem o escolheu como merecedor do voto ou da contribuição de campanha, são considerados razões legítimas para que se escolha nele votar ou para a campanha dele contribuir, em detrimento de outros candidatos[30].

Por fim, delimitou aquela que seria a mais plausível das alternativas em sua opinião: a imposição de um limite efetivo de gastos acompanhada de instrumentos institucionais de aplicação de sanções para coibir abusos. Essa conclusão, segundo ele, decorria da simples leitura dos casos anteriores e da experiência histórica brasileira. Doações eleitorais de pessoas jurídicas já haviam sido proibidas no passado e isso não impediu, diminuiu ou refluiu a corrupção eleitoral, nem mesmo tornou mais adequado o processo democrático. Em suas palavras, apenas

(...) por messianismo judicial se poderia afirmar que, declarando a inconstitucionalidade da norma que autoriza doações por pessoas jurídicas e, assim, retornar ao regime anterior, se caminhará para a eliminação da indevida interferência do poder econômico nos pleitos eleitorais. É ilusão imaginar que isso possa ocorrer, e seria extremamente desgastante à própria imagem do Poder Judiciário alimentar na sociedade, cansada de testemunhar práticas ilegítimas, uma ilusão que não tardará em se transformar em nova desilusão. Por outro lado, o antídoto para os gastos excessivos de campanha eleitoral não é declarar a inconstitucionalidade das fontes de financiamento, cuja eliminação formal provavelmente seria imediatamente substituída por suplementação informal e ilegítima, como também mostram os exemplos históricos.

Não é difícil entender as conclusões do Ministro Teori. As premissas utilizadas para proibir a doação de pessoas jurídicas são completamente equivocadas e demonstram que o STF, nesse caso, ultrapassou uma fronteira desconhecida. Pensar que conseguirá forçar a diminuição dos custos das campanhas eleitorais proibindo doações de empresas é utopicamente pueril.

Passados vários do primeiro grande escândalo envolvendo o financiamento eleitoral por empresas, ocorrido apenas alguns anos depois da redemocratização do Brasil, e durante uma entressafra de escândalos ainda maiores em termos de cifras envolvidas e sofisticação, encaminhou-se uma solução que retornava à situação anterior, a qual comprovadamente fracassara.


4. PRINCIPAIS PROBLEMAS DECORRENTES DA DECISÃO DO STF NO JULGAMENTO DA ADI NO 4650-DF

Não são poucos os problemas decorrentes da proibição de doações eleitorais por pessoas jurídicas, consequência da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI no 4650-DF. O primeiro deles decorre do próprio resultado e parece incompatível com os fundamentos utilizados pela maioria para proibir as doações eleitorais de pessoas jurídicas: reduzir as desigualdades e o desequilíbrio no processo eleitoral, contribuindo assim com a democracia em razão do aperfeiçoamento da escolha dos representantes a serem eleitos pelo povo.

Porém, ao proibir as doações de pessoas jurídicas e não impor qualquer limite às doações de pessoas físicas, a Corte nada mais fez do que transferir o problema. Como a doação não pode mais ser feita via empresa, nada impede sua efetivação via um de seus sócios. Não houve também qualquer limitação ao autofinanciamento pelos muito ricos no Brasil.

Para ilustrar o problema, algumas páginas acima foi dado um exemplo daquele que é o maior doador das eleições de 2018 para campanhas alheias, porém, há a menção honrosa ao presidenciável do Movimento Democrático Brasileiro, Henrique Meirelles, que até o dia seis de setembro havia doado R$ 45.000.000,00 à própria campanha[31].

Outro ponto negativo importante é que a já citada migração das doações antes realizadas pelas pessoas jurídicas, que devem naturalmente passar a acontecer por intermédio dos sócios ou simplesmente voltar à clandestinidade do modelo anterior, implicará na perda de importante indicador das relações entre os setores econômicos e agentes políticos, dificultando o controle social exercido no país pela imprensa, movimentos civis, acadêmicos e cidadãos em geral[32].

Ainda, há de se considerar, e o próprio Ministro Luiz Fux chamou atenção para esse fato em seu voto, que os detentores de mandato atuais, os próximos, os que sucederem os próximos e assim por diante, todos têm e terão a tendência de legislar em causa própria, ou seja, de afunilar cada vez mais as regras de distribuição dos parcos recursos existentes, hoje exclusivamente públicos, para financiamento de campanhas eleitorais.

Com isso, diminuíram nas eleições que se aproxima e diminuirão a cada eleição as chances de renovação dos representantes a serem eleitos, retroalimentando um paradoxo que cada vez mais incomoda a população: enquanto a imensa maioria se diz cansada dos atuais representantes, o índice de renovação do Congresso, das Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, Poderes Executivos, etc., é reduzido a cada eleição.

Nesse contexto, a renovação ou a aspiração a um mandato eletivo dependeria de estar necessariamente presente ou próximo das estruturas internas de poder dos partidos políticos para garantir recursos minimamente suficientes para a campanha, ser previamente conhecido por alguma realização ou carreira anterior (exemplos atuais pululam, como ex-desportistas, artistas famosos ou nem tanto, desde que caricatos suficientes) ou receber o endorsement de alguém muito popular que lhe consiga transferir essa popularidade.

A alternativa a quaisquer das situações acima narradas é estar ligado a alguma das estruturas quase paralelas de poder que em tempos eleitorais se movimentam agressivamente na tentativa de obter espaço: corporações de servidores públicos, entidades de classe, sindicatos, religiosos e o crime organizado.

Quanto aos sindicatos, é bem verdade que a edição da Lei no 13.467, de 13 de julho de 2017 – Reforma Trabalhista, e a recente decisão do STF que julgou constitucional o dispositivo da citada lei que pôs fim à obrigatoriedade do chamado ‘imposto sindical’ enfraqueceu bastante o poder de mobilização dessas entidades nas eleições. Não são, porém, forças a serem completamente descartadas de pronto.

Entidades de classe e corporações de servidores públicos também oferecem risco, ainda que em menor grau. Isso porque, na hora de decidir quem serão os candidatos das diversas categorias, sobram os que se sentem em condição de representar, o que acaba pulverizando a votação e, não raro, comprometendo o resultado.

Os problemas verdadeiros estão no crime organizado e nas organizações religiosas. Entende-se que os problemas advindos com a infiltração do crime organizado (de outro tipo) na política são autoexplicativos, sendo desnecessário tecer maiores considerações.

Grupos religiosos, porém, representam sim um problema, ainda que de outra natureza: um problema democrático. A laicidade do Estado é um conceito vital para a sustentação da democracia, especialmente de uma democracia jovem como a brasileira.

É o fato de o Estado ser laico que garante a base filosófica para a liberdade religiosa e para a convivência harmoniosa entre os pontos de vista diversos e diversificados que existem em sociedades complexas e plurais, como é o caso do Brasil[33].

Nesse contexto, torna-se preocupante a (tentativa de) formação de uma maioria político-parlamentar direcionada precipuamente à imposição dos valores morais das doutrinas católica e neopentecostais[34].

Os fenômenos descritos acima, porém, estão a acontecer. As bancadas religiosas, de artistas e desportistas r representantes de corporações de servidores ou entidades de classe começam a se formar e ser maioria no parlamento. Não que haja alguma impropriedade na origem dessas pessoas – exceto pelos representantes do crime organizado –, porém, a maioria ali chegou apenas por ser ex-alguma coisa ou professar alguma fé, não tendo efetivamente ou concretamente apresentado qualquer proposta para merecer a confiança e o mandato popular.


5. CONCLUSÃO

O STF teve a chance, ao analisar a ADI nº 4.650/DF, de estabelecer essas regras e limites ou ao menos impor ao Congresso Nacional a obrigação e o prazo para fazê-los, como proposto pelo Ministro Teori Zavascki, porém, a maioria da Corte optou por acatar os argumentos da OAB, fundados numa retórica extremamente principialista, conforme críticas fundamentadas em todos os votos divergentes, e simplesmente proibir as doações eleitorais de pessoas jurídicas, remetendo o Brasil de volta aos anos iniciais pós-redemocratização em termos de legislação eleitoral no tocante ao financiamento de campanhas.

A crítica feita nos votos divergentes e aqui reproduzida é que esse modelo utopicamente pueril comprovadamente não deu certo, tendo sido responsável pelo primeiro grande escândalo de corrupção no Brasil na vigência da Constituição Federal, culminando com a interrupção do mandato e o afastamento do primeiro Presidente da República eleito pelo voto direto após décadas de ditadura militar.

É certo também que o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas, da maneira como estava regulamentado, também não estava funcionando adequadamente. Os dois maiores escândalos de corrupção a nível nacional envolveram componentes de financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas, o mensalão e o petrolão (esse último considerado um dos maiores, senão um maior – o que parece ser um certo exagero, consideradas algumas questões como câmbio e déficit democrático em algumas das grandes economias do mundo), sem contar outros de cunho regional, como os mensalões de Minas Gerais e do Distrito Federal, bem como outros menos cotados que ocorreram ao longo do tempo em que o modelo vigeu.

O problema maior, porém, é outro, e já havia sido identificado no final da década de 90, quando o STF julgou questionamento do Partido dos Trabalhadores acerca da vedação às doações eleitorais por parte de entidades de classe e sindicais (historicamente setores sob a influência do partido).

Naquele julgamento, o então Ministro Sepúlveda Pertence, fazendo o mesmo alerta que fez o Ministro Teori Zavascki na ADI no 4.650 DF, consignou em seu voto que o processo eleitoral, uma das facetas mais evidentes do processo democrático, tem inegavelmente um custo e esse custo é elevado. Mais ainda, é extremamente inconveniente que esse custo recaia sobre o Estado, tendo em vista que é notória a escassez de recursos para questões ainda mais graves, como saúde, moradia, educação, etc.

Com essa premissa, já àquela época o Ministro Sepúlveda fez aquela que é a mais fundamental crítica ao modelo de financiamento eleitoral por pessoas jurídicas: a origem do problema é no sistema político em si, passa pela frouxidão da regulamentação eleitoral quanto à arrecadação dos recursos e culmina na deficiência da fiscalização.

Para utilizar a expressão do Ministro Teori, acreditar que uma decisão judicial, por si só, ao proibir as doações de pessoas jurídicas, tenha a capacidade de resolver os problemas estruturais do sistema político, o déficit regulatório da legislação eleitoral e as deficiências de fiscalização da Justiça Eleitoral, seria crer que o Poder Judiciário seria uma espécie de Messias, capaz de resolver todas as mazelas do país.

O argumento de que é necessário reduzir custos de campanhas eleitorais, comparando o Brasil com diversos outros países do mundo, apesar de sedutor, é falacioso. Comparar os custos de uma campanha eleitoral no Brasil com países como França, Alemanha e outros cujo território não chega a 20% do nosso é irreal.

Sob esse aspecto, apenas serviriam de parâmetro Canadá, Austrália, China, Rússia e Estados Unidos da América. Entretanto, Canadá e Austrália, apesar das dimensões territoriais semelhantes, não são tão populosos e possuem grandes faixas de seus territórios inabitadas, tendo sua população concentrada em determinadas faixas.

China e Rússia, por outro lado, são inadequados em razão do enorme déficit democrático. Resta apenas como referencial os Estados Unidos da América, assim mesmo, com a ressalva de que lá o sistema federativo é completamente diferente do nosso, inclusive o modelo eleitoral. O comparativo com os americanos, porém, foi basicamente desprezado pela maioria formada na Corte quando do julgamento da ADI, já que não favoreceria à tese adotada (lá os custos das campanhas são muito maiores), além de haver decisão da Suprema Corte no sentido de autorizar e legitimar a participação das pessoas jurídicas no processo eleitoral como contribuidoras financeiras independentes, ainda que com argumento diverso, o da liberdade de expressão.

Sobre esse ponto, custos de campanha, se se pretendia de fato reduzir ou estimular a redução dos gastos efetuados por partidos políticos e candidatos no processo eleitoral, havia alternativas melhores à disposição do STF. Como isso só acontecerá com o aperfeiçoamento do próprio sistema político e da legislação eleitoral de forma orgânica, além da necessária e abordada nos votos divergentes, mudança cultural dos próprios políticos e da sociedade, a Corte poderia ter imposto ou fixado prazo para o Congresso Nacional limitações mais rígidas às doações de pessoas jurídicas, tanto quanto aos valores máximos que poderiam ser doados como a impossibilidade de a mesma empresa ou empresas do mesmo grupo econômico contribuírem para candidatos das mais diversas matrizes ideológicas, concorrentes mesmo, apenas para “colocar o pé em todas as canoas possíveis”.

Em outra seara, tema recorrente nas discussões políticas no Brasil é a necessidade de se fazer uma reforma política. Entretanto, o avanço concreto desse tema sempre esbarra em diversos fatores nos espaços de poder, o mais evidente deles e citado pelo Ministro Luiz Fux, é a falta de vontade dos atuais ocupantes desses espações em mudar as regras que os elegeu e que eles acreditam que os continuará elegendo. Entretanto, algumas considerações sobre o atual modelo podem ser feitas, apontando para alterações que, provavelmente[35], teriam maior chance de sucesso na redução dos custos das campanhas eleitorais do que simplesmente proibir as doações de pessoas jurídicas.

O sistema proporcional, utilizado nas eleições para Deputado Federal, Deputado Estadual e Vereador, é um bom exemplo. A candidatura a quaisquer desses cargos sempre teve custo elevadíssimo, na maioria das vezes até mais elevado proporcionalmente do que uma candidatura majoritária, porém, não por conta das doações das empresas, mas por causa do próprio sistema.

O candidato, para se eleger Deputado Federal ou Estadual, precisa percorrer, em tese, a mesma base territorial de um candidato da disputa majoritária estadual, tendo que concorrer com um número dez, vinte ou trinta vezes maior de concorrentes, já que em função da regra do quociente eleitoral os partidos e coligações podem lançar até uma vez e meia o número de cadeiras em disputa.

Na situação atual, em que são trinta e cinco os partidos políticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral e se levarmos em conta que a partir das próximas eleições as coligações proporcionais estarão proibidas, se em um Estado qualquer estiverem em disputa dez assentos na Câmara dos Deputados, cada partido poderá lançar quinze candidatos, totalizando inacreditáveis quinhentos e vinte e cinco concorrentes, ou seja, mais de cinquenta e dois candidatos por vaga.

Se todos lançarem candidatos ao Senado, por exemplo, e considerando que na próxima eleição estará em disputa um assento por Estado, a concorrência será de trinta e cinco candidatos para uma vaga. Sabendo que nas eleições majoritárias ainda será possível a formação de coligações e alianças são necessárias, é bem provável que esse número seja reduzido à metade. Dito de outra maneira, os candidatos à cargos proporcionais, especialmente nas eleições gerais, precisam percorrer, no sistema atual, a mesma base territorial dos candidatos majoritários, porém, concorrendo com muito mais gente. Isso tudo para, ao final, às vezes não ser eleito em razão do quociente[36].

As discussões, porém, não avançam. Falta consenso sobre o modelo ideal para substituir o sistema proporcional. Enquanto alguns defendem o sistema distrital misto, outros defendem o distrital puro e uma terceira corrente defende o chamado distritão. Sem entrar no mérito de cada um e apenas para indicar que, do ponto de vista que se tem defendido no presente artigo, essa última opção seria desastrosa, já que oficializaria a realidade “majoritária” dos candidatos a Deputado Federal e Estadual.

Outro item importante que deveria voltar à pauta é o da verticalização. A não obrigatoriedade de se reproduzir no âmbito local as alianças formadas nacionalmente sim, é um desserviço a todo o processo eleitoral e, por que não afirmar, à democracia em última análise.

O fim da verticalização, primeiro com o “recuo” do próprio Poder Judiciário na interpretação acerca do significado do “caráter nacional dos partidos”, depois com a promulgação das Emendas Constitucionais no 52, de 8 de março de 2016, e 97, de 4 de março de 2017, representou a institucionalização da infidelidade partidária-eleitoral, tão escrachada e que está à vista de todos na propaganda eleitoral em curso.

Essa institucionalização da infidelidade partidária-eleitoral é outro fator de encarecimento das campanhas eleitorais, já que não há organicidade nos pedidos de votos. Diariamente lê-se na imprensa que o candidato a Presidente da República que reuniu em torno de si a maior coligação em termos de quantidade de partidos enfrenta problemas relacionado à traição dos aliados. Essas traições sistemáticas o forçaram a abrir comitês de campanha próprio em basicamente todos os Estados, já que em muitos deles os ditos aliados pedem votos para seus adversários.

Se as campanhas fossem feitas organicamente, como deveriam idealmente ser feitas, o candidato a Presidente saberia que todos os demais candidatos de sua coligação estão fazendo campanha de maneira vertical, permitindo a redução de custos a partir da negociação de melhores preços com fornecedores de serviços e mão de obra, padronização do investimento em marketing, produção de material, deslocamentos, etc.

Os exemplos citados acima são apenas dois pontos de aperfeiçoamento que precisam ser discutidos, porém, dificilmente o serão pelo Poder Legislativo, ao menos não sem provocação externa – pressão popular – ou determinação do Poder Judiciário.

Nesse sentido, entende-se que o STF, ao simplesmente proibir as doações de pessoas jurídicas no julgamento da no 4.650/DF ao invés de acatar a sugestão do Ministro Teori para ao menos impor prazo ao Congresso a adequada regulamentação da legislação, desperdiçou valiosa oportunidade de iniciar um diálogo institucional com o Poder Legislativo que poderia ter como resultado um aperfeiçoamento sensível do processo eleitoral e, por consequência, do processo democrático.

Entretanto, como bem observou o Ministro Luiz Fux, as discussões sobre o tema não se encerraram, sendo possível que, no futuro, a continuação desse colóquio entre os poderes traga melhores resultados para esse tão necessário e aguardado aperfeiçoamento do processo eleitoral no Brasil, o que poderia, no cenário ideal, ser a ignição de uma real reforma política.


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Notas

[1] A expressão foi colocada entre aspas porque no atual quadro partidário brasileiro não parece adequado apontar seriamente a existência de ideologias, salvo exceções cada vez mais raras.

[2] As críticas à essa premissa são várias. Por exemplo, a composição do Senado Federal, três representantes por Estado, é absolutamente devastadora para esse falso standard. Outro exemplo é a distribuição de assentos na Câmara dos Deputados, conforme disposição do artigo 45 da Constituição. Ao estabelecer que territórios terão ao menos quatro, enquanto os demais Estados terão entre oito (no mínimo) e setenta (no máximo) Deputados, a própria Carta criou uma situação em que o voto de cidadãos de alguns Estados vale mais do que o voto dos cidadãos de outros Estados. Por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral disponibiliza em seu site uma aba de pesquisa com estatísticas de evolução do eleitorado, cuja última atualização é de julho de 2018. O Estado com menos eleitores cadastrados é Roraima, com 331.490, enquanto São Paulo tem 33.040.411. Com esses dados, é possível afirmar que cada um dos oito Deputados Federais de Roraima representa 41.436 eleitores, enquanto cada Deputado Federal de São Paulo representa 472.006 eleitores. Tanto Roraima quanto São Paulo têm seu número de representantes na Câmara dos Deputados fixados pela regra limite do artigo 45 da Constituição, pois, caso o parâmetro fosse apenas populacional, o primeiro teria menos e o segundo teria mais representantes. Dados de evolução estatística do eleitorado disponíveis em http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/evolucao-do-eleitorado

[3] SPECK, Bruno Wilhelm. O financiamento político e a corrupção no Brasil. In: BIASON, Rita de Cássia (Org.). Temas de Corrupção Política. São Paulo: Balão Editorial, 2012. p. 49.

[4] Explicação necessária: ao se utilizar as expressões “única” e “verdadeira” está-se levando em conta a situação econômica de então.

[5] Aqui entendido como o exercício passivo dos direitos políticos.

[6] Eleições gerais que não incluíram o voto direto para Presidente da República, o que só voltou a acontecer, após os anos de Ditadura Militar, em novembro de 1989.

[7] BARBOSA, Maria Lucia Victor. O voto da pobreza e a pobreza do voto: a ética da malandragem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 48.

[8] Art. 91. É vedado aos Partidos: (...) IV - receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição, auxílio ou recurso procedente de emprêsa privada, de finalidade lucrativa, entidade de classe ou sindical.

[9] SPECK, Bruno Wilhelm. O financiamento político e a corrupção no Brasil. In: BIASON, Rita de Cássia (Org.). Temas de Corrupção Política. São Paulo: Balão Editorial, 2012. p. 53

[10] A título de exemplo, nas eleições de 2002 o então Deputado Federal Wellington Dias (PT-PI) se elegeu, no 1o turno, Governador do Estado do Piauí, ao derrotar o Governador e candidato à reeleição, Hugo Napoleão, que concorreu com o apoio de um amplo arco de alianças, além das “máquinas” dos governos federal, estadual e da capital, Teresina. O candidato eleito declarou ter arrecadado para sua campanha R$ 411.157,33, tendo efetuado despesas que somaram R$ 410.107,38. Desse valor, R$ 86.035,00 foram gastos em transporte, porém, apenas em táxi aéreo. Nenhum valor, segundo a prestação de contas oficial do candidato eleito, foi gasto em transporte terrestre nos 90 dias de campanha eleitora. Não é preciso mais do que senso comum para identificar a falta de razoabilidade e até mesmo veracidade da informação. Entretanto, as contas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Dados disponíveis em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2002/prestacao-de-contas/contas-de-campanha-eleitoral-eleicoes-2002

[11] BARBOSA, Maria Lucia Victor. O voto da pobreza e a pobreza do voto: a ética da malandragem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 74.

[12] Não se pretende minimizar os efeitos e a gravidade de qualquer ato de corrupção. Entretanto, comparado com aquele que ficou conhecido como o esquema do Mensalão, nenhum outro se aproximava, até então, em termos de sofisticação e volume de recursos desviados.

[13] CARDOSO, Fernando Henrique. Crise e Reinvenção da Política no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 30-31

[14] Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1432694

[15] Ibidem, p. 8-9.

[16] Há na Constituição apenas duas menções à influência do poder econômico nas eleições, ambas no artigo 14: art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. (...)

[17] Idem, p. 14.

[18] Ver nota de rodapé no 3.

[19] SANTOS, Antônio Augusto Mayer dos. Ousadia, Utopia e Reforma Política. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, p. 22.

[20] BEDÊ, Marco Aurélio (Org.). Onde estão as Micro e Pequenas Empresas no Brasil. 2006. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/SP/Pesquisas/onde_mpes_brasil.pdf>. Acesso em: 14 set. 2018. p. 15.

[21] Fonte: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/divulgacandcontas#/consulta/doadores-fornecedores/2022802018

[22] Ver nota de rodapé no 8.

[23] CASSELS, Manuel. Ruptura: A crise da Democracia Liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 14

[24] BARBOSA, Maria Lucia Victor. O voto da pobreza e a pobreza do voto: a ética da malandragem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 74-75.

[25] O financiamento privado continua existindo tecnicamente, já que ele pode ter origem nas contribuições de pessoas físicas. Entretanto, a expressão ficou conhecida como caracterizadora das doações empresariais.

[26] Note-se, não se está a afirmar que os pressupostos do regime democrático estavam em risco no caso concreto, porém, se Corte assim entendeu, agiu corretamente ao decidir.

[27] GALLAGHER, Michael; MITCHELL, Paul (Org.). The Politics of Electoral Systems. Oxford: Oxford University Press, 2008,  p. 63

[28] CASSELS, Manuel. Ruptura: A crise da Democracia Liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 13.

[29] Sobre essa expressão, vale conferir a lição de Lênio Streck: “Percebe-se, assim, uma proliferação de princípios, circunstância que pode acarretar no enfraquecimento da autonomia do Direito (e da força normativa da Constituição), na medida em que parcela considerável (desses ‘princípios’) é transformada em discursos com pretensões de correção e, no limite, como exemplo da ‘efetividade’, um álibi para decisões que ultrapassam os próprios limites semânticos do texto constitucional. Assim, está-se diante de um fenômeno que pode ser chamado de ‘panprincipiologismo’, caminho perigoso para um retorno à ‘completude’ que caracterizou o velho positivismo novecentista, mas que adentrou o século XX: na ‘ausência’ de ‘leis apropriadas’ (a aferição desse nível de adequação é feita, evidentemente, pelo protagonismo judicial), o intérprete deve lançar mão dessa ampla principiologia, sendo que, na falta de um ‘princípio’ aplicável, o próprio intérprete pode criá-lo.” in STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 493.

[30] Na passagem original: “It is well understood that a substantial and legitimate reason, if not the only reason, to cast a vote for, or to make a contribution to, one candidate over another is that the candidate will respond by producing those political outcomes the supporter favors. Democracy is premised on responsiveness.”

[31] Dados disponíveis em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/divulgacandcontas#/candidato/2018/2022802018/BR/280000622281/integra/receitas

[32] CARRAZZA, Bruno. Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 222.

[33] LAGO, Davi. Brasil Polifônico: Os evangélicos e as estruturas de poder. São Paulo: Mundo Cristão, 2018, p. 113.

[34] PECCININ, Luiz Eduardo. O Discurso Religioso na Política Brasileira: Democracia e Liberdade Religiosa no Estado Laico. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 124.

[35] O advérbio de dúvida é aqui utilizado porque, nesse tema, não existem verdades absolutas nem donos da verdade. Mentem, ainda que inconscientemente, aqueles que oferecem fórmulas mágicas, normalmente repostas simples e erradas para problemas complexos.

[36] Como exemplo, nas eleições de 2002, o então Deputado Federal José Carlos Fonseca Júnior (PFL-ES), concorreu à reeleição e obteve 92.727 votos, a segunda maior votação do Estado, que tem dez assentos na Câmara dos Deputados. Como a coligação em que estava não atingiu o quociente, não foi eleito, mesmo tendo mais voto do que nove dos dez eleitos naquele pleito. Dados disponíveis em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2002/candidaturas-votacao-e-resultados/resultado-da-eleicao-2002



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BRESCIANI, FELIPE CASCAES SABINO. Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5830, 18 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74669. Acesso em: 26 abr. 2024.