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Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais

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Critica-se a decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 4.650/DF, em que se declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

INTRODUÇÃO

O objeto deste artigo é a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF que, por maioria, julgou inconstitucionais os dispositivos legais que autorizavam as doações feitas por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. Decisão essa que foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI no 4.650/DF, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em um momento bastante particular da constante crise de legitimidade da democracia representativa no Brasil.

Vale lembrar: quando a ADI em questão foi proposta, em setembro de 2011, acabara de se encerrar no STF a fase instrutória da Ação Penal no 470 – AP470, até então o mais rumoroso e maior – em termos de volume de recursos públicos desviados – escândalo de corrupção do Brasil. Mais, a tese central de defesa dos principais agentes políticos acusados – além da sempre óbvia negativa de autoria e inexistência de atos ilícitos – na AP470 consistia na alegação de que a enorme quantidade de dinheiro público desviado servira não para enriquecimento pessoal, e sim como “recursos não contabilizados de campanha eleitoral” de vários políticos – das mais diversas matrizes “ideológicas”[1], registre-se –, eufemismo para aquilo que se denomina popularmente como “caixa dois”.

Insta observar, porém, que a sociedade brasileira sequer imaginava que os malfeitos escancarados na AP470 seriam depois rebaixados em magnitude com as descobertas da operação Lava-Jato e suas ramificações, nas quais até agora foi possível identificar, segundo algumas decisões judiciais já proferidas, que dinheiro oriundo de corrupção não foi destinado apenas ao “caixa dois”, mas também ao “caixa um”, como doação de campanha registrada e contabilizada nos termos da legislação eleitoral até então vigente.

Pois bem. Nesse contexto, a OAB se insurgiu contra diversos dispositivos da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Lei dos Partidos Políticos e da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997 – Lei das Eleições, que autorizavam pessoas jurídicas a fazer doações eleitorais, impunham limite linear às doações efetuadas por pessoas físicas e não impunham limites ao autofinanciamento por parte dos candidatos.

A primeira parte do artigo abordará os argumentos expostos pela OAB na petição inicial da ADI para, no capítulo seguinte, analisar a decisão do STF e seus fundamentos, especialmente o voto do relator. Ao final, o artigo tratará daquilo que o STF deixou de abordar ao se deixar seduzir pelo clamor da ocasião e pelos argumentos expostos na petição inicial, em especial pela equivocada premissa one person, one vote[2], o que levou a Corte a exercer equivocadamente seu papel contramajoritário.


2. OS FUNDAMENTOS DA ADI NO 4.650/DF

2.1 Contextualização

Importante, antes de expor os fundamentos utilizados pela OAB para propor a ADI no 4.650/DF, entender o que se passava politicamente no Brasil no momento da propositura da ação.

Historicamente, a discussão acerca do modelo de financiamento das campanhas eleitorais no Brasil não pode ser dissociada do debate sobre a corrupção. Escândalos recentes podem fazer parecer que o problema é novo, porém, ele data pelo menos da parte final do período da ditadura militar, quando voltou a ser admitido no país o multipartidarismo e as eleições diretas, primeiro nas prefeituras das grandes cidades, depois para os governos estaduais e, por fim, para a presidência. Esse fato não é coincidência, aliás, já que com a implementação das mencionadas etapas e com a promulgação da Constituição em 1988 (fato que devolveu a independência ao Poder Legislativo), as disputas eleitorais passaram a ter importância para aqueles a quem interessa o controle da elaboração das leis e do processo de votação/alocação dos recursos orçamentários[3].

Não sem motivo, o processo de impeachment do ex-Presidente da República, Fernando Collor de Mello, trouxe ao conhecimento do grande público um dos segredos mais mal guardados dos bastidores do poder em Brasília: desde o início da transição dos anos de chumbo para a democracia, com a implementação de eleições diretas para alguns cargos paulatinamente, as empresas haviam se tornado as principais, senão as únicas, financiadoras verdadeiras do processo eleitoral[4]. Afinal , o direito à participação no Brasil[5] sempre teve um custo financeiro elevado.

Há 30 anos, referindo-se às eleições gerais[6] ocorridas dois anos antes, Maria Lucia Victor Barbosa[7] constatou que

nas eleições de 1986, para governador, senador, deputado federal e deputado estadual, nunca o dinheiro correu tão solto. Fortunas incalculáveis foram gastas por candidatos de todos os partidos. Partidos menores e candidatos menos abastados usaram de toda a sua criatividade e imaginação para obter preciosos votos. Mesmo aqueles que ‘defendiam’ ideologias de esquerda, e diziam acreditar nos ensinamentos de Karl Marx, preferiram não apostar na ‘consciência’ do ‘proletariado’, e investiram o que puderam de uma maneira bem capitalista.

Para efeito de registro, a socióloga faz referência às eleições de 1986, disputadas ainda sob a égide da Lei no 5.682, de 21 de julho de 1971, que no inciso IV do caput do artigo 91 expressamente vedava aos partidos políticos o recebimento de recursos de empresas, entidades de classe ou sindical[8], situação que perdurou até a edição da atual Lei dos Partidos Políticos, que revogou norma anterior e passou a permitir como fonte de receita dos partidos políticos, as doações feitas por pessoas jurídicas, o que ficou ainda mais evidente dois anos mais tarde com a edição da Lei das Eleições. Sobre essa transição, do modelo proibitivo à permissão com limites – ainda que inadequados –, vale recordar o registro feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da Medida Cautelar na ADI no 1.076-0/DF:

9. Dispensa comentários o rotundo fracasso dessa tentativa ingênua de expungir o financiamento das eleitorais do dinheiro da empresa privada: além da ineficácia notória, a vedação gerou o efeito perverso do acumpliciamento generalizado dos atores da vida política com a prática das contribuições empresariais clandestinas, frutos, na melhor das hipóteses, da sonegação fiscal.

10. Assim, como ocorrera na América, sob o estrépito do Watergate, era previsível que, também no Brasil, os escândalos dos últimos anos, universalizando a consciência da sua hipocrisia, sepultariam o velho modelo proibitivo.

As alterações na legislação eleitoral decorrentes dessa primeira leva de escândalos pós-redemocratização tiveram como principal objetivo tornar transparente algo que era de conhecimento geral, já que as empresas eram as grandes financiadoras das campanhas eleitorais, porém, impondo algumas restrições, muitas delas já existentes na legislação anterior, como a vedação a doações feitas por sindicatos, entidades de classe ou governos estrangeiros, por exemplo.[9]

Naquele momento, pareceu-se ter encontrado certo equilíbrio entre o que de fato acontecia nas campanhas eleitorais – novamente, há muito majoritariamente financiadas por empresas – com o que partidos políticos e candidatos apresentavam em suas prestações de contas à Justiça Eleitoral. A relação empresas x agentes políticos, antes mal disfarçadas na penumbra dos bastidores, estava exposta nos documentos públicos à disposição de todos nos processos de prestação de contas de campanha em trâmite na Justiça Eleitoral.

Entretanto, o passar do tempo demonstrou que a legislação eleitoral continha falhas graves quanto à regulamentação de arrecadação de recursos para campanhas, bem como no sistema de prestação de contas. Somada a esses fatores a atuação quase que exclusivamente cartorial[10] – de homologação – da Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas eleitorais até então, a conclusão óbvia no sentido de que faltavam limites objetivos à interferência do poder econômico no processo eleitoral era inescapável.

Cada vez mais o valor gasto em campanhas eleitorais aumentava, e aumentava significativamente, em progressão geométrica, a cada eleição, geral e municipal, sem que o cidadão sentisse maior confiança ou legitimidade na representação eleita a cada pleito disputado. Na verdade,

(...) nunca o comércio da política foi tão exacerbado e jamais os partidos políticos estiveram tão descaracterizados como representantes da opinião pública, ou de seguimentos sociais (...)[11]

Seguiram-se, então, algumas crises econômicas e escândalos de corrupção ‘localizados’[12], até que o STF iniciou o julgamento da AP470, até então o maior escândalo de corrupção da história recente do Brasil. Essencialmente, agentes políticos desviavam dinheiro público, a maior parte de empresas estatais, com a finalidade de locupletamento e compra de apoio político no Congresso Nacional.

O esquema envolvia, majoritariamente, membros do partido que ocupava a presidência e dos partidos que formavam a base de apoio ao governo. Entretanto, as investigações demonstraram que o know how do esquema de desvios fora adquirido anos antes no Estado de Minas Gerais, então governado por um membro do principal partido de oposição ao governo federal. Para piorar, o Governador do Distrito Federal foi filmado em cenas nada republicanas recebendo dinheiro vivo das mãos de um delator que havia confessado diversos crimes, inclusive os de corrupção ativa e passiva.

Em resumo: o partido que comandava o governo federal (junto com toda sua base de apoio) e os dois maiores partidos de oposição estavam juntos, todos tinham um ‘mensalão’ para chamar de seu. Outro ponto em comum: todos, com bastante naturalidade, justificavam (ou tentavam justificar) seus ilícitos ao argumento de que aqueles recursos nada mais eram do que “recursos não contabilizados de campanha eleitoral”, como se essa conduta não fosse grave. Como bem definiu o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso[13]

O mal-estar na sociedade, somado à overdose de informações sobre desmandos e corrupções que circulam em uma sociedade livre, colocou em xeque o arranjo político institucional. (...) Corrupção não é coisa nova no Brasil. (...) a corrupção não era, em geral, sistêmica, e sim um ato individual de conduta ou uma prática isolada de grupos políticos. Como o volume de recursos manejados pelo Estado era muito menor do que hoje, os casos de desvio de dinheiro público envolviam quantias muito menores. (...) De um lado, a política passou a custar cada vez mais caro e, de outro, as oportunidades de abocanhar recursos públicos se ampliaram. Um número reduzido de grandes empresas se apropriou dessas oportunidades, em conluio com a coalizão de partidos dominantes.

Foi nesse contexto, em que, de fato a sociedade clamava por mudanças – que não viriam do Congresso Nacional, diga-se – que o Conselho Federal da OAB propôs a ADI no 4.650/DF.

2.2 OS ARGUMENTOS DA OAB

Em sua petição inicial[14], a OAB se insurgiu contra os dispositivos legais que, à época vigentes, permitiam a doação de pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais, bem como contra a inexistência de limites de doações a partidos políticos e campanhas eleitorais por pessoas naturais.

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São quatro os fundamentos expostos na inicial: a) inadequação da intervenção do poder econômico nas eleições; b) violação ao princípio da igualdade; c) violação ao princípio democrático; e, d) violação ao princípio republicano.

O primeiro item, a inadequação da intervenção do poder econômico nas eleições, foi justificado essencialmente nas relações promíscuas entre empresas e agentes políticos que à época da propositura da ação já eram conhecidas, bem como na afirmação de que

As pessoas jurídicas são entidades artificiais criadas pelo Direito para facilitar o tráfego jurídico e social, e não cidadãos, com a legítima pretensão de participarem do processo político-eleitoral.[15]

O esgotamento da sociedade com a situação que à época se afigurava e ainda hoje se afigura é compreensível, porém, a afirmação parte da premissa de que não há interesse legítimo de uma pessoa jurídica participar do processo eleitoral. Nada mais errado.

Os direitos políticos podem ser exercidos ativamente (votando) ou passivamente (sendo votado). Por óbvio, não é concebível que uma “entidade artificial criada pelo Direito” possa exercer passivamente seus direitos políticos, seria inimaginável votar para eleger uma empresa como Presidente da República. Também não é possível que uma empresa pretenda exercer ativamente seus direitos políticos, ou seja, que essa “entidade artificial” queira, no dia da eleição, comparecer a uma seção eleitoral para depositar seus votos em uma urna.

Entretanto, os rumos do país, as diretrizes econômicas e sociais que serão seguidas pelos governantes, as medidas de incentivo ao crescimento que serão ou não adotadas pelo governo a depender de quem se eleja são sim de interesse dessa “entidade artificial”, cuja personalidade e patrimônio não se confundem, a não ser em casos de fraude, com a de seus sócios ou acionistas. Em seu voto no julgamento da ADI, em que acabou ficando vencido, o Ministro Teori Zavascki asseverou que não é ponto de discordância a necessidade de alteração do estado de coisas – referindo-se à sistemática de arrecadação, gastos e prestação de contas em campanhas eleitorais – e do marco legal das eleições, porém, ressaltou que

(...) nem por isso se pode concluir que as contribuições financeiras, só por serem de pessoas jurídicas, encontram óbice direto e frontal na Constituição. Afirma-se, como argumento central da inconstitucionalidade, que as pessoas jurídicas “não exercem cidadania”, pois não têm aptidão para votar. É, com o devido respeito, um argumento do qual não se pode extrair a radical conclusão de que a Constituição proíbe, terminantemente, o aporte de recursos a partidos políticos. A Constituição não faz, nem implicitamente, essa relação necessária entre capacidade de votar e habilitação para contribuir, até porque há também muitas pessoas naturais sem habilitação para votar e nem por isso estão proibidas de contribuir financeiramente para partidos e campanhas. É que o voto é apenas uma das variadas formas de participar da vida em sociedade e de influir para que a escolha de representantes políticos recaia sobre os mais eficientes e mais qualificados. As pessoas jurídicas, embora não votem, embora sejam entidades artificiais do ponto de vista material, ainda assim fazem parte da nossa realidade social, na qual desempenham papel importante e indispensável, inclusive como agentes econômicos, produtores de bens e serviços, geradores de empregos e de oportunidades de realização aos cidadãos.

Essa posição, infelizmente vencida no julgamento, é muito mais adequada e ponderada, considerando o que realmente estabelece o texto constitucional[16] acerca da matéria e sem se socorrer da retórica principialista, do que o restou decidido pela maioria da Corte. Em que pese a impossibilidade de exercício de direitos políticos por uma empresa, afirmar taxativamente que as eleições e o resultado delas não são de interesse legítimo das pessoas jurídicas é equivocado, apesar de claramente motivado no caso concreto pelo cansaço com a situação em que se encontra(va) o país.

Já a violação ao princípio da igualdade ocorreria porque a permissão legal para o financiamento privado de campanhas eleitorais estaria a exacerbar as desigualdades políticas e sociais do Brasil, já que permitiria aos detentores do poder econômico maior participação e influência no resultado da eleição. Para a OAB[17],

As pessoas físicas e jurídicas não são iguais perante a política. Estas não são cidadãos, que podem ter a pretensão legítima de exercer influência no processo político-eleitoral. As doações eleitorais por parte das pessoas naturais – desde que limitadas, de forma a não favorecer excessivamente os ricos - podem ser vistas como um instrumento legítimo à disposição do cidadão para participação na vida pública. O mesmo raciocínio não vale para as pessoas jurídicas. A doação para campanhas ou partidos se insere no sistema integrado pelos direitos políticos, que são restritos ao cidadão: não se trata de direito individual, passível de ser estendido também às pessoas jurídicas.

De novo, a premissa do argumento é a de que pessoas jurídicas não têm qualquer interesse ou legitimidade para intervir nas eleições. Novamente, nada mais equivocado. Basta refletir sobre os governos ruins que alguns Estados e municípios já tiveram e que o próprio país já teve: quantas empresas fecharam suas portas nesses governos, nos quais, em geral, as crises econômicas foram criadas ou potencializadas pela incompetência do príncipe de plantão? Não há, de fato, qualquer interesse que legitime a intervenção de uma empresa no processo eleitoral? Faltavam, e ainda faltam, limites legais e morais-legais melhor estabelecidos, e não legitimidade para as pessoas jurídicas participarem do processo eleitoral.

Adiante, a suposta violação ao princípio democrático decorreria do fato de que a Constituição atribuiu o mesmo valor a todos os votos, o tão (mal) festejado princípio do one person, one vote[18]. Segundo a argumentação expendida, como o financiamento privado potencializava a desigualdade entre os cidadãos, assegurando maiores chances de êxito aos que tivessem maior poder econômico ou ao menos intimidade com os detentores do poder econômico, o sistema político brasileiro havia se transformado em uma aristocracia, o governo das elites.

O argumento é falacioso. O próprio princípio one person, one vote não resiste a uma análise criteriosa de alguns fatores, como por exemplo a composição igualitária em número de representantes do Senado Federal e a fixação pela Constituição de um número mínimo e um número máximo de representantes por Estado na Câmara dos Deputados sem considerar efetivamente o número de habitantes ou ao menos eleitores das unidades da federação. Por causa dessas distorções, os representantes dos Estados que compõem as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde moram “apenas” 43% da população brasileira, ocupam 74% dos assentos do Senado Federal e 50,1% das cadeiras da Câmara dos Deputados[19].

Porém, o argumento se perde mesmo quando se constata que 98% das pessoas jurídicas do Brasil são micro e pequenas empresas[20], as quais operam, com raras exceções, com margem bastante pequena de lucro em relação ao faturamento, não podendo se dar ao luxo de fazer doações eleitorais – ao menos não em valores suficientes a eventualmente comprometer o equilíbrio de forças dos pleitos.

Por outro lado, há pessoas físicas que, em razão das grandes fortunas pessoais de que dispõem, poderiam interferir com maior vigor nas eleições do que 98% das pessoas jurídicas do Brasil. Para não citar personagens envolvidos em escândalos recentes, o empresário Rubens Ometto, Presidente do Conselho de Administração da Cosan, uma das maiores empresas do Brasil, com investimentos no agronegócio, combustíveis e logísticas, até o dia 14 de setembro, já fez doações eleitorais que totalizam R$ 5.780.000,00, faltando ainda 20 dias para as eleições. Na lista de agraciados há partidos políticos, candidatos a Deputado Federal, Deputado Estadual, Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador da República, enfim, basicamente todos os cargos em disputa. Curioso notar, ainda, que não existe identidade ideológica, já que foram destinados pelo empresário recursos a candidatos do Partido dos Trabalhadores, do Partido Socialista Brasileiro, do Movimento Democrático Brasileiro, do Democratas, do Partido da Social Democracia Brasileira, entre outros.[21]

Por fim, a violação ao princípio republicano ocorreria porque o sistema de financiamento privado de campanhas eleitorais fomenta a prática, por parte de agentes políticos, públicos e privados, de atos não-republicanos, culturalmente arraigadas no modo de agir de toda a nossa sociedade, marcada como um todo por condutas patrimonialistas. Na lógica do argumento, o candidato recebe a contribuição da empresa durante a campanha para, uma vez eleito, retribuir com algum tipo de favorecimento, a depender do cargo que estiver ocupando.

Sim, essa era, é e sempre será uma realidade da política, com ou sem financiamento privado de campanhas eleitorais[22]. Isso porque, como a própria OAB admitiu em sua peça, o patrimonialismo é um traço cultural da sociedade brasileira, não só da classe política. O reducionismo do argumento é sedutor e de fácil propagação porque a imensa maioria da população não se sente representada pela classe política, não entende o porquê da existência dos partidos políticos, desprezam os parlamentos e enxergam os governos, de qualquer viés ideológico, como “corruptos, injustos, burocráticos e opressivos”[23]

Insta observar, entretanto, que esses problemas são também dos partidos políticos e da classe política, e não só deles. Na verdade,

a acentuação do oportunismo partidário, a ausência de qualquer ideologia, princípio ou disciplina por parte de partidos e de políticos, não podem ser explicadas a partir de um enfoque apenas institucional, porquanto as instituições refletem uma totalidade social especificamente brasileira.[24]

Dito de outra maneira, é necessário  a OAB adotou o caminho mais fácil ao invés de enfrentar o problema real. O sistema de financiamento privado de campanhas precisava de regulamentação adequada e não ser proibido, como infelizmente acabou acontecendo e será abordado no próximo capítulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCIANI, FELIPE CASCAES SABINO. Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5830, 18 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74669. Acesso em: 21 nov. 2024.

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