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O direito ao anonimato dos doadores de material genético na reprodução assistida na contramão ao direito à identidade genética

O direito ao anonimato dos doadores de material genético na reprodução assistida na contramão ao direito à identidade genética

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Busca-se, através da conceituação dos institutos, confrontar os direitos que compõe o título sob o prisma da nova lei de proteção de dados (lei 13.709/18), observando as consequências jurídicas em caso de prevalência de um direito sobre o outro.

1. INTRODUÇÃO

O anonimato do doador de material genético é tema divergente na sociedade brasileira. O direito ao anonimato é, em breve síntese, a opção que os doadores de gametas possuem de ter a sua identidade preservada.

Em contrapartida a tal prerrogativa, há a existência de uma segunda que, quando confrontada diretamente com o anonimato do doador, acaba por divergir a doutrina e o entendimento dos tribunais.

O direito à informação da origem genética possui caráter fundamental, previsto nos ditames constitucionais e encontra-se ligado à dignidade da pessoa humana. Atribuiu-se o caráter constitucional a este dogma, a crença de que o conhecimento do gene está intimamente conectado com a personalidade do indivíduo e, por isso, merece o zelo constitucional.

Não faltam exemplos de filhos gerados através de reprodução assistida que buscam conhecer a identidade do doador de material genético. Recentemente, na Alemanha, o Tribunal Superior Estadual de Hamm julgou procedentes os pedidos de Sarah P., de 21 anos, para que seu médico dê informações sobre o doador de material genético, revelando a identidade do mesmo[1].

Da mesma sorte, um doador de sêmen foi convidado em 2017 para conhecer os supostos 19 filhos que possui ao redor do mundo. No programa estadunidense Inside Edition, o doador de 30 anos alegou que manteve relação de afeto com os filhos desde o momento em que os conheceu. Todavia, a maioria dos doadores prefere exercer o direito ao anonimato, gerando a controvérsia objeto da pesquisa[2].

Destarte, não há qualquer socorro na legislação pátria que resolva o problema criado quando os Direitos aqui tratados são confrontados. Por um lado, existe a tutela que o Estado deveria oferecer aos pais que pretendem utilizar deste meio de reprodução, tal qual para as clínicas e doadores de material que, notando a insegurança jurídica e os riscos de haverem prejudicados por revelar a identidade dos doadores, podem se sentir desestimuladas a continuar com a atividade e prejudicar o andamento da reprodução artificial.

Por outro lado, na legislação brasileira subsiste em forma de garantia oferecida pela Carta Magna, o direito do reproduzido de ter acesso ao seu DNA. Em resumo, todo indivíduo deveria, caso assim desejasse, ter informações sobre a forma como foi gerado e de onde podem ter advindo suas características físicas e emocionais.

Nesse sentido, pode ser levado em conta ainda que a criança gerada em nada tenha ligação com o método adotado pelos pais para a reprodução. Em uma análise superficial sobre o caso, pode-se afirmar que o indivíduo nascido através da fecundação artificial, in vitro, ou gestação por substituição em nada contribuiu ou contratou com o sigilo que seus pais e o doador de material genético optaram por salvaguardar quando da decisão de utilizar-se de tais técnicas.

Deste modo, o que se busca nesta pesquisa é contrapor os dois direitos tutelados, tentando resolver a problemática existente entre os dois institutos quando conflitados, levando em consideração as orientações adotadas pela doutrina e jurisprudência e a hierarquia de princípios.

Para isso é importante inicialmente tratar do conceito de reprodução assistida e seus mais variados métodos. A reprodução artificial, ou assistida, como popularmente chamada, trata da adoção de técnicas de auxílio para que pessoas possam vir a gerar filhos sem a utilização da fecundação naturalmente conhecida. Segundo Maria Helena Diniz: “reprodução humana assistida é um conjunto de operações pra unir, artificialmente, os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano”.[3]

A reprodução assistida divide-se primariamente em homóloga e heteróloga, sendo a primeira “aquela em que é usado somente o material biológico dos pais - pacientes das técnicas de reprodução assistida. Não há a doação por terceiro anônimo de material biológico (espermatozoide, óvulo ou embrião).” [4]

Essa, portanto, não se encontra afetada pela problemática descrita neste trabalho acadêmico, visto que em sendo os próprios pais biológicos os doadores do material, não há que se falar em direito ao sigilo ou qualquer prática que preserve a identidade destes, já que pressupõe, com a adoção da técnica, o desejo dos mesmos de virem a ser pais de forma pública, assumindo a responsabilidade de tal encargo e, por óbvio, a publicidade.

Já a reprodução heteróloga, objeto deste estudo, segundo o mesmo autor “se dá quando há a doação por terceiro anônimo de material biológico ou há a doação de embrião por casal anônimo. Podendo ainda “ser unilateral (material genético de um doador) ou bilateral (material genético de dois doadores ou doação de embrião)”[5].

Esta última, por envolver material genético de terceiro estranho à relação em que se pretende gerar o indivíduo, merece maior respaldo jurídico quanto às possibilidades e os efeitos da geração de determinada pessoa através deste método. Isto porque, com o advento da nova lei de proteção de dados em conjunto com as resoluções – que serão melhores tratadas abaixo – do Conselho Federal de Medicina, observar-se-á que o Brasil optou por seguir um modelo de proteção ao sigilo do doador de material genético em supremacia ao direito de reconhecimento da ascendência genética, o qual encontra ligação íntima com os direitos da personalidade citados na Constituição Federal e no Código Civil de 2002.

No entanto, há exemplos na América do Sul, como a Argentina, e na Europa, como a própria Alemanha e o Direito Português, de países que optaram na forma da lei por deixar um pouco menos em destaque a privacidade do doador, optando pela preferência de socorro à identidade genética.

Em que pese as leis de direito material estrangeiras se quer possuírem força normativa em território nacional, seu estudo mostra-se relevante como uma diretriz de inspiração para um possível preenchimento da lacuna jurídica atualmente existente com relação ao tema. Compreender como o direito alienígina trata o segmento da privacidade e da historicidade genética e quais princípios inerentes aos dois direitos são utilizados, poderá embasar futuras teses fundamentadas em princípios e regras comuns, para que se garanta um direito em razão do outro.

Ao decorrer do estudo desta pesquisa, serão explicitados os dois institutos que intitulam esta e, através da confrontação de ambos, poderá ser observado o impacto gerado pela legitimação do sigilo como direito absoluto do doador e as consequências deste quando não observado em conjunto ao direito à identidade genética


2. O DIREITO AO ANONIMATO

É sabido que a privacidade é tratada como Direito Fundamental intimamente ligado com as garantias individuais, sendo tema de diversos pactos internacionais e sofrendo a tutela do Estado das mais variadas formas. Neste capítulo, será discutido se a revelação da identidade do doador viola o Direito ao sigilo e como é realizada a proteção à intimidade do doador de material genética nas técnicas de reprodução heteróloga, abordando seus efeitos práticos e contextualização com as orientações do Conselho Federal de Medicina

De forma oposta à descoberta da origem genética por parte do reproduzido de forma assistida, encontra-se o Direito ao sigilo do doador de gametas. A Constituição Federal de 1988 optou por outorgar caráter pétreo e fundamental à intimidade e ao sigilo, como pode ser observado:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indeniz[6]ação pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (...)

XIXX - "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal"(...) (grifado do original)

A definição encontrada para sigilo no dicionário é de “algo que permanece escondido, em segredo. É a coisa ou fato que não pode se revelar ou divulgar”4. Portanto, aquele que opta pela realização de determinado ato sob a tutela do segredo, deduz esperar que tal ato, muito embora possa vir a público, preserve resquícios mínimos que ao menos garanta o sigilo de sua identidade.

É esperado, portanto, que haja vista as regras e termos que serão abaixo tratadas, que ao ser doado o material genético com o fim de reprodução assistida, seja o mesmo preservado de maneira confidencial, ou que, caso venha a ser objeto de flexibilização, esta não venha a ser absoluta, restringindo-se aos dados suficientes apenas para identificar fatores que possam auxiliar o reproduzido ou a medicina a solucionar ameaças à saúde ou informações relevantes relativas ao DNA do indivíduo, mas nunca sua real identidade.

É relevante destacar ainda que o doador de material genético o faz de forma voluntária, sem esperar qualquer ônus ou recompensa por aquela ação, portanto, trata-se de manifestação gratuita, voluntária e discricionária do agente que opta por prestar determinado serviço à sociedade em razão de suas crenças e vontades. Tal caráter do ato de doação pressupõe mais ainda a necessidade de se regular as relações entre os doadores de material genético e os demais envolvidos pelo princípio da boa-fé objetiva, o que será observado neste trabalho.

No entanto, não só a Constituição destacou o direito aqui discutido como primordial, mas também o entendimento de tribunais superiores e de autores que tratam o sigilo como irrevogável, isto se mostra tanto em ações cíveis que envolvem, por exemplo, o sigilo bancário, como a já consolidada necessidade de autorização judicial para violação da intimidade, ainda que para buscar prova essencial para a solução do caso.

Por analogia ao sigilo que aqui se busca tutelar, pode-se dizer que a jurisprudência[7] dos tribunais superiores tem dado fim ao sigilo somente nos casos em que a situação se mostra extrema, quando, além de indispensável para a solução do conflito, mostra-se ser a única e exclusiva forma de se obter o resultado pretendido. O exemplo do que se alega, em paralelo ao Direito Penal, pode ser invocada a lei de interceptações (Lei 9.296/96) que exige em condição para que haja a violação da intimidade do agente, além dos requisitos mínimos, que aquela seja a única forma de se alcançar a prova de autoria, sob pena de nulidade.

Esta análise analógica nos leva a crer que o Estado vem tutelando a intimidade como um bem quase absoluto e que nos diversos ramos do Direito a privacidade é tratada como garantia individual irrevogável, devendo o agente buscar de outros meios para solucionar o que procura e, tão somente em último caso, mediante autorização judicial, quebrar o sigilo pretendido.

Nota-se que, muito embora o direito ao sigilo e intimidade não seja absoluto pois, como já discutido, o mesmo comporta relativizações somente em casos que se mostram extraordinários, a resolução 2.168/2017 revogou a antiga resolução CFM nº 2.121/2015, no entanto manteve as mesmas garantias e deveres tratados por suas anteriores com relação à preservação da identidade dos doadores.

“Item IV – DA DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES:

2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa (...)

“(...) 4 - Será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).(...)

(...) 5- As clínicas, centros ou serviços onde é feita a doação devem manter, de forma permanente, um registro com dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com legislação vigente.(...)”

Ao que parece, a posição do Conselho Federal de Medicina, ao resolver publicar esta resolução, é a de proteção ao doador de material genético, obrigando as clínicas tão somente a manter de forma permanente, dados suficientes para que eventual situação especial seja suprida.

Esta clara preocupação com os efeitos posteriores à inseminação artificial ensejou a optativa do Conselho Federal de Medicina por determinar a manutenção permanente dos “dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores”, sendo tal determinação uma evidente possibilidade de flexibilização do sigilo de que trata o capítulo. Noutro giro, ainda que não possa alegar que tal direito seja de fato um instituto absoluto, a exceção acima trazida, é relativa, ou seja, ainda que a clínica esteja obrigada, segundo a norma do CFM, em manter sob sua guarda alguns dados do doador, estes mostram-se insuficientes para a descoberta da história do indivíduo reproduzido através de inseminação heteróloga e harmoniza com os princípios e ditames da medicina, que priorizam tão somente a guarda de dados suficientes para que eventuais descobertas relacionadas à própria medicina possam vir a ser resolvidas através da obtenção dos dados guardados.

Muito embora a proteção à identidade do doador possa vir a ocasionar diversos constrangimentos como a possibilidade de incesto involuntário, que ocorre quando dois indivíduos sem ter o conhecimento de que ambas as concepções foram geradas através da doação do mesmo doador, ou seja, quando ambos não têm a notícia de serem biologicamente irmãos, acabam por manter uma relação afetiva involuntária, o Conselho Federal de Medicina mais uma vez buscou solucionar a controvérsia priorizando a diminuição da possibilidade da ocorrência do incesto, em desfavor da extinção da confidencialidade. O entendimento do órgão é de que seria mais correto diminuir o número de doação de gametas para um mesmo doador na mesma região, do que violar a confidencialidade do ato de doação de material genético.

Isto mostra-se evidente quando, em recente alteração, limitou que o mesmo doador produza mais de duas gestações de crianças de sexos diferentes em uma área de um milhão de habitantes. Novamente, nota-se que embora a possibilidade de um incesto involuntário seja conhecida, o órgão optou por reduzir as chances deste, ao invés de violar o direito fundamental ao sigilo, consolidando o entendimento de que, no Brasil, prefere-se a prática da proteção aos dados em supremacia a qualquer outro direito, como pode ser observado:

“Item IV – DA DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES:

6. Na  região  de  localização  da  unidade,  o  registro  dos  nascimentos  evitará  que  um(a) doador(a) tenha produzido mais de duas gestações de crianças de sexos diferentes em uma  área  de  um  milhão  de  habitantes.  Um(a)  mesmo(a)  doador(a)  poderá  contribuir com quantas gestações forem desejadas, desde que em uma mesma família receptora.”[8]

É necessário, ao observar a flexibilização de tal direito, que a mesma parece ser cabível tão somente mediante uma ameaça de doença, má-formação ou semelhante problema genético oriundo da técnica de reprodução adotada, passível de obtenção de solução através do conhecimento da genética do doador. Observa-se pelo texto da resolução acima colacionado que a violação da identidade é permitida tão somente para médicos, com finalidade específica e em situações especiais, excluindo, via de regra, a possibilidade de o indivíduo comum obter tal informação alegando o direito à identidade genética.

O que se busca através da Resolução 2.168/2017 é salvaguardar o Direito ao sigilo do doador, mantendo em poder das clínicas de reprodução somente os dados suficientes para que seja de conhecimento médico as características do indivíduo e de seu material genético, caso o reproduzido venha a passar por qualquer eventualidade que o faça necessitar de tal informação.

Portanto, ainda que violada a prerrogativa de segredo do doador, a mesma, frente a terceiros, permaneceria intacta, haja vista o artigo 102 do Código de Ética Médica tratar de forma explícita da proibição do médico de revelar fatos de que tenha conhecimento, em qualquer tempo ou modo, garantindo pelas resoluções e entendimentos médicos pela supremacia da inviolabilidade do doador.

“É vedado ao médico:

Art. 102 - Revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.

Parágrafo único - Permanece essa proibição:

a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido.

b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.“

Neste cenário, diante do aumento significativo de dados privados em poder de sites e redes sem que houvesse o conhecimento dos usuários, e visando não só proteger, mas também garantir o acesso à quantidade de dados que determinado servidor possui sobre certa pessoa, criou-se a lei de proteção de dados pessoais (lei nº 13.709/2018). O fato de o Brasil editar lei visando a proteção de dados de pessoas e determinando que as empresas detentoras de tais informações ajam com maior transparência para com o material armanezado seguiu uma frequente mundial de países que eram separados em dois grupos: os que possuíam e os que não possuíam lei interna de proteção de dados.

Frisa-se que esta corrente deu-se pelo aumento significativo de reclamações de consumidores [9] com relação a uso indevido de dados em poder de empresas. Pode ser observado que a aplicabilidade de tal legislação faz-se mais evidente no Direito do Consumidor, com normas protetivas que garantem ao homem médio escolher como e quais dados as pessoas jurídicas com quem contrata pode obter, e ter acesso à estas informações de forma clara, a qualquer momento.

Pelo que se mostra, não houve cuidado do legislador em aplicar a lei de proteção em conjunto ao direito à personalidade da identidade genética. Ora, a lei trata como dado anonimizado, aquele que é : “relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento (...)”.

Tal definição se aperfeiçoa com a definição de dado do doador de material genético pois, muito embora as clínicas de reprodução assistidas estejam obrigadas a salvaguardar os dados acerca da utilização do doador, esta necessidade, pelo que demonstra a resolução do Conselho Federal de Medicina, não necessita conter a qualificação completa do indivíduo, mas somente meios capazes de identificar a característica física e genética do doador, enquadrando-se, via de regra, na hipótese legal retro citada.

Nota-se que muito embora a norma em comento tenha sido criada afim de resguardar a obtenção, uso e comercialização de dados de terceiro que possam vir a prejudicar a privacidade, esta parece ter alguma intimidade com o sigilo do doador de gameta e a identidade do reproduzido.

Em que pese a Lei de Proteção de Dados versar expressamente que os chamados dados anonimizados “não são considerados dados pessoais para os fins específicos desta legislação”[10] esta mesma lei revoga tal carater se esta condição foi possível de reversão através de processo de anonimização, quando então, estaríamos diante de um dado pessoal sensível, objeto de maior tutela dada pela norma. Cuida-se então que, em havendo a descaracterização da anonimidade dos dados ora citados, estes passariam a vigorar sob a tutela da lei de proteção de dados, garantindo o caráter de sigiloso e somente poderão ser violados nas ocorrências taxativas trazidas pela própria lei.

A possibilidade de tratamento, ou seja, de utilização do dado pessoal sensível somente seria possível, na vigência da lei, nos casos em que houvesse consentimento do titular, cumprimento de obrigação legal ou regulatória do controlador, realização de estudos por órgãos de pesquisa, para o exercício regular de direitos em processos judiciais, administrativos ou arbitrais, para proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; para tutela da saúde, com procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias[11], dentre outras hipóteses trazidas pela letra da lei que não comportam utilização no dirieto aqui adotado.

Resta demonstrada, portanto, a pretensão do legislador em manter em sigilo o dado daquele que não consentiu com a sua divulgação, salvo nos casos em que houver autorização judicial, ou iminente perigo de vida. A ausência de regra que determina a divulgação do dado ao interessado em obtê-lo sob justificativa de busca por histórico familiar, ou do próprio conhecimento de seu DNA, demonstra uma tendência em não equiparar o direito à identidade como fundamental e ligado à personalidade humana, tal como uma proteção irrevogável à intimidade.

Vale mencionar ainda que, no caso concreto, os contratos celebrados entre as clínicas de reprodução assistida e seus doadores, assim como os contratos efetuados entre estas mesmas e os pais que desejam usufruir de tais técnicas contêm cláusula de sigilo de nome do doador, acalorando ainda mais a discussão acerca do tema.

Dentre os que defendem de forma absoluta a superioridade do sigilo, há como argumento principal o fato de caso regulada a possibilidade do acesso à informação do doador, venha este fator causar impacto e prejudicar o número de adotantes da prática de reprodução assistida, prejudicando os pais que biologicamente não possuírem condições de gerar por contra própria uma criança. De acordo com esse pensamento, prioriza-se a relação jurídica entre as pessoas já existentes. Segundo estes, seria preferível tutelar direitos de pessoas que já existem e já gozam de garantias individuais, como o direito à família, à tecnologia e ao livre exercício de contratar em detrimento aos direitos de indivíduos que se quer foram gerados, e que não se sabe se precisarão ou farão jus à violabilidade do sigilo em momento futuro.

No entanto, é possível encontrar de forma abundante autores que, ao contrário das regras já expostas, defendem a flexibilização do sigilo quando houver possibilidade de tal segredo importar em violação de direito fundamental do indivíduo gerado de maneira  assistida. De acordo com a autora e magistrada Mônica Aguiar, que em 2005 tratou o biodireito e o direito a filiação de forma unitária, buscando a verdade real sobre o vínculo da filiação:

“(...) o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens.”[12]

De acordo com esta parte da doutrina existe a possibilidade de desconsideração do sigilo, sendo o indivíduo gerado o único capaz de postular por esta quebra de confidencialidade por fundada razão, não dependendo esta de ser exclusivamente ligada ao risco à saúde.

Deste modo, pode ser notado que no Direito Brasileiro o sigilo do doador de material genético é tratado como algo absoluto e blindado pelas diretrizes que regem as normas da prática de reprodução assistida, e pelo dever de sigilo do profissional de medicina. Observa-se que há uma prioridade em ofertar e proteger serviços de inseminação artificial, garantindo o segredo de identidade ao doador como prerrogativa de continuidade de tais serviços.

Em que pese não haver na legislação brasileira qualquer norma legal que se posicione com clareza a respeito da problemática narrada, a busca por resoluções e entendimentos que, muito embora não possuam força de lei, acabam por obrigando clínicas e profissionais capazes de realizar reprodução assistida, parece ser mais favorável ao sigilo do doador, recepcionando a inviolabilidade de dados contida na Carta Magna de 1988 de forma mais abrangente que os direitos à personalidade e o direito à identidade genética, este que encontra dificuldade de avantajar-se frente ao outro, frente o exposto acima.

Posteriormente, observar-se-á que o direito ao reconhecimento da ascendência genética pode comportar exceção ao instituto ora abordado e, em que pese a proteção dada pela Medicina ao sigilo, conforme tratado neste capítulo, as linhas seguintes demonstrarão que a proteção à intimidade do doador pode e deve comportar exceção, deixando de tratar o segredo de informação como algo imperioso, dando lugar a direito fundamental tão relevante quanto à proteção de dados – a personalidade da pessoa e o direito de conhecimento de sua origem genética.


3. DA IDENTIDADE GENÉTICA

  Na contramão de todo o alegado por ora nesta pesquisa, encontra-se o já citado instituto do direito ao reconhecimento à ascendência genética. Em outras palavras, pretende-se neste capítulo averiguar um possível direito do indivíduo gerado artificialmente, em valer-se da quebra do sigilo de identidade do doador para que possa ter acesso à informações referentes à sua cadeia gênica.

           Equivocadamente, existe a ideia de que o conhecimento da origem genética do indivíduo seria uma espécie de direito supérfluo, já que, em sendo o reproduzido criado e assistido por seus pais, não existiria qualquer necessidade de o mesmo possuir acesso ao conhecimento de sua filiação, sob a alegação de que afetaria sentimentalmente os pais de fato do indivíduo, podendo tal busca vir a causar danos na estrutura familiar. Além da não constatação de danos na estrutura familiar, pode-se dizer que o indivíduo não só é uma cadeia de DNA, mas que há vários outros fatores que são relevantes para a constituição do eu do indivídio. A busca por apenas um destes, não prejudica os demais, tampouco poderá ter o condão de abalar a relação familiar já existente. Nesse seguimento:

“Cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode reduzir a identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é constituída pela intervenção de complexos factores educativos, ambientais e pessoais, bem como de relações afectivas, sociais, espirituais e culturais com outros indivíduos, e implica um elemento de liberdade”

           No entanto, ressalvadas as questões familiares envoltas com o problema em comento, o acesso à identidade genética supera a alegação de mera busca sentimental ou simples curiosidade do indivíduo, já que o conhecimento do gene do mesmo pode auxiliar significativamente em casos de problemas de saúde por histórico familiar, transplantes e doação de órgãos, e ainda, a busca pela história do gene do indivíduo simboliza também em que grupo étnico, societário o mesmo se encontra, levando este a ter maior conhecimento sobre si. A busca pela árvore genealógica merece o cuidado e proteção do Estado, devendo este garantir meios para que o reproduzido de forma assistida possa ter acesso às informações sobre seus ascendentes.

          Dentre os impactos que podem advir da não observância de tal direito, existe, além dos diversos problemas relacionados à saúde do reproduzido acima mencionados, a possibilidade do mesmo involuntariamente estar afetando valores morais repugnados socialmente e até pelo próprio. Ainda que não seja comum, não se pode afastar a possibilidade de tal desconhecimento acarretar uma relação incestuosa.

         A título de exemplo, na França, no ano de 2009, os pais de Audrey Kermalvezen omitiram até a data de seu casamento que a mesma havia sido gerada através da reprodução assistida heteróloga. Ocorre que ela se casara com outro indivíduo gerado da mesma maneira, nascido na mesma região e em época similar. Ambos, sem conhecimento de sua ascendência genética passaram a temer pela prática de estarem se relacionando e, sem que houvesse conhecimento, fossem irmãos. O casal então buscou o direito à identidade genética dos dois para que se pudesse verificar se é o caso de prática de incesto involuntário, todavia, o acesso à identidade do doador de material genético segue o mesmo padrão adotado no Brasil, e a informação vem sendo objeto de decisões denegatórias.[13]

          Observa-se que a negatória de tal direito afeta o indivíduo em sua intimidade de variadas formas. Não é crível que a dúvida de se estar ou não em uma relação incestuosa possa ser tratada como algo passível de sofrer flexibilização, pois afeta a saúde mental e a dúvida sobre o próprio eu do indivíduo, sendo, por esta razão, devida a interpretação do reconhecimento à ascendência gênica ser tratada como direito e garantia fundamental de todos.

Neste sentido, deve ser afirmado cristalinamente que o reconhecimento da ascendência biológica encontra ligação direta com o conhecimento do indivíduo como um todo, ou seja, é própria da personalidade do indivíduo. A busca por tal informação se traduz na vontade do indivíduo gerado através de reprodução assistida em conhecer a sua origem. A caça por tal direito está relacionada à procura por um norte que dê orientações ao reproduzido capaz de inundá-lo com conhecimento de sua própria linhagem, com a finalidade de que eventuais dúvidas sobre si mesmo sejam sanadas.

O conhecimento da ascensão genética transcende ao próprio direito aqui tratado, podendo ser encaixado no rol dos direitos a personalidade que, na definição de Maria Helena Diniz:

“[...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens”[14]

Nota-se que de acordo com a autora, a personalidade não é um Direito singular, mas sim um conjunto de outros Direitos que somados compõem a personalidade do indivíduo. Não é possível taxar um rol que elenque a composição do que é ou não inerente à personalidade da pessoa, visto que esta possui caráter subjetivo, devendo o próprio indivíduo realizar o juízo de valor e em casos de necessidade, valer-se da tutela do Estado para garantir o conhecimento daquilo que entende fazer parte de sua personalidade. Neste sentido, a autora Maria Celina Bodin de Moraes compactua com a não taxatividade dos Direitos da personalidade, senão vejamos:

“A polêmica acerca dos direitos humanos, ou dos direitos da personalidade, refere-se à necessidade de normatização dos direitos das pessoas em prol da concretude do princípio da dignidade humana e ao modo de melhor tutelar essa necessidade, onde quer que se faça presente. Toma-se aqui, e desde logo, posição acerca da questão da tipicidade ou atipicidade dos direitos da personalidade. Não há mais que se discutir sobre uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos direitos da personalidade, já que se está em presença, a partir do princípio constitucional da dignidade, de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana.

Por outro lado, tampouco há que se falar exclusivamente em “direitos” (subjetivos) da personalidade, mesmo se atípicos, porque a personalidade humana não se realiza apenas através de direitos subjetivos, mas através de uma complexidade de situações jurídicas subjetivas que podem apresentar-se, como já referido, sob as mais diversas configurações: como poder jurídico, como direito potestativo, como interesse legítimo, pretensão, autoridade parental, faculdade, ônus, estado – enfim, como qualquer circustância juridicamente relevante” [15]

Pretende-se ao elencar a identidade genética como um membro do direito da personalidade, atribuir o caráter irrevogável oferecido pelo artigo 11 do Código Civil de 2002 ao direito ao gene. A lei citada trata os direitos da personalidade como “(...) intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”[16]. Por si só, ao aproximar o conhecimento à ascendência gênia aos direitos inerentes à personalidade do indivíduo, já é possível afastar qualquer relativização a estes Direitos, salvo nos casos em que a lei falar o contrário.

Por lógica, ao enquadrar o acesso à identidade genética como direito próprio da personalidade do indivíduo, pouco importaria as regras protetivas do Conselho Federal de Medicina, já que a mitigação da personalidade, como informa o caput do dispositivo legal já citado, somente poderia ser mitigada por força de lei. No entanto, ao que parece, o Brasil não vem adotando tal entendimento, o que se mostra evidente nas recentes alterações dos Provimentos do Conselho Nacional de Justiça.

Ora, o provimento CNJ nº 52/2016, de 14 de março de 2016 que trata sobre reprodução assistida versava sobre os documentos indispensáveis para fins de registro e emissão da certidão de nascimento do recém-nascido. De acordo com tal provimento, era indispensável, além da declaração de nascido vivo e documento que comprove o vínculo dos pais da criança reproduzida, uma “declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a técnica adotada, o nome do doador ou da doadora, com registro de seus dados clínicos de caráter geral e características fenotípicas, assim como o nome dos seus beneficiários”[17], o que facilitaria e viabilizaria de forma mais rápida e eficaz o conhecimento da ascendência da pessoa gerada, bastando um simples requerimento à clínica de reprodução para que as informações como nome e características fossem disponibilizadas.

Todavia, confirmando a aparência de que o Brasil ofertou certa preferência ao sigilo do doador, o provimento seguinte (n. 63, de 14 de Novembro de 2017) alterou a regra anterior, retirando a necessidade de apresentação do nome do doador ou da doadora, como observa-se na transcrição abaixo:

“Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:

(...)

II - declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;”[18]

Nota-se com a recente modificação a não observância dos princípios norteadores da personalidade humana, quais sejam, a irrenunciabilidade e a intransmissibilidade destes, ou que, pelo menos, o Brasil não recepcionou o direito ao reconhecimento da identidade genética como direito da personalidade do indivíduo. Ao retirar a necessidade de constar no histórico da clínica o nome do doador de material genética, o CNJ mostra-se favorável ao segredo como forma absoluta, excusando as clínicas de reprodução assistida de manterem registros das reproduções efetuadas, sendo necessária maior empreitada para que se chegue ao resultado pretendido, já que somente portando a informação do material genético do doador, a criança gerada em tese deveria valer-se de técnicas que, através das informações mantidas na clínica, pudesse chegar à identidade do cedente de DNA.

Por outro lado, de forma diferente ao que parece entender as normas pátrias, o Direito Argentino decidiu por positivar a possibilidade da pessoa gerada de forma assistida buscar, no socorro da lei, a informação que entender relevante para a compreensão sobre si mesmo., versando da seguinte maneira:

“Artigo 563. - Direito à informação de pessoas nascidas por técnicas de reprodução assistida. As informações relacionadas ao fato de a pessoa ter nascido por meio do uso de técnicas de reprodução humana auxiliadas com gametas de um terceiro devem ser incluídas no arquivo básico correspondente para o registro de nascimento. (tradução nossa [1])[19]

O artigo seguinte da mesma legislação alienígena nos mostra ainda que em outras partes do globo o direito ao conhecimento do DNA vai além, bastando nos casos em que a informação se mostrar relevante para a saúde das pessoas nascidas através da técnica de reprodução, uma simples petição direcionada à clínica que efetivou o procedimento, e ainda versando na alínea “b” sobre a possibilidade da quebra do sigilo ser efetuada pela autoridade judicial pelo procedimento mais breve que a lei local prever, sempre que houver fundada razão, mediante pode ser observado:

"ARTIGO 564. - Conteúdo da informação. A pedido de pessoas nascidas através de técnicas de reprodução humana assistida, você pode:

a) obter informações do centro de saúde interveniente em relação à informação médica do doador, quando for relevante para a saúde;

b) revelar a identidade do doador, por razões devidamente fundamentadas, avaliadas pela autoridade judicial pelo procedimento mais curto previsto pela legislação local." (tradução nossa) [2][20]

Novamente buscando o socorro do entendimento de Tribunais estrangeiros, mostra-se uma pré disposição de normas alienígenas em estabelecerem parâmetros que garantem o acesso à informação genética em um patamar de direito da personalidade do indivíduo, sendo inafetável até mesmo por força de lei. Em Portugal, o autor Vital Moreira Gomes Canotilho trata o instituto tratado neste capítulo como direito à historicidade pessoal:

“O direito à historicidade pessoal designa o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (cfr. Ac. TC n.º 157/05), podendo fundamentar, por exemplo, um direito à investigação da paternidade ou da maternidade, mesmo em alguns casos em que, prima facie, a lei parece estabelecer a preclusão do direito de acionar nas ações de investigação de paternidade (cfr. Acs TC n.ºs 456/03, 525/03 e 486/04). Problemático é saber se isso implica necessariamente um direito ao conhecimento da progenitura, o que levanta dificuldades no caso do regime tradicional da adoção e também, mais recentemente, nos casos de inseminação artificial heteróloga e nos casos das «mães de aluguer». Neste sentido, o direito à identidade pessoal postularia mesmo o direito à identidade genética como seu substituto” – GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª Ed. (2007), Vol. I, p. 463.”

No país luso restou para o Tribunal Constitucional decidir sobre a constitucionalidade de lei (Lei n.º 32/2006, de 26 de julho - Lei da Procriação Medicamente Assistida – “LPMA”) que adotou como regra nas técnicas de reprodução o sigilo do doador. O acórdão nº 225/2018 de relatoria do conselheiro Pedro Machete merece destaque no estudo desta pesquisa pois aborda de forma catefórica o objeto de estudo aqui discutido.

Ressalta-se que no que tange os direitos constitucionais ao sigilo e à identidade genética o Direito Portuguûes bastante se assemelha à constituição pátria. Em ambos, é possível observar a proteção e constitucionalidade dada aos dois institutos por serem inerentes à própria pessoa humana, porém pode ser notado que há uma frequente em optar pela proteção majoritária ao sigilo. No entanto, ainda que seja demasiadamente relevante a garantia de preservação da privacidade do indivíduo, ao ser essa confrontada com outro Direito fundamental, deve a mesma ser tratada como exceção, e não regra, conforme entendeu o tribunal luso aqui mencionado:

“A questão que se coloca é então a de saber, não se é constitucional um regime legal de total anonimato do dador, mas se é constitucional estabelecer como regra o anonimato dos dadores e como exceção a possibilidade de conhecimento da sua identidade. Está em jogo o peso relativo que o direito à identidade pessoal merece e a importância que a lei lhe dá no regime que institui vis a vis o direito a constituir família e o direito à intimidade da vida privada e familiar. Importa, pois, perceber se as restrições que se consagram respeitam, ou não, o princípio da proporcionalidade, tal como decorre do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.”[21]

Pode ser notado que o socorro da jurisprudência estrangeira dado através do acórdão mostra que não é repugnável a adoção de um sistema que opcione pela privacidade do doador. Entretanto, esta privacidade deve comportar exceção sempre que confrontada com o direito à ascendência genética do indivíduo sob pena de separarmos indivíduos em dois grupos: os que possuem conhecimento de sua cadeia genética e aqueles que não.

Tal separação evidencia uma discriminação entre indivíduos reproduzidos naturalmente, ou através de reprodução assistida homóloga daqueles provenientes de técnicas heterólogas que carregariam o encargo de não possuírem acesso à ascendência genealógica pelo simples fato de serem reproduzidos por maneiras que se quer foi passível de escolha dos mesmos.

O Direito brasileiro se aproxima mais do entendimento do jurista Cristiano Chaves de Farias que categoricamente afirma poder o anonimato merecer flexibilização “em casos nos quais se justifique em nome de interesses maiores, como, e. G., na hipótese de tratamento de saúde que necessite, entendemos possível quebrar o sigilo, através de decisão judicial”[22]

Neste sentido, ainda Guilherme Calmon Nogueira

“Mesmo para aqueles que consideram o anonimato em caráter absoluto, tal afirmação deve necessariamente ceder a interessesm aiores que se revelam pelo risco concreto de doenças hereditárias ou genética que podem ser prevenidas ou mais bem tratadas em relação à pessoa concebida com o auxílio de técnica de reprodução assistida geteróloga. Não há como reconhecer que o anonimato do doador possa prevalecer perante a iminente lesao à vida ou à higidez físico-corporal da pessoa que foi gerada com material fecundante do primeiro.”[23]

Todavia, o acolhimento desta corrente, em que pese parecer positivo por considerar a flexibilização ao sigilo frente a um interesse maior da criança, mostra-se ultrapassado quando comparado com o direito estrangeiro. Isto porque a mitigância de tal direito tão somente quando ocorrer a comprovação de interesse maior viola o caráter fundamental e irrenunciável do direito a personalidade.

Ora, o conhecimento da história familiar do indivíduo é direito potestativo, sendo prerrogativa de qualquer ser humano obter informações sobre sua etnia, ascendência, histórico familiar e forma que foi gerado. A prevalência do direito à identidade genética não implica em diminuição ou possível diminuição do direito também constitucional em constituir família, visto que este foi concretizado com a própria realização da técnica de reprodução. Nota-se que o que é discutido não é a  responsabilidade familiar ou o conceito de família, já que este é inteiramente subjetivo e será objeto de estudo no capítulo seguinte, a análise a ser realizada quando um instituto for contraposto ao outro, é a posterior ao nascimento da criança que, pelo princípio da igualdade, passa a ser detentora de direitos tal qual todos os indivíduos, inclusive ao conhecimento de sua árvore genealógica.

Por isso, deve ser considerada atrasada a doutrina que justifica a quebra do sigilo somente nos casos em que mostrar justificável, por conta de interesse maior, por parte do reproduzido. Melhor soa a ideia trazida pela autora Mônica Aguiar que condiz com os entendimentos internacionais colacionados e aproxima a identidade de gene aos direitos da personalidade:

“(...) o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens”.[24]

Busca-se através de tal entendimento a proteção à parte mais sensível da relação jurídica instaurada, outorgando à pessoa que resultou da técnica de reprodução o direito personalíssimo de buscar o acesso à sua informação gênica através de direito potestativo próprio, por mero acesso à sua história, visando o resguardo de sua existência, ou ainda pela proteção contra possíveis doenças hereditárias. Parece perfeito o entendimento adotado, já que mantém o sigilo do doador como absoluto perante terceiros, porém faculta à pessoa reproduzida de forma heteróloga a possibilidade de conhecer a sua própria identidade, sem que os laços com a sua família de fato sejam perdidos.

Por conseguinte, é legítimo afirmar que parece mais assertiva a colocação que possibilita à criança gerada por técnica de reprodução heteróloga o acesso à informações relativas ao seu gene, tratando o sigilo do doador como absoluto perante terceiros, porém ineficaz frente à própria pessoa gerada, tendo em vista que o Direito pleiteado transcende a qualquer outro, pois ligado a própria característa e existência do indivíduo. No entanto, o direito à ascendência genética no Brasil trata-se como exceção à regra do anonimato, o que parece enfraquecer este primeiro, já que as resoluções do Conselho Federal de Medicina, somado ao próprio Código de Ética Médica deixam evidente que a identidade genética no Brasil é praticamente inexistosa.

Isto porque, a criança gerada se quer poderá ter acesso à informação obtida pelo profissional de medicina, visto que o próprio Código de Ética veda tal transmissão. Não bastasse, as clínicas de reprodução encontram-se obrigadas tão somente a arquivar as características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, que somente serão disponibilizadas aos médicos, o que mostra total ignorância ao direito à identidade genética.

No cenário nacional, o indivíduo gerado através desta técnica carrega o peso de poder conhecer tão somente características suficientes para prevenir ou remediar um problema genético de saúde e caso queira conhecer sua origem familiar esta só restará possível nos casos em que se demonstrar haver uma doença genética, e o conhecimento não será integral, visto que as informações relevantes para solução da doença ficarão tão somente em poder do médico do indivíduo reproduzido.

Parece injusta a diferenciação que a lacuna existente cria para aqueles que foram gerados de forma assistida heteróloga. A criação de um determinado grupo de pessoas fadadas a desconhecerem até o fim dos tempos a sua origem genética, é situação capaz de violar o princípio da igualdade humana, colocando pessoas iguais em patamares diferentes de conhecimento sobre a própria ascenção.

O direito brasileiro ao adotar tal entendimento parece querer evitar uma possível responsabilização das clínicas ao contratarem abordando o sigilo do doador e, vendo-se obrigada a ceder frente ao sigilo contraído, acabar por lesionar o doador de material genético. Parece também haver uma busca em oferecer proteção à família de fato do indivíduo gerado, escusando o terceiro que somente contribuiu com o material genético de responsabilidade familiar através do desconhecimento total de quem seria este. No entanto, nas linhas seguintes poderá ser notado que aparenta ser desproporcional a adoção absoluta de proteção ao sigilo sob este prisma visto que o próprio ordenamento jurídico brasileiro trata da responsabilidade familiar e civil.


4. A RESPONSABILIDADE CIVIL E FAMILIAR

A norma pátria optou por dar certa prioridade à proteção da vida privada. Ao que parece que há certo receio do legislador em prejudicar a utilização das técnicas de reprodução, caso haja expressa possibilidade de flexibilização do sigilo do doador. A falta de socorro normativo leva não só a dúvida da prevalência de um direito em relação ao outro, como também do tipo de responsabilidade a ser apurada nos casos de violação de um ou outro instituto.

Neste sentido, há de ser lembrado os diferentes tipos de responsabilidade que envolvem a problemática jurídica narrada. Inicialmente, é importante mencionar que responsabilidade civil e a familiar em nada guardam relação. A primeira é o dever de reparar o dano em razão de um ato ilícito praticado contra outrem, observados certos requisitos e a outra encontra relação com a existência de uma conexão sócioafetiva entre um indivíduo e outro capaz de gerar vínculo familiar e, portanto, responsabilidade.

No entanto, ambas as espécies de responsabilidade trazidas necessitam preencher certos requisitos afim de que seja apurada se de fato há o dever de reparar no caso da responsabilidade civil e de subsistência, afeto e guarda como no caso da responsabilidade familiar, para isso necessário é realizar, de forma preliminar, a conceituação dos dois institutos de forma individual, afim de que as peculiaridades de cada um sejam devidamente observadas.

4.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CLÍNICAS

Em um paralelo com o que é objeto de pesquisa deste trabalho, busca aqui não só conceituar o instituto da responsabilidade civil, mas também traçar relações deste com a responsabilidade e dever da clínica de manter o sigilo do doador.

De forma diversa do Direito argentino, o qual contem de forma expressa em sua legislação civil, como nos já mencionados artigos 583 e 584 do referido diploma da Argentina, o Direito civilista brasileiro não legislou sobre a possibilidade do interessado, ou mesmo do próprio indivíduo gerado através de reprodução assistida heteróloga requerer de forma administrativa os dados suficientes para indicar a identidade de seu doador de DNA, afim de gozar do seu direito ao histórico familiar e à identidade genética.

Diante disto, constatou-se a impossibilidade deste mesmo indivíduo obter de forma administrativa as respostas que precisa. Em uma análise secundária, desprendeu-se ainda de que as recentes alterações do Conselho Federal de Medicina implicaram em maior segredo nas transações envolvendo o gene dos doadores de gameta, visto que impera agora a norma técnica médica de que as clínicas devem manter dados suficientes para identificar tão somente as características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores[25].

Neste cenário, o que se espera após a realização do procedimento por parte das clínicas de reprodução é que a mesma tenha coletado tão somente os dados essenciais determinados pela Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina, salvo nos casos de autorização expressa por parte do doador, e que mantenha em segredo os dados coletados, tendo em vista que não há previsão legal de quebra do sigilo administrativamente. Neste seguimento, o presente capítulo visa esclarecer se diante do descumprimento de uma destas obrigações, quais sejam a coleta e manutenção de dados além dos definidos pelo Conselho Federal de Medicina e a disponibilização destas informações para terceiro interessado, possui o condão de ensejar a reparação de danos através da responsabilidade civil das clínicas de reprodução.

De acordo com o artigo 927 do Código Civil Brasileiro de 2002 “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Trata-se da norma que fundamenta a responsabilidade civil por si só. No entanto, será demonstrado que tal instituto é mais abrangente que a mera constatação de dano, ato ilício e dever de reparar, devendo outras diretrizes além do artigo 927 do Código Civil servirem como parâmetro para que se constate o dever de indenizar.

 Maria Luiza de Saboia Campos em “Publicidade: Responsabilidade Civil perante o Consumidor” divide a responsabilidade civil em objetiva e subjetiva, e subjetiva em extracontratual e contratual. De acordo com a doutrinadora:

“A responsabilidade civil subjetiva é alicerçada na culpa, ocorrendo quando a pessoa pratica o ato gerador das consequências danosas, mas não tem o dano como objetivo da sua conduta, nem age com consiência da infração. A responsabilidade subjetiva estabelece a regra geral de que inexiste dever de indenizar sem culpa, nascendo a obrigação de reparar o prejuízo causado quando há nexo de causalidade entre a ação antijurídica e a lesão ao direito”[26]

Nesta linha de raciocínio, a autora defende ainda que “a responsabilidade contratual aparece como o descumprimento de uma obrigação; a responsabilidade extracontratual, como a falta a um dever” (CAMPOS, Maria Luiza de Saboia, Publicidade: Responsabilidade Civil perante o consumidor, São Paulo, 1996, Cultural Paulista Editora, página 95).

Portanto, observa-se que a responsabilidade civil subjetiva das clínicas pode ser tanto extracontratual no que diz respeito a falta ou não cumprimento de um dever, como, por exemplo, a não observância do sigilo, ou contratual caso esta não observância se dê através de dado não mantido em poder da clínica em razão tão somente da lei, mas também por convenção entre as partes, ou seja, quando inicialmente a clínica não estaria obrigada a manter em seu poder um dado do doador, mas o faz, por segurança e contratualmente, e não o mantém em sigilo.

Nesta espécie de responsabilidade civil, no entanto, não basta que o responsabilizado sofra com um dano proveniente de um ato ilícito. Discute-se aqui o elemento culpa como imprescindível para a constatação da responsabilidade. Contudo, existem hipóteses que por força de lei a existência do elemento culpa é dispensável, nos termos trazidos pelo artigo 927, parágrafo único da legislação civilista, senão vejamos:

“Art. 927, CC: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

A hipótese trazida trata da responsabilidade objetiva, onde não será aferido o fator culpa como indispensável para ensejar a devida reparação, mas sim a ocorrência de um dano em razão de um ato ilícito. Não obstante, tal forma de responsabilização não é automática e decorre de uma obrigação ou atividade normalmente desenvolvida pelo autor, ou ainda por força de lei. Novamente citando Maria Luiza de Saboia Campos:

“O que caracteriza a responsabilidade objetiva é que, nas constituição da obrigação de reparar dano causado, não se leva em consideração o comportamento culposo ou doloso do agente.

Toda a ênfase do sistema na responsabilidade objetiva é dado ao nexo de causalidade existente entre o ato e o dano produzido, não interessando se esse ato foi culposo ou doloso. Por esse motivo, a responsabilidade objetiva também é conhecida como responsabilidade causal, fundada na causalidade, ou ainda responsabilidade sem culpa.”[27]

São duas as teorias que embasam a responsabilidade causal: teoria do risco e a teoria da garantia. Esta primeira, em breve síntese se traduz no perigo de dano referente ao exercício da atividade laborada. Em outras palavras, haverá a responsabilidade objetiva sempre que o labor da pessoa criar perigos especiais para aquele sofreu o dano. Esta segunda encontra proximidade com em casos eventuais existir uma garantia implícita que, quando violada, independente da culpa, gera dever de indenizar.

Não é suficiente, no entanto, a existência de nexo de causalidade e dano para que se apure a existência de responsabilidade. É necessário também que a conduta do agente seja proveniente de um ato ilícito, que nos termos dos artigos 186 e 187 do Código Civil:

“Art. 186, Código Civil: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187, Código Civil: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Vislumbra-se que é necessário um vazamento de dados criminoso ou negligente para que haja a responsabilização das clínicas, exclui-se, por isso, das hipóteses de reparação civil o dado obtido através de habeas data, decisão judicial que reconheça o direito à identidade genética ou a informação passada através de autorização dada pelo próprio titular do direito ao sigilo.

Tratando de responsabilidade civil das clínicas de reprodução assistida, parece certeiro que a própria atividade da empresa pressupõe o dever de sigilo. Ainda que não haja na lei norma que regule expressamente o tipo de responsabilidade que estamos de frente quanto do dano gerado por violação ao sigilo por parte das clínicas, a análise de ambas as teorias auxilia na verificação da responsabilidade.

Isto porque, não só existe uma responsabilidade inerente à própria atividade das clínicas (teoria do risco), como também quando, baseado no princípio da boa-fé, espera-se que a mesma mantenha em sua guarda e em sigilo os dados fornecidos para realização da reprodução assistida heteróloga (teoria da garantia). Destarte, ambos os ensinamentos e apontamentos da responsabilidade civil objetiva guiam para uma responsabilização das clínicas independente de culpa, em que pese não haver norma específica neste sentido.

                 Pressupõe-se que ao decidir ser voluntário (a) em uma clínica de reprodução assistida para doação de material genética, o sujeito o faz não visando o lucro, até por que, tal prática é vedada[28]. Por isso, acredita-se esperar o doador que, diante das diretrizes normativas do Brasil, o sigilo seja imperativo e respeitado, independente de pacto entre as partes. O próprio ato de doar material genético para reprodução assistida é sigiloso, havendo, portanto, expectativa do doador de manter tal fato em segredo.

                 Posto isso, o teor da atividade demonstra que há uma expectativa de que os dados em poder da clínica não sejam divulgados, portanto, há possibilidade, pela aplicação das teorias do risco e da garantia, em imputar à clinica de reprodução o dever de indenizar, independente de culpa, o doador que tiver seu dado vazado através de ato ilítico. Deve ser observado, no entanto que não basta a mera descoberta da identidade do doador para que o dever de reparar exista.

                A responsabilidade civil objetiva, ainda que exclua a culpabilidade como fatore essencial para sua constatação, mantém o dano e o nexo de causalidade como pressupostos para reparação do dano. Evidente, portanto, que não basta a existência do dano para que se possa responsabilizar objetivamente, mas também a existência entre uma correlação entre o dano e a conduta do agente.

              Por conseguinte, a mera descoberta não enseja a reparação. Há a necessidade de que a descoberta se dê por dolo ou negligência da clínica de reprodução assistida para que haja o dever de indenizar.  O artigo 42 e seguintes da lei 13709/2018 tratam da responsabilidade e do ressarcimento de danos do controlador.

             De acordo com a regra retro:

“O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.”[29]

A legislação pioneira no direito brasileiro, ainda que não trate em específico das clínicas de reprodução assistida, trás a hipótese de dever de indenizar daquele que mantém dado de outro em sua guarda. Incumbe a operadora aida a manter em segurança tais dados, ou seja, é dever da clínica a tomada de medidas de seguranças que irão garantir o não vazamento das informações em seu poder, sendo estas medidas suficientes para valorar futura indenização observando em que grau a clínica de reprodução assistida aplicou as medidas de segurança, como rege a lei de proteção de dados:

Art. 48.  O controlador deverá comunicar à autoridade nacional e ao titular a ocorrência de incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano relevante aos titulares.

§ 3º No juízo de gravidade do incidente, será avaliada eventual comprovação de que foram adotadas medidas técnicas adequadas que tornem os dados pessoais afetados ininteligíveis, no âmbito e nos limites técnicos de seus serviços, para terceiros não autorizados a acessá-los. [30]

            Ora, em sendo então a hipótese de responsabilidade objetiva das clínicas, não há, de fato, no que se falar em existência ou não de culpa para que haja o dever de indenizar, no entanto, a própria lei de proteção de dados nos trás a hipótese de mitigação da responsabilidade, dando chance para que o valor da indenização seja equiparado às medidas adotadas pela empresa para que aquela violação não viesse a ocorrer. Nota-se que, muito embora não exista aqui uma excludente por ausência de culpa, há uma considerável possibilidade de diminuição da responsabilidade quando a culpa é mitigada, demonstrando um interesse do legislador em premiar aqueles que adotam técnicas para impedir o vazamento de dados.

          A lei de proteção de dados não só ratificou o tipo de responsabilidade outorgada às clínicas, como também legislou sobre a possibilidade processual de ter o titular dos dados o ônus da prova invertido para a operadora quando for verossímil a alegação, houver hipossuficiência para fins de produção de prova ou quando a produção de prova pelo titular resultar-lhe excessivamente onerosa[31]. É possível observar os cuidados que a lei tomou para garantir que aquele que possui dados de outro os mantenha em segredo, sob pena de além de sofrer com a responsabilização civil, ter sua defesa dificultada em processo de reparação mediante a inversão do ônus da prova.

        O instituto da reparação civil, ainda que em sua forma objetiva, no entanto, nos trás algumas excludentes, ou seja, situações em que o dever de indenizar não existirá, em que pese a ocorrência do dano. Por se tratar de legislação específica, além das hipóteses já conhecidas de excludentes de responsabilidade como culpa da vítima e fato de terceiro (artigo 12 , § 3º , III e artigo 14 , º 3º, II do Código de Defesa do Consumidor) ou caso fortuito e de força maior (artigo 393 do Código Civil), há ainda aquelas em que a lei, em razão da especialidade do caso nos ensina, como é o caso do artigo 43 da já falada Lei de Proteção de Dados.

“Art. 43.  Os agentes de tratamento só não serão responsabilizados quando provarem:

I - que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído;II - que, embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção de dados; ou III - que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro.”

        A lei restringe a matéria de defesa que possa ser abordada pelas clínicas de reprodução assistida em sede de ação de reparação de danos proposta pelo doador de material genético. Em sendo a responsabilidade objetiva, o portador dos dados somente se livrará do encargo de indenizar o dano proveniente do vazamento das informações se provar que não foi ele quem tratou aquele dado, ou que não houve violação à lei de proteção de dados, e ainda que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiros, sempre em observância a possibilidade de redução do valor da indenização de acordo com as medidas de segurança adotada pela clínica.

      Portanto, conclui-se que há dever de indenizar por parte das clínicas realizadoras de reprodução assistida heteróloga quando mantiverem em seu poder dados além do permitido pela Resolução do Conselho Federal de Medicina, salvo estipulação ao contrário, ou ainda, embora tenha em seu poder somente os dados que a lei faz menção, deixe que os mesmos percam o caráter sigiloso, agindo com culpa ou não.

       Em que pese restar claro as hipóteses de apuração da responsabilidade da clínica, esta ainda assim não se confunde com a responsabilidade familiar tratada abaixo, eis que uma está ligada a existência de uma conduta ilícita ocasionadora de um dano, enquanto aquela está em proximidade com princípios e regras inerentes ao direito da família.

4.2. A RESPONSABILIDADE FAMILIAR

Antes de adentrar no núcleo da discussão sobre o tema é importante conceituar termos básicos, todavia indispensáveis para a compreensão do que se pretende explicitar neste capítulo. A responsabilidade familiar, embora em algumas ocasiões possa comportar indenizações de cunho patrimonial e moral não objetiva em um primeiro plano a obtenção destas, diferentemente do tipo de responsabilidade tratada no capítulo anterior. Isto porque na responsabilidade da família, muito embora na prática o pretendido possa se aproximar de uma indenização de cunho patrimonial, na teoria e  técnica forense o resultado não é o mesmo. A responsabilidade da família pura não comporta indenização por danos pois não se busca nesta a reparação por algum dano. O que se procura neste capítulo é averiguar o dever de alimentar, o cuidado e dever de afeto inerente aos princípios da família, a relação socioafetiva e os recentes posicionamentos da doutrina e jurisprudência sobre o assunto, traçando um paradigma entre a responsabilidade familiar e a figura do individuo doador de material de genético em conjunto com a criança reproduzida de forma assistida.

Na responsabilidade civil parece não ser tão complexo a um primeiro olhar identificar o dever de indenizar e de receber. O causador do dano e a vítima usualmente figuram nos pólos passivos e ativos das demandas indenizatórias referentes ao tema, e, em outras circunstâncias a lei acaba por determinar quem responderá pelos danos causados, sendo esta pessoa jurídica ou física. Noutro plano, a responsabilidade familiar parece ser de razoabilidade semelhante, ora, ao se tratar de responsabilidade da família, a responsabilização desta pode tão somente estar relacionada a própria família. Contudo, o termo família é complexo e vem sofrendo mutações desde sua origem. O direito de família sobre influências diretas do direito canônico, das regras internas, do tempo e da sociedade em que este é mergulhado e para que se entenda melhor a responsabilidade familiar, é necessário voltar e conceituar o que é a família e sua evolução com o passar dos anos.

De acordo com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

“A família, nesta perspectiva histórica tem relação simbiótica com a sociedade, pois ao mesmo tempo em que a forma, também parte dela para se reformular. É assunto muito mais afeito à Sociologia do que ao Direito. Segundo Jean Carbonnier, “o que se quis ver na família foi, antes de mais, um fenômeno de costumes, jurídicos só por acidente“. Entretanto, no Estado de Direito, o Legislativo e o Judiciário enredam e sempre enredaram as controvérsias a respeito da família. Isso porque lhes cabe, em primeira e última instância, respectivamente, o papel de garantir e pacificar as expectativas legítimas das pessoas, garantindo assim a segurança jurídica e paz social, que são o fim do direito.”[32]

Pode-se dizer, portanto, que o Direito de família é regido internamente por normas de direito positivado, mas que sua composição externa é baseada não só no direito positivo, mas também de forma principiológica, ou seja, para que se conceitue o termo família devemos observar não só as normas de direito próprias do tema, mas também o comportamento social, principiológico e as necessidades de determinado local em que será aplicada tal conceituação.

No cenário atual a família deixa de ter um modelo patriarcal definido, em que era composta por um homem que atuava como provedor de recursos, uma mulher cuja principal função era a doméstica e os filhos do casal do qual os mesmos até o casamento ou maioridade destes detiam uma espécie de posse e poder sobre os filhos. Até meados do século XX este cenário era o que melhor definiria a família em termos globais, perdurando até a crescente e justa onda de movimentos sociais feministas, homoafetivos e contra as bases familiares patriarcais. O casamento era o meio através do qual a existência de uma família restava configurada – basicamente, esta tinha origem com o matrimônio, tal afirmação tão verdadeira é que o código civil, em que pese datar não tão distante dos dias atuais, genuinamente optou por realizar diferenciações entre esposa e companheira para fins sucessórios, o que foi posteriormente modificado pelo STF com o reconhecimento da equiparação entre companheira e esposa por meio de acórdão do RE 878.694 de 16 de Abril de 2015, rel. Min. Roberto Barroso.

Não bastasse, a família não era tão somente aquela que era constituída após o casamento, mas sim a união entre um homem e uma mulher através do casamento. A partir da atrasada interpretação do artigo 1517 do Código Civil Brasileiro[33] estavam excluídas do conceito de família as mais variadas formas de constituição destas, como por exemplo a família homoafetiva, a monoparental e os mais diversos modelos de família que existem, o que também precisou de respaldo do Supremo Tribunal Federal com o julgamento da ADI 4277 e ADPF 132 [34] de relatoria do Min. Ayres Britto.

A jurisprudência mostra-se bastante confortável em dar outras interpretações ao direito de família brasileiro, julgando com base em princípios como a pluralidade familiar, vedação ao retrocesso e interpretação conforme a constituição para evoluir este conceito para algo muito mais abrangente.  A interpretação de Paulo Lôbo mostra-se mais razoável ao ser analisada em conjunto com as recentes alterações de interpretação, senão vejamos:

“Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins). (LÔBO, Paulo. Direito Civil: família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 2.)”

Pode ser observado através da conceituação do autor que a família não necessariamente nasce com o casamento ou com o sangue, mas também com a existência de vínculos entre pessoas, pouco importando o gênero destas. A interpretação destes vínculos, em especial a análise do vínculo de sangue e de afetividade são indispensáveis na análise da responsabilidade familiar do doador de material genético em favor da criança reproduzida de forma assistida.

O Supremo Tribunal Federal mais uma vez trouxe para si o protagonismo com relação ao tema julgando a existência da possibilidade de ser reconhecida a paternidade socioafetiva em conjunto com paternidade biológica[35], acalorando a possibilidade de reconhecimento de responsabilidade familiar do doador de material genético.

Importante ainda lembrar que a outorga conjugal no caso de pessoa casada e que pretende utilizar de tais métodos para concepção é indispensável para presunção de existência de vínculo paternal ou maternal, conforme disciplina o Código Civil de 2002:

“Artigo 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Tal fenômeno chamado pela doutrina de presunção pater is est prevê que nas hipóteses registradas nos incisos do artigo acima a criança gerada na constância do casamento pressupostamente é filha comum do casal. No entanto, ao contrário dos demais incisos, nos vêm a tona o item V da importante regra, o qual dispõe que nas hipóteses de inseminação artificial heteróloga somente é possível presumir a paternidade ou, por analogia, a maternidade daquele ou daquela que, por óbvio, não participou da doação de material genético, caso ocorra a autorização deste ou desta, havendo, caso preenchido tal requisito, a responsabilidade familiar.

Por equiparação, pode-se dizer que com os recentes entendimentos do STF não fica impedida uma interpretação extensiva do artigo mencionado para que na constância da união estável, a outorga do companheiro ou da companheira seja também indispensável para reconhecimento do vínculo de filiação, sem a qual resta impossível atribuir responsabilidade familiar para o companheiro (a).

Frisa-se que o direito aqui discutido difere-se completamente da origem genética do indivíduo, aqui discute-se com os fins alimentares, sucessórios e afetivos um direito de reconhecimento do filho pelo pai ou mãe ainda que este biologicamente falando não tenha contribuído para que a criança fosse gerada. O vínculo neste caso nasce com o animus  de constituir família, ou seja, com a vontade expressa através de autorização de utilizar-se dos meios de reprodução assistida heteróloga para que se gere uma criança, presumindo-se esta filha daqueles que concordaram e utilizaram tais técnicas.

De outra sorte, o mesmo não pode ser dito para a figura do doador de material genético. Parece menos razoável que o mesmo tenha vontade de gerar uma família ou uma criança ao doar o material genético para reprodução assistida. Observa-se que o doador o faz por mera boa-vontade, sem pleitear qualquer pecúnia, tampouco arrisca-se em criar laços com a criança ou com o outro genitor. O animus do doador difere-se do cônjuge que dá sua outorga pois este primeiro visa somente fazer o bem, o mesmo doa seu material pois acredita estar realizando uma boa ação e não porque pretende criar laços com a nova família, não podendo a este ser imputada inicialmente qualquer tipo de paternidade ou maternidade.

Neste sentido:

“Hoje, temos por bem, dar valor ao sentimento, a afeição, ao amor da verdadeira paternidade, não sobrepujar a origem biológica do filho e desmistificar a supremacia da consangüinidade, visto que a família afetiva foi constitucionalmente reconhecida e não há motivos para os operários do direito que se rotulam como biologistas e se oporem resistência à filiação sociológica. Essa é a realidade! A filiação socioafetiva é compreendida como uma relação jurídica de afeto com o filho de criação, como naqueles casos que mesmo sem nenhum vínculo biológico os pais criam uma criança por mera opção, velando-lhe todo amor, cuidado, ternura, enfim, uma família, em tese, perfeita.”[36]

Ainda neste raciocínio:

“Como já foi mencionado, o doador – normalmente o homem que doa certa quantidade de sêmen – não adere a qualquer projeto parental (não há vontade), nem pratica qualquer ato de índole sexual com a mulher que engravidará diante da técnica conceptiva com o emprego de seu sêmen (não há risco) e, nesse sentido, não havendo qualquer um dos pressupostos que seriam necessários para o estabelecimento de sua paternidade no campo da reprodução assistida heteróloga, diante da própria circunstância de que não houve relação sexual (falta do fato gerador da procriação carnal), logicamente que o doador não poderá ser considerado pai da pessoa a nascer”[37]      

O provimento nº 63 de 2017 do Conselho Nacional de Justiça em seu artigo 17, §3º também corrobora com o entendimento da doutrina acima:

“O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida.”[38]

No entanto, ainda que de forma primária não haja existência de filiação entre o doador de material genético e a criança reproduzida de forma heteróloga, não há impedimento para que, com a quebra do sigilo e descobrimento da doação, venha esta paternidade ou maternidade ser reconhecida de forma socioafetiva caso assim seja da vontade de ambos. O direito de família atual pauta-se no sentimento, no afeto e acima de tudo na vontade das partes, desde que, de forma lícita.

Nota-se que o registro da criança gerada através de tal método, não fará qualquer forma de distinção quanto a paternidade ou maternidade do cônjuge que concordou com a realização de tal técnica, o vínculo de pai ou mãe existirá e obrigará as partes envolvidas sem qualquer distinção. No entanto, a jurisprudência já reconheceu a possibilidade da existência da dupla parentalidade[39] podendo, em caso de posterior aproximação da criança com o seu doador de material, ocorrer a chamada paternidade socioafetiva, vinculando o doador que, agora, passará a preencher os requisitos da paternidade.

De acordo com Maria Cecilia Bondim “a família como é entendida atualmente, baseia-se muito mais na força do afeto do que em liames puramente biológicos”[40]. A responsabilidade familiar, portanto, nem sempre seguirá uma linha unicamente sanguínea, havendo casos em que é possível atribuir, através da manifesta vontade de tornar-se genitor por técnicas de reprodução assistida heteróloga, ou posteriormente por meio da criação de um vínculo socioafetivo com a criança reproduzida, a chamada responsabilidade familiar, implicando em consequências inerentes ao Direito de família como dever de zelo, alimentos e sucessão, v.g.

Resta definido portanto que a existência de autorização por parte do cônjuge é requisito elementar para que se caracterize a parentalidade deste e, em caso de inexistência desta, fica o mesmo isento dos direitos e deveres inerentes às relações familiares. Noutro giro, o doador de material genético não poderá de forma inicial ser incluído como membro da família que estar por ser criada, pois não preenche elementos básicos para sua caracterização.


5. CONCLUSÃO

O presente estudo buscou constatar a existência de uma prevalência entre o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de material genético. Além disto, foram também conceituados os institutos da responsabilidade civil das clínicas de reprodução assistida e a responsabilidade familiar dos envolvidos nos métodos de reprodução assistida heteróloga, traçando paralelos, no que tange à responsabilidade civil, com a recente inovação trazida pela lei de proteção de dados e no que diz respeito à responsabilidade familiar, com as também recentes interpretações dadas pelo Supremo Tribunal Federal ao Direito de Família.

O trabalho mostrou-se necessário, haja vista a lacuna existente na legislação brasileira quando constata-se a ocorrência de ambos os direitos estudados em que pese ter sido observado que normas técnicas do Conselho Federal de Medicina e a nova lei de proteção de dados tenha dado certa preferência ao anonimato do doador de gameta em detrimento ao direito à identidade genética.

Isto porque, as regras que protegem a guarda de dados e a recente retirada por parte do Conselho Federal de Medicina da obrigatoriedade das clínicas em manterem em sua posse o nome do doador parecem dar prevalência ao sigilo já que agora as clínicas encontram-se obrigadas tão somente a armazenar as características fenotipicas do invidíuo doador, as quais serão utilizadas tão somente seja constatada alguma doença na criança reproduzida que possa ser averiguada através do histórico familiar.

É evidente que o sigilo recebeu proteção nas mais diversas áreas do direito, como na esfera penal, administrativa e também na cível. A legislação brasileira como um todo mostra-se capaz de diminuir a privacidade tão somente em casos que são considerados extravagantes e que não haja outra saída senão a quebra do sigilo para que se alcance a solução pretendida. A título de exemplo, a lei de interceptação telefônica demonstrou que até mesmo para a resolução de crimes, o sigilo prevalece em determinadas situações.

De fato, a privacidade merece proteção constitucional e não devem ser medidos esforços pelo Estado para que a individualidade de cada um seja respeitada, sob pena de violação da vida privada e desrespeito aos princípios constitucionais existentes e advindos com a carta magna de 1988. No entanto, o que se busca ao confrontar um direito com o outro não é só a quebra de um sigilo de forma não fundamentada por motivo raso e escusável.

Mostrou-se que o direito à identidade genética justamente não se enquadra na hiótese de escusa rasa para violação da privacidade doador. Apesar deste fazê-lo pro mera liberalidade, acreditando e confiando que tal doação acontecerá de forma anônima, gratuita e com a exclusiva finalidade de fazer um bem à uma família, a criança nascida através da técnica de reprodução heteróloga não pode ad infinitum ver-se restrita de gozar direitos inerentes a qualquer indivíduo, em razão da escolha de terceiros em realizar técnicas de reprodução.

Não é crível que seja justificável a separação a nível mundial de dois tipos de indivíduos: os que a qualquer tempo possam vir a ter acesso a seu histórico genético e a base de seu DNA, como sua origem, características e conhecimento de seus antepassados, e os que não gozam desta mesma sorte. As técnicas de reprodução assistida vêm auxiliando casais que por qualquer motivo encontram-se impossibilitados de gerar uma criança através da concepção natural, no entanto, é necessário cuidado ao perceber os efeitos que o sigilo pode causar nessas crianças geradas.

Em verdade, o acesso a ascendência genética ou historicidade pessoal como prefere chamar o doutrinador português Vital Moreira Gomes não deve ser confundido com mera vaidade do indivíduo. A origem genética é a base do direito da personalidade, o conheicmento de sua própria história merece maior respaldo por parte da legislação civil constitucional, devendo ser tutelado de modo que seja possível haver parcial ferimento à privacidade do doador para que um outro indivíduo não seja condenado a viver até os fins de seus dias sem conhecimento de seu próprio passado.

Neste raciocínio, o direito estrangeiro mostrou-se bastante capaz de embasar os argumentos aqui trazidos. O direito argentino incluiu no código civil os artigos 563 e 564 do Código Civil Argentino demonstram que em outras partes do globo a historidade pessoal é direito tutelado pelo Estado. Observou-se que o país sul-americano não só optou por proteger o conhecimento da ascendência do reproduzido por técnica heteróloga, mas também deu ao mesmo a opção de obter diretamente com a clínica ou centro onde a técnica foi efetuada informações referentes à identidade do doador, quando esta for essencial para a solução de problemas de saúde.

Não bastasse, em havendo motivo justo o código civil argentino prevê ainda a possibilidade de – por meio personalíssimo – o indivíduo obter autorização judicial para que se revele o paradeiro de seu doador de material genético, através ainda do procedimento processual mais célere .

Afim de embasar a crescente opção pelo direito à identidade genética, o direito português foi trazido a baila em discussão ocorrida no Tribunal Constitucional Luso onde foram julgados procedentes os pedidos para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei da Procriação Medicamente Assistida que adotou como regra nas técnicas de reprodução o sigilo do doador. Nota-se que há uma crescente ao redor do mundo de uma corrente que prioriza o acesso à informação pelo indivíduo por todos os motivos já expostos neste trabalho.

Não obstante, tal realidade mostra-se ainda afastada do Direito brasileiro, em que pese as recentes alterações de interpretações e extensões dadas pelo Supremo Tribunal Federal ao direito de família do Brasil, no que tange o direito à personalidade do indivíduo e ao seu histórico genético ainda não houve provocação que acarretasse em interpretação por parte do Supremo diferente da Resolução CFM 2168/2017 ou da lei de proteção de dados.

Portanto, ainda que tenha sido reconhecido por esta pesquisa que a possibilidade de violação da identidade com a finalidade de se ofertar a possibilidade à criança gerada artificialmente obter conhecimento sobre seu histórcio familiar, é o caminho que mais se aproxima dos princípios inerentes à pessoa humana e garantias individuais. Ainda não existe a título nacional este mesmo entendimento, vigorando por ora, mesmo que de forma silenciosa e sem a presença de lei expressa, a opção por preservar o sigilo do doador.

Tal sigilo influencia não só nas relações entre doador e reproduzido, como também acaba por afetar outros institutos de cunho não só referentes à personalidade humana, mas também de cunho patrimonial como a responsabilidade civil e alimentar com a possibilidade ou não do reconhecimento de filiação, imputando responsabilidade familiar.

Foi constatado que o doador ao fazê-lo pressupõe que a manutenção de seus dados será mantida em segredo. O mesmo a faz por liberalidade, sem visar a constituição de uma família ou o recebimento de quantia, por isso, espera-se que seja sempre observado o respeito às cláusulas e orientações existentes quanto a realização de tais procedimentos, mantendo em guarda da clínica os dados suficientes para realização da técnica e tão somente estes dados.

Em havendo a violação de tal conduta estaremos diante da responsabilidade civil. Notou-se com esta pesquisa que antes de 2017 a própria atividade das clínicas de reprodução assistida imputavam a esta a responsabilidade objetiva, ou seja, passível de responsabilização independente de culpa.

Frisa-se que por força do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil a responsabilidade objetiva advém por força de lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem. Parecia razoável ainda que na inexistência de lei que imputasse ás clínicas a responsabilidade objetiva, que pela própria atividade da mesma fosse possível estas responderem pelos danos causados independente de culpa.

No entanto, a lei de proteção de dados cessou a discussão sobre ser capaz a atividade por si só das clínicas de reprodução capaz de na ausência de norma, imputar a responsabilização objetiva, ou se seria necessária lei disciplinando o assunto. Com o advendo da nova lei restou claro que aquele que mantém em seu poder dado de outrem responde objetivamente pelo vazamento deste dado, possuindo direito de regresso contra o efetivo culpado, havendo escusa de responsabilização somente quando comprovarem que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, que embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção de dados; ou que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro.

A lei decidiu ainda premiar as controladoras de dados que exercerem políticas efetivas que possam comprovar um esforço das mesmas em impedir o vazamento de dados.  A indenização, portanto, se medirá não somente pela extensão do dano, mas também pels adoção ou não de técnicas pela controladora que impedisse a violação da privacidade de forma ilícita.

No âmbito da responsabilidade familiar, o estudou demonstrou que o artigo 1597, V do Código Civil pressupõe como requisito a outorga judicial para reconhecimento da parentalidade nos casos de reprodução assistida heteróloga.  Com as recentes interpretações de não diferenciação para fins sucessórios dadas pelo STF aos cônjuges e companheiros, através da interpretação extensiva de tal entendimento pode-se dizer que o artigo 1597 possui aplicação não só para o reconhecimento de filhos adquiridos na constância do casamento, mas também na constância da união estável.

Por isso, a outorga conjugal nos casos de reprodução artificial heteróloga é requisito para a presunção de parentalidade, não devendo se falar em responsabilidade familiar nos casos em que a mesma encontra-se ausente. Além disto, foi demonstrado que não é possível imputar tal responsabilidade ao terceiro doador, pois este não praticou qualquer ato que pudesse manifestar uma futura família.

Conforme já dito anteriormente o terceiro ao doar o material genético o faz com ma pura e única intenção de realizar o bem, pro acreditar que tal ação ajudará na formação de uma nova família e será a realização do sonho de outrem. Tal ânimo difere da vontade de se constituir família, e ainda, a ausência de conjução carnal demonstra que não há qualquer conduta por parte do doador capaz de ensejar responsabilização familiar e dever de alimentar e afeto.

Via de regra a obrigação familiar nasce com o vínculo, seja ele afetivo, biológico ou de Direito e no caso do doador de material não é possível observar qualquer um destes vínculos, por isso, ausente as obrigações típicas da relação familiar. Já o pai ou mãe que autorizam que o cônjuge se submeta ao procedimento de reprodução artificial heteróloga em que pese não possuírem vínculo sanguíneo com a criança gerada, possuem vontade expressa através da autorização conjugal de exercerem a parentalidade, pressupondo serem estes pais e mães e, portanto, dotados de obrigações familiares.


6. REFERÊNCIAS

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DE MORAES, Maria Cecilia Bondin, “Tratado das Famílias” 2ed, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Direito de Família, pag 829


Notas

[1] DW, “Na Alemanha, ”filho de doador de sêmen ganha direito de conhecer pai biológico”, disponível em https://www.dw.com/pt-br/na-alemanha-filho-de-doador-de-s%C3%AAmen-ganha-direito-de-conhecer-pai-biol%C3%B3gico/a-16579606, consultado em 22 de Abril de 2019

[2] Portal UOL,  “Doador de sêmen conhece os 19 filhos que tem espalhados pelo mundo”, disponível em https://noticias.uol.com.br/tabloide/ultimas-noticias/tabloideanas/2017/09/19/doador-de-semen-conhece-os-19-filhos-que-tem-espalhados-pelo-mundo.htm, consultado em 22 de Abril de 2019

[3] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 452.

[4] COUTO, Cleber em Reprodução Humana Assistida Homóloga e Heteróloga, Monoparentalidade Programada e Coparentalidade, disponível em https://professorclebercouto.jusbrasil.com.br/artigos/211560163/reproducao-humana-assistida-homologa-e-heterologa-monoparentalidade-programada-e-coparentalidade, consultado em 08 de Abril de 2019

[5] COUTO, Cleber em Reprodução Humana Assistida Homóloga e Heteróloga, Monoparentalidade Programada e Coparentalidade, disponível em https://professorclebercouto.jusbrasil.com.br/artigos/211560163/reproducao-humana-assistida-homologa-e-heterologa-monoparentalidade-programada-e-coparentalidade, consultado em 08 de Abril de 2019

4 Dicionário Google, consultado em 24 de Abril de 2018. Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=Dicion%C3%A1rio#dobs=sigilo

[7] RE 1042075 Rg / RJ - Rio De Janeiro – Relator Min. Dias Toffoli

[8] Resolução CFM nº 2.168/2017, disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2168, consultada em 08 de Abril de 2019

[9] ROSETTO, Ricardo, O Estado de S. Paulo, disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,reclamacoes-sobre-cadastros-financeiros-de-consumidores-crescem-1344-entre-2015-e-2017,70002229041, consultado em 22 de Abril de 2019

[10] Artigo 12º, lei nº 13.709/2018, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm, consultado em 22 de Abril de 2019

[11] Artigo 7º, lei nº 13.709/2018, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm, consultado em 22 de Abril de 2019

[12] 16 AGUIAR, Monica. Direito à filiação e bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 145-146

[13] Fonte: DA SILVA, Beatriz: Casei-me com meu irmão?, disponível em https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/casei-me-com-meu-irmao/#_blank, consultado em 10 de Abril de 2019

[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1: teoria geral do direito civil. 20.a ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2003

[15] DE MORAES, Maria Celina Bondin, “Na medida da pessoa humana – estudos de direito civil – constitucional”, Rio de Janeiro, Editora Processo, pág 112-113.

[16] Artigo 11, Código Civil de 2002, disponível em https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730030/artigo-11-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002, consultado em 10 de Abril de 2019

[17] Provimento CNJ nº 52/2016, artigo 2º, inciso II, disponível em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=317508, consultado em 10 de Abril de 2019

[18] Provimento CNJ nº 63/2017, artigo 17º, inciso II, disponível em https://www.26notas.com.br/blog/?p=13976, consultado em 10 de Abril de 2019

[1] ARTICULO 563.-Derecho a la información de las personas nacidas por técnicas de reproducción asistida. La información relativa a que la persona ha nacido por el uso de técnicas de reproducción humana asistida con gametos de un tercero debe constar en el correspondiente legajo base para la inscripción del nacimiento.

[19] Articulo 563 del Codigo Civil e Comercial Argentino, disponível em http://www.notarfor.com.ar/codigo-civil-comercial-unificado/articulo-563.php, consultado em 10 de Abril de 2019

[20] Articulo 564 del Codigo Civil e Comercial Argentino, disponível em http://www.notarfor.com.ar/codigo-civil-comercial-unificado/articulo-564.php, consultado em 10 de Abril de 2019

[2] ARTICULO 564.-Contenido de la información. A petición de las personas nacidas a través de las técnicas de reproducción humana asistida, puede:

a) obtenerse del centro de salud interviniente información relativa a datos médicos del donante, cuando es relevante para la salud;

b) revelarse la identidad del donante, por razones debidamente fundadas, evaluadas por la autoridad judicial por el procedimiento más breve que prevea la ley local

[21] Acórdão 225/2018, Tribunal Constitucional Portugal, Cons. Relator: Pedro Machete, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180225.html#_blank, consultado em 11 de Abril de 2019.

[22] Farias, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson, Direito das Famílias – de acordo com a lei nº 11.441/07 – Lei de separação, divórcio e inventário extrajudiciais. 2 triagem. Editora Lumen Juris, 2009, p.578.

[23] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação - o biodireito e as relações parentais: oestabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga.. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 906.

[24] AGUIAR, Monica. Direito à filiação e bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 145-146

[25] O inciso 2 do item IV da Resolução CFM nº 2.168/2017 determina que as clínicas de reprodução estão obrigadas a manter arquivada tão somente as características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

[26] CAMPOS, Maria Luiza de Saboia, Publicidade: Responsabilidade Civil perante o consumidor, São Paulo, 1996, Cultural Paulista Editora, página 80.

[27] CAMPOS, Maria Luiza de Saboia, Publicidade: Responsabilidade Civil perante o consumidor, São Paulo, 1996, Cultural Paulista Editora, página 115.

[28]  O inciso I do item 4 da Resolução CFM 2168/2017 veda o caráter lucrativo ou comercial da doação

[29] Art 42 da Lei 13.709 de 2008, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm, consultado em 25 de Abril de 2019

[30] Art. 48 da Lei de Proteção de Dados, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm, consultado em 25 de Abril de 2019

[31] Artigo 42, §2º da Lei de Proteção de Dados

[32] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Tratado de Direito das Famílias, Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2 ED. Pág 30.

[33] Art. 1517, Código Civil de 2002: O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

[34] O STF julgou procedente os pedidos da ADI 4277 e ADPF 132 de relatoria do Min. Ayres Britto em 04 de Maio de 2011 para dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

[35] O RE 898.060/SC de relatoria do Min. Luiz Fux julgou improcedente os pedidos para reconhecer a possibilidade da dupla parentalidade.

[36] COSTA, Everton Leandro da. Paternidade sócio-afetiva.Disponibilizado em www.ibdfam.org.br, acessado em 25 de Maio de 2019

[37] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação - o biodireito e as relações parentais: o

estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2003, p. 884.

[38] Artigo 17, §3º do Provimento 63/2017 do CNJ, disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380, consultado em 24 de Maio de 2019

[39] O RE 898.060/SC de relatoria do Min. Luiz Fux julgou improcedente os pedidos contidos no recurso, reconhecendo, portanto, a possibilidade da dupla parentalidade.

[40] DE MORAES, Maria Cecilia Bondin, “Tratado das Famílias” 2ed, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Direito de Família, pag 829



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