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O poder de polícia no direito ambiental brasileiro

O poder de polícia no direito ambiental brasileiro

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O poder de polícia ambiental é o elemento efetivador do cumprimento do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, poder-dever do Estado brasileiro, que confere à sociedade maior responsabilidade nos deveres de fazer e não fazer.

RESUMO: O presente estudo sobre o tema o poder de polícia no direito ambiental brasileiro tem por pressuposto o estudo da responsabilidade administrativa em decorrência do dano ambiental e o cumprimento dos preceitos constitucionais acerca da proteção ao meio ambiente. A investigação direciona-se na busca de um meio ambiente equilibrado como um direito fundamental do ser humano, na medida em que o poder de polícia ambiental pode ser o elemento efetivador desse direito, um instrumento de proteção dos bens jurídicos afetos a ele. Possui como objetivo geral promover o debate e a análise crítica dos principais pontos, preceitos e definições previstas nas leis que contemplam o tema, com vistas à revisão dos paradigmas praticados na sociedade contemporânea no exercício do poder de polícia ambiental pela Administração Pública, diante da percepção de valores no mundo contemporâneo. Perante a proteção constitucional ao meio ambiente, a legislação brasileira, o poder-dever do Estado e o interesse comum da humanidade pelas questões ambientais globais, desenvolve-se o poder de polícia ambiental. Justifica-se o estudo diante das próprias e específicas particularidades que compõe o dano ambiental e a relevância deste assunto em função do desenvolvimento econômico do Brasil e das respostas que a natureza tem ofertado em razão da interferência antrópica. Ao final, conclui que o poder de polícia ambiental deve ser exercido de forma educativa, preventiva e represiva para que seja capaz de proporcionar aos cidadãos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, visando comprender os conceitos relacionados ao tema.  As fontes primárias estão na Constituição Federal e na legislação ambiental e as secundárias nos artigos jurídicos, na doutrina e nas revistas jurídicas.

Palavras-chave:Poder de polícia; responsabilidade administrativa; dano ambiental; direito fundamental; meio ambiente.

ÍNDICE GERAL: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1: MEIO AMBIENTE E PODER DE POLÍCIA. 1.1.       Meio Ambiente no ordenamento jurídico brasileiro. 1.2. Direitos Fundamentais e suas dimensões. 1.3. Meio Ambiente na Constituição da República Federativa do Brasil. 1.4. Efetividade da Tutela Constitucional Ambiental. 1.5. Perspectivas e princípios do Direito Ambiental Brasileiro. 1.6. Poder de Polícia Ambiental. 1.6.1.   Antecedentes do Poder de Polícia. 1.6.2.   Atos de polícia na proteção do meio ambiente. 2.CAPÍTULO 2:  PREVENÇÃO DO DANO E GESTÃO DO RISCO AMBIENTAL. 2.1.   Conceito de Dano Ambiental. 2.1.1.    Pulverização de Vítimas. 2.1.2.   Difícil Reparação. 2.1.3.   Difícil Valoração. 2.2.   Classificações do Dano Ambiental. 2.2.1.   Princípio do limite de tolerabilidade. 2.2.2.   A Prova do Dano Ambiental. 2.2.3.   Solidariedade na Responsabilidade Civil. 2.2.4.    O Nexo de Causalidade entre Conduta e Dano. 2.2.5.    Teoria do Risco Concreto. 2.2.6.    Teoria do Risco Abstrato. 2.2.7.   Teoria do Risco Administrativo. 2.3.   Dano Ambiental e Dano Ambiental Futuro. 2.4.   As esferas da Responsabilidade por Dano Ambiental. CAPÍTULO 3: A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL. 3.1.  Pressupostos da Responsabilidade Administrativa Ambiental. 3.2.  Responsabilidade Extracontratual Subjetiva. 3.3.  Responsabilidade administrativa solidária no Direito Ambiental. 3.4.  Aplicação de Sanções Administrativas. 3.5.   O Princípio do Non Bis in Idem. 3.6.  Compliance. CAPÍTULO 4: CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA 


INTRODUÇÃO

A discussão sobre a responsabilidade ambiental no exercício do poder de polícia ambiental como pressuposto constitucional à sustentabilidade é indispensável para a formação e revisão dos paradigmas frente aos obstáculos que o Estado possui para garantir à sociedade a proteção ambiental através das políticas públicas. O estudo do Direito Ambiental e as metas dos acordos climáticos, buscam caminhos viáveis para garantir a cada um dos indivíduos o direito fundamental ao meio ambiente, como mecanismo de promoção não apenas desse indivíduo, mas também, das gerações presentes e futuras, em prol do desenvolvimento sustentável.

Este trabalho objetiva promover o estudo do poder de polícia, seus antecedentes e a transcendência desse poder para a proteção do meio ambiente no ordenamento jurídico pátrio e seus limites, temas conexos e reflexos por ocasião da omissão ou pelo descumprimento por iniciativa pública ou privada.  Esse contexto será desenvolvido mediante a análise crítica dos principais pontos, preceitos e definições previstas nas leis que contemplam o tema, com vistas à revisão dos paradigmas praticados na sociedade contemporânea no exercício do poder de polícia ambiental pela Administração Pública, face aos novos desafíos a serem enfrentados pela sociedade.

A problemática ora objeto deste trabalho decorre da inter-relação entre os problemas ambientais de primeira e segunda geração, bem como entre os efeitos e implicações destes últimos que exigem dos Poderes Públicos a adoção de novas abordagens para os problemas ambientais, a fim de manter e defender a integridade do meio ambiente. O meio ambiente sadio e equilibrado é um direito fundamental de terceira geração constitucionalmente assegurado no ordenamento jurídico brasileiro, essencial à manutenção e qualidade da vida humana que, o legislador constituinte no artigo 23, incisos III, VI, e VII atribuiu competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a sua proteção e combate à poluição.

No contexto da crise ambiental temos a temática do meio ambiente como um direito difuso pertencente à categoria dos direitos fundamentais e poder-dever constitucional, a questão da efetividade da legislação ambiental brasileira e da hermenêutica jurídica própria ao direito ambiental e a análise constitucional do poder de polícia previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional.

Segundo Silva (2006, p. 01) temos que:

A palavra polícia vem do latim “politia” e do grego “politea”, ligada como o termo política, ao vocábulo “polis”.

poder de polícia na Idade Média, também foi usada nesse sentido amplo, mas no século XI, retira-se da noção de polícia, o aspecto referente às relações internacionais. Ainda na Idade Média, detectou-se o exercício do poder de polícia tal como é hoje considerado, contribuindo para fixar a raiz nascente da Idade Moderna.

No começo do século XVIII, polícia designa o total da atividade pública interna. A partir daí o sentido amplo de polícia passa a dar lugar à noção de Administração Pública. O sentido de “polícia” se restringe, principalmente sobre influência das idéias da Revolução Francesa, da valorização dos direitos individuais e das concepções de Estado de direito e Estado liberal.

Polícia passa a ser vista como uma parte das atividades da Administração, destinada a manter a ordem, a tranqüilidade e a salubridade públicas.

Aos poucos se deixou de usar o vocábulo “polícia” isoladamente para designar essa parte da atividade da administração. Surgiu primeiro a expressão polícia administrativa na França, em contraponto a polícia judiciária.

A expressão poder de polícia ingressou pela primeira vez na terminologia legal no julgamento da suprema corte norte-americana, no caso Brown x Maryland, de 1827; a expressão fazia referência ao poder dos Estados-membros de editar leis limitadoras de direitos, em benefício do interesse coletivo.

No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1824, em seu artigo 169, atribuiu a uma lei a disciplina das funções municipais das câmaras e a formação de suas posturas policiais; a lei de 1º de outubro de 1828, continha título denominado “Posturas Policiais”.

A partir desse momento, firma-se no nosso ordenamento jurídico o uso da locução poder de polícia, para definir o poder da Administração de limitar o interesse particular.

Na Idade Moderna o poder de polícia na atividade pública regulava tudo que se encontrava sob o domínio estatal e posteriormente na segunda fase passa de ilimitado a limitado, sendo visto como limitador do exercício de direitos individuais em benefício do interesse público e o surgimento nessa mesma linha de pensamento da participação popular nas decisões e no controle da Administração Pública em nivel constitucional, originando o Estado Democrático de Direito. (Sanches e Pegoretti Júnior, 2013, p.01).

Com o estado de direito, inaugurava-se nova fase em que já não se aceitava a idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Além de que a preocupação passava a ser a de assegurar ao indivíduo uma série de direitos subjetivos, dentre os quais a liberdade. Em conseqüência, tudo o que significasse uma interferência nessa liberdade deveria ter um caráter excepcional. A regra era o livre exercício dos direitos individuais assegurados nas Declarações Universais de Direitos, transpostos depois para as constituições, consoante lição de Di Pietro et al. (2003, p. 109-110).

A evolução do poder de polícia ao longo da história norteou sua execução nos dias atuais e permitiu a estruturação de um Direito Ambiental embasado em princípios basilares indispensáveis à atuação da Administração Pública.

O poder de polícia é uma prerrogativa da Administração Pública, especialmente do Poder Executivo, cuja competência no âmbito municipal da gestão ambiental é transcendente. O vínculo com o cidadão e sua colaboração é fundamental hoje para a gestão ambiental e o exercício do poder de polícia. A Administração Pública possui e exerce vários poderes (normativo, regulamentar, hierárquico, polícia, etc.) para poder atingir seus objetivos no sentido de realizar concretamente o interesse público. Sendo assim, o poder de polícia vem a ser o poder da Administração Pública “que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades” (Zago, 2004, p. 30).

A Administração Pública, em sentido objetivo, consiste na atividade exercida para atender às necessidades coletivas, abrangendo o fomento, a polícia administrativa, o serviço público e, como falam alguns autores, a intervenção administrativa. Com isso Poder Público pode impor limitações ou deveres aos administrados de forma a garantir que o interesse da própria coletividade seja preservado.

A proteção do meio ambiente no Brasil constitui um verdadeiro valor constitucional e assim sendo, urge a adoção por parte dos Estados de uma legislação eficaz  para o exercício do poder de polícia, com normas ambientais alicerçadas na ascensão dos valores ecológicos e da cultura ecologista do cenário político e jurídico contemporâneo e pelos diversos tratados internacionais voltados à proteção do meio ambiente, tais como a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (1972), a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e o Acordo de Paris (2015).

O exercício do poder de polícia ambiental como um instrumento imprescindível para a implantação das políticas ambientais necessárias à manutenção da vida no planeta, exige com urgencia novas abordagens e regras em matéria ambiental para a atuação do Estado, bem como dos indivíduos, a fim de se lidar de uma maneira mais eficiente com os riscos e danos já concretizados ou futuros, provenientes das atividades desenvolvidas pela sociedade, cujo modelo de desenvolvimento é voltado ao progresso tecnológico, consumo e lucro. 

A reflexão contida neste trabalho emerge da necessidade de compreender a importância e a transcendência do poder de polícia face a prevenção e a repressão por ocasião do risco ou do dano ambientais. 

Para isso, o tema será apresentado em três momentos.  Primeiramente, contextualiza-se a problemática do meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro, pertencente a categoria dos direitos fundamentais tutelados pela Constituição Federal Brasileira e o poder de polícia ambiental na busca de dar efetividade na sua proteção. Na sequência, busca-se elucidar alguns aspectos da prevenção do dano ambiental e a gestão do risco ambiental, suas consequências e as esferas de responsabilização nos âmbitos penal e cível.

Em um terceiro momento, procura-se delimitar alguns aspectos no âmbito da responsabilidade administrativa e na reflexão acerca da construção e relevância de uma hermenêutica jurídica que seja própria ao direito ambiental enaltecendo sua contribuição para consecução do valor constitucional de proteção ao meio ambiente sob o enfoque do disposto no artigo 225, da Constituição Federal. Ao fim, um breve panorama da singularidade e complexidade dos casos ambientais que se colocam perante a Administração Pública na sua função fiscalizatória em tempos de crise ambiental e do risco vivenciado no exercício das atividades em geral.


CAPÍTULO 1. O MEIO AMBIENTE E O PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL

O poder de polícia encontra-se positivado no ordenamento jurídico brasileiro no artigo 78 do Código Tributário Nacional - Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 e, na doutrina é descrito como sendo o poder que exerce a Administração Pública sobre todos os cidadãos, atividades e bens de forma a impor a supremacia do interesse público sobre o privado em prol do bem comum diante da discricionariedade, da auto-executoriedade e da coercibilidade que possui, mostrando-se, na seara ambiental, como mais um instrumento público a serviço da proteção do meio ambiente na exata medida em que confere à Administração o poder de fiscalizar, bem como o de regular parâmetros normativos que visem garantir a qualidade ambiental, o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Segundo Lazzarini (2003, p. 51), o poder de polícia provém do direito da administração pública de “controlar os direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, inspirando-se nos ideais do bem comum”.

O estudo da responsabilidade administrativa no exercício do poder de polícia para os danos causados ao meio ambiente é um dos elementos fundamentais para a compreensão dos rumos pretendidos pelo Direito Ambiental moderno, face ao crescimento econômico e o consumismo exacerbados no Brasil, sem, contudo, inviabilizar os investimentos e consequentemente o progresso tão necessário ao país.

A Lei Federal n 6.938/81 estabelece em seu art. 4º como objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente a compatibilização do desenvolvimento econômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, visando à melhoria da qualidade de vida.

A partir da Constituição Federal de 1988 o meio ambiente passa a ser tratado como res communes omnium, ou seja, é um bem comum a todos, autônomo e de interesse difuso.   Neste contexto, o meio ambiente não se restringe à proteção de bens ambientais isolados (microbens), onde possui conceitos e regimes legislativos próprios (Código Florestal, Lei de Política Nacional dos Recursos Hídricos, legislação da pesca, etc).

É compreendido como “universitas corporalis”, isto é, como bem imaterial e abstrato (qualidade do meio ambiente) pertinente ao conjunto de condições, relações e interações que condicionam e regem a vida. Nesta conotação apresenta uma natureza de bem público, de finalidade pública essencial à sobrevivência do homem, desvinculando-se de suas manifestações corpóreas e materiais.

Consoante De Carvalho (2006, p.93) esta condição foi atribuída como direito e dever do Estado e da coletividade  nos termos do artigo 225 da Constituição Federal, ao estabelecer que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”. E desta forma a proteção dos elementos materiais que compõem o meio ambiente (tais como rio, mar, floresta, patrimônio histórico e espécies protegidas) possui um sentido imaterial, dotado de valor e disciplina jurídica autônoma. O meio ambiente imaterial, unitário e global adquire um valor em si, integrando-se aos bens ambientais que o compõem. O meio ambiente, nesta “macrorealidade abstrata”, consiste num bem de interesse público indisponível, direito humano fundamental e necessário à sadia qualidade de vida. O meio ambiente considerado em si mesmo (macrobem) consiste num bem de todos, sendo indisponível independentemente do regime jurídico de propriedade (público ou privado).

Este entendimento é apresentado em inúmeros tratados internacionais (Tratado de Estocolmo 1972 e Declaração do Rio de Janeiro de 1992, por exemplo) e legislações brasileiras (art. 225, da Constituição Federativa do Brasil e Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e Lei nº 6.938/81), demonstrando assim a importância do meio ambiente como um valor em si, de caráter global e integrado, além dos elementos corpóreos que o compõem (microbens).

De Carvalho (2006, p. 94) afirma o seguinte:

A aplicação da distinção entre o sentido de meio ambiente como macrobem/ microbem fornece uma aquisição evolutiva e um aprofundamento da Teoria Jurídica e das tomadas de decisão jurídica em matéria ambiental, assegurando uma dupla dimensionalidade à proteção ambiental, como condição imaterial e integrada da vida e como bens corpóreos dotados de características e regramentos específicos. O Direito brasileiro adotou esta dupla dimensionalidade do sentido jurídico de meio ambiente normativamente a partir de 1981, quando o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81 descreveu o meio ambiente como o conjunto de relações e interações que condiciona a vida em todas as suas formas, ou seja, a garantização da proteção do meio ambiente integrada ante uma dimensão global (macrobem) e uma dimensão unitária-corpórea (microbem) dos bens ambientais que o compõem (solos, água e ar).

Na forma dos artigos 37, caput e 225, caput da norma constitucional brasileira, tanto a União, como os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre meio ambiente, restando aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local, mas de forma suplementar a legislação federal e estadual no que couber.  Destarte, todos os entes federativos estão autorizados a agir em defesa do meio ambiente, posto que, pelas disposições constitucionais, estão legitimados a agir e devem, em respeito ao princípio da eficiência da administração e do dever de tutelar o meio ambiente, agir e exercer o poder de polícia de forma inteligente, integral e integrada. E ainda, nos termos do inciso VI do artigo 23 e seus incisos da Carta Magna podem atuar de forma descentralizada (competência comum) na deficiência ou omissão do outro, para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

Temos então o poder de polícia ambiental, que na lição de Machado (2013, p.385) materializa a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em decorrência do interesse público referente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades, dependentes da concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público. O campo de atuação do poder de polícia originariamente estava restrito à segurança, à moralidade e à salubridade, expandindo-se, atualmente, para a defesa da economia e organização social e jurídica, em todos os âmbitos imagináveis.

A pós-modernidade ou a modernidade reflexiva, conjugada aos elementos de uma sociedade de risco, evidenciam vários ângulos da crise ambiental que devem ser considerados pelo direito.

É indispensável o reconhecimento da interdependência entre os vários ramos da ciência jurídica, e que haja um diálogo interdisciplinar contínuo para redescobrir um novo direito comum que permita enfrentar os desafios ambientais desta e das futuras gerações.

O processo de ampliação do número e da intensidade dos problemas ambientais na sociedade pós-industrial, chamada de sociedade de riscos exige novas atitudes por parte do Estado de Direito em vista da reivindicação de justiça ambiental, da equidade intergeracional em função de um bem difuso e bem distante da racionalidade jurídica clássica.

Para a efetividade do estado da justiça ambiental, deve-se considerar a indispensabilidade de um conjunto de princípios de justiça ambiental, tais como: princípio da informação, direito a participação no processo decisório na implantação de unidades poluidoras, princípio do poluidor pagador, princípio do poluidor primeiro-pagador, princípio do produtor-eliminador, princípio da correção da fonte, segundo Maia (2017).

Canotilho e Leite (2012, p. 137) destacou duas gerações de problemas ambientais, sendo que na primeira geração incidia uma proteção do ambiente voltada para os seus elementos constitutivos, enquanto na segunda geração ganha terreno a análise dos efeitos que extrapolam a consideração isolada dos elementos ambientais (efeito estufa, mudanças climáticas, camada de ozônio, biotecnologia).

Para lidar com os desafios a que a Teoria do Direito é exposta nesta conjuntura há a necessidade de evolução do pensamento jurídico afim de adquirir um potencial para assimilar decisões em contextos de alta complexidade e de risco. A Ecologização do Direito consiste exatamente num processo dinâmico de autossensibilização e alteração das estruturas do Direito (e da Teoria Jurídica) para responder às demandas sociais decorrentes da produção de riscos globais emanados da sociedade industrial. Há, assim, o surgimento de uma comunicação sobre o risco ecológico através de tratados internacionais, o surgimento de organizações de proteção ambiental, o surgimento de uma principiologia jurídica de Direito Ambiental, a constitucionalização do direito a um meio ambiente saudável como um direito humano fundamental. Esta auto-sensibilização decorre da própria dinâmica social em que o direito é confeccionado de forma autoreferencial, em seus Tribunais, doutrina, etc.

Nesta seara é imprescindível a observação do sistema jurídico e de suas irritações provenientes da chamada crise ecológica e do aumento significativo na produção dos riscos de caráter global oriundos da sociedade contemporânea. Tal perspectiva possibilita a observação de duas facetas ou pontos de vista da crise de efetividade que enfrenta atualmente o Direito Ambiental. A existência de um ponto de vista interno e outro externo desta crise demonstram que por se tratarem de uma nova espécie de problema social, os riscos ecológicos requerem uma nova estrutura e funcionalidade do Direito e de seus instrumentos dogmáticos, ocasionando uma irritação nas estruturas do direito tradicional.

Os vários pontos de vista (econômico, jurídico, político) existentes na sociedade provocam a necessidade de um deslocamento das observações do Direito, construídas a partir de um normativismo ou de uma crítica social a este (hermenêutica), para uma observação de conflitos intersistêmicos e para formas de fomentar a integração entre os sistemas sociais (dialógica). A estruturação da complexidade social em sistemas parciais permite a formação de programas de decisão específicos à cada racionalidade social, tal como ocorre no Direito que, através de regras jurídicas, princípios, decisões jurisprudenciais e argumentações jurídicas estrutura e reduz a complexidade social para produzir uma comunicação jurídica que lhe permite decidir. Assim, o Sistema Jurídico se auto-reproduz, descrevendo e confeccionando seus próprios elementos componentes e estruturas, na formação de uma comunicação jurídica decorrente da articulação de uma rede de expectativas jurídicas e controlada pela doutrina e processo jurídico, segundo Teubner (1989, p.88).

O Estado na efetivação do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado detém atribuições fundamentais como, por exemplo, o poder de polícia ambiental e a atuação preventiva na formação de regramentos e punições de cunho administrativo. Contudo, é inquestionável que o ente estatal não se encontra mais absoluto nas tomadas de decisão. Com o deslocamento dos centros de poder e o surgimento de novas formas institucionais, a racionalidade jurídica desprende-se de uma postura monológica reproduzida pelo Estado. As alterações estruturais sofridas pelo Estado nas últimas décadas, bem como as necessidades impostas pela pré-compreensão de Estado Democrático Ambiental vigente nos dias atuais, demonstra uma necessidade de incremento na relação Direito e complexidade, pois o poder dirigente do Estado diminui, ao passo que a complexidade dos problemas produzidos e distribuídos pela Sociedade Industrial foram potencializados por uma nova forma social (sociedade de risco).

As questões ambientais fomentam a potencialização do Direito Ambiental e seus instrumentos dogmáticos (ação civil pública, responsabilidade civil, tutelas de urgência, perícias ambientais, termos de ajustamento de conduta, inquérito civil, etc).  O Direito Ambiental na sociedade de risco deve, cada vez mais, proporcionar os processos co-evolutivos (isto é, criar ressonância nos demais sistemas sociais, sobretudo, na economia), orientados por valores ecológicos (abertura sistêmica).

Neste contexto De Carvalho (2006, p. 20) ensina que o Direito Ambiental impõe ao Estado uma alteração no pilar democrático deste: há um verdadeiro enfraquecimento da democracia representativa em prol de formas de participação direta dos cidadãos (por exemplo através das audiências públicas em processos de licenciamento). O fortalecimento da democracia direta ou participativa em processos de tomada de decisão que repercutem ou podem repercutir na qualidade ambiental tem por justificativa o fato de que as consequências das decisões tomadas acerca das questões ambientais não se prolongam apenas pelos períodos em que os representantes ocupem seus cargos políticas, mas propagam-se anos e gerações à frente. Mas como pode o ente estatal lidar com o controle de riscos que envolvem tamanha complexidade, como enseja a problemática ambiental no novo milênio?

Mesmo diante do não conhecimento das cadeias causais (comum em questões ecológicas, lembrando que a ecologia consiste na ciência da complexidade) o Estado não pode se abster de tomar decisões. Assim, o estado ambiental deve agir num contexto de grande incerteza, seja através da promulgação de leis ou da emissão de atos normativos, acerca dos quais não se tem como avaliar sua real eficácia. Constata-se, na verdade, que o estado democrático ambiental ou estado ecológico constitucional consolida-se como uma dimensão do próprio estado democrático de direito. A título de sintetizar a necessária pré-compreensão dos operadores jurídicos no estado democrático ambiental, pode-se dizer que, assim como a justiça social é a finalidade do estado democrático de direito, a justiça ambiental é o fim a ser garantido pelo estado democrático ambiental.

1.1. Meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro

No ordenamento brasileiro a partir da década de 80 houve o surgimento de leis importantes sobre o tema, tais como a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 que trata sobre ação civil pública, a própria Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 que trata dos crimes ambientais, sanções penais e administrativas aplicáveis as atividades e condutas lesivas ao meio ambiente, a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 que fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora e a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que aprovou o Código Florestal.

Na história do Brasil a Constituição da República de 1988 é um marco e, em especial para o Direito Ambiental, tanto por retratar de forma satisfatória os anseios sociais, quanto por proporcionar o Estado Democrático de Direito em prol do desenvolvimento sustentável.

No Brasil, a Constituição de 1988 é, ainda, a primeira a trazer um capítulo especial sobre o Direito Ambiental, dentro do título relacionado à Ordem Social, o que indica que a interpretação relacionada à matéria ambiental deve levar em conta o aspecto social e não meramente o econômico (Sirvinskas, 2008. p. 58).

O Direito Ambiental, constitucionalmente previsto, encontra-se ainda em processo de implementação no Estado Democrático de Direito, tendo os institutos jurídicos passado por uma reapreciação, de forma a se adaptarem à nova realidade trazida pela Constituição de 1988, onde a dignidade da pessoa humana,  por exemplo, foi elevada a direito fundamental, o que alterou os rumos da responsabilidade civil ambiental.

A Constituição brasileira influenciou diretamente a concepção do Direito Ambiental, fazendo com que as relações oriundas desse ramo do Direito deixassem de ser excessivamente patrimoniais ou exclusivas do Estado, em consonância com sua dignidade, para ser efetivado o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A divisão entre a esfera pública e a privada perde a razão de ser, na medida em que o ordenamento jurídico faz da Constituição o centro de interpretação de todo o Direito e evolui para a constitucionalização das normas infraconstitucionais. A normativa que trata da responsabilidade civil ambiental é anterior à atual constituição e deve prestar de esquema interpretativo para as relações ambientais.

O Direito Ambiental assim como as demais áreas do Direito têm hoje como parâmetro a Constituição da República de 1988, em virtude de ser  uma constituição rígida, cujas normas são hierarquicamente superiores às demais, ou seja, ela é um critério de adequação de todo o sistema jurídico, e ainda, por agregar formalmente normas que substancialmente não são constitucionais, o que fortalece a proteção  desse direito, limita o legislador infraconstitucional e a torna um esquema interpretativo na utilização das normas ambientais.

O indivíduo no Direito contemporâneo ganha papel relevante, em comparação com o patrimonialismo, havendo, na verdade, a personalização das relações, com a preponderância da segurança jurídica, da proteção da vida e da garantia da dignidade da pessoa humana, seja através da interpretação, seja pela aplicação dos princípios relacionados à sustentabilidade ou função dos institutos jurídicos (Perlingieri, 1999, p.52).

Conforme lecionam Bittar e Bittar Filho (2003, p. 27) a presença dos elementos sociais impregna o Direito de conotações próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada em valores reais e atuais, em que a justiça social é fim último da norma, equilibrando-se mais os diferentes interesses por ela regidos, à luz de uma ação estatal efetiva, inclusive como a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados.

Os preceitos constitucionais balizam a resolução de conflitos em consonância com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, tanto no ordenamento jurídico brasileiro, como no direito de outras nações.

O reconhecimento da incidência obrigatória das normas constitucionais no Direito Ambiental demonstra não apenas uma tendência hermenêutica, mas a necessidade de se construir uma ordem jurídica mais próxima aos desafios da sociedade contemporânea, entre os quais se encontra o desenvolvimento sustentável.

Como afirma Milaré (2014, p. 70) no Direito do Ambiente, como também na gestão ambiental, a sustentabilidade deve ser abordada sob vários prismas: o econômico, o social, o cultural, o político, o tecnológico, o jurídico e outros. Na realidade, o que se busca, conscientemente ou não, é um novo paradigma ou modelo de sustentabilidade, que supõe estratégias bem diferentes daquelas que têm sido adotadas no processo de desenvolvimento, sob a égide de ideologias reinantes desde o início da Revolução Industrial, estratégias estas que são responsáveis pela insustentabilidade do mundo de hoje, tanto no que se refere ao planeta Terra quanto no que interessa à família humana em particular. Em última análise, vivemos e protagonizamos um modelo de desenvolvimento autofágico que, ao devorar os recursos finitos do ecossistema planetário, acaba por devorar-se a si mesmo.

Na sociedade contemporânea a divisão entre Direito Público e Direito Privado está minorada, tendo em vista que a dicotomia entre interesse individual e coletivo se funde para proteger o cidadão como partícipe da sociedade e titular de um fundamental ao meio ambiente. 

Segundo Guimarães (2006, p. 15) o sistema do direito europeu do ambiente tem uma visão dualista e exclusivamente centrada na economia, ao passo que o sistema jurídico ambiental português já agrega a capacidade funcional ecológica dos bens naturais, o patrimônio natural, e a proteção da sua capacidade de aproveitamento humano. Assim temos que objetivar no direito ambiental a proteção da capacidade de aproveitamento pelo homem de forma sadia e equilibrada do meio ambiente.

Portanto, no direito atual é raro um interesse particular que se desvincule em absoluto do interesse público, ou ao contrário, um interesse público, que em última instância não pretenda resguardar interesses individuais e promover a dignidade da pessoa humana. E ainda, temos em alguns casos a preponderância de interesses privados, e em outros, a preponderância dos interesses públicos, que nunca estão dissociados e sim fundem para proteger o cidadão como partícipe da sociedade e titular de um fundamental ao meio ambiente.

1.2. Direitos fundamentais e suas dimensões

Os direitos fundamentais advieram a partir dos ideais do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, mais particularmente com as concepções das constituições escritas em decorrência da necessidade de proteger o homem do poder estatal.  Não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos conforme a demanda de cada época, tendo esta consagração progressiva e sequencial nos textos constitucionais dado origem à classificação em gerações.

O surgimento de novas gerações não ocasionou a extinção das anteriores, há quem prefira o termo dimensão por não ter ocorrido uma sucessão desses direitos: atualmente todos eles coexistem (Novelino, 2009, p. 362-364).

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, §2º prescreve que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, ou seja, o rol dos direitos fundamentais não é restritivo. 

Para uma melhor compreensão do tema, citamos os ensinamentos de Moraes (2006, p. 106) que “os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente”.

Por conseguinte, os direitos fundamentais não são única e exclusivamente aqueles arrolados no Título II da Constituição. Como exemplo, podemos citar o direito ao meio ambiente previsto no artigo 225 e os direitos que limitam o poder de tributar do Estado, contidos em seus artigos 150 e seguintes, do Título VI, dentre outros.

Silva (2013, p.178) ensina que os direitos fundamentais não são a contraposição dos cidadãos administrados à atividade pública, como uma limitação ao Estado, mas sim uma limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dele dependem. Além da função de proteger o homem de eventuais arbitrariedades cometidas pelo Poder Público, os direitos fundamentais também se prestam a compelir o Estado a tomar um conjunto de medidas que impliquem melhorias nas condições sociais dos cidadãos.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são aqueles ligados ao valor liberdade, os direitos civis e políticos que estão presentes em todas as Constituições das sociedades democráticas, como exemplo citamos o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio, à propriedade, a igualdade perante a lei etc.

Mister se faz trazer os ensinamentos de Silva (2013, p. 182-283):

... direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito Constitucional brasileiro (art. 5º), e ainda por liberdades civis e liberdades-autonomia.

Após a Primeira Guerra Mundial, o mundo assistiu a deterioração do quadro social, a degradação do próprio homem, da vida humana e a chegada de um modelo novo de Estado, o Estado Social de Direito, cujo

... século marcado por convulsões bélicas, crises econômicas, mudança sociais e culturais e progresso técnico sem precedentes (mas não sem contradições), o século XX é, muito mais que o século anterior, a era das ideologias e das revoluções. [...] É, portanto, um século em que o Direito público sofre poderosíssimos embates e em que à fase liberal do Estado constitucional vai seguir-se uma fase social (Miranda, 2000, p.88).

Daí decorre a segunda dimensão dos direitos fundamentais que necessita de uma ação do Estado para proporcionar condições mínimas de vida com dignidade, são os direitos sociais, econômicos e culturais.

Neste contexto houve a busca por diminuir as desigualdades sociais e proporcionar proteção aos mais fracos. Os direitos tais como o de assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho, lazer, dentre outros buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas.

Estes direitos de segunda dimensão cuidam não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, de propiciar o direito ao bem-estar social.

A partir da terceira década do século XX, os Estados antes liberais começaram o processo de consagração dos direitos sociais ou direitos de segunda geração, que traduzem uma evolução na proteção da dignidade humana. Destarte, o homem, liberto do jugo do Poder Público, reclama uma nova forma de proteção da sua dignidade, como seja, a satisfação das carências mínimas, imprescindíveis, o que outorgará sentido à sua vida (Ferreira Filho, 2005, p. 41).

Com os direitos da segunda dimensão e a definição clássica dos direitos de liberdade, ocorre o despertar da conscientização de proteger a instituição, uma realidade social mais fecunda e aberta à participação e valoração da personalidade humana.

Após a Segunda Guerra Mundial, ligada ao surgimento de entidades como a Organização das Nações Unidas (1945) e a Organização Internacional do Trabalho (1919), surge a proteção internacional dos direitos humanos, voltado para a essência do ser humano, ao destino da humanidade, pensando o ser humano como gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade determinada (Araújo e Nunes, 2005, p. 116).

Diante desta perspectiva surge um novo escopo jurídico que se vem somar aos direitos do homem com os historicamente versados direitos de liberdade e igualdade, ou seja, a terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco.

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, ligados ao valor fraternidade ou solidariedade, são os relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação. São direitos transindividuais, em rol exemplificativo, destinados à proteção do gênero humano.

Moraes (2006, p. 60), acerca do assunto, ensina que por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos. É da proteção do próprio ser humano que emanam tais direitos, típicos direitos transindividuais. O direito à vida passa a ser analisado como um direito suscetível de ser lesado coletivamente. Isto é, uma lesão pode ser dirigida a uma ou muitas pessoas.

Ferreira Filho (2005, p 57) em busca de uma melhor forma de ensinar, fez uma relação entre as três dimensões de direitos e garantias fundamentais e o lema da Revolução Francesa, onde os de primeira dimensão seriam os relativos à liberdade os de segunda, os relacionados à igualdade e os de terceira, à fraternidade.

E por último temos os direitos de quarta dimensão que foram introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política e somados aos direitos das três primeiras dimensões almejam permitir o pleno exercício do direito à democracia, à informação e o ao pluralismo e a construção de uma sociedade aberta para o futuro.

O passo dos direitos fundamentais a essa nova dimensão de reconhecimento de direitos se deve a que, se já há algum tempo é perfeitamente possível observar a manipulação de animais e vegetais. Hoje a manipulação é sobre o ser humano diretamente, colocando-se no mundo uma discussão inicial sobre as possibilidades de se dispor do patrimônio genético individual, evitando a manipulação sobre os genes e ao mesmo tempo, mantendo-se a garantia de gozar das contemporâneas técnicas de engenharia genética.  Outro entendimento não há senão o de que além de versar sobre o futuro da cidadania e o porvir da liberdade dos povos os direitos fundamentais de quarta dimensão também se inferem a proteção da vida a partir da abordagem genética e suas atuais decorrências (Bonavides, 2006. p.572).

1.3. Meio ambiente na Constituição da República Federativa do Brasil

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a abordar o meio ambiente, visto que anteriormente o tema era tratado somente de forma indireta, nas normas hierarquicamente inferiores.

Conforme preceituado por Milaré (2014, p. 183),

A Constituição do Império, de 1824, não fez qualquer referência à matéria, apenas cuidando da proibição de indústrias contrárias à saúde do cidadão (art. 179, n. 24). ... A Carta de 1937 também se preocupou com a proteção dos monumentos históricos, artísticos e naturais, bem como das paisagens e locais especialmente dotados pela natureza (art. 134); incluiu entre as matérias de competência da União legislar sobre minas, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração (art. 16, XIV); cuidou ainda da competência legislativa sobre subsolo, águas e florestas no art. 18, ‘a’ e ‘e’, onde igualmente tratou da proteção das plantas e rebanhos contra moléstias e agentes nocivos.

A Constituição de 1967 insistiu na necessidade de proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 172, parágrafo único); disse ser atribuição da União legislar sobre normas gerais de defesa da saúde, sobre jazidas, florestas, caça, pesca e águas (art. 8º, XVII, ‘h’). A Carta de 1969, emenda outorgada pela Junta Militar à Constituição de 1967, cuidou também da defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 180, parágrafo único). Com o advento da Carta Federal de 1988 o meio ambiente passou a ser tido como um bem tutelado juridicamente.

A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental em diversos títulos e capítulos, trazendo mecanismos para sua proteção e controle, sendo tratada por alguns como “Constituição Verde” (Silva, 2013, p. 46).

O Título VIII, Capítulo VI, art. 225, caput, da Carta Magna trata da Ordem Social e preceitua “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para às presentes e futuras gerações”.

Neste contexto, a ninguém foi resguardado o direito de causar danos ao meio ambiente, pois estaríamos agredindo a um bem de todos e causando danos não só a nós mesmos, mas à coletividade.

Ao tratar do tema Machado (2013, p.155) no tocante à sadia qualidade de vida, ressalta que só pode ser conseguida e mantida se o meio ambiente estiver ecologicamente equilibrado. Ter uma sadia qualidade de vida é ter um meio ambiente não poluído. O meio ambiente oferece aos seres vivos as condições essenciais para a sua sobrevivência e evolução. Essas condições, por sua vez, influem sobre a saúde humana podendo causar graves consequências, para a qualidade de vida e para o desenvolvimento dos indivíduos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagra que [...] toda pessoa tem direito a um nível de vida própria a garantir sua saúde, seu bem estar e de sua família.

O homem tem um direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatória, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem estar, tem o dever solene de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras, conforme princípio preconizado na Conferência de Estocolmo de 1972.

A Conferência das Nações Unidas de 1992 (Rio-92) reiterou o caráter fundamental do meio ambiente ao assinalar que todos os seres humanos têm "direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza".

O meio ambiente neste contexto passa a ser um bem de fruição coletiva, um direito fundamental, por expressar, um valor inerente à pessoa humana, o direito de viver, com qualidade e um meio ambiente sadio.

O legislador brasileiro expressamente consignou a expressão "meio ambiente", como um direito fundamental, no Título VIII ("Da Ordem Social"), em seu Capítulo VI, no art. 225 e parágrafos da Constituição Federal de 1988, reservando um capítulo inteiro da constituição, para abarcar o tema.

Consoante previsto nos artigos 1º, 170 e 225 da Constituição Federal temos aqui um direito subjetivo e um direito de titularidade coletiva, vez que o legislador no corpo do artigo cravou a expressão "todos" têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, um direito essencial à qualidade de vida, um direito de bem de uso comum do povo, concretizando desta forma o Estado Democrático de Direito e para a coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O direito ao meio ambiente pertencente aos direitos fundamentais, de terceira dimensão, pois pertence a categoria dos interesses difusos, que alcança a uma coletividade indeterminada, consagrando o direito de solidariedade, entre as gerações e consequentemente o desenvolvimento sustentável.

O artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal eleva a proteção ambiental como um direito fundamental de todo cidadão, com efeito erga omnes, ao estabelecer que: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Dessa forma, constitui uma responsabilidade por parte do Poder Público a sua preservação, recuperação e revitalização, buscando valores que definem e protegem o bem jurídico preferencialmente de forma preventiva, para depois punir por meio de instrumentos adequados aqueles que ameaçam efetivamente ou coloquem em risco o equilíbrio dos recursos ambientais.

A denominada constitucionalização do meio ambiente se relaciona de maneira direta ao incremento da crise ambiental no âmbito da sociedade de risco e exige do administrador público uma coerente compreensão de conceitos que integram os novos paradigmas de interpretação hermenéutica para as normas do ordenamento jurídico ambiental, para o bom exercício do poder de polícia que encontra-se positivado no artigo 78 do Código Tributário Nacional e na doutrina.

A Constituição de 1988 comina sanções administrativas, civis e penais aos sujeitos que atentarem contra o meio ambiente e a ordem econômica, sujeitando os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados.

1.4. A efetividade da tutela constitucional ambiental

A tutela constitucional do meio ambiente tem fundamentos históricos, originados com a crise ambiental deflagrada em Estocolmo no ano 1972. No decorrer do final do Século XIX para XX teve inicio a organização do Estado de Direito Ambiental com a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), um momento de estruturação de um sistema legal de proteção dos recursos naturais, já que antes a legislação constitucional era esparsa e inespecífica. Somente a partir da, considerada Constituição Ecológica de 1988 tem-se um capítulo específico para tratar do meio ambiente.

O desenvolvimento econômico, tecnológico e genético trouxe consigo o incremento da crise ambiental global no âmbito da sociedade de risco que merece atenção na difícil missão de proteger a qualidade do meio ambiente e abranger a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico.

A defesa do meio ambiente possui caráter intergeracional uma vez que o direito abriga tanto as gerações presentes e futuras, e por pertencer à categoria de direito fundamental de terceira dimensão, possui três características fundamentais: a inapropriabilidade, a indisponibilidade e a indivisibilidade.

A natureza transindividual e difusa do bem ambiental deve ser defendida nas mais diversas formas, sendo os principais meios de operacionalização dessa tutela as vias judiciais da ação popular, nos termos do art. 5º, LXXIII da CF, da ação civil pública nos moldes ditados pela Lei nº 7347/85, e a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC). O uso das tutelas processuais civis ambientais foram intensificadas com a chegada do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) o que ampliou o campo de atuação.

O bem ambiental de natureza jurídica própria possui uma finalidade pública que o distingui dos demais bens jurídicos. Ele deve assegurar nos termos do art. 1°, III da CF/88, a sadia qualidade de vida, garantindo dessa forma a vida com dignidade, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A formulação do sistema constitucional em matéria ambiental torna o Estado provedor diante da impositividade dos preceitos verificados, e as situações jurídicas protegidas são tuteladas não só pela via da abstenção mas, sobretudo, pela viabilidade da obtenção de prestações positivas junto ao Estado.

Para Milaré (2014, p. 148):

Não basta, entretanto, apenas legislar. É fundamental que todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a existência efetiva da vida real; na verdade, o maior dos problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impunido e impunível, à legislação vigente. É preciso, numa palavra, ultrapassar a ineficaz retórica ecológica – tão inócua quanto aborrecida – e chegar às ações concretas em favor do ambiente e da vida. Do contrário, em breve, nova modalidade de poluição – a “poluição regulamentar” – ocupará o centro de nossas preocupações. 

A constitucionalização do meio ambiente impõe ao Poder Público a garantia da proteção ambiental e à sociedade e cada indivíduo o dever de contribuir na tarefa de preservar a natureza, concretizando assim a democracia participativa tão almejada.

Neste contexto, Machado (2013, p. 170) destaca que:

A Constituicao inova profundamente na proteção dos espaços territoriais, como, por exemplo, unidades de conservação, Áreas de Preservação Permanente- APPs e Reservas Legais Florestais. Poderão essas áreas ser criadas por lei, decreto, portaria ou resolução. A tutela constitucional não está limitada a nomes ou regimes jurídicos de cada espaço territorial, pois qualquer espaço entra na orbita do art. 225, § 1º, III, desde que se reconheça que ele deva ser especialmente protegido. O inciso em análise é autoaplicável, não demandando legislação suplementar para ser implementado, sublinhando-se que nele não está inserida a expressão “na forma da lei”. Ainda que contivesse tal expressão, nem por isso retiraria sua força abrangente.

O papel da jurisprudência no Brasil foi inovado pelo novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de16 de março de 2015). O artigo 489, § 1º, inciso VI, não considera fundamentada qualquer decisão que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos. Enquanto o artigo 927 determina que os juízes e tribunais observarão, dentre outros, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos. 

Nesse contexto brasileiro, como ainda há poucas decisões vinculantes dos tribunais superiores na temática ambiental, crescem em valor as 11 teses publicadas pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, no encarte Jurisprudência em Teses nº 30 (2015, p. 1-5), como fruto de seu entendimento pacificado:

1) Admite-se a condenação simultânea e cumulativa das obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar na reparação integral do meio ambiente.

2) É vedado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA impor sanções administrativas sem expressa previsão legal.

3) Não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, não existindo permissão ao proprietário ou posseiro para a continuidade de práticas vedadas pelo legislador.

4) O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva.

5) É defeso ao IBAMA impor penalidade decorrente de ato tipificado como crime ou contravenção, cabendo ao Poder Judiciário referida medida.

6) O emprego de fogo em práticas agropastoris ou florestais depende necessariamente de autorização do Poder Público.

7) Os responsáveis pela degradação ambiental são co-obrigados solidários, formando-se, em regra, nas ações civis públicas ou coletivas litisconsórcio facultativo.

8) Em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado.

9) A obrigação de recuperar a degradação ambiental é do titular da propriedade do imóvel, mesmo que não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem.

10) A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC)

11) Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental. (Súmula 467/STJ) (Tese julgada sob o rito do art. 543-C).

O reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 e abarcado pela jurisprudência, que é fonte tradicional do Direito, consistem em instrumentos que garantem a efetividade da tutela constitucional ambiental e a formação de uma sociedade democrática, solidária e participativa.  A importância da jurisprudência no Brasil ainda não é tão relevante como em países que adotam o sistema da Common Law, a exemplo da Inglaterra e Estados Unidos, mas vem obtendo cada vez mais relevância. Os meios para assegurar a proteção desse direito/dever devem buscar a preservação da qualidade e dignidade da vida humana e do equilíbrio ecológico, para as presentes e futuras gerações. 

1.5. Perspectivas e princípios do direito ambiental brasileiro

A partir da revolução industrial, com a mudança da forma de produção e maior consumo das matérias primas, tem-se o maior grau de impacto ambiental, entretanto a legislação da época limitava-se a lidar com a propriedade dos recursos naturais.

Em junho de 1972 a Organização das Nações Unidas realizou em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, aprovando ao final um documento denominado a Declaração Universal do Meio Ambiente que declarava que os recursos naturais, como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna, devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar esse princípio em sua legislação de modo que esses bens sejam devidamente tutelados.

Neste momento temos o grande marco internacional do surgimento de um ramo da Ciência Jurídica capaz de regular as atividades humanas efetiva ou potencialmente causadoras de impacto sobre o meio ambiente.

No Brasil a edição da Lei nº 6.938, em 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e começou a tratar os recursos ambientais de forma integrada e holística foi o grande marco do surgimento do Direito Ambiental, que ganha autonomia como ramo da Ciência Jurídica a ponto de ter os seus próprios princípios.

O significado da palavra princípio é alicerce, a base ou o fundamento de alguma coisa. A origem deste vocábulo é latina e tem o sentido de aquilo que se torna primeiro, ou seja, a acepção de início ou de ponto de partida.

Entre as fontes do Direito estão a lei, os costumes, a jurisprudência, a doutrina, os tratados e convenções internacionais e os princípios jurídicos. É com base nos princípios jurídicos que são elaboradas as leis, a jurisprudência, a doutrina e os tratados e convenções internacionais, vez que eles expressam os valores mais essenciais da Ciência Jurídica. Pode ser que não exista lei, costumes, jurisprudência, doutrina ou tratados e convenções internacionais para uma realidade fática, mas em qualquer situação os princípios jurídicos poderão ser aplicados.

Na opinião de Canotilho e Leite (2012, p. 122), os princípios desempenham um papel mediato, ao servirem como critério de interpretação e de integração do sistema jurídico, e um papel imediato ao serem aplicados diretamente a uma relação jurídica. Para o autor as três funções principais dos princípios são impedir o surgimento de regras que lhes sejam contrárias, compatibilizar a interpretação das regras e dirimir diretamente o caso concreto frente à ausência de outras regras.

Ao consagrar o meio ambiente como um direito humano fundamental é imprescindível a detida análise dos Princípios do Direito Ambiental, e que entendamos o próprio sistema jurídico ambiental e o seu reconhecimento como categoria normativa própria.

Os princípios norteadores do Direito Ambiental em geral podem estar expressos ou implícitos no texto da constituição federal, são setoriais e colaboram na concretização do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No Brasil os princípios têm valor normativo, e não apenas valorativo, interpretativo ou argumentativo, e assim sendo se encontram hierarquicamente superiores a qualquer regra. Os princípios são a base do ordenamento jurídico, é a eles que as regras se adequam e quando isso não ocorrer deverá a mesma ser considerada nula.

Feitos esses apontamentos, iniciemos o estudo dos Princípios Ambientais pelo Princípio da Precaução por força de sua relevância na pauta do Direito Ambiental moderno.

O Princípio da Precaução, também denominado In dúbio pro natura ou In dúbio pro ambiente, define que se diante da tecnologia disponível pelo órgão técnico-ambiental em um determinado momento da história não conseguir se antevir os danos ambientais que determinada atividade ou empreendimento poderão originar, deve-se dar prevalência ao meio ambiente, não permitindo que a atividade ou empreendimento venham a se desenvolver até que se disponha de elementos suficientes para aferir as consequências que poderão ser geradas.

No âmbito do Direito Ambiental Internacional, encontramos o Princípio da Precaução, no Princípio 15 da Declaração do Rio - Eco 92, ao dispor que os Estados deverão aplicar o critério de precaução quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente.

Em decorrência do Princípio da Precaução, temos o Principio da Prevalência da Norma mais Benéfica ao Meio Ambiente, ou seja, diante de várias normas, mesmo que provenientes de diferentes fontes, aplica-se sempre a que for mais favorável. Temos por exemplo, o art. 5°, §2° Lei 7661/88, que ao tratar do Zoneamento Costeiro, dispõe que no conflito entre as normas do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro, prevalecerá a norma mais restritiva.

Do mesmo modo possui grande relevância para o estudo do Direito Ambiental, o Princípio da Prevenção exige que o órgão técnico-ambiental ao permitir a atividade ou empreendimento nocivo ao meio ambiente, deva se valer de medidas tendentes a evitar ou reparar o dano ambiental.

Preliminarmente o órgão técnico-ambiental deverá buscar mecanismos para evitar o dano ambiental gerado pela atividade ou empreendimento, buscando soluções alternativas que não venham a lesar o ecossistema. Contudo, se não for possível evitar que o dano ambiental causado pela atividade ou empreendimento desenvolvido venha a ocorrer, deve-se ao menos garantir formas de reparação da lesão ambiental por meio de medidas compensatórias.

Temos o Princípio da Prevenção no ordenamento jurídico nacional, dentre outros dispositivos, na leitura do art. 225, § 2º, da Carta maior de 1988 e no art. 4º, VI, Lei  nº 6938/81, ao dispor que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida.

O Princípio da Responsabilidade é imprescindível para o equilíbrio do sistema jurídico-ambiental, determinando que aquele que causa o dano ambiental deve responder nas esferas penal, civil e administrativa.  Por força das regras gerais do direito, o autor poderá responder em qualquer uma ou mesmo nas três esferas, visto que os campos penal, civil e administrativa são independentes.

O Princípio da Responsabilidade está insculpido no art. 225 § 3º, da Carta Maior de 1988 dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. E ainda, no art. 4º, VII, 1ª parte da Lei nº 6938/81 traz a imposição ao poluidor da obrigação de indenizar os danos causados.

Quando da origem do Princípio do Poluidor-Pagador seu objetivo era corrigir falhas de mercado decorrentes das distorções nos preços dos productos, A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na década de 1970, reconheceu a necessidade de que os custos ambientais gerados pelas externalidades negativas fossem devidamente internalizados pelas atividades econômicas. Dessa forma, não seriam suportados unicamente pela sociedade, considerando-se de modo expresso, aliás, a destinação ambientalmente adequada de resíduos como medida indispensável para o controle da poluição. O princípio do poluidor-pagador também foi incorporado pelo Tratado que instituiu a antes denominada Comunidade Econômica Europeia (CEE), reconhecido na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

O Princípio do Poluidor-Pagador se liga ao denominado “Custo Ambiental”, assim entendido todos os valores despendidos por força das obrigações impostas pelas normas ambientais no controle e prevenção da poluição. Não constitui uma autorização para poluir contanto que se pague pelo dano gerado pela atividade nociva ao meio ambiente.

O empreendedor seguindo a lógica do Princípio do Poluidor-Pagador, deve internalizar todos os “Custos Ambientais” gerados por sua atividade, onde se inclui naturalmente os custos gerados pela poluição que eventualmente venha a causar. Este Princípio se faz presente no art. 4º, VII, Lei 6938/81, que ao tratar dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, traz a imposição ao poluidor da obrigação de  recuperar e/ou indenizar os danos causados.

Também deparamos com o Princípio do Poluidor-Pagador no âmbito do Direito Ambiental Internacional, no Princípio 16 da Declaração do Rio - Eco 92, ao dispor que “as autoridades nacionais devem fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em conta que o poluidor deve arcar com os custos da contaminação”. E ainda na esfera internacional, o Protocolo de Kyoto é um exemplo do Princípio, na medida em que gera a obrigação dos Estados-Parte de arcar com os custos da redução de emissões de gases poluentes.

No Princípio do Usuário-Pagador, temos o meio ambiente como bem difuso, transindividual de natureza indivisível, e nesta lógica a demanda que se alguém se aproveita dos recursos ambientais deve suportar isoladamente os custos pela sua utilização. Logo, não deve se falar em terceiros tolerando os custos daqueles que se beneficiaram pelo emprego dos bens ecológicos.

A incidência do Princípio do Usuário-Pagador é presente no artigo 4º, inciso VII, Lei nº 6938/81, que ao tratar dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente traz a imposição ao usuário da contribuição pela utilização de recursos ambientais. E também na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9433/97), ao trazer dentre seus instrumentos a cobrança pelo uso de recursos hídricos (artigo 5º, inciso IV).  Neste diploma legal a água é um bem de domínio público (artigo 1º, inciso I), inalienável (artigo 18), limitado e dotado de valor econômico (art. 1º, inciso II).  E por decorrência destas características há a possibilidade de cobrança pelo uso de recursos hídricos (artigos 19 e seguintes), e a racionalização do seu uso.

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável é substancial para compreensão do Direito Ambiental moderno, pois mediante sua realização, podemos compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente, como parte integrante do processo e não de forma isolada.

Podemos observar o Princípio do Desenvolvimento Sustentável no artigo 170, inciso VI, da Carta magna de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, ao dispor que a ordem econômica tem por fim a defesa do meio ambiente mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços nos seus processos de elaboração e prestação. Da mesma forma, dentre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (artigo 4º, inciso I, Lei nº 6938/81), há a exigência da compatibilização entre o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

No Direito Ambiental Internacional temos o Princípio do Desenvolvimento Sustentável com a mesma filosofia em inúmeros instrumentos, tais como na Convenção de Estocolmo de 1972, no Relatório Brundtland da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1987 e nos Princípios 1 e 4 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (ECO-92).

O dever defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações é do Poder Público e da coletividade nos termos do artigo 225, caput, da Carta maior de 1988, assim sendo, o Princípio da Participação Democrática ou da Participação Comunitária disciplina que o melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados.

Os Estados devem fomentar o acesso às informações de que dispõem as autoridades públicas sobre o meio ambiente, oportunizar a participação nos processos de tomada de decisões, fomentar a sensibilização e a participação do público e proporcionar acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos.

O Princípio da Participação Democrática ou da Participação Comunitária está presente na legislação referente ao Acesso Público à Informação Ambiental (Lei nº  10650/2003) e à Educação Ambiental (artigo 225, § 1º, VI, da CF 1988; Lei nº 9795/99 e na Lei nº 6938/81).

O Princípio da Ubiguidade tem por finalidade garantir a proteção ao meio ambiente, considerando-o como um fator relevante a ser estudado antes da prática de qualquer atividade que possa causar o dano ambiental, vez que os incidentes ambientais pelas suas próprias características não se restringem a determinada localidade, não tem fronteiras.

Esta característica transfronteiriça exige a notificação imediata sobre os desastres naturais ocorridos em determinado Estado que possam produzir efeitos nocivos ao meio ambiente de outros Estados. Destarte, a cooperação entre os Estados que podem ser afetados deve ser efetiva para desestimular ou evitar o deslocamento e a transferência a outros Estados de quaisquer atividades e substâncias que causem degradação ambiental.

A comunidade internacional deve consoante o Princípio da Ubiquidade envidar esforços para fazer o possível para ajudar os Estados afetados.

O Princípio da Solidariedade, consiste na mutualidade entre as gerações futuras e presentes no sentido de preservar o meio ambiente, atuando de forma sustentável a fim de que as próximas gerações possam continuar usufruindo de nossos recursos naturais.

Neste diapasão todos os causadores do dano ambiental, que praticam condutas ou atividades consideradas lesivas ao meio ambiente possuem a obrigação de reconstituir o meio ambiente afetado e devem responder de forma solidária pelo dano ambiental ocasionado, independente da existência ou não de culpa.

Em nosso ordenamento temos o Princípio da Solidariedade no artigo 225, § 3º, da CF de 1988 e no artigo 4º, VII, da Lei nº 6938/81.

Quanto ao ecossistema global todos os Estados deverão empenhar e cooperar com no espírito de solidariedade mundial para elaborar leis internacionais que observem o Direito Ambiental Internacional proporcionando a conservação e a proteção ao meio ambiente, devendo, na medida do possível, tratar os problemas ambientais mundiais com base no consenso internacional.

Nesta árdua tarefa de elaboração de leis, temos ainda, que estar atentos ao Princípio da Vedação da Proteção Deficiente, pois exige que os objetivos e prioridades em matérias de regulamentação do meio ambiente devem refletir o contexto ambiental e de desenvolvimento às quais se aplicam, vedada a criação de normas ambientais inadequadas.

O dever fundamental por parte do Poder Público e da coletividade na proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sob o viés de direito fundamental de terceira dimensão, pode não ser insuficiente, cabendo aos Estados promulgar leis eficazes de proteção aos ecossistemas.

O Princípio da Equidade na Participação Intergeracional está relacionado diretamente com o Princípio do Desenvolvimento Sustentável, vez que em as presentes gerações não podem deixar para as futuras gerações uma herança de degradação ambiental ou de estoque de recursos e benefícios inferiores aos que receberam das gerações passadas.

Temos neste Princípio a chamada equidade intergeracional que consiste na obrigação das presentes gerações de legar às gerações futuras o meio ambiente equilibrado, onde a tutela ambiental visa à proteção do meio ambiente levando-se em conta o caráter da limitação dos recursos naturais e que estes devem ser preservados para as gerações futuras, conforme podemos ver no art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988 e no Princípio 3 da Eco 92.

O Direito Internacional Ambiental criou e vem criando mecanismos de defesa do meio ambiente com o objetivo de aliar desenvolvimento e proteção ambiental, onde o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de forma tal que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações atuais e vindouras.

E para finalizar este tópico temos o Princípio do Respeito à Identidade Cultural e Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos Formadores da Sociedade que veio significar o reforço do papel fundamental na ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento realizado por força de seus conhecimentos e práticas tradicionais desenvolvidos pelos povos indígenas e suas comunidades, assim como outras comunidades locais.

A relação deste Princípio é direta com o Meio Ambiente Cultural, exigindo a garantia da preservação do patrimônio cultural brasileiro, portador de referência à identidade, à ação, e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

O Princípio do Respeito à Identidade Cultural e Interesses das Comunidades Tradicionais e Grupos Formadores da Sociedade está previsto, exemplificativamente, no Princípio 22 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (ECO-92) e artigo 216 da Constituição Federal de 1988.

Os Princípios de Direito Ambiental são normas jurídicas imperativas, dotadas de eficácia jurídica, e cujo conteúdo deve ser obedecido em âmbito local, regional e  internacional, para que haja no ordenamento a participação efetiva no pacto global firmado pelos Estados e pela coletividade na preservação e no melhoramento da vida natural e humana.

1.6. Poder de polícia ambiental

Desde a idealização do conceito de Estado, surgiu a ideia e a necessidade de um poder superior que pudesse regrar a coletividade em busca de um bem-estar comum, que mais tarde denominado como poder de polícia.

Ao longo da história a atuação do Estado evoluiu de um papel negativo, que buscava evitar a perturbação da ordem e assegurar o livre exercício das liberdades públicas, para um Estado cada vez mais intervencionista, que age em função do interesse público, para restringir e condicionar o exercício de direitos e liberdades por indivíduos, grupos ou classes. O poder de polícia, que é o principal instrumento do Estado no processo de disciplina e continência dos interesses individuais, reproduz, na evolução de seu conceito, essa linha ascensional de intervenção dos poderes públicos (Tácito, 1975, p. 134-135).

No ordenamento jurídico brasileiro o poder de polícia encontra-se previsto no artigo 78 do Código Tributário Nacional (CTN), havendo consenso doutrinário e jurisprudencial quanto ao conceito de ser o poder que exerce a Administração Pública sobre todas às pessoas, atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade, de forma a impor a supremacia do interesse público sobre o privado.

O poder de polícia é dotado das seguintes características: a) é atividade indelegável, exercida apenas pelo Estado; b) é divisível em poder de polícia administrativa e poder de polícia judiciária; c) é atividade com atributo de autoexecutoriedade; d) é atividade que permite ao Estado agir utilizando meios coativos; e) é atividade vinculada às normas, exigindo do Poder Público a plena e incondicional regulamentação, corolário do princípio da legalidade; f) é atividade que exige autoridade competente para ser exercido, e g) é atividade discricionária.

Na concepção de Carvalho Filho (2011, p.70) o poder de polícia materializa a prerrogativa de direito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade.

Enquanto para Mello (2006, p. 853) em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor.

Conceitualmente trata-se do modo de atuar da autoridade administrativa que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade, mediante a intervenção no exercício das atividades individuais. Não importa para tanto a existência ou não de dano para justificar o exercício do poder de polícia administrativa, basta o desrespeito a regra, de forma que não se deve confundir sanção administrativa com eventual responsabilização civil ou penal do infrator previstas no §3º do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira.  O exercício do poder de polícia administrativo poderá ocorrer na forma preventiva ou repressiva, conforme a circunstância assim exigir.

Para Mukai (2012, p.46) "a polícia judiciária aparece depois de cometida a infração, age a posteriori, investiga fatos já consumados, enquanto a polícia administrativa atua a priori, tentando evitar que os delitos sejam cometidos".

A aplicação do poder de polícia para proteção do meio ambiente deve atender ao regramento e às características do poder de polícia administrativo, sob a luz dos princípios do direito ambiental. O poder de polícia ambiental é realizado por meio de normas administrativas que disciplinam restrições ao uso da propriedade e às atividades em geral, visando ao equilíbrio ecológico.

No campo do direito ambiental a competência para o exercício do poder de polícia administrativa está descentralizada nos termos do artigo 23 e seus incisos da Constituição Federal do Brasil (1988), e regulamentado na forma da Lei Complementar nº 140 de 8 de dezembro de 2011, que “fixou normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”.

Até a edição da Lei Complementar n.º 140/2011, a competência ambiental para fiscalização operava-se em observância às regras da Resolução CONAMA nº 237/1997, cujo mérito apontava a aplicação do princípio da ponderação dos interesses por meio da hierarquização das relações em nível federal e garantia à União poderes mais amplos; aportando aos demais entes federados apenas os poderes residuais.  A fiscalização ambiental estava em parte prejudicada em razão da ocorrência das seguintes situações: a) complexo entrelaçamento entre os órgãos ambientais; b) geração de disputa de poder entre os órgãos ambientais; c) dificuldade de separação de competência para licenciar e fiscalizar, fazendo com que mais de um órgão atribuísse a si mesmo o direito de realizar e executar o ato administrativo ambiental.

Com o advento da Lei Complementar nº 140/2011 a situação passou a ser normatizada e a solução encontrada foi a atribuição da competência fiscalizatória ao órgão ambiental responsável pelo licenciamento.  Desta forma, conforme ensina Antunes (2012, p.166), o ente que não detenha a competência para licenciamento, somente poderá autuar uma atividade que não esteja em sua esfera de atribuição para licenciar, quando o órgão dotado da mencionada atribuição tenha se quedado inerte.

Temos ainda neste contexto, o fenômeno das parcerias público-privadas, instituído nos moldes da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que ao disciplinar normas gerais para licitação e contratação destas parcerias público-privada no âmbito da administração pública, traçou diretrizes, dentre as quais em seu artigo 4º, inciso III prevê a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado. Ocorre nestas parcerias o compartilhamento de tarefas estatais com certas organizações privadas que vigiam e controlam o uso adequado de certos bens ambientais que detenham um estatuto jurídico próprio.

Caldas (2011, p.65-74) traduziu bem esse tema ao evidenciar que:

A proteção ambiental, todavia, esbarra em interesses de ordem econômica, sendo este o grande desafio posto às autoridades, qual seja, um desenvolvimento sustentável, conceitualmente decomponível em sustentabilidade ambiental (manutenção das funções e componentes do ecossistema, de forma renovável), sustentabilidade econômica (capacidade de produção, distribuição e utilização equitativa das riquezas produzidas pelo homem) e sustentabilidade sóciopolítica (centra-se no equilíbrio social, com o desenvolvimento dos seus componentes humanos e culturais), dentre outras. A compatibilização dessas duas vertentes de interesses legítimos (ambiental e econômico) é o grande obstáculo a ser superado pelo Direito Administrativo e Ambiental.

...

Assim, as ditas PPP’s - Parcerias público-privadas se revelam hodierno importante instrumento de viabilização econômica da criação da infra-estrutura do País, com melhoras e vantagens significativas nas uniões de esforços que proporcionam entre o setor público e o privado (o qual a financia), especialmente quanto aos benefícios em termos de incentivo à preservação e restauração do ecossistema envolvido, de forma direta ou indiretamente nos projetos, maxime quando em comparação com os modelos clássicos de contratações públicas na gestão ambiental com desenvolvimento sustentável.

...

As discussões contemporâneas sobre as parcerias público-privadas se encontram com seu início nos idos de junho de 1988, em Milão, quando ocorreu um seminário internacional sobre as possibilidades jurídicas de cooperação financeira e organizacional entre os particulares e as Administrações Públicas locais nas áreas urbanas, com o objetivo de se identificarem quais os modelos mais eficazes para o envolvimento do empresariado (no financiamento e na gestão das atividades públicas) fora dos jurídico-organizacionais tradicionais e por meios diferentes de aporte do capital necessário aos empreendimentos.

Depois, elas somente vão surgir no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei nº 11.079/04, a qual lhes confere a característica ora de contrato administrativo, ora de concessões de obras e serviços públicos, mediante o implemento de novas e diferenciadas garantias e repartições de riscos das atividades desempenhadas.

...

Porém, se de um lado as parcerias público-privadas permitem a subvenção ou pagamento integral pelo Estado das despesas com os serviços públicos e o repasse integral ao particular dos riscos com o financiamento da infra-estrutura, e. g., de saneamento básico, por outro elas têm uma severa restrição orçamentária em termos de valores contratuais mínimos e níveis de endividamento do ente de direito público interno, o que torna seu uso bastante restrito.

Assim, de modo geral, as vantagens de aplicabilidade a projetos ambientais das parcerias público-privadas é evidente a partir do fato de permitirem compartilhamento do risco, redução do lapso para a implantação e estímulo às inovações, modernizações e melhorias a cargo do setor privado, principalmente em atividades como de saneamento básico financeiramente insustentáveis, onde existe o plausível risco do concessionário assumir uma atividade deficitária. 

...

Não obstante serem forma de financiamento da infraestrutura pública, ninguém se engana, as parcerias público-privadas representam um endividamento de longo prazo para o Estado, em graus controlados de responsabilidade fiscal, mas, seguramente, um endividamento. Somente com preparo e educação ambiental por parte também da Administração Pública é que se poderá encontrar a homeostase orçamentária para sua benéfica utilização.

Daí concluir-se pela necessidade de uma austera gestão ambiental descentralizada e democrático-participativa, na medida do possível não apenas com participação popular (a sociedade civil organizada, muitas vezes detentora de melhores conhecimentos técnicos, auxiliando e participando na tomada das decisões administrativo-ambientais), mas com controle social (afora o externo já exercido, por exemplo, pelo Ministério Público, Tribunais e Conselhos de Contas, e por intermédio do Poder Judiciário), segundo mecanismos, institutos jurídicos que permitam ao cidadão acompanhar os serviços públicos (tanto os em geral, que possuam algum impacto ambiental, como os de saneamento básico, cujos reflexos ecológicos são diretamente sentidos), além de também impugnar diretamente irregularidades no seu desempenho e trato das questões ecológicas.

De outro lado, é evidente a necessidade de se implementar uma sinergia ainda maior entre os vários pólos de competência ambiental, de modo a que haja uma harmônica troca de informações e uma atividade regulatória coordenada e mutualista entre os vários órgãos e entidades estatais, além de concertada, isto é, dialogada com o setor produtivo da sociedade, maximizando a fiscalização com uma profícua união de esforços e de recursos humanos, como também financeiros, haurindo do SISNAMA a efetividade que há tanto se espera.

Ignorar essas necessidades hodiernas é ignorar a própria realidade e, em última análise, descurar das políticas públicas ambientais, deixando-se de implementá-las quando e na proporção em que necessárias para a garantia do tão propalado desenvolvimento sustentável, no qual se insere a idéia do equilíbrio entre a preservação ambiental e o progresso econômico do País (art. 4º, I, da Lei nº 6.938/81).

O poder de polícia ambiental  deve ser adequadamente utilizado, especialmente, na imposição do interesse coletivo sobre o interesse privado, inclusive para coibir conduta dos próprios entes públicos, disciplinando e sancionando a própria pessoa de Direito Público e o ente paraestatal, seja qual for sua natureza ou hierarquia, tudo em homenagem ao bem-estar da coletividade, da presente e das futuras gerações.

Para Dawalibi (1999, p. 97) os atos de polícia em matéria ambiental são instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a exemplo daqueles arrolados no artigo 9º da Lei nº 6938/81 como o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental (inciso I); zoneamento ambiental (inciso II); avaliação de impactos, licenciamento ambiental e a respectiva revisão das atividades potencialmente poluidoras, entre outros mais.

Os agentes públicos que no dever de exercer o poder de polícia, deixarem de agir, de formas omissiva ou comissiva, deverão responder por infrações administrativas previstas na Lei dos Crimes Ambientais (artigo 70 da Lei nº 9.605/98), além de responder por improbidade administrativa (artigo 11, inciso II da Lei nº 8.429/98).

1.6.1.   Antecedentes do poder de polícia 

Historicamente o significado do termo poder de polícia está situado ao longo do tempo, inicialmente, na Antiguidade e Idade Média, em seguida dentro do que se denominou estado de polícia e, por fim, dentro do estado de direito compreendido neste o estado liberal, o social e o democrático.

Segundo Cretella (2006, p.405) a palavra portuguesa polícia, representada nas várias línguas românicas e anglo-germânicas, origina-se do grego politeia através da forma latina politia. Ligada etimologicamente ao vocábulo política, pois ambas vêm do grego pólis (= cidade, Estado), indicou entre os antigos helênicos a constituição do Estado, o bom ordenamento, sendo utilizado para designar todas as atividades da cidade estado (pólis), sem qualquer relação com o sentido atual da expressão (Di Pietro, 2003, p. 109).

Pari passu Cretella (2006, p.405) leciona que na antiguidade limitou-se à organização do Estado estabelecendo a idéia de governo e estrutura deste. Durante a Idade Média, no período feudal, o sentido do vocábulo teve nova vertente, tendo sido usado para designar a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa da competência exclusiva da autoridade eclesiástica.

De acordo com Di Pietro (2003, p. 109) nesta época, havia o jus politiae, poder do qual o príncipe era detentor e que designava a este ampla ingerência na vida particular dos cidadãos, incluindo a vida religiosa e espiritual, sempre com o pretexto de alcançar a segurança e o bem-estar coletivo. Compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que se colocavam fora do alcance dos tribunais. Esta fase foi denominada de estado de polícia.

Medauar (2006, p. 331-332) ensina que na Idade Média, a partir do século XI, é retirado da noção de polícia o aspecto referente às relações internacionais e já se detecta o exercício do poder de polícia, tal como é hoje considerado, no âmbito das comunas (municípios) européias, por seus administradores, contribuindo para fixar a raiz nascente da cidade moderna. Saindo aos poucos do âmbito da polícia as matérias relativas à justiça e às finanças.

No estado de direito, conforme Di Pietro (2003, p. 109-110) temos nova fase em que já não se aceita a idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Além de que a preocupação passa a ser a de assegurar ao indivíduo uma série de direitos subjetivos, dentre os quais a liberdade. Em conseqüência, tudo o que significasse uma interferência nessa liberdade deveria ter um caráter excepcional. A regra era o livre exercício dos direitos individuais assegurados nas Declarações Universais de Direitos, transpostos depois para as constituições.

Doravante segundo Medauar (2006, p. 332) a polícia passa a ser vista como uma parte das atividades da Administração, destinada a manter a ordem, a tranquilidade, a salubridade públicas. Momento em que o vocábulo “polícia” deixou de ser usado isoladamente e surgiu primeiramente na França, a expressão polícia administrativa, sendo esta essencialmente uma polícia de segurança (Di Pietro, 2003, p. 110).

Posteriormente, no Estado de Direito, verifica-se um cuidado maior do ente estatal com sua face democrática, o que refletiu no exercício do poder de polícia e a população obrigatoriamente participa das negociações, estando até organizada em classes. É o estado democrático de direito procurando garantir o pleno exercício dos direitos e liberdades pessoais assegurados em Lei e vinculando seus atos.

Destarte, a transformação ocorrida na concepção do poder de polícia ao longo da história norteou sua execução nos dias atuais e permitiu a consagração de um Direito Administrativo estruturado e embasado em princípios basilares à atuação da Administração Pública, sendo atualmente conceituado o poder de polícia como “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (Di Pietro, 2003, p.111).  

Considerando o fato de que o conceito de poder de polícia, ao longo dos tempos teve várias interpretações de acordo com realidade histórica de cada época e, que hoje, no Brasil só existem regulamentos executivos, isto é, para a fiel execução das leis. Foge à alçada regulamentar inovar na ordem jurídica. Para nós, então, não interessa indagar se se trata de segurança, ordem ou salubridade públicas, ou qualquer outro setor, uma vez que se encontram niveladas todas as intervenções da Administração (Mello, 2006, p. 734-735).

Temos no artigo 78 do Código Tribunal Nacional (Lei nº 5.172/66), o conceito para o poder de polícia da Administração:

Art. 78.  Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Há também na Constituição Federal de 1988, em vários artigos e incisos que tratam do poder de polícia como, por exemplo, o artigo 5º, VI, VIII, XIII, XVI, XXIII e XXIV, artigo 145, II, artigo 170 e artigo 172, entre outros.

A título de conceituação, mas abordando um outro aspecto importante, Justen Filho (2005, p. 385) afirma que “o poder de polícia administrativa é a competência administrativa de disciplinar o exercício da autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade”. 

A partir deste conceito é possível observar o caráter limitativo da conduta individual do ser humano por parte do poder de polícia, em prol de uma situação de convivência social aceitável e permissiva de benefícios à coletividade.

1.6.2.   Atos de polícia na proteção do meio ambiente

O poder de polícia é um instrumento relevante de harmonização de direitos fundamentais, fazendo com que os direitos individuais sejam exercidos com respeito aos direitos de terceiros. A sua legitimidade depende da estrita observância das normas legais e regulamentares, sendo necessário que o agente atue dentro dos contornos estabelecidos pela regra de direito. A utilização dos recursos ambientais é atividade submetida ao poder de polícia do Estado. É o exercício do poder de polícia que servirá de parâmetro para os limites de utilização, legítimos, segundo a ordem jurídica vigente (Antunes, 2012, p. 175).

Consoante a lição de Justen Filho (2005, p. 693 e 696) a vinculação do Estado ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e ao princípio do desenvolvimento sustentável fundamenta a estruturação, pelo poder público, de uma regulação ambiental apropriada para lidar com os desafios cada vez mais complexos, difíceis e globais que afloram na contemporânea sociedade de risco. Cabe frisar que a regulação administrativa evoluiu desde uma concepção limitada a suprir as falhas de mercado (primeira onda regulatória), para admitir justificativas não exclusivamente econômicas (segunda onda regulatória ou fase da regulação social). 

A Administração Pública no exercício do poder de polícia pode atuar de diversas formas. Seja editando atos normativos, os quais têm como característica o seu conteúdo genérico, abstrato e impessoal, qualificando-se, por consequência, como atos dotados de amplo círculo de abrangência. Em tais situações, as restrições são materializadas por meio de decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções e outros de conteúdo igual.

Pode criar, ainda, atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos plenamente identificados, como são os estabelecidos por atos sancionatorios, como a multa, e por atos de consentimentos, como as licenças ou autorizações.

No caso para regular determinada matéria, tal como o desempenho de profissão ou edificações, deverá editar atos normativos. Contudo, quando interdita um estabelecimento ou concede autorização para porte de arma, pratica atos concretos.

O Poder Público estabelece determinações quando a vontade administrativa se apresenta impositiva, de modo a gerar deveres e obrigações aos indivíduos, não podendo estes se eximir de cumpri-los. Os nomeados atos de polícia possuem, no que toca ao objeto que visam, dupla qualificação, a saber: ou materializam determinações de ordem pública ou substancializam consentimentos dispensados aos indivíduos. A polícia administrativa resulta de verificação que fazem os órgãos competentes sobre a existência ou inexistência de normas restritivas e condicionadas, relativas à atividade pretendida pelo administrado (Carvalho Filho, 2011, p.78).

E ainda, órgãos e entidades que prestam serviços públicos por delegação sujeitam-se ao poder de ordenamento municipal quanto à localização de seus estabelecimentos e só podem instalar-se legitimamente mediante a expedição de alvará de licença.

Consoante o apurado magistério de Machado (2013, p.385), há a materialização do poder de polícia ambiental pela Administração Pública quando limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em decorrência do interesse público referente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades, dependentes da concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público. Destarte, o campo de atuação do poder de polícia originariamente estava restrito à segurança, à moralidade e à salubridade, expandindo-se, atualmente, para a defesa da economia e organização social e jurídica, em todos os âmbitos imagináveis.

O poder de polícia está destinado a limitar ou regrar os direitos individuais. Entretanto, deve ser colocada a questão do exercício do poder de polícia disciplinando e sancionando a própria pessoa de Direito Público e o ente paraestatal. Tal fato deriva da premissa que empresas públicas se utilizam também de recursos ambientais no desenvolvimento de suas atividades. Assim sendo, constata-se que não apenas os particulares como entes paraestatais são poluidores em potencial, não sendo, portanto, justo dispensar um tratamento desigual, deixando os possíveis poluidores públicos sem qualquer controle, por parte da Administração, por meio dos órgãos especializados. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento que:

Ementa: Administrativo. Ambiental. Ação civil pública. Dano ambiental.

Legitimidade passiva. Responsabilidade civil do Estado. IBAMA. Dever de fiscalização. Omissão caracterizada. 1. Tratando-se de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo. 2. O poder de polícia ambiental pode - e deve - ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente. Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente, obstando a perpetuação da infração. 3. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causados aquele que tenha contribuído apenas que indiretamente para a ocorrência da lesão. Agravo regimental improvido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.417.023/PR/ Relator: Ministro Humberto Martins/ Julgado em 18 ago. 2015/ Publicado no DJe em 25 ago. 2015).

Ementa: Ambiental. Infração administrativa. Campo de aplicação. Lei 9.605/1998. Transporte e armazenamento irregulares de carvão vegetal de espécies nativas. Indústria siderúrgica. Infração penal e administrativa. Multa. Legalidade. Distinção entre sanção administrativa e sanção penal. ... 2. A multa aplicada pela autoridade administrativa é autônoma e distinta das sanções criminais cominadas à mesma conduta, estando respaldada no poder de polícia ambiental. Sanção administrativa, como a própria expressão já indica, deve ser imposta pela Administração, e não pelo Poder Judiciário. 3. "Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente" (art. 70 da Lei 9.605/1998). ...” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.245.094/MG/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 28 jun. 2011/ Publicado no DJe em 13 abr. 2012)

Assim como os direitos individuais gozam de relatividade, do mesmo modo o poder de polícia jamais poderá colocar em perigo bens tutelados ao longo da história como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização excessiva resultar em abuso de poder, e consequentemente, o controle jurisdicional do ato de polícia.

Portanto, o poder de polícia administrativo ambiental é mais um dos instrumentos públicos a serviço da proteção ao meio ambiente. Neste sentido, dever ser adequadamente utilizado, especialmente, na imposição do interesse coletivo sobre o interesse privado, inclusive para coibir conduta dos próprios entes públicos, seja qual for sua natureza ou hierarquia, tudo em homenagem ao bem-estar da coletividade, da presente e das futuras gerações.

A Lei Complementa nº 140/2011 veio fixar normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no6.938, de 31 de agosto de 1981.

A intenção do legislador foi a de garantir a proteção ao meio ambiente por todas os entes da federação, em forma de cooperação mútua, onde a competência comum e a atuação dos entes é conjunta sem que o exercício de uma venha excluir a do outro.

A Lei Complementar 140/2011 disciplinou em todo no território brasileiro que cabe à União promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe,  no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva,  em terras indígenas, em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs),  em 2 (dois) ou mais Estados, de caráter militar.

Estão excetuados do mencionado licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) ou que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento. 

Aos Estados compete promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado os de competência da União e dos Municípios.

E restou aos Municípios observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

Em seu artigo 17 disciplinou o poder fiscalizador dos entes federados nos seguintes termos:

Art. 17.  Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

§ 1o Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.

§ 2o Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.

§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

No contexto deste artigo temos então três atos imprescindíveis à efetividade do poder fiscalizatório: o auto de infração ambiental e a instauração de processo para apuração de infrações, a comunicação de infração ambiental por qualquer pessoa e as situações de emergência ou de dano ambiental e o poder de polícia ambiental.

No ato de lavrar auto de infração no exercício da atribuição comum de fiscalização, será verificada a conformidade dos empreendimentos e atividades com a legislação ambiental.  Entretanto, deverá prevalecer o auto de infração lavrado pelo órgão que tenha a atribuição de licenciamento ou de autorização, exceto diante da inércia do órgão licenciador, hipótese em que o auto de infração e a imposição de sanção por outro ente federativo serão válidos e com efeitos duradouros.

A comunicação de infração ambiental pode ser realizada por qualquer pessoa integrante da coletividade (artigo 225, caput da CF/88), bastando para tanto se dirigir ou comunicar a ocorrência de uma infração ambiental ao órgão ambiental competente para lavrar o auto de infração.

Nas situações de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato tem o dever de determinar medidas necessárias (exercer o poder de polícia) para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, tão logo receba o  comunicado, e imediatamente comunicar ao órgão ambiental competente para instauração do processo de apuração da infração e prosseguimento da execução das medidas já adotadas ou outras que a legislação preveja.

Conforme leciona Milaré (2014, p. 337) é mais nobre educar do que punir, sem dúvida. O poder de polícia ambiental deve ser compreendido de forma mais abrangente, não apenas pela sua faceta repressiva, como também preventiva. Não somente por meio de ordens e proibições, mas igualmente mediante medidas consensuais, persuasivas e educativas. Todavia, em que pese o gradual aumento do emprego de instrumentos consensuais para o desempenho do poder de polícia, os atos de “comando-e-controle” não perdem seu lugar de destaque em muitas situações para impedir e punir infrações à legislação. Entretanto, há casos em que a punição integra o processo pedagógico.


CAPÍTULO 2. PREVENÇÃO DO DANO E GESTÃO DO RISCO AMBIENTAL

Uma das heranças do século XX para o século XXI foi a produção de danos ambientais decorrente do desenvolvimento tecnológico e da expansão do modelo industrial.

A proteção do meio ambiente vem adquirindo grande importância nas últimas décadas para atender às complexidades inerentes aos danos e riscos ambientais, sendo o marco divisor o art. 225 da Constituição Federal de 1988 ao determinar que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim, toda e qualquer ação que provoque alterações no estado de equilíbrio natural desse meio pode ser considerada um dano ambiental.

O estudo do dano ambiental busca promover inicialmente a definição do que vem a ser dano em âmbito civil, para adentrar no conceito do dano ambiental e nas características próprias que o distingue dos danos aos demais bens tutelados pelo direito.  

As numerosas dificuldades que surgem no que diz respeito à prova da existência do dano se dão em virtude da própria complexidade do bem jurídico específico protegido (ambiente) e das incertezas científicas que marcam o diagnóstico das suas consequências e do potencial ofensivo das atividades de risco, bem como das suas verdadeiras causas.

Considerando essa complexidade do contexto de estudo é imprescindível fazer uma breve análise da dimensão jurídica do dano ambiental, possibilitando uma classificação quanto aos interesses lesados (dano ambiental individual e dano ambiental coletivo), a prova do dano ambiental, o nexo causal e às teorias do risco concreto e abstrato e as esferas da responsabilidade na sociedade de risco.

Diante de tais preceitos, pode ser observada a importância do Direito Ambiental acompanhar as mutações estruturais havidas na evolução da Sociedade Industrial para uma sociedade de risco, em que, uma Teoria do Risco abstrato atua como condição de possibilidade da responsabilidade civil ser não apenas um instrumento de reparação de danos, mas também de assimilação dos riscos ambientais. 

2.1.  Conceito de dano ambiental

O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), em seu artigo 186, rege que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. E ainda, no seu artigo 927, estabelece que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Segundo Diniz (2005, p. 48), o dano consiste na “lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”.

Qualquer diminuição ou subtração de um bem jurídico, prejuízo causado por uma ação ou omissão de um terceiro que lesione um bem juridicamente protegido, gerando obrigação de ressarcimento constitui um dano.

O dano pode ser visto sobre dois aspectos: o patrimonial, que atinge diretamente o patrimônio econômico do lesado; e o extrapatrimonial ou moral, em que o prejuízo atinge o psicológico da vítima, ou seja, os direitos da personalidade é que são afetados.

O meio ambiente pertence a toda coletividade, independentemente da forma que se dê o seu domínio, que pode ser pública ou privada. A sua fruição, em todos os casos, será coletiva. É um bem jurídico autônomo e unitário que não se confunde com os demais bens jurídicos que o integram, tal como a fauna, a flora, etc. Tais elementos corpóreos que o compõe são objeto de legislações próprias.

O inciso I do artigo 3º da Lei nº 6.938/81 - Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, introduziu preliminarmente o conceito de meio ambiente na legislação brasileira, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. 

A função preventiva da responsabilidade civil destacou-se nas questões ambientais em decorrência da responsabilidade civil por danos ambientais, prevista no artigo 14 da Lei nº 6.938/81 e do reconhecimento constitucional do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de ênfase preservacionista.

O entendimento da responsabilidade civil por danos ambientais como manifestação direta do Princípio do Poluidor Pagador, a partir da constatação de que quem contamina, paga, impõe ao instituto a existência de uma função dúplice no exercício do poder de polícia, ou seja, repressiva e preventiva. 

A responsabilidade civil objetiva representa de forma imediata a função repressiva “quem contaminar, deve pagar” pelos danos, atribuindo os custos da contaminação àquele que, em qualquer momento de sua produção, transporte, uso ou disposição final, tenha repercutido em dano ambiental.

A partir desta constatação a responsabilidade civil passa a ter não apenas um sentido jurídico (reparação de danos), mas um sentido econômico (ajuste de atividades), numa demonstração de seu potencial de integração intersistêmica entre direito e economia.

Do conceito legal de meio ambiente não se reduz ao ar, água e terra, deve incluir além destes elementos naturais, os demais elementos que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. Portanto, pode ser entendido como o patrimônio artístico, paisagístico, turístico, artificial e social.

A Constituição Federal de 1988 recepcionou a definição trazida pela Lei nº 6.938/81, em seu art. 225, o chamado núcleo do ambientalismo constitucional, amparou o meio ambiente natural, o artificial e o do trabalho, os definindo nos seguintes termos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 

Este mandamento constitucional supracitado (poder-dever) determina que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim, toda e qualquer ação que provoque alterações no estado de equilíbrio natural desse meio pode ser considerada um dano ambiental.

Para Milaré (2014, p. 116), “o dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais com consequente degradação, alteração adversa ou in pejus do equilíbrio ecológico.” O referido autor salienta que se deve entender por recursos ambientais não apenas os recursos naturais, mas também, os elementos da biosfera.  Por conseguinte, a noção de dano ambiental deve ser associada com um conceito amplo de meio ambiente, levando em consideração que o meio ambiente não se limita aos elementos naturais, mas também inclui elementos artificiais e culturais, sendo o fruto das interações entre os seres humanos e o meio natural.

Para Morato Leite (2003, p.94), o dano ambiental “constitui uma expressão ambivalente, que designa, em certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses”. Acrescenta, o autor, que existem duas acepções do dano ambiental, a primeira significa uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamado meio ambiente, e na segunda se refere aos efeitos que esta modificação gera à saúde das pessoas e em seus interesses.

Diante dos riscos ambientais vivenciados na sociedade do risco, para atender ao padrão de dignidade (e também salubridade) assegurado constitucionalmente, o direito de proteção à vida, deve ser ampliado no sentido de abarcar a dimensão ambiental nos atos que o regem.  A vida é condição elementar para o exercício da dignidade humana, embora essa não se limite àquela, uma vez que a dignidade não se resume a questões existenciais de natureza meramente biológica ou física, mas exige a proteção da existência humana de forma mais abrangente.

E quanto ao dano ambiental futuro é a expectativa de dano de caráter individual ou

transindividual ao meio ambiente. Não há dano atual nem certeza científica absoluta de sua ocorrência futura, mas tão-somente o risco, a probabilidade de dano às futuras gerações. Nesta concepção a constatação de alta probabilidade ou probabilidade determinante de comprometimento futuro da função ecológica ou da capacidade de uso humano dos bens ecológicos, ensejaria a condenação do agente às medidas preventivas necessárias (obrigações de fazer ou não fazer), a fim de evitar danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já concretizados.

Destarte, qualquer modalidade de prejuízo atual ou futuro que possa comprometer a qualquer um dos recursos ambientais indispensáveis à proteção da vida e à garantia de um meio ecologicamente equilibrado, pode compreender um dano ambiental no Direito Ambiental.

A doutrina apontou algumas características do dano ambiental, tendo em vista que o legislador pátrio não elaborou um conceito legal para definí-lo.

Temos duas correntes que se manifestam sobre o tema. A primeira, bastante criticada, mencionada por William Freire, indica a existência de três características do dano ambiental necessários à configuração do dever de indenizar: a sua anormalidade, periodicidade e gravidade. A outra, trazida por Milaré (2014, p.42), aponta como características: a pulverização de vítimas, difícil reparação e difícil valoração do dano ecológico.

2.1.1. Pulverização de vítimas 

Em regra, o dano tradicional atinge uma única pessoa ou um conjunto específico delas, podendo as vítimas ser individualizadas.  Entretanto, o ambiente é tido como “bem de uso comum do povo” (Artigo 225, caput da Constituição Federal), de modo que, ainda que tal prejuízo possa ser experimentado por alguém de forma individualizada, a lesão ambiental repercute em um número difuso de vítimas. O dano em que ocorre nos outros ramos do Direito difere do dano ambiental sendo este marcado pela pulverização de vítimas.

Sobre o tema exemplifica Milaré (2014, p.42), “o dano tradicional, um acidente de trânsito, p. ex., atinge, como regra uma pessoa ou um conjunto individualizado ou individualizável de vítimas, o dano ambiental, diversamente, pelo tratamento que o Direito dá ao bem ambiental (“bem de uso comum do povo”), afeta necessariamente, uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando alguns aspectos particulares da sua danosidade atingem individualmente certos sujeitos”.

A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências, trata o dano ambiental sobre dois ângulos, o da vítima imediata e o da vítima mediata. 

Por conseguinte, teremos o prisma público nos termos do seu art. 13, em que a vítima será sempre o meio ambiente e a indenização será cobrada via ação civil pública;  e nos termos do seu art. 14 o prisma privado, em que a vítima imediata será um indivíduo ou um grupo de indivíduos e a indenização visará recompor o patrimônio individual dos vitimados.

2.1.2.    Difícil reparação 

A difícil reparação é outra característica do dano ambiental. Na maioria dos casos, a reestruturação do meio ambiente ao seu status quo ante é bastante difícil ou muitas vezes impossível e a mera reparação pecuniária é insatisfatória para a recomposição do dano.

Quando da ocorrência de um dano ambiental a teoria da responsabilidade civil é insuficiente para solucionar a questão da reparação do meio ambiente.

O princípio da prevenção neste assunto é imprescindível e um instrumento importante em virtude do fato de que os prejuízos ocasionados ao meio ambiente são muitas vezes irreparáveis, devendo o poder público tentar evitar a ocorrência, coibir as agressões ou intentar a reparação direta do dano, e apenas subsidiariamente,  convertê-lo em um valor pecuniário para fins de reparação.

O retorno do meio ambiente à situação anterior ao evento danoso em muitos casos é impossível, por exemplo quando houve a extinção de uma espécie animal ou de um sítio arqueológico.

A recuperação da natureza sob o enfoque ecológico ao sofrer, em sua composição física e biológica, modificações por agressões que ela não consegue tolerar, jamais será completa.

Desse modo, conforme assevera Morato Leite e Demaria Venâncio (2017, p. 271), “a reparação ao meio ambiente, mesmo na forma de recuperação, recomposição e substituição do bem ambiental lesado, é um sucedâneo, dada a extrema dificuldade na completa restituição do bem lesado, isto é, equipara-se a um meio de compensar o prejuízo”.

Diante disso, a normatização para a conservação e manutenção do meio ambiente deve estar focada em estabelecer a permanência do equilíbrio ambiental.

2.1.3.  Difícil valoração 

Por último, no que se refere ao dano ambiental são imensas as dificuldades quanto à quantificação monetária, para cálculo da indenização equivalente ao dano ocasionado. Por exemplo, como quantificar, com precisão, quanto vale uma espécie animal ou vegetal extinta.

A finalidade precípua da imposição da valoração pecuniária ao dano ambiental como forma de reparação deve ser causar maior atenção e cuidado por parte de todos (coletividade) no uso e gozo do meio ambiente, bem como o desestímulo e desencorajamento do responsável para a prática de novas degradações.

Com a edição da Lei 8.884/94, que alterou o caput artigo 1ºda Lei 7.347/85, prevendo que os danos morais coletivos podem dar ensejo a ação de responsabilidade civil em matéria de interesses de toda coletividade, a dificuldade de valoração do dano foi ainda majorada, senão vejamos: Art.1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; (...).

Sendo esse o entendimento do STF, conforme jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. [...] 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente”. (STF - ADI: 3378 DF, Relator: CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 09/04/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-02 PP-00242). 

Embora seja difícil a valoração do dano ambiental, existem metodologias desenvolvidas pela economia, especialmente para esse fim que permitem avaliar economicamente os elementos do patrimônio natural apesar de os valores dos bens ambientais não serem expressos no mercado.  Tais metodologias são compostas por subsídios teóricos e práticos que permitem a construção de uma avaliação e valoração criteriosa, buscando a maior aproximação possível entre o dano causado e o valor da reparação.

2.2. Classificações do dano ambiental

Para o entendimento da doutrina sobre o dano ambiental, é importante fazer uma breve análise sobre os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a fim de que se possa compreender a sua classificação.

O artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90, trata  da defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas, nos seguintes termos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Portanto, os direitos difusos (inciso I) apresentam-se como um direito transindividual, uma vez que transcendem os limites da esfera de direitos e obrigações de cunho individual, ainda possuem um objeto indivisível, pois ao mesmo tempo que a todos pertence, ninguém em específico o possui.  Seus titulares indeterminados.

Neste contexto percebe-se nitidamente que existe uma grande dificuldade em precisar, ao certo, quais os indivíduos estão expostos a seus malefícios, o que se pode é, no máximo, estabelecer um provável espaço físico que estaria abrangido pela poluição, por exemplo do ar.

Os direitos coletivos (inciso II) são transindividuais, porque ultrapassam o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual e nesta hipótese possuem titulares determinados. Seu objeto também é indivisível, mas diferentemente dos direitos difusos, a indivisibilidade está restrita à uma categoria ou a uma classe titular do direito, de maneira que, por exemplo, a lesão a um único individuo afete aos demais.

Por último, os direitos homogêneos (inciso III) a lei não trouxe os seus elementos definidores, contudo é possível concluir que se trata de direitos individuais, com a peculiaridade de ser também um direito coletivo por conta da tutela coletiva a qual esses direitos poderão ser submetidos.  Os interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou, ao menos, determináveis que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato, por exemplo os prejuízos causados à compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série.

A classificação dos danos ambientais pode ser feita levando-se em conta diversos parâmetros. Quando a Lei n° 6.938/81, em seu artigo art. 14, § 1º, faz referência a existência de “danos causados ao meio ambiente e a terceiros”, pressupõe duas modalidades de dano ambiental, ou seja, quanto ao interesse envolvido e a sua reparabilidade.

No dano ambiental de reparabilidade direta ocorre a violação de interesses pessoais e reflete apenas ao meio ambiente considerado como um microbem. O indivíduo lesado terá direito a ser indenizado diretamente se comprovado o dano e o nexo de causalidade, e neste caso, podem ser ajuizadas ações individuais de maneira independente, não havendo efeito de coisa julgada entre a ação individual e a coletiva.

Enquanto que, o dano ambiental de reparabilidade indireta é aquele causado ao meio ambiente globalmente considerado, correlacionado a interesses difusos e coletivos., O macrobem ambiental é tutelado como patrimônio da coletividade. Na ocorrência deste tipo de dano é atingido um número indeterminado de pessoas, devendo ser exercido por Ação Civil Pública ou Ação Popular. Na forma do artigo 13 da Lei nº 7.347/85 as eventuais indenizações advindas desse tipo de dano são destinadas a um Fundo, e destinados à reparação dos bens lesados.

Outra classificação leva em conta a extensão dos bens protegidos, podendo quanto à amplitude do bem protegido, o dano pode ser ecológico puro, ambiental em sentido amplo, ambiental individual ou reflexo.

Segundo os ensinamentos de Morato Leite e Iglecias (2015, p. 272), para classificar o dano ambiental leva-se em consideração vários aspectos, tais como a amplitude do bem protegido, a reparabilidade, o interesse envolvido, a extensão do dano e, por último, os interesses objetivados.

Por dano ecológico puro entende-se aquele que afeta os bens próprios da natureza, os ecossistemas propriamente ditos. Enquanto, o dano ambiental em sentido amplo, envolve todos os elementos do meio ambiente, até o patrimônio cultural e artificial. No que concerne ao dano individual ou reflexo, segundo o autor aludido, seria um dano individual, um microbem ambiental, o bem ambiental coletivo somente estaria indiretamente tutelado.

Enfim ao levar em conta os interesses objetivados com a tutela jurisdicional pretendida, existem três tipos de dano ambiental: o dano ambiental de interesse da coletividade, o dano ambiental de interesse subjetivo fundamental e o dano ambiental de interesse individual.

O primeiro refere-se ao interesse da coletividade de preservar o meio ambiente lato sensu, seus titulares são formados por um grupo de pessoas ligadas por uma relação jurídica base. Nesse caso, a coletividade é identificada, como por exemplo: os moradores de uma comunidade, os trabalhadores de uma indústria. O grupo que sofre o dano tem legitimidade para buscar em conjunto a reparação.

O dano ambiental de interesse subjetivo fundamental é o interesse do particular em defender o meio ambiente, considerado como um macrobem coletivo, seus titulares são pessoas indeterminadas, que não podem ser identificadas individualmente, mas ligadas por circunstâncias de fato. Um exemplo disso seria no caso da poluição do ar, quando não se pode determinar, com precisão, quantas e quais as pessoas afetadas.

O dano de interesse individual é aquele cuja pessoa, individualmente afetada, pleiteia uma reparação ou indenização por agressão cometida ao meio ambiente. O interesse individual homogêneo é aquele que decorre de fato comum que causa prejuízo a vários particulares, podendo esses pleitearem ou não a reparação do dano por tratar-se de interesse particular e, por isso de natureza dispositiva. Os particulares lesados podem conjuntamente demandar em juízo a reparação dos prejuízos causados numa ação coletiva.

2.2.1.   Princípio do limite de tolerabilidade 

É de fundamental importância para a compreensão do tema a diferenciação entre o que é impacto ambiental e dano ambiental.

De Carvalho (2008, p. 102) nos ensina:

O limiar entre estes conceitos é composto por uma tênue linha-limite denominada pela dogmática jurídica de Princípio do Limite de Tolerabilidade. A função do referido Princípio de Direito Ambiental é estabelecer os limites fronteiriços e a diferenciação entre os impactos ambientais significativos (danos) e os impactos ambientais irrelevantes (impactos ambientais).

A fim de avaliarmos os limites que distinguem meras alterações no meio ambiente dos danos ambientais, entendemos ser necessária a compreensão de que qualquer alteração no meio ambiente, significativa ou não, tem a denominação de impacto ambiental (“lato sensu”).

A Resolução nº 1/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, conceitua o impacto ambiental:

Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

II - as atividades sociais e econômicas;

III - a biota;

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V - a qualidade dos recursos ambientais.

A avaliação do impacto ambiental é um instrumento de gestão de riscos ecológicos, destinado a apreciar previamente as vantagens econômicas e desenvolvimentistas de um empreendimento em relação às possíveis consequências ambientais.

Celi Frugoni (2013, p. 223) alerta sobre a importância desta avaliação para a sustentabilidade do planeta e da sociedade:

La sustentabilidad del planeta y de la sociedad en su conjunto requiere de la gestión de distintos tipos de riesgos de alto impacto y mayor envergadura, entre ellos los tecnológicos, y de la protección de los bienes que pudieran verse afectados. Por ello se suman como una cuestión de primer orden, las nuevas construcciones jurídico-éticas propias de la evolución del Derecho ambiental, de la Bioética y el Bioderecho y principalmente el análisis del cambio tecnológico desde los nuevos roles del Estado Social de Derecho. El espacio internacional se ve incrementado por la gobernanza global como un instrumento de gestión, en una nueva democracia a escala planetaria, constituyendo de esta forma un desafío para un ordenamiento jurídico global que trasciende y supera los límites de los actuales ordenamientos internacionales.

Os impactos ambientais dividem-se em impactos ambientais (“stricto sensu”), compreendidos como as atividades que, não obstante ocasionarem perturbações no meio, não se configuram como alterações significativamente adversas a ponto de exigirem uma reparação, e, de outro lado, os danos ambientais, tidos como aqueles eventos que causam perturbações intoleráveis, ou seja, significativa alteração adversa ao meio ambiente e que, por isso, são ensejadores de reparação civil (De Carvalho, 2008, p. 103).

Segundo Machado (2013, p.402):

seria excessivo dizer que todas as alterações no meio ambiente vão ocasionar um prejuízo, pois desta forma estaríamos negando a possibilidade de mudança e de inovação, isto é, estaríamos entendendo que o estado adequado do meio ambiente é o imobilismo, o que é irreal. Contudo, o admitirmos mudanças espontâneas ou até provocadas da natureza, não nos conduz a afirmar que todas essas mudanças são benéficas.

A questão primordial é como saber a partir de que momento se considera que há dano ambiental, pois o homem tem degradado o meio ambiente a cada dia. Há um limite da tolerabilidade, pois qualquer intervenção humana implica impacto ambiental. Desta forma, é preciso avaliar se o impacto pode ou não ser assimilado pelo meio ambiente, sem prejuízo para a atual e futuras gerações.

De acordo com De Carvalho (2008, p. 103-104):

Como elemento divisor entre os impactos e os danos ambientais, o Princípio do Limite de Tolerabilidade decorre da constatação de que para o sistema jurídico-ambiental nem toda a alteração (impacto) ocasionada ao meio ambiente e a seus elementos causará, necessariamente, um dano ambiental, em outras palavras, um prejuízo significativo à qualidade ambiental. A existência de um limite de tolerabilidade, apresentado pela dogmática jurídica, tem por escopo a ponderação e o equilíbrio entre as atividades desenvolvimentistas do homem e a devida manutenção da qualidade do patrimônio ambiental. Esta descrição consiste exatamente na ocultação que o sistema jurídico faz do paradoxo existente entre o desenvolvimento sócio-econômico e o devido respeito aos fatores ambientais que condicionam a vida no Princípio do Desenvolvimento Sustentável.

O limite de tolerabilidade envolve uma conduta antijurídica suscetível de reparação. A antijuricidade, nestes termos, não seria somente uma conduta contra legem, mas também, e fundamentalmente, as condutas antissociais que, de um modo ou de outro, lesam ou limitam o pleno desenvolvimento da personalidade social e individual (Leite e Ayala, 2010, p.189).

A avaliação dos limites de tolerabilidade e da capacidade de absorção do meio ambiente a determinadas impactos deve ser construída levando em consideração o tempo das agressões e as características específicas ao meio agredido.

O Direito Ambiental brasileiro prevê no artigo 3º, inciso III, da Lei nº 6.938/81, que o limite de tolerabilidade não está adstrito ao devido respeito aos limites fixados para a emissão de matérias ou substâncias. Este dispositivo normativo estabelece ser a poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos ...

Desta forma, o respeito aos padrões previstos em leis ou resoluções administrativas acerca dos limites permitidos para emissão de matérias ou substâncias é insuficiente, caso haja a incapacidade de absorção natural e imediata do meio ambiente em relação aos resíduos emitidos pela atividade (dentro dos padrões legais), haverá a configuração do dano ambiental. Se ocorrer o comprometimento da função ecológica de um determinado ecossistema ou da capacidade de uso humano de um bem ambiental, está caracterizada a danosidade ambiental passível de reparação.

É fundamental a avaliação do caso concreto, mediante instrumentos transdisciplinares tais como o Estudo de Impacto Ambiental e a Perícia Ambiental, para assegurar a capacidade de absorção e de reciclagem imediata do ecossistema ou bem ambiental para fins de caracterização destas alterações como mero impacto, em razão da tolerabilidade daquele ecossistema à atividade, ou a configuração de dano ambiental. Quando houver a capacidade do meio ambiente para assimilar de forma imediata e natural (sem dano) os rejeitos aos quais foi exposto, tem-se tão-somente impacto e não um dano ao meio ambiente (Mirra, 2002, p. 104).

Ao elaborar padrões de qualidade, o Poder Público precisa estar atento, pois pode construir normas que regulem os níveis de emissão de poluentes tomando por base apenas imperativos tecnológicos, sem uma correspondência com a necessidade de um meio ambiente ecologicamente equilibrado (Leme, 2012, p.275).

Neste contexto, não é dado às normas emanadas pelos órgãos públicos o direito de autorizar agressão ao meio ambiente e, assim, não existe presunção de legitimidade. O que, de fato acontece através da autorização administrativa, é que o agente estará isento da sanção administrativa ambiental, e não da responsabilidade civil (Leite e Ayala, 2010, p.192).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (2007), pronunciou sobre a matéria ao analisar o caso extraído da Ação Civil Pública, através do Agravo de Instrumento, que almejava a condenação da empresa de terraplanagem e urbanismo no intuito de recuperar área de preservação permanente degradada (Loteamento Pôr do Sol III, Antigo Saco Grande I, Florianópolis –SC– Brasil),

… ordenou a perícia como imprescindível “tendo em vista que o principal ponto controverso diz respeito à caracterização da área como APP”; e atribuiu o ônus da prova à ré porque “a responsabilidade civil em matéria ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco integral”, segundo a qual “o simples desenvolvimento de atividades potencialmente lesivas ao ambiente causadoras de externalidades negativas, impõe aos responsáveis o dever fundamental de demonstrar que tais atividades são desenvolvidas dentro dos limites da tolerabilidade que observam criteriosamente todas as exigências necessárias para a prevenção de riscos ao ambiente” …

O artigo 2º, inciso III, da Lei nº 6.938/81, determina que um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente é o “planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais”, razão pela qual o cumprimento deste princípio é uma das formas de se fiscalizar a utilização dos recursos naturais, posto que, serão determinados os padrões para o exercício de qualquer atividade que interfira ou possa interferir na qualidade ambiental.

O principio do limite da tolerabilidade norteia a Teoria da Sustentabilidade, é através dele que o Poder Público fornece os limites máximos de emissão de material poluente, de ruídos e outras matérias, bem como, dos limites de operação das atividades e empreendimentos sem que estes causem ou possam causar perigo ao ambiente e a saúde humana.

2.2.2.   A prova do dano ambiental 

A verificação concreta e a determinação da extensão e da amplitude do dano ambiental para fins de reparação da lesão ao meio ambiente, apresenta peculiaridades que a tornam complexa e difícil a sua prova.

Conforme leciona De Carvalho (2008, p. 106):

A configuração probatória do dano ambiental depende de um processo de interface (acoplamento estrutural) entre o Direito e a Ciência, em que o Direito deverá proceder a um processo de decodificação das descrições técnicas efetuadas pelos peritos, configurando tais reações como dano ou impacto ambiental. Tal circunstância coloca em destaque a utilização da prova pericial no processo ambiental para a realização de exames realizados sobre pessoas ou coisas por profissionais dotados de conhecimentos técnicos específicos e cuja finalidade é esclarecer dúvidas acerca dos fatos ocorridos. O acoplamento estrutural que marca a prova pericial do dano ambiental somente é possível em razão da confecção de observações de segunda ordem, ou seja, observações que um sistema observador (Direito) realiza, a partir de sua lógica e racionalidade, sobre as observações de outro sistema (laudo técnico).

[...]

Portanto, a avaliação da prova técnica pelo Direito em uma demanda jurisdicional de natureza ambiental deve, num primeiro momento, avaliar a credibilidade científica do estudo técnico para fins de estabelecer a sua validade jurídica na instrução probatória do processo judicial. Neste sentido, a validade jurídica dos elementos probatórios dependerá diretamente da sua credibilidade científica (normas técnicas de coleta ou acondicionamento, prazos para realização de análises laboratoriais, credenciamento do laboratório que confecciona determinada análise, etc).

As dificuldades que cercam a prova do dano ambiental, principalmente no que se refere à amplitude da degradação, cuja apuração, em toda a sua extensão, depende, no mais das vezes, de avaliações técnicas, com base científica, à luz do conhecimento disponível. Em termos práticos, isso significa que, na atividade judicial, a prova do dano ambiental vai depender, em boa parte dos casos, da realização de perícias (Mirra, 2002, p. 255).

Nesse sentido, aliás, a posição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. Não há prescrição da ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais, porque o dano se renova dia a dia. Evidente a legitimidade do Ministério Público para promover a ação, de acordo com o art. 1º, I, da Lei nº 7.347/1985. A empresa recorrente é apontada como a responsável pela construção dos dutos onde se deu o derramamento de óleo que provocou o dano ambiental que a demanda pretende reprimir. Legitimidade para figurar no pólo passivo da ação civil pública. Responsabilidade que somente pode ser afastada quando da coleta da prova. Existência de nexo causal entre o notícia do dano e a conduta da recorrente. Pedido que aponta com precisão a causa de pedir (dano ambiental consistente em derrame de óleo cru) e pedido (indenização dos agentes poluidores). Possibilidade do pedido e descabimento do chamamento ao processo do Município de Tramandaí e seu órgão ambiental. Agravo desprovido”. (TJRS Agravo de Instrumento Nº 70044613008, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 29/02/2012).

É importante ressaltar que nos termos do artigo 5º, §5º da Lei nº 7.347/85, “em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”. Neste caso, cabe ao Ministério assumir o pólo ativo em caso de abandono ou desistência infundada, como também propor autonomamente Ação Civil Pública e, ainda, atuar obrigatoriamente como fiscal da lei em todas as ações civis públicas não propostas por ele.

A Constituição Federal de 1988 de acordo os princípios da reparação, restauração e recuperação no artigo 225 em seu §1º, inciso I, aponta a obrigação de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais”.

A argumentação de que a poluição é um custo social do desenvolvimento, muito comum no passado, não é aceita pela doutrina ou jurisprudência contemporânea. É fundamental que seja demonstrada a conduta, o resultado danoso e o nexo causal, como em qualquer hipótese de responsabilidade, para se imputar a conduta a alguém.

Nesse sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA INDÍGENA. DANO AMBIENTAL E MORAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. A RESPONSABILIDADE PELA RECOMPOSIÇÃO DO MEIO AMBIENTE, MUITO EMBORA SEJA OBJETIVA, NÃO DISPENSA A COMPROVAÇÃO DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A AÇÃO OU OMISSÃO DO AGENTE E O EVENTO DANOSO. No caso dos autos, correta a sentença, que reputou não demonstrando o dano ambiental advindo da malsucedida implantação do Projeto “Índio Cidadão Tocantinense”, que seria desenvolvido pela Federação da Agricultura do estado do Tocantins – FAET, então presidida pela ré, numa parceria com o Governo do Estado de Tocantins. 2. Como posto na sentença, “não se pode justificar a indenização pleiteada apenas pela frustração de alguns indígenas com o resultado insatisfatório do projeto” (fl. 365), circunstancia que, assim como as declarações tomadas em audiência, não é bastante para a condenação da ré a pretensa recomposição do patrimônio moral dos silvícolas, supostamente abalado pelo insucesso de um projeto que, de resto, era de responsabilidade não apenas da entidade presidida pela ré. 3. Os depoimentos colhidos nos autos não são conclusivos acerca da existência dos danos moral e material, este último afastado pelo IBAMA. Não fosse isso o bastante o auto, ao desistir da realização de prova pericial, inviabilizou a efetiva comprovação das lesões descritas na inicial, mormente a suposta subversão dos valores e tradições culturais de uma parcela dos Xerentes. 4. Não provimento do recurso de apelação”. (TRF 1, AC 000191642.1999.4.01.4300/TO, Rel. Juiz Federal David Wilson Abreu Pardo, 5ª Turma Suplementar, e-DFJ1 p. 312 de 18/05/2011).

A Lei nº 7.347/1985, em seu artigo 2º, estabeleceu regra geral de competência para o processamento e o julgamento da ação civil pública ambiental, segundo a qual o foro competente para a demanda coletiva ambiental é o foro do local do dano, por entender o legislador que o juiz do foro do local do dano ambiental é, precisamente, quem tem melhores condições de colher as provas necessárias à comprovação (ou não) da degradação ambiental e de sentir o envolvimento da comunidade com o bem ou recurso ambiental degradado.

Mirra (2002, p. 256) observa que, diante de tal realidade, tem-se entendido que em determinadas circunstâncias a apreciação feita pelo magistrado de primeiro grau deve se sobrepor, até mesmo, à apreciação feita pelo órgão jurisdicional de segundo grau, já que a segunda instância, exatamente por estar distante da realidade em que se deu a degradação ambiental, teria grandes dificuldades de confrontar os critérios da avaliação da instância inferior, com critérios diversos de quem não esteja próximo à coletividade diretamente atingida.

Devido às peculiaridades do dano ambiental, não há dúvida de que, nos processos judiciais, a prova dos fatos a ele relacionados, frequentemente, fica sujeita a verificações de ordem técnica e científica a ser empreendidas por peritos.

Entretanto, a análise do magistrado ocorrerá à luz de todos os elementos de convicção existentes no processo e das alegações e argumentos apresentados pelas partes, sobre a realidade da degradação ambiental, sem vinculação necessária ao resultado da perícia eventualmente realizada, como preconiza a regra dos artigos 371 e 479, ambos do CPC, que assim prescrevem:

Art. 371.  O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Art. 479.  O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art.371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

2.2.3.    Solidariedade na responsabilidade civil 

Consoante normativa constante do artigo 265 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.  E conforme ensina Gonçalves (2015, p. 107) “no caso do dano ambiental, tem sido considerada decorrência lógica da adoção do sistema de responsabilidade objetiva pela legislação brasileira”.

A Constituição Federal em seu artigo 225, § 3º prevê a responsabilidade civil, penal e administrativa daqueles que praticam condutas lesivas ao meio ambiente.

No que concerne à Lei nº 6.938/81, conforme  seu artigo 14, § 1º o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade; e ainda em seu artigo 3º, inciso IV, designa poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Da leitura desses dispositivos é possível extrair a obrigação solidária dos infratores e poluidores (devedores) de reparar o dano ambiental em favor da sociedade (a credora). Assim, tanto aquele que concorre diretamente para o desabrochar do dano como aquele cuja atividade, indiretamente, representa uma possível condição sem a qual ele talvez não tivesse ocorrido respondem solidariamente pela obrigação de repará-lo por inteiro (Milaré, 2014, p. 446).

A identificação do agente responsável pelo dano ambiental, em especial em sua perspectiva coletiva, apresenta diversos obstáculos, em virtude das ações de danosidade ambiental serem anônimas e marcadas pela transindividualidade tanto dos agentes causadores quanto das vítimas do dano ambiental.

O STJ acolheu, em julgamento de recurso repetitivo, a teoria do risco integral, nos seguintes termos:

Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado - STJ, 2ª S., REsp 1374284/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/08/2014, DJe 05/09/2014.

Na apuração do dano ambiental para se estabelecer a responsabilização, é suficiente a existência da relação de causa e efeito entre a atividade e o dano.

O Superior Tribunal de Justiça publicou em 18 de março de 2015 o "Jurisprudência em Teses" de número 30, contendo 11 teses elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, mediante pesquisa na base de decisões do Tribunal, exclusivamente em matéria ambiental. Dentre estas teses, quanto à solidariedade na responsabilidade civil pela prática de condutas atentatórias ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacamos:  

Tese 3: Não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, não existindo permissão ao proprietário ou posseiro para a continuidade de práticas vedadas pelo legislador.

Tese 7: Os responsáveis pela degradação ambiental são co-obrigados solidários, formando-se, em regra, nas ações civis públicas ou coletivas litisconsórcio facultativo.

Tese 9: A obrigação de recuperar a degradação ambiental é do titular da propriedade do imóvel, mesmo que não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem.

Tese 10: A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar.

A legislação ambiental brasileira consagrou expressamente a natureza propter rem da responsabilidade civil ambiental, ao prever no artigo 2º, § 2º, do Código Florestal (Lei nº 12.605/2012) que “as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”.

Portanto, a pessoa que adquire um imóvel com alguma degradação, aparente ou não, assume a obrigação por seu passivo ambiental e tem o dever de recuperar a área.

Vale trazer à baila as palavras de Viegas (2016):

Embora a Constituição estabeleça a tríplice responsabilidade ambiental, o adquirente não pode ser punido nas esferas administrativa e criminal por fatos que precederam sua posse ou propriedade sobre o bem. Tratando-se de medidas punitivas, somente podem ser impostas a quem praticou as atividades que culminaram com a degradação ambiental. [...]Sobre o tema: "Ao adquirir a área, o novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento" (REsp 926.750/MG).

Muito se discutiu sobre o alcance da responsabilidade objetiva ambiental (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981), até se concluir pela adoção, no direito pátrio, da teoria do risco integral. Estabelecido o nexo causal entre o fato e o agente, dificilmente será reconhecida causa de exclusão da responsabilidade. A usual invocação da responsabilidade de terceiro, de caso fortuito ou força maior somente é acolhida pela jurisprudência em situações excepcionais.

O STJ sintetiza essa posição da seguinte forma: "Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem." (REsp 650.728/SC)

Por fim, são co-obrigados solidários todos que concorreram para a degradação ambiental. Essa obrigação, que é objetiva e fundada na teoria do risco integral, do ponto de vista processual enseja litisconsórcio facultativo.

Vejamos ainda a lição De Carvalho (2008, p. 110):

Outro aspecto que justifica a solidariedade dos co-responsáveis pelo dano ambiental consiste na configuração do meio ambiente como bem de uso comum do povo (res omnium) que, por sua unidade infragmentável, tem nas lesões ocasionadas ao bem ambiental a marca da indivisibilidade do dano ambiental. Sendo indivisível o objeto lesado (bem de uso comum do povo), deve ser imputada a responsabilidade civil in solidum a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a ocorrência do dano ambiental.

Este entendimento é acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ:

Processo Civil. Litisconsorte facultativo. Código de Processo Civil, art. 46, I. Ação Civil Pública. Meio Ambiente. Dano. Responsável direto e indireto. Ação Civil Pública. Responsável direto e indireto pelo dano causado ao meio ambiente. Solidariedade. Hipótese em que se configura litisconsórcio facultativo e não necessário.

I. A Ação Civil Pública pode ser proposta contra o responsável direto, contra o responsável indireto ou contra ambos, pelos danos causados ao meio ambiente. Trata-se de caso de responsabilidade solidária, ensejadora do litisconsorte facultativo (CPC, art. 46, I) e não do litisconsórcio necessário (CPC, art. 47).

II. Lei n. 6.938, de 31.08.1981, arts. 3, parágrafo IV, 14, parágrafo 1, e 18, parágrafo único. Código Civil, arts. 896, 904 e 1.518. Aplicação.

III. Recurso Especial não conhecido. Recurso Especial n. 37.354-9, 2 Turma, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro. j. 30.08.95. DJ 18.09.95.

No mesmo sentido:

Processo Civil – Ação Civil Pública – Dano Ambiental.

1. É parte legítima para figurar no polo passivo da ação civil pública, solidariamente, o responsável direto pela violação às normas de preservação do meio ambiente, bem assim a pessoa jurídica que aprova o projeto danoso.

2. Na realização de obras e loteamentos, é o Município responsável solidário pelos danos ambientais que possam advir do empreendimento, juntamente com o dono do imóvel.

3. Se o imóvel causador do dano é adquirido por terceira pessoa, esta ingressa na solidariedade, como responsável.

4. Recurso especial improvido. Recurso Especial n. 295.797-SP, 2 Turma, rel. Min. Eliana Calmon, unânime, DJ 12.11.2001.

Quanto à responsabilidade subsidiária por parte do Estado frente a omissão de seu poder de polícia fiscalizatório temos a Tese 8 do STJ que assim prevê: “em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado”.  

Nesse sentido já decidiu o STJ:

Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, “seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934, do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil" (REsp n 1.071.741/SP).

Outra questão interessante neste tema é a pretensão reparatória ambiental que é imprescritível e independe de previsão legal explícita, por tratar sobre um direito essencial e fundamental que pertence as presentes e futuras gerações.

Sobre esta abordagem temos a lição de Mirra (2002, p.245):

“Toda espécie de ação está sujeira à prescrição, desde que a pretensão por ela veiculada envolva direitos patrimoniais e alienáveis; do contrário, não se sujeita a ação à disciplina prescricional. Nesse sentido – é uma vez mais a lição de Clóvis Beviláqua – não estão sujeitas à prescrição, entre outras, as pretensões relacionadas a direitos que são emanações imediatas ou modo de ser da personalidade (direito à vida, liberdade, honra) e as concernentes à tutela de bens públicos de uso comum.”

2.2.4.    O nexo de causalidade entre conduta e dano 

A responsabilidade civil por dano ambiental se fundamenta no artigo 14 §1º Lei nº 6.938/1981 c/c art. 927 Código Civil e na premissa básica de que as condenações judiciais desta natureza demandam a identificação do ato causador de dano, do prejuízo ocasionado ao meio ambiente e do nexo causal entre ato e dano.

Conforme destaca De Carvalho (2008, p. 112):

“a incidência da responsabilidade civil depende da comprovação da existência de um dano, de uma conduta e de uma relação de causa e conseqüência entre estes. Enquanto que na responsabilidade civil subjetiva os principais debates recaem sobre a culpa, na responsabilidade objetiva (imputação objetiva) estes orientam-se pela existência ou não do nexo de causalidade. Em matéria de danos ambientais, apesar da prova do dano ser, em muitos casos, uma tarefa dotada de grande complexidade, indubitavelmente, a relação de causalidade se configura no “problema primordial” da responsabilidade civil por danos ambientais, quer na determinação da extensão da participação de um determinado agente, quer na própria existência ou não de uma relação de causa e efeito.

Nos Tribunais Inferiores estes pleitos de responsabilidade com flexibilização do nexo causal em geral eram fundamentados em precedente até então paradigma sobre a matéria. No Recurso Especial nº 1071741/SP (Dje 16/12/2010) no voto condutor, o Relator Min. Herman Benjamim afirmava que “para o fim de apuração do nexo de causalidade do dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem”.

De fato tem-se verificado a tendência até então de adotar a simples remissão à ideia de que no Direito Ambiental aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral, na qual é descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando um resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável. (RESP 1.175.907, Dje 25.09.14)

Pari passu, as condenações desta natureza passaram a analisar o nexo de causalidade sob a luz da teoria da equivalência das condições, de acordo com a responsabilidade irrestrita e solidária, vez que atribui a toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano, a qualidade de uma causa capaz de gerar o prejuízo ao meio ambiente.

Este entendimento foi modificado no final do ano de 2017 por ocasião da análise acerca do nexo de causalidade sob o viés das teorias aplicáveis pelo Direito Civil Brasileiro, quando o STJ se posicionou sobre o tema no célere caso do dano ambiental decorrente da explosão do Navio Vicunã na Bahia de Paranaguá, em 2004. (RESP 1.602.106). Em 22 de agosto de 2018 no julgamento dos embargos de declaração (e-STJ fls. 2.910/2.917) opostos ao acórdão (e-STJ fls. 2.852/2.904) o relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, assim reafirmou:

... Rechaçada a alegação de ocorrência de negativa de prestação jurisdicional pela Corte de origem, impõe-se logo a apreciação do cerne da irresignação recursal, que se restringe a definir se, diante da realidade fática incontroversa dos autos e à luz do que dispõem os 2º da Lei nº 9.605/1998, 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981 e 884, 927 e 944 do Código Civil, são as empresas ora recorrentes solidariamente responsáveis pela reparação dos danos extrapatrimoniais alegadamente suportados pela autora da demanda, pescadora profissional, que se viu temporariamente impedida de exercer sua profissão em virtude da contaminação ambiental provocada pelo derramamento de óleo combustível e metanol na explosão do navio Vicuña.

 A discussão, diga-se de pronto, não se refere a ser ou não aplicável ao caso em apreço a teoria do risco integral, mesmo porque, à luz da jurisprudência hoje pacífica desta Corte, a aplicação da referida teoria a casos como o ora em exame é inequívoca.

Afinal, o Superior Tribunal de Justiça tem orientação firme, consolidada inclusive no julgamento de outros dois apelos nobres também submetidos à sistemática dos recursos representativos da controvérsia (art. 543-C do CPC/1973 - arts. 1.036 e 1.037 do CPC/2015), no sentido de que

... a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar' (REsp nº 1.374.284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/8/2014, DJe de 5/9/2014 e REsp nº 1.354.536/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/3/2014, DJe de 5/5/2014).

De todo o modo, como bem reconhecido pela Corte local, a aplicação da teoria do risco integral a casos de responsabilidade civil por danos ambientais não exime os autores de demandas reparatórias do dever de demonstrar a existência de nexo de causalidade entre os efeitos danosos que afirmam ter suportado e o comportamento comissivo ou omissivo daqueles a quem imputam a condição de causadores, direta ou indiretamente, de tais danos.

Nessa esteira, cumpre destacar a remansosa jurisprudência desta Corte a respeito do tema, que é firme ao consignar que, em que pese a responsabilidade por dano ambiental ser objetiva (e lastreada pela teoria do risco integral), faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração do nexo causal a vincular o resultado lesivo à conduta efetivamente perpetrada por seu suposto causador.

É justamente nesse ponto específico - referente à configuração ou não do nexo de causalidade - que reside a controvérsia a ser dirimida e que, pelo que se infere dos autos, não restou bem decida pelos integrantes da Oitava Câmara Cível do TJ/PR.

Com efeito, de modo distinto do que concluiu a Corte local no caso em apreço, a improcedência do pedido autoral é, de fato, medida que se impõe, pois, como bem compreendido pelo juízo de primeiro grau, não está configurado o nexo de causalidade apto a vincular o resultado danoso alegadamente suportado pela ora recorrida (danos morais resultantes do empecilho temporário ao desempenho de sua atividade profissional) à conduta efetivamente perpetrada pelas ora recorrentes, consistente na simples aquisição pretérita da carga que era transportada pelo navio tanque Vicuña no momento de sua explosão e que, por isso, acabou contribuindo para a contaminação ambiental.

Nesse aspecto, vale anotar que as conclusões do inquérito instaurado para investigar as causas do acidente, apesar de não apontarem com precisão qual teria sido a causa determinante da explosão do navio, foram categóricas (a partir do exame das quatro hipóteses levantadas pelos peritos como sendo potenciais causadoras do evento) ao afirmar que 'são possíveis responsáveis diretos pelo acidente a SOCIEDADE NAVIERA ULTRAGAS e o TERMINAL CATALLINI' (e-STJ fl. 306 - grifou-se).

Tais riscos - justificadores da aplicação ao caso da teoria do risco integral - eram próprios das atividades econômicas da SOCIEDAD NAVIERA ULTRAGAZ (a proprietária da embarcação envolvida no incidente objeto da lide) e da empresa CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS (responsável pela exploração do terminal portuário onde se deu o evento danoso).

Quando muito, seria razoável estender a responsabilidade proveniente da assunção desse risco à empresa vendedora da carga (METHANEX CHILE LIMITED), haja vista ter sido ela, na espécie, a contratante do serviço de transporte.

A autora, porém, optou por não incluir no polo passivo da demanda as potenciais responsáveis pelo dano ambiental ocorrido. Dirigiu, desse modo, sua pretensão reparatória, de forma inusitada, apenas contra as ora recorrentes, meras destinatárias da carga que era transportada pelo navio Vicuña no momento em que se deu sua explosão, a quem, a despeito de todo o esforço argumentativo expendido desde a inicial, não se pode atribuir nenhuma parcela de contribuição para o acidente ambiental ocorrido.

Cumpre salientar, por fim, que esta Corte Superior já teve oportunidade de fazer consignar que 'para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem' (REsp nº 650.728), mas as recorrentes não se enquadram em nenhuma dessas situações.

Pode-se concluir, assim, em apertada síntese, que as ora recorrentes, porquanto meras adquirentes do metanol transportado pelo navio Vicuña, não respondem pela reparação de prejuízos (de ordem material e moral) alegadamente suportados por pescadores profissionais em virtude da proibição temporária da pesca na região atingida pela contaminação ambiental decorrente da explosão, em 15/11/2004, da referida embarcação.

Isso porque, não sendo as adquirentes da carga do referido navio responsáveis diretas pelo acidente ocorrido, só haveria falar em sua responsabilização - na condição de indiretamente responsável pelo dano ambiental - caso restasse demonstrada (i) a existência de comportamento omissivo de sua parte; (ii) que o risco de acidentes no transporte marítimo fosse ínsito à sua atividade ou (iii) que estivesse a seu encargo, e não a encargo da empresa vendedora, a contratação do transporte da carga que lhe seria destinada.

Sendo certo que nenhuma das mencionadas situações se verificou, afasta-se o dever de indenizar, por ausência do nexo causal imprescindível à sua configuração" (e-STJ fls. 2.865/2.871 - grifos no original).

O STJ neste acórdão deliberou no sentido de que o adquirente de carga transportada não responde pelos danos ambientais causados por acidente no transporte realizado pelo vendedor da carga.

Essa decisão tornou-se um precedente relevante para casos de responsabilidade civil por danos ambientais, na hipótese de responsabilidade do poluidor indireto, conforme trata o art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/81, pois pela primeira vez o STJ analisou em detalhes os limites da responsabilidade civil ambiental por atos de terceiros.

A decisão confirma também que “a aplicação da teoria do risco integral a casos de responsabilidade civil por danos ambientais não exime os autores de demandas reparatórias do dever de demonstrar a existência de nexo de causalidade”.

Nesta decisão o STJ afastou interpretações extensivas da teoria do risco integral nos casos de responsabilidade civil ambiental, tendo definido que riscos externos, ou seja, criados por atividades de terceiros, não geram responsabilidade para aqueles que não tinham originalmente o dever de evitar o dano.

O STJ não acolheu as interpretações extensivas da responsabilidade civil ambiental, que defendem a aplicação da teoria da equivalência das condições, segundo a qual todo e qualquer ato sem o qual o dano não teria ocorrido é considerado suficiente para configurar nexo causal – por exemplo, no caso julgado, segundo essa teoria, a mera aquisição da carga transportada seria considerada suficiente para estabelecer nexo causal, pois sem ela o transporte não teria acontecido e, por sua vez, o dano ambiental não teria ocorrido.

Neste sentido temos o ensinamento de De Carvalho (2008, p.113):

as teorias da causalidade adequada ou a da equivalência das condições mostram-se ineficientes para a problemática ambiental, pois, por estarem fundadas na avaliação de elementos eminente fáticos, dificultam a prova do nexo causal para eventos ocorridos em setores em que a atividade esteja estreitamente vinculada ao desenvolvimento científico.

Para a teoria da causalidade adequada há a seleção, entre as diversas possíveis causas, daquela que apresente significativa probabilidade de ter ocasionado, de forma direta e imediata, o dano ou criado um risco intolerável para ocorrência do dano em questão. Já para a teoria da equivalência das condições o liame causal estará configurado sempre que o dano possa ser vinculado a um fator de risco inerente à atividade, sem a necessidade de comprovação ou identificação da causalidade a uma atividade determinada.

Com esta postura o STJ demonstrou uma visão técnica sobre a matéria, se afastando de posicionamentos ideológicos que, embora motivados pelo justo interesse de proteger o meio ambiente, poderiam levar à atribuição de responsabilidades indevidas.

Por conseguinte, a avaliação do nexo de causalidade deve passar pela observação jurídica do diagnóstico científico, para determinar uma hipótese jurídica, que atribua ou não a imputação objetiva a partir de uma causalidade probabilística entre conduta e dano ambiental.

2.2.5.   Teoria do risco concreto 

O surgimento da sociedade de risco ocorre na fase pós-industrial, onde são vivenciados os avanços da tecnologia que alteraram consideravelmente a realidade da sociedade como um todo em todas as áreas da vida.

Os riscos peculiares à Sociedade Industrial são aqueles riscos visíveis e concretos, ou seja, riscos perceptíveis aos sentidos humanos diante do exercício das atividades industriais (utilização de máquinas de corte, geração de resíduos pelas indústrias, saneamento básico nas cidades urbanas, etc), tendo como resposta jurídica a formação de uma Teoria do Risco para fins de atribuição de responsabilidade por dano atual sem que, no entanto, seja necessária a prova da culpa na conduta do agente  (De Carvalho, 2008, p. 117).

Neste sentido, o STJ manifestou o seguinte:

A responsabilidade civil por danos ambientais, seja por lesão ao meio ambiente propriamente dito (dano ambiental público), seja por ofensa a direitos individuais (dano ambiental privado), é objetiva, fundada na teoria do risco integral, em face do disposto no art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981, que consagra o princípio do poluidor-pagador.

A responsabilidade objetiva fundamenta-se na noção de risco social, que está implícito em determinadas atividades, como a indústria, os meios de transporte de massa, as fontes de energia. Assim, a responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco, é uma imputação atribuída por lei a determinadas pessoas para ressarcirem os danos provocados por atividades exercidas no seu interesse e sob seu controle, sem que se proceda a qualquer indagação sobre o elemento subjetivo da conduta do agente ou de seus prepostos, bastando a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a situação de risco criada pelo agente.

Imputa-se objetivamente a obrigação de indenizar a quem conhece e domina a fonte de origem do risco, devendo, em face do interesse social, responder pelas consequências lesivas da sua atividade independente de culpa.

Nesse sentido, a teoria do risco como cláusula geral de responsabilidade civil restou consagrada no enunciado normativo do parágrafo único do art. 927 do CC, que assim dispôs: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

A teoria do risco integral constitui uma modalidade extremada da teoria do risco em que o nexo causal é fortalecido de modo a não ser rompido pelo implemento das causas que normalmente o abalariam (v. G. Culpa da vítima; fato de terceiro, força maior).

Essa modalidade é excepcional, sendo fundamento para hipóteses legais em que o risco ensejado pela atividade econômica também é extremado, como ocorre com o dano nuclear (art.  21, XXIII, c, da CF e Lei 6.453/1977). O mesmo ocorre com o dano ambiental (art. 225, caput e § 3º, da CF e art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981), em face da crescente preocupação com o meio ambiente.

Nesse mesmo sentido, extrai-se da doutrina que, na responsabilidade civil pelo dano ambiental, não são aceitas as excludentes de fato de terceiro, de culpa da vítima, de caso fortuito ou de força maior. Nesse contexto, a colocação de placas no local indicando a presença de material orgânico não é suficiente para excluir a responsabilidade civil. REsp 1.373.788-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/5/2014.

A Teoria do Risco Concreto por se tratar de fundamento teórico para objetivação da responsabilidade civil, exige o atendimento dos seguintes pressupostos a prova do dano concreto, do nexo causal e da conduta (ação ou omissão).

2.2.6.    Teoria do risco abstrato

Na sociedade industrial as atividades e ações que possam causar danos ambientais são passíveis de responsabilização civil, quando os riscos efetivos ou potenciais no seu desenvolvimento puderem se concretizar em danos.

A respeito da questão De Carvalho (2008, p. 120-121) nos ensina:

No entanto, a passagem para a sociedade de risco é demarcada pelo surgimento de riscos e perigos de uma nova dimensão: globais, de consequências imprevisíveis e imperceptíveis aos sentidos humanos. A explosão de reatores nucleares em Chernobyl, a chuva ácida, o aquecimento global são apenas alguns exemplos de sintomas da sociedade de riscos, para a qual não se pode esperar a ocorrência do dano para a tomada de decisão sob pena de perda do objeto tutelado (qualidade ambiental). Por esta razão o Princípio basilar à sociedade de risco consiste no da Precaução que, em havendo a simples incerteza científica acerca das consequências de determinada atividade ou tecnologia já existe a imposição da cautela como diretriz.

A Sociedade atual observa a produção tanto dos riscos oriundos do maquinismo e da revolução industrial (riscos concretos, dotados de uma lógica causal mais simples tais como os riscos inerentes à operação de uma máquina de corte), quanto de novos riscos, mais abstratos e complexos. Por esta exata razão, não apenas é necessária a utilização da responsabilidade civil como instrumento de reparação de danos (e indiretamente, prevenção), como ocorre em sua acepção clássica (Teoria do Risco Concreto, como fundamento dogmático para a imputação objetiva), mas também como elemento jurídico de gestão de riscos ecológicos (Teoria do Risco Abstrato), com incidência anterior à ocorrência e efetivação dos danos ambientais, impondo o cumprimento de medidas preventivas   ao agente (obrigações de fazer e não fazer).

A evolução técnica e científica da sociedade atribui a todo momento perspectivas inovadoras, que compõem a sociedade de risco, que está envolvida diariamente em diversos processos de tomada de decisões e também exposta a riscos continuamente.

O elemento específico que apoia a construção de uma nova estrutura para o instituto da responsabilidade civil é a cadeia de riscos que essa sociedade de risco produz. Inobstante as possibilidades de danos que a sociedade industrial já comportava, a conjuntura tecnológica e científica atual impõe uma nova modalidade.

A teoria do risco abstrato reivindica dos agentes causadores de riscos potenciais obrigações preventivas e do Estado o dever de prevenção não só na administração dos riscos concretos como também dos riscos abstratos.

Segundo Colombo e Freitas (2015, p.216-217), “se os riscos concretos podem ser identificados pela certeza científica, os abstratos são diagnosticados pela incerteza.”

Como bem explica Martins (2014, p.215-257):

No plano da responsabilidade é notório compreender que o Código de Defesa do Consumidor contempla verdadeiro sistema alvissareiro e propositivo quanto à responsabilidade civil. Rememorando que os deveres fundamentais são fonte de deveres legais, é de enfatizar que o CDC tem capítulo especial quanto ao dever de segurança frente aos produtos e serviços colocados no mercado de consumo pelo fabricante e produtor (CDC, art. 8º a 10).

Verdadeiro realce significativo e normativo-axiológico, pois trata dos princípios da prevenção (risco conhecido a ser evitado) e da precaução (risco desconhecido a ser debelado), dando ensejo à responsabilidade civil ex ante (responsabilidade civil preventiva). Daí que não é equivocado o nascimento de demais deveres mais específicos: como o dever de prevenção (CDC, art. 6º, inciso VI) e o dever de precaução (CDC, art. 39, inc. VIII).

Em outras palavras: cria-se sistema não só de indenizabilidade senão de evitabilidade de dano, através de nexo de imputação essencial à promoção do consumidor inserido no mercado da sociedade de risco: o dever de segurança. Tal dever liga a conduta daquele quem colocou o produto no mercado aos eventuais defeitos de concepção, execução e informação.

Esse mesmo nexo de imputação imprime igualmente outra ótica na responsabilidade civil da seara consumerista. É que se entre os direitos do consumidor está a proteção à saúde e à vida poderá haver obrigação de indenizar por danos extrapatrimoniais, mesmo que não haja dano corporal ou biológico consolidado, quando da ausência do dever de segurança pelo fabricante no fornecimento de produtos ou serviços, já que tal incumprimento normativo expõe a pessoa do consumidor a risco exacerbado e desnecessário que atenta contra direitos personalíssimos, especialmente a turbação da confiança expectada.

Esta nova conjuntura enseja decidir ante as incertezas científicas, porém, a escolha de abster-se de uma decisão acerca da probabilidade ou improbabilidade de determinados eventos, trata-se de uma decisão arriscada (De Carvalho, 2008, p. 63).

Ao Direito cabe a árdua tarefa de determinar medidas que antecipem a desenvoltura dos danos ambientais em virtude de suas características, principalmente de sua imprevisibilidade e irreversibilidade. O motivo pelo qual aponta uma relevância do tratamento do risco pelo direito, que passa a pensar e ponderar nas suas decisões são tanto imprevisibilidade quanto a incerteza de riscos ambientais intoleráveis (Colombo e Freitas, 2015, p. 217).

Essa passagem da teoria do risco e das noções dogmáticas de risco vigentes deve acompanhar a mudança de paradigma científico ocorrida no último século. A ciência moderna encontrou-se fundada sobre modelos causalistas, sendo moderada pela crença na previsibilidade das relações de causa e efeito, na linearidade da temporalidade e, consequentemente, numa certa previsibilidade do futuro. Já a ciência na atualidade (pós-modernidade ou modernidade reflexiva) demonstra-se inserida num contexto de incerteza e complexidade. A ausência da linearidade nas relações causais e o constante enfrentamento de questões pertinentes a sistemas hipercomplexos ressalta a importância a ser atribuída às noções de risco e perigo. (De Carvalho, 2008, p. 135-136).

A nova concepção atribuída ao risco pretende potencializar a responsabilidade civil para que além de reparar danos para também ser instrumento de investigação, avaliação e gestão de riscos ambientais. Investigação na realização de perícias ambientais na fase de processo judicial a avaliação pela integração de dados científicos e o direito, formando análises probabilísticas de risco e sua tolerabilidade e a gestão de risco ambiental pela responsabilidade civil impondo medidas preventivas ao agente como pressuposto a evitar a ocorrência de dano ambiental futuro (De Carvalho, 2008, p. 138).

2.2.7.   Teoria do risco Administrativo

A teoria do risco administrativo surgiu da responsabilidade objetiva, a qual indica que deve ser atribuída ao Estado a responsabilidade pelo risco criado por sua atividade administrativa, que é exercida em favor de todos, e dessa forma o ônus deve ser assim suportado. De acordo com esta teoria, é possível que o Estado afaste sua responsabilidade em casos de exclusão do nexo causal, como os casos de fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Entretanto, diferenciando-se da teoria do risco integral, existe a necessidade de que o dano sofrido e o nexo de causalidade estejam interligados com a atividade pública.

Segundo Di Pietro (2003, p. 517-518), para que seja efetivamente caracterizada a responsabilidade do Estado prevista constitucionalmente no art. 37, § 6º há de se exigir a ocorrência de cinco elementos:

1. Que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; ...

2. Que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; ...

3. Que haja um dano causado a terceiro em decorrência da prestação se serviço público; ...

4. Que o dano causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço;

5. Que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; ...

Na teoria do risco administrativo é fundamental a avaliação do grau de participação do lesado no dano. Se este participou totalmente, o Estado será isento de qualquer responsabilidade; ao contrário, se o lesado contribui de forma parcial, o ente estatal terá uma verdadeira atenuação na sua obrigação de reparar.

2.3. Dano ambiental e dano ambiental futuro

Consoante entende De Carvalho (2008, p. 124):

A justificação normativa à existência do dano ambiental futuro no Direito brasileiro se consubstancia no texto do art. 225 da Constituição Federal brasileira, cujos termos prevêem tanto as presentes quanto às futuras gerações como titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A alocação do meio ambiente como interesse juridicamente tutelado às futuras gerações exige do Direito a estruturação de condições semânticas que lhe possibilitem processos de tomada de decisão envolvendo a investigação, a avaliação e a gestão dos riscos ecológicos. Tal dinâmica de produção semântica no Direito (tal como ocorre no surgimento das noções acerca dos Princípios da Equidade Intergeracional, da Prevenção e da Precaução, na tutela das futuras gerações, etc) se dá em ressonância às irritações provocadas pelas estruturas da sociedade de risco (ambiente social) e suas consequências ao ambiente ecológico (extra-comunicacional). Portanto, a proteção das futuras gerações pelo Direito Ambiental pode ser potencializada ou mesmo objeto de efetivação por meio da noção de dano ambiental futuro, como instrumento de investigação, avaliação e gestão dos riscos ecológicos ou ambientais.

Nesta senda, o dano ambiental futuro consiste em operacionalização pragmático-sistêmica do Princípio da Equidade Intergeracional e dos Princípios da Precaução e Prevenção, avaliando-se não apenas as dimensões temporais do passado ou presente, mas inserindo na estrutura sistêmica e nos processos de tomada de decisão jurídica condições semânticas para a observação e formação de vínculos com o horizonte futuro.

De forma geral, os magistrados têm adotado uma postura da qual se exige o dano real e não o potencial. Ao obrigar que o autor faça prova do dano concreto, impõem o ônus da prova para os autores, o que enseja um enfraquecimento da responsabilidade objetiva do poluidor (Antunes, 2012, p.202).

A complexidade do dano ambiental futuro, diz respeito a expectativa de dano em caráter individual ou transindividual ao meio ambiente, demonstrado em perícias alta probabilidade, que certa atividade pode ocasionar perda de qualidade ambiental ou as consequências futuras de um dano já concretizado.

No que concerne à administração dos riscos, o artigo 225, § 1º, inciso V, da Constituição Federal Brasileira, determina que para assegurar o direito a um  meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

O conteúdo constitucional deixa claro que a atuação na defesa do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado para a saudável qualidade de vida das gerações futuras e presentes é uma intervenção obrigatória, não sendo contudo exclusiva, por termos a repartição da defesa ao meio entre Estado e Sociedade.

As dificuldades do Sistema do Direito para proferir descrições acerca dos danos ambientais futuros ‘stricto sensu’ (em que não houve a concretização do dano) fazem-se ainda mais árduas, em virtude de uma profunda limitação semântica ao sentido atribuído pela dogmática jurídica à Teoria do Risco. Cabe esclarecer que, uma vez desprovido de uma Teoria do Risco compatível à Sociedade atual, o Direito faz uso de uma Teoria do Risco fundada e enraizada a noções semânticas provenientes da Sociedade Industrial clássica, ocasionando um hiato epistemológico entre realidade social e comunicação jurídica. Por óbvio que as decisões envolvendo os danos ambientais futuros ‘stricto sensu’ são dotadas de maior grau de complexidade do que quando se tratam de decisões acerca das consequências futuras de danos ambientais atuais, no que respeita à avaliação do maior ou menor grau de probabilidade de ocorrência de efeitos negativos futuros (De Carvalho, 2008, p. 143).

2.4. As esferas da responsabilidade por dano ambiental

Na Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte de forma especifica tratou sobre o meio ambiente no Capítulo VI do Título VIII, que trata da Ordem Social. Destarte, houve uma importante inovação no que diz respeito à matéria ambiental, primeiramente porque elevou o assunto ambiental para o âmbito constitucional, proteção máxima que um direito pode alcançar no ordenamento jurídico brasileiro, e, ainda, porque inovou-se na matéria de proteção ao meio ambiente, ao estabelecer no § 3º do artigo 225 da Carta Política a responsabilização ambiental nas esferas administrativa, penal e civil.

A tríade protecionista do meio ambiente está estabelecida no § 3º do artigo 225 da Constituição Federal, reforçando a proteção ambiental com a responsabilização ambiental administrativa e penal, vez que a proteção civil, que se concretiza com a reparação pelos danos causados, já era regulamentada em lei infraconstitucional, por intermédio da Lei nº 6.938/1981.

Nesta seara, temos a responsabilidade administrativa ambiental é aquela decorrente da atividade estatal corporificada no poder de polícia, por meio do qual todo e qualquer cidadão está subordinado à supremacia do interesse público sobre o privado, o que efetiva a atuação do Estado como agente fiscalizador e regulamentador da atividade privada, inclusive no que concerne à sua relação com o meio ambiente, por intermédio da aplicação de limitações administrativas e sanções legais.

A Lei nº 9.605/1998 que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”, trata da responsabilidade administrativa ambiental. Foi regulamentada inicialmente pelo Decreto nº 3.179, de 21.09.1999, que foi revogado pelo Decreto nº 6.514, de 22.07.2008, que atualmente disciplina o procedimento em análise.

A responsabilidade penal ambiental, também é regulamentada pela Lei nº 9.605/1998, entretanto, conforme o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, a atuação na esfera penal em matéria ambiental deve ser a última alternativa, pois o objetivo principal do Direito Ambiental é a prevenção e restauração do dano ecológico.

A atuação do Direito Penal Ambiental com a responsabilização criminal do transgressor do preceito ambiental ofendido, será indispensável quando as esferas administrativa e civil não restarem suficientes para impedir a ocorrência do dano ambiental.

Enfim, temos a responsabilidade civil por danos ambientais, que compõe a tríade protecionista do meio ambiente, prevista na Constituição Federal e na Lei nº 6.938 de 31.08.1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.

A responsabilidade civil ambiental diferencia-se da administrativa e penal, por quanto aquela se funda na intenção de fazer o responsável pelo dano repará-lo, frente aos prejuízos que sua ação ou omissão causou à coletividade ou a terceiros.

Ressalte-se, que a aplicação de qualquer das formas de responsabilização ambiental ocorrerá de forma independente uma das outras, como bem se depreende do próprio texto constitucional, no § 3º do artigo 225. Portanto, conforme o dano causado, poderá o poluidor ser enquadrado tanto em apenas uma das modalidades de responsabilização ambiental quanto nas esferas mencionadas (Machado, 2013, p. 416).


CAPÍTULO 3. A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL

O art. 225 da Constituição Federal de 1988, impõe ao Poder Público e à coletividade:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;  

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;        

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;     

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;  

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;      

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

A Carta Magna ao afirmar, em seu preâmbulo, um Estado democrático de Direito, tendo como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, apresenta e consolida a objetivação da responsabilidade em relação ao dano ambiental, seja nas pessoas físicas ou jurídicas, sujeitando-os às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparação civil.

A responsabilidade administrativa decorre da infração a regramentos administrativos, sujeitando-se o infrator às sanções de cunho administrativo, qual seja: advertência, multa simples e diária, interdição e embargo da atividade infratora, dentre outras.

Entre os poderes da Administração Pública, possui grande relevância para este estudo o de polícia, que é exercido sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade.

É de dever da União, do Estado e dos Municípios proteger o meio ambiente e exercer o poder de polícia relativo à matéria que lhes compete, tornando efetivas as providências que se encontram sob a competência de cada ente. Neste mister deve promover ações educativas e orientativas, condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos em benefício da qualidade de vida da coletividade, e aplicar as sanções pertinentes nos casos de desrespeito aos mandamentos legais da autoridade competente.

O conceito de poder de polícia no Brasil encontra-se expressamente definido no artigo 78 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.  

Consoante Carvalho (2009, p. 354):

o poder de polícia se fundamenta no que a clássica doutrina italiana denominava Poder Extroverso do Estado, o que legitima ir além dos seus limites e atingir esferas jurídicas alheias, condicionando o uso de bens, o exercício de atividades e de liberdades individuais. Deste poder político que o Estado tem sobre as coisas que se localizam em seu território e sobre as pessoas que nele residem ou estão sediadas, resulta a chamada supremacia geral que autoriza o exercício da polícia administrativa. Dentre as instituições que exercem a polícia administrativa estão os órgãos que exercem a polícia do ambiente, como, por exemplo, o Ibama (Intituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Machado (2013, p. 308) conceitua o poder de polícia ambiental como:

atividade da Administração Pública  que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

No Brasil o procedimento administrativo sancionador ambiental é orientado pela Lei nº 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, pela Lei nº 7.347, de 1985 que trata sobre ação civil pública, a própria Constituição Federal do Brasil de 1988, pela Lei nº 9.605, de 1998 que trata dos crimes ambientais, sanções penais e administrativas aplicáveis as atividades e condutas lesivas ao meio ambiente, pela Lei Complementar nº 140, de 2011 que fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, pela Lei nº 12.651, de 2012, que aprovou o Código Florestal, dentre outras, e regulamentado pelas diversas leis, regulamentos e normativas expedidas em cada esfera de atuação, aplicando-se subsidiariamente a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

O procedimento administrativo sancionador no Brasil é instrumento do poder de polícia do Estado essencial para a prevenção de danos ambientais e para a aplicação das sanções em razão da ocorrência de ilícitos administrativos, que nada tem a ver com os ilícitos penais.

No exercício ou na omissão quanto à responsabilidade administrativa a Lei da Improbidade Administrativa - Lei nº 8.429 de 1992 nos apresenta três modalidades de conduta que importam em improbidade administrativa:

a) no artigo 9º, cuida dos atos que produzem enriquecimento ilícito;

b) no artigo 10, aponta os atos que causam prejuízo ao erário;

c) no artigo 11 cuida dos atos que atentam contra os princípios da administração pública.

Nessa perspectiva, vale atentar para o fato de que, no caso de atos contrários aos princípios da administração, não há necessidade de enriquecimento ilícito ou mesmo de dano ao erário, como se lê do artigo 21, a ser apurado nos termos do artigo 22, ambos da Lei de Improbidade, que assim prevê:

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento;     

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.

Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

A exemplo deste contexto, comete ato de improbidade administrativa o agente público que concede licença ambiental em discrepância com Estudo de Impacto Ambiental realizado, ou emite estudo de impacto ambiental de conteúdo falso, assegurando que a instalação de certa obra ou atividade não causará significativo impacto ambiental, e recebendo para tanto vantagem econômica, direta ou indireta,  também será alcançado por infringência ao disposto no artigo 9º da Lei nº 8.429, de 1992.  Ao deixar de exercer com zelo e dedicação as atribuições de seu cargo, infringe dispositivos legais e regulamentares e, consequentemente, pratica atos contrários à moralidade administrativa, tornando-se passível de exemplar punição nos moldes da Lei nº 8.429/92 e do preceito constitucional implícito da vedação de se promover uma gestão ambiental ineficiente.

O agente público tem o dever constitucional de levar a cabo uma boa gestão ambiental, acima de tudo com o objetivo de resguardar a defesa e a preservação do bem ambiental de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

3.1. Pressupostos da responsabilidade administrativa ambiental

Constitui infração administrativa ambiental, nos termos do artigo 70 da Lei nº 9.605, de 1998, "toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente".

O pressuposto para caracterização da responsabilidade administrativa é a ocorrência de uma conduta ilícita, contrária ao ordenamento jurídico.

Na esfera jurídica a conduta pode ser atribuída a quem tenha concorrido, por ação ou omissão, para prática de infração, seja por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas, de direito público ou privado.

A responsabilização administrativa é absolutamente pessoal, tornando inviável ao órgão administrativo punir uma pessoa pela ação ou omissão danosa causada por outra.

A responsabilidade administrativa é objetiva, independe de culpa ou dolo por parte do agente poluidor, sendo necessário para tanto a prova do dano e do nexo causal.  Cabe ao agente poluidor demonstrar a ocorrência de alguma excludente de causalidade.

Na esteira dos princípios aplicáveis ao Direito Ambiental, cabe ao empreendedor assumir e responder objetivamente pelos riscos da atividade por ele realizada. O Poder Judiciário tem assim decido:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MEIO AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESVIO E RETENÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS. BARRAGEM (BARRAMENTO). AUSENCIA DE LICENÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RELATÓRIO DA PATRAM. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE E LEGITIMIDADE. PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. O demandado, ainda que não seja proprietário do imóvel, é parte legítima para a ação civil pública por dano ambiental, uma vez que é considerado poluidor a pessoa física ou jurídica responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental. Inteligência do art. 3º, IV, da Lei 6.938/81. [...]4. MEIO AMBIENTE. DIREITO FUNDAMENTAL. O art. 225, caput, da Constituição Federal elevou a proteção jurídica do meio ambiente ecologicamente equilibrado a um patamar de direito fundamental da pessoa humana, em sentido formal e material, orientado pelo princípio da solidariedade. 5. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Comprovada a ocorrência do dano ambiental bem como o nexo causal surge a obrigação de reparação, especialmente por se tratar de responsabilidade objetiva. 6. RECUPERAÇÃO INTEGRAL DO DANO AMBIENTAL. O dano ambiental deve ser reparado integralmente, numa perspectiva que valorize as características e inter-relações essenciais dos sistemas ecológicos atingidos. Indenização pecuniária mantida, tendo em vista que a represa irregular do rio Piratini causou não só o prejuízo de todas as famílias vizinhas que dependiam de suas águas, como também, o assoreamento do rio que diminuiu consideravelmente sua vazão, impedindo a migração de peixes no local. Mantida a sentença condenatória. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70074513565, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 25/10/2017)

O direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental, enseja conduta ilícita a ocorrência de qualquer violação, comissiva ou omissiva de disposição jurídica que tenha por objeto, direto ou indireto, o uso, o gozo, a promoção, a proteção, e a recuperação dos recursos ambientais e a conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A imputação de responsabilidade pela prática do ilícito prescinde de dolo ou culpa, bastando que se demonstre a existência de ação ou omissão e de nexo que, para o Direito Ambiental, já se caracteriza a infração administrativa. Desse modo, os pressupostos para a configuração da responsabilidade administrativa podem ser sintetizados na fórmula conduta ilícita, considerada como qualquer comportamento contrário ao ordenamento jurídico. (Milaré, 2014, p. 885).

O dano por si só é incapaz de gerar a infração administrativa, ou seja, para a sua existência a título de responsabilidade administrativa o dano deve enquadrar-se no resultado previsto no ordenamento jurídico, descrito como tipo infracional. Se não há previsão de que o dano causado gere infração, por decorrência o fato é considerado atípico.

3.2. Responsabilidade extracontratual subjetiva

Segundo Milaré (2014, p. 260) "o poder de polícia administrativa ambiental, definido como incumbência pelo art. 225 da Constituição federal, a ser exercido em função dos requisitos da ação tutelar” constitui a responsabilidade administrativa, que é uma manifestação do poder de polícia do Estado.

Enquanto Silva (2013, p. 301) nos ensina que:

A responsabilidade administrativa fundamenta-se na capacidade que têm as pessoas jurídicas de direito público de impor condutas aos administrados. Esse poder administrativo é inerente à Administração de todas as entidades estatais – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - nos limites das respectivas competências institucionais. Dentre os poderes administrativos, interessa ao nosso assunto de modo especial, o poder de polícia administrativa, “que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade”.

Todas as entidades estatais dispõem de poder de polícia referentemente à matéria que lhes cabe regular. Como cabe às três unidades proteger o meio ambiente, também lhes incumbe fazer valer as providências de sua alçada, condicionando e restringindo o uso e gozo de bens, atividades e direitos em benefício da qualidade de vida da coletividade, aplicando as sanções pertinentes nos casos de infringência às ordens legais da autoridade competente.

A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente é tratada no âmbito de competência de cada esfera em suas respectivas legislações federal, estadual e municipal, definindo desta forma as infrações às normas de proteção ambiental e as respectivas sanções, em respeito ao princípio da legalidade, que deve necessariamente reger os atos administrativos.

Mello (2006, p. 823-826) leciona em relação às sanções administrativas impostas ao causador de dano ambiental:

Infração e sanção administrativa são temas indissoluvelmente ligados. A infração é prevista em uma parte da norma, e a sanção em outra parte dela. Assim, o estudo de ambas tem que ser feito conjuntamente, pena de sacrifício da inteligibilidade quando da explicação de uma ou de outra.

Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade competente no exercício da função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera.

Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações administrativas e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta. Com efeito, é disto que resulta o regime jurídico que lhes confere a própria feição, a identidade jurídica que lhes concerne, como acentuaram Régis Fernandes de Oliveira e Daniel Ferreira, enfatizando um critério formal.

Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a aplicação de sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.

...

É corrente o uso da expressão ‘excludentes’ para referir hipóteses em que se considerará inexistente a infração, ou não sancionável a conduta, conforme o caso. São encontráveis menções ao (1) fato da natureza (força maior); (2) caso fortuito; (3) estado de necessidade; (4) legítima defesa; (5) doença mental; (6) fato de terceiro; (7) coação irresistível; (8) erro; (9) obediência hierárquica; (10) estrito cumprimento do dever legal; (11) exercício regular de direito. Em nosso entender, as oito primeiras hipóteses dizem com a falta de voluntariedade – logo, elidem o próprio cometimento da infração, uma vez que a voluntariedade é o mínimo elemento subjetivo que se exige para imputação de uma infração a alguém. Já as três últimas correspondem a uma exclusão de sanção, propriamente dita.

A natureza jurídica da responsabilidade civil consiste na imputação civil do ato lesivo (ilícito) a quem lhe deu causa, para a fins de indenizar nos termos da lei ou do contrato, na busca de compensar ou reparar o dano injustamente suportado pelo agredido. O fundamento da responsabilidade civil encontra amparo na exata conduta comissiva ou omissiva do agente agressor (subjetiva) ou do mero risco de determinada atividade gerado por ele (objetiva) (Nery Júnior e Nery, 2005, p.267).

O Código Civil brasileiro ao dispor em seu artigo 186 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, adotou como regra geral a responsabilidade civil subjetiva segundo a qual, baseada na teoria clássica, o ofensor tem o dever de reparar ou de restituir o mal causado desde que comprovado o dano, o nexo causal e a sua culpa, consoante lição de Cavalieri Filho (2007, p. 17):

Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto.

A responsabilização objetiva prescinde da culpa, o que certamente facilita e amplia o âmbito de aplicação dessa responsabilidade, enquanto a responsabilização subjetiva demanda maior cautela e critério na apuração.  E em relação às multas administrativas ambientais, seja na modalidade simples ou diária, essa discussão é ainda mais acirrada, uma vez que o impacto financeiro é direto e as importâncias envolvidas costumam ser bastante significativas.

A teoria da responsabilização do agente, coloca dentre os princípios que vinculam o intérprete da lei (agente administrativo) no campo do Direito Administrativo Sancionador o princípio da culpabilidade, cujo tema é tratado por Osório (2000, p. 317-322) sob o seguinte enfoque:

A idéia de culpabilidade traz consigo a noção de atribuir a algo, censuravelmente, a alguém. Confunde-se, não raro, com a culpa em sentido mais amplo. Culpabilidade encerra um forte significado de ‘evitabilidade’. Sem adentrar o debate filosófico e metafísico sobre ‘livre-arbítrio’ e ‘determinismo’, concordo com Ferrajioli quando sustenta que a culpabilidade se baseia, fundamentalmente, em um juízo normativo e traduz, ademais, as noções de exigibilidade ou inexigibilidade de conduta diversa (...).

Para que alguém possa ser administrativamente sancionado ou punido, seja quando se trate de sanções aplicadas por autoridades judiciárias, seja quando se cogite de sanções impostas por autoridades administrativas, necessário que o agente se revele ‘culpável’.

...

Parece-me que, ao ser um preceito contrário à responsabilidade objetiva, a culpabilidade fundamenta a pena e, ao mesmo tempo lhe serve de medida. (...)

Pode-se afirmar, com efeito, que a culpabilidade, em um primeiro momento, aparece como princípio constitucional contrário à responsabilidade objetiva, daí derivando notáveis consequências teóricas e pragmáticas, a saber: a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena. (...) Nesse sentido, culpabilidade é um princípio amplamente limitador do poder punitivo estatal, aparecendo como exigência de responsabilidade subjetiva.

...

Evidentemente que se exige uma ação ou omissão do agente para efeitos de responsabilidade. A omissão há de significar uma violação de um dever de agir, estabelecendo-se uma relação de causalidade puramente normativa entre a conduta e o resultado. O agente se omite de uma conduta que lhe era juridicamente exigível. Essa omissão, em regra, pode ser culposa, mas depende do tipo sancionador. (...) Na doutrina, também é pacífica a idéia de que a culpabilidade exige dolo ou ‘negligência’, inclusive nos ilícitos omissivos.

A responsabilidade administrativa por dano ambiental deverá ser apurada por meio de um processo administrativo nos termos do artigo 71 da Lei nº 9.605/98, que assim dispõe:

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:

I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;

II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;

III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;

IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.

Destarte, temos respeitado o contraditório e a ampla defesa em estrita observância do princípio contido no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, ao disposto no § 4º do artigo 70 da Lei nº 9.605/98, e ao princípio da legalidade, que determina não poder ocorrer sanção sem que esta esteja prevista em lei, ou seja, antes de se atuar, há que se legislar (Mukai, 2012, p. 19).

A referida Lei nº 9.605/98 em seu artigo 72 estabelece os tipos de sanções que podem ser aplicadas em matéria ambiental, quais sejam: advertência (inc. I), multa simples (inc. II), multa diária (inc. III), apreensão de animais, produtos ou subprodutos de fauna e flora (inc. IV), destruição ou inutilização de produtos (inc. V), suspensão de venda e de fabricação do produto (inc. VI), embargo de obra ou atividade (inc. VII), demolição de obra (inc. VIII), suspensão parcial ou total de atividades (inc. IX), sanção restritiva de direitos (inc. X).

Destarte, a responsabilidade administrativa ambiental se diferencia da responsabilidade civil ambiental.  A responsabilidade administrativa se caracteriza pela imposição de uma sanção administrativa ao agente causador do dano ambiental, sanção esta que é expressão do ius puniendi do Estado, exercício do poder de polícia desencadeado pela infração às normas ambientais praticadas pelo agente; enquanto a responsabilidade civil ambiental se caracteriza pelo caráter reparatório, objetivando a recomposição do status quo do meio ambiente danificado - quando for possível - ou a indenização pelo dano provocado, o que deverá ser apurado através de um processo judicial de natureza civil, de competência do Poder Judiciário.

Neste contexto, a responsabilidade administrativa ambiental é classificada como extracontratual subjetiva, sendo esta a regra adotada pelo ordenamento pátrio; enquanto  a responsabilidade civil ambiental, por sua vez, é objetiva, por força do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, tendo o ordenamento consagrado, excepcionalmente neste ponto, a teoria da responsabilidade civil objetiva, independente da comprovação de culpa ou dolo.

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no julgamento do REsp 1.401.500/PR que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental é subjetiva. O ministro Herman Benjamin, relator do citado processo votou pelo provimento do recurso especial ao pugnar pela necessidade de comprovação de culpa, no que foi acompanhado pelos demais julgadores:

... 2. A insurgente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua natureza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente.

3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.

4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa.

5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015).

6. "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012). (...)

Após este julgamento Farias (2018, p. 01) contextualizou observações importantes sobre o tema:

O interessante é que antes a jurisprudência em regra seguia o entendimento contrário, aplicando a tais situações o § 1º do art. 14 da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), o qual dispunha sobre a modalidade civil de responsabilidade independentemente de culpa:

...

Realmente, em função do que dispõe a lei, a doutrina e a jurisprudência são unanimes no intuito de considerar objetiva a responsabilidade civil ambiental. Contudo, no que diz respeito à multa administrativa simples, a Lei 9.605/98 dispôs expressamente que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental é subjetiva, haja vista a necessidade de comprovar a negligência ou dolo:

...

Isso implica dizer que faltava lastro jurídico à aplicação pura e simples da responsabilidade objetiva às sanções administrativas ambientais de multa, pois a legislação era (e é) expressa quanto ao dolo e à negligência. Com efeito, tratava-se da aplicação de dispositivo de responsabilidade civil à responsabilidade administrativa ambiental com espeque em mera analogia e contrariando a literalidade do texto legal.

A decisão do REsp 1.401.500/PR é o marco da consolidação do entendimento jurisprudencial sobre o assunto em razão da importância e da repercussão do caso, bem como em razão do porte das empresas envolvidas, do valor da multa e da pessoa do ministro relator, que possui mestrado e doutorado, além de ser autor e organizador de diversos trabalhos na área de Direito Ambiental. No entanto, é importante destacar que já havia na corte várias outras decisões nesse sentido, a exemplo do REsp 1.251.697/PR e do AgRg no AREsp 62.584/RJ, de forma que no (e a partir do) STJ existe um processo adiantado de consolidação da jurisprudência a esse respeito.

Esse entendimento parece acertado, uma vez que a responsabilidade ambiental pelo mesmo fato se dá, de forma simultânea e independente, nas esferas administrativa, cível e criminal, e a responsabilidade civil já é objetiva, com a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica e a responsabilização do poluidor indireto.

Destarte, a modalidade de responsabilização ampla e quase irrestrita nessa matéria é e sempre foi a civil apenas. Isso também exigirá dos órgãos ambientais um maior cuidado nos momentos de apurar a infração e de motivar a multa administrativa simples, sem prejuízo da aplicação de outras sanções como advertência, embargo ou suspensão.

Em vista disso, a tendência é mesmo que em alguns anos se consolide, no âmbito da Justiça comum e da Justiça Federal, a uniformização do entendimento de que a apuração da responsabilidade administrativa no caso da multa ambiental se dá pela modalidade subjetiva.

3.3.  Responsabilidade administrativa solidária no Direito Ambiental

A Lei nº 6.938, de 1981 prevê em seu artigo 3º, inciso IV no caso do dano ambiental que o poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental, e ainda em seu artigo 12 disciplina as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais responsáveis pela aprovação de projetos habilitados ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225, estabelece que todos, indistintamente, devem cuidar da tutela do meio ambiente, ou seja, nenhuma pessoa física ou jurídica está isenta do ônus de prevenir ou reprimir os danos ambientais.

A solidariedade é disciplinada nos artigos 264 a 266 do Código Civil de 2002, assim:

Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou co-devedores, e condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro.

Temos a solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda (Código Civil, artigo 264). Na solidariedade ativa, o pagamento feito a qualquer credor extingue a dívida até o montante pago (artigo 269); na solidariedade passiva, o credor, que é sempre um terceiro em relação aos devedores solidários, pode exigir de qualquer um destes, parcial ou totalmente, a dívida comum (artigo 275). Como se vê, o direito positivo brasileiro instituiu um ‘nexo causal plúrimo’; em havendo mais de um agente causador do dano, não se perquire qual deles deve ser chamado como responsável direto ou principal. Beneficiando, mais uma vez, a vítima, permite-lhe eleger, dentre os corresponsáveis, aquele de maior resistência econômica, para suportar o encargo ressarcitório (Silva Pereira, 2012, p.115).

A título exemplificativo trazemos à baila alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. COMPROVAÇÃO DOS DANOS. SÚMULA 7/STJ. ANÁLISE DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina com o fito de paralisar construção de loteamento residencial em área de proteção ambiental, especificamente a Bacia do Rio Ditinho, e obter reparação pelos danos ambientais causados pelas obras já realizadas. 2. O pedido foi julgado procedente pelo Juízo de 1º grau, tendo a sentença sido confirmada pelo Tribunal de Justiça. Após, em Embargos de Declaração, a recorrente arguiu nulidade processual por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente - Fatma, órgão estadual que concedeu a licença de instalação do empreendimento, mas não obteve êxito. 3. A tese recursal não prospera, tendo em vista que a responsabilidade por danos ambientais é solidária entre o poluidor direto e o indireto, o que permite que a ação seja ajuizada contra qualquer um deles, sendo facultativo o litisconsórcio. Precedentes do STJ. 4. No caso, figuram no pólo passivo da lide o ente municipal e os particulares responsáveis pelo empreendimento. Embora a fundação estatal que concedeu indevida licença de instalação também pudesse ter sido acionada, a sua ausência não conduz à nulidade processual. 5. A alteração do entendimento do Tribunal de origem, de que o empreendimento é danoso ao meio ambiente, demandaria reexame dos elementos fático-probatórios dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 6. Inviável a apreciação, em Recurso Especial, de matéria cuja análise dependa de interpretação de direito local. Súmula 280/STF. 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ - REsp: 1079713 SC 2008/0169678-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 18/08/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2009)

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981.  IRRETROATIVIDADE DA LEI. PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF. PRESCRIÇÃO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF. INADMISSIBILIDADE. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado. 5. Comprovado que a empresa Furnas foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade de outra pessoa jurídica. 6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de origem, pela ausência de prequestionamento. 7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ - REsp: 1056540 GO 2008/0102625-1, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 25/08/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/09/2009)

Consoante o artigo 265 do Código Civil a solidariedade não se presume, é resultante da lei ou da vontade das partes. No caso do dano ambiental, tem sido considerada decorrência lógica da adoção do sistema de responsabilidade objetiva pela legislação brasileira. O artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal prevê a responsabilidade civil, penal e administrativa daqueles que praticam condutas lesivas ao meio ambiente (Gonçalves, 2015, p. 107).

A Lei nº 6.938/81, por sua vez, dispõe que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (artigo 14, parágrafo 1º); e, por poluidor, tem-se a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (artigo 3º, IV). A partir desses dispositivos é possível extrair a obrigação solidária dos infratores e poluidores (devedores) de reparar o dano ambiental em favor da sociedade (a credora). Assim, tanto aquele que concorre diretamente para o desabrochar do dano como aquele cuja atividade, indiretamente, representa uma possível condição sem a qual ele talvez não tivesse ocorrido respondem solidariamente pela obrigação de repará-lo por inteiro (Milaré, 2014, p. 446).

O Superior Tribunal de Justiça - STJ, 2ª Turma, AgInt no AREsp 277.167/MG, Rel. Min. Og Fernandes, j. 14/03/2017, DJe 20/03/2017, afirma que a “responsabilidade ambiental é objetiva e solidária pela aplicação da teoria do risco integral ao poluidor/pagador prevista no artigo 14, § 1º da Lei nº 6.938/81, combinado com o artigo 942 do Código Civil”.

E ainda, citamos o julgado do STJ, 2ª Turma, REsp 650.728/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 23/10/2007, DJe 02/12/2009 onde é dada uma maior amplitude ao conceito de devedor solidário ao estabelecer que, “para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”.

O Direito Ambiental ao tratar de direitos difusos envolve uma pluralidade de credores e de devedores, raramente ligados por um contrato, mas pela lei. O artigo 225 da Constituição Federal  diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, ou seja, o titular do direito são “todos”, apenas representados pelo Estado, pelo Ministério Público ou pelas demais entidades mencionadas na Lei nº 7.347/85.

Consoante Torres de Carvalho (2018, p.01):

A solidariedade passiva implica na separação, como mencionei no artigo anterior sobre a obrigação propter rem, das diversas obrigações ambientais: recomposição (obrigação de fazer), indenização (obrigação de dar), autuação administrativa (sanção pessoal, também subdividida em obrigação dar, de fazer ou de não fazer). A questão surge quando a coisa é transmitida a outrem ou, no caso do poluidor indireto, quando diverso o vínculo entre os obrigados. Aqui pode surgir novamente a hipótese das obrigações autônomas, embora simultâneas: o adquirente do bem pode responder pela recomposição do dano que não causou, mas não por solidariedade com o transmitente; e este, se responder por algo após a transmissão, igualmente responde por ato próprio, não por solidariedade com o adquirente.

O poluidor indireto (lembro a ampla definição do STJ citada acima ("equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem") não responde propriamente por solidariedade com o obrigado principal, mas pela contribuição própria (o "ato próprio") ao dano em questão. Não é um vínculo de direito, mas um vínculo que decorre da própria conduta.

A solidariedade passiva (lembro, como colocado acima, a obrigação autônoma, mas simultânea) deve ser analisada tanto na relação entre credor e devedores (externa) como na relação entre os devedores em si (interna). “Enquanto nas relações externas o credor tem o direito de exigir toda a prestação de qualquer dos devedores, nas relações internas a obrigação divide-se entre os vários sujeitos”.

São duas relações jurídicas que não se confundem nem se podem confundir: uma, a relação que se estabelece entre os devedores solidários e o credor (a sociedade, representada pela agência ambiental ou pelo Ministério Público). Outra, exaurida aquela e num segundo momento, a relação que se estabelece entre os devedores solidários e a responsabilidade de cada um pela obrigação adimplida, a ser definida segundo os fatos, a lei e ou o contrato entre eles existente. A relação entre os devedores não segue as regras da solidariedade que beneficiou o credor, mas as regras próprias que possam existir entre eles.

Se perante o credor os devedores solidários respondem pela dívida toda, entre si cada um responde pela parte que lhe cabe, que podem não ser iguais ou mesmo ser integral de um deles. Ao devedor que adimplir a obrigação “caberá, usando da ação regressiva (‘actio de in rem verso’), agir contra os coobrigados, para de cada um haver, ‘pro rata’, a quota proporcional no volume da indenização; ou, se for o caso, regredir especificamente contra o causador direto do dano”[7].

A responsabilidade ambiental administrativa decorrente de uma conduta única praticada por vários autores, ou que reflita em várias pessoas, causa perplexidade. Enfrentamos na Câmara Ambiental em São Paulo um caso em que oito pessoas foram surpreendidas em um veículo transportando 207 kg de peixe proveniente de pesca proibida; o agente ambiental lavrou oito autos de infração, um para cada infrator, pelo transporte irregular dos 207 kg de peixe, com base no artigo 36 da Resolução SMA 37/2005. A sentença julgou improcedente a ação anulatória, mas o tribunal reformou a decisão; entendemos que o agente ambiental poderia considerar o fato como uma infração única em coautoria — lavrando uma autuação contra os oito infratores — ou como uma infração individual — lavrando uma autuação contra cada um, proporcional à parte que lhe cabe do peixe transportado —, mas não poderia ter lavrado uma autuação contra cada pessoa considerando a apreensão total, assim multiplicando por oito a multa que um só pagaria, se estivesse sozinho. Nesse caso, a obrigação seria solidária ou individual conforme a conduta do agente ambiental: solidária, se uma autuação dos oito; individual, se uma autuação proporcional contra cada um.

A doutrina de Sirvinskas (2008, p. 268) alerta sobre a dificuldade tanto de se identificar as vítimas dos danos ambientais quanto apurar os responsáveis diretos e indiretos por este quando envolver várias indústrias e pessoas. Neste contexto complexo é que o legislador e o constituinte originário estabeleceram o dever solidário de todos aos deveres e às penas resultantes da não observância das normas que regem o direito ambiental.

3.4. Aplicação de sanções administrativas

A Lei de Crimes Ambientais - Lei nº 9.605/98, dispõe sobre a responsabilidade administrativa ambiental nos artigos 70 a 76, objetivando que as irregularidades ambientais sejam apuradas e punidas na própria esfera administrativa, sem  a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.

O caput do artigo 70 da referida lei define infração administrativa ambiental como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

O Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008 ao dispor sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e enquadra as infrações administrativas ambientais nos artigos 24 a 93 na seguinte ordem: a) Das infrações contra a fauna: artigos 24 a 42; b) Das infrações contra a flora: artigos 43 a 60-A; c) Das infrações relativas à poluição e outras infrações ambientais: artigos 61 a 71-A; d) Das infrações contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural: artigos 72 a 75; e) Das infrações administrativas contra a Administração Ambiental: artigos 76 a 83; e f) Das infrações cometidas exclusivamente em Unidades de Conservação: artigos 84 a 93.

O órgão ambiental deverá obrigatoriamente aplicar a sanção correspondente de acordo com a previsão legal, não existindo discricionariedade quanto a isso.

A Lei nº 9.605, de 1998 estabelece no artigo 72 que as infrações administrativas ambientais são punidas com as seguintes sanções: a) advertência; b) multa simples; c) multa diária; d) apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; e) destruição ou inutilização do produto; f) suspensão de venda e fabricação do produto; g) embargo de obra ou atividade; h) demolição de obra; i) suspensão parcial ou total de atividades; j) restritiva de direitos.

Para cada infração administrativa ambiental deve ocorrer a imposição da sanção correspondente, entretanto, se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas nos termos do que determina o § 1º do supramencionado artigo 72.  

O Art. 6º da Lei nº 9.605, de 1998 dispõe que para a “imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente; II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III - a situação econômica do infrator, no caso de multa".

Também é possível aplicar duas ou mais sanções da mesma espécie de uma única vez, a exemplo de duas ou três multas simultâneas, desde que cada infração decorra do desrespeito a um preceito legal específico.

Mukai (2012, p. 47) nos ensina que:

as sanções de polícia são aplicáveis nas condições e limites estabelecidos em lei. Envolvem a multa, a interdição de atividades, de estabelecimento, demolições, embargo de obra, proibição de fabricação ou comércio de produtos etc.

As referidas sanções são auto-executáveis independente de autorização judicial, em virtude da auto-executoriedade dos atos de polícia, devendo, a cada sanção a ser aplicada, estar presente a proporcionalidade entre ela e a infração cometida.

A aplicação de toda e qualquer sanção depende, para sua validade, que, em processo administrativo regular, se ofereça ao infrator o direito à ampla defesa, como já afirmamos.

Contudo, existem exceções, posto que a multa, a destruição ou inutilização do produto e a demolição de obra a rigor não podem ser autoexecutáveis, no primeiro caso por envolver pecúnia e no segundo e terceiro caso pela drasticidade e pela irreversibilidade da medida.

A legislação ambiental ao conceituar infração administrativa ambiental como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” tanto no artigo 70 da Lei nº 9.605, de 1998 quanto no Decreto nº 6.514, de 2008, o legislador não deixou dúvidas quanto à adoção do sistema de responsabilidade objetiva.

Em posição divergente temos os exemplos abaixo relatados por Machado (2013, p. 331):

Para ser possível a aplicação da pena administrativa, a semelhança do que ocorre na seara penal, é necessário haver negligencia, imprudência, imperícia ou dolo; sem algum desses elementos, não se justifica a punição administrativa, ainda que seja na seara ambiental. (BIM, Eduardo Fortunato. O mito da responsabilidade objetiva no direito ambiental sancionador: imprescindibilidade da culpa nas infrações ambientais. Revista de direito ambiental, v. 57, ano 15, 2010, p. 33).

...

Das dez sanções previstas no artigo 72 da Lei 9.605 (incisos I a XI). Somente a multa simples utilizara o critério da responsabilidade com culpa; e as outras nove sanções, inclusive a multa diária, irão utilizar o critério da responsabilidade sem culpa ou objetiva, continuando a seguir o sistema da Lei 6.938/81, onde não há necessidade de ser aferidos o dolo e a negligencia do infrator submetido ao processo.

O artigo 225 da Constituição Federal estabeleceu em seu §3º a tríplice responsabilização em matéria ambiental, fazendo com que cada lesão ao meio ambiente seja apurada de forma independente e simultânea nas esferas administrativa, cível e criminal.

Nos termos do artigo 6º da Lei nº 7.347, de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) “qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção”, a fim de que a possível responsabilidade civil e criminal decorrente do fato possa ser apurada.

3.5. O princípio do non bis in idem

No direito ambiental está previsto no artigo 76 da Lei nº 9.605, de 1998 o princípio do Non Bis in Idem que dispõe: “Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência”.

Tal regra é confirmada pelo artigo 12 do Decreto nº 6.514, de 2008, cujo texto é o seguinte:

Art. 12.  O pagamento de multa por infração ambiental imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a aplicação de penalidade pecuniária pelo órgão federal, em decorrência do mesmo fato, respeitados os limites estabelecidos neste Decreto.

Parágrafo único.  Somente o efetivo pagamento da multa será considerado para efeito da substituição de que trata o caput, não sendo admitida para esta finalidade a celebração de termo de compromisso de ajustamento de conduta ou outra forma de compromisso de regularização da infração ou composição de dano, salvo se deste também participar o órgão ambiental federal.

E ainda pelo artigo 17 da Lei Complementar nº 140, de 2011 ao dispor que:

Art. 17.  Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

§ 1º Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.

§ 2º  Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.

§ 3º  O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Os dispositivos transcritos indicam a impossibilidade de exercício paralelo e sobreposto do poder sancionador por parte de órgãos ambientais distintos, ou seja, impossibilidade de atuação simultânea dos entes federativos em razão de uma mesma conduta e um mesmo dano. Este contexto decorre de que a atuação dos órgãos ambientais, sejam estes federais, estaduais ou municipais, é regida por um só sistema, o SISNAMA, com fundamento no artigo 6º da Lei nº 6.938/81, pois “os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA... “.

A lição de Carneiro (2005, p. 597):

Em concreto, a atuação simultânea das diversas instâncias federadas em relação a um mesmo empreendimento invariavelmente gera enorme insegurança jurídica, vez que, em tese, qualquer atividade fica submetida ao crivo da fiscalização e eventual sancionamento por parte de órgãos ambientais federais, estaduais, distritais ou municipais.

De resto, o exercício paralelo e indiscriminado do poder de polícia, ao contrário do que poderia à primeira vista parecer, significa, na verdade, dispêndio desnecessário e inconveniente de esforços e recursos públicos, contrariando o princípio da eficiência administrativa consignado no caput do art. 37 da Carta Magna.”

“(...) o exercício do poder de polícia deve considerar o interesse preponderante de cada um dos entes políticos integrantes da federação, além de prestigiar a extensão geográfica do impacto ambiental ou da atividade sujeita a controle, cabendo ipso facto à União cuidar das questões de âmbito nacional ou que envolvam mais de um Estado-membro; aos Estados as matérias de espectro regional, e aos municípios as de contorno estritamente local.

Esse entendimento é corroborado por Antunes (2012, p. 110) nos seguintes termos:

Se se admitisse que os órgãos públicos de diferentes esferas federativas pudessem, a seu talante, embargar, paralisar e contestar atividades que se encontram autorizadas regularmente pelos demais integrantes do SISNAMA, no uso normal e legal de suas atribuições, o sistema se tornaria completamente inviável.

Aliás, a própria criação do Sisnama tem por finalidade última a organização de atribuições diferenciadas e a descentralização administrativa de forma cooperativa e harmônica.

O Superior Tribunal de Justiça, na pessoa do Relator Ministro Herman Benjamin, no tocante a caso similar no tema em análise assim manifestou:

STJ - Inteiro Teor. RECURSO ESPECIAL: REsp 1454281 MG 2013/0380616-4

Data de publicação: 09/09/2016

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA NON AEDIFICANDI. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP. DEGRADAÇÃO DECORRENTE DE EDIFICAÇÕES. CONDENAÇÃO A OBRIGAÇÕES DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO.

1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais voltada à recuperação de Área de Preservação Permanente degradada.

2. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental.

4. Induvidosa a prescrição do legislador, no que se refere à posição intangível e ao caráter non aedificandi da APP, nela interditando ocupação ou constrição, com pouquíssimas exceções (casos de utilidade pública e interesse social).

5. Causa inequívoco dano ecológico quem desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. São inúmeros os precedentes do STJ nessa linha: AgRg no REsp 1.494.988/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, Dje 9.10.2015; REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, 22.11.2011; REsp 1.307.938/GO, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 16.9.2014; AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12.3.2014; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; REsp 1.175.907/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 25.9.2014.

6. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem,porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.545.276/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13.4.2016; REsp 1.264.250/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dje 11.11.2011; REsp 1.382.999/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 18.9.2014.

7. Recurso Especial provido para determinar a recuperação da área afetada, reconhecendo-se a possibilidade de cumulação de obrigação de fazer com pagamento de indenização, esta última a ser fixada na origem.

Destarte, o poder de polícia ambiental deve ser exercido por um só órgão integrante do Sisnama, não podendo a mesma conduta causadora de danos ao meio ambiente ser punida em diferentes esferas da Federação, especialmente em obediência ao princípio do Non Bis in Idem no âmbito do direito ambiental brasileiro.

3.6.  Compliance

Palavra oriunda da língua inglesa (do verbo to comply), compliance significa “cumprir”, “executar”, “satisfazer” alguma regra ou algum comando, sendo adotada no campo empresarial como

... um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores. Por meio dos programas de compliance, os agentes reforçam seu compromisso com os valores e objetivos ali explicitados, primordialmente com o cumprimento da legislação. Esse objetivo é bastante ambicioso e por isso mesmo ele requer não apenas a elaboração de uma série de procedimentos, mas também (e principalmente) uma mudança na cultura corporativa. O programa de compliance terá resultados positivos quando conseguir incutir nos colaboradores a importância em fazer a coisa certa (Carvalho e  Rodrigues, 2016, p. 9).

Segundo Muzilli (2006, p. 1):

Assim, em termos de boa governança corporativa, fica muito clara a necessidade de disseminar em cada membro da organização e pessoas relacionadas o conceito e o dever de estar em cumprimento às normas internas, leis e regulamentos a que a organização está submetida, ou seja, estar em compliance.

Carvalho e Rodrigues (2016, p. 9) nos ensinam que:

Uma vez que tais colaboradores podem apresentar diferentes motivações e graus de tolerância a riscos, o programa tem por função ditar valores e objetivos comuns, garantindo sua observância permanente. Programas de compliance podem abranger diversas áreas afetas às atividades dos agentes econômicos, como corrupção, governança, fiscal, ambiental e concorrência, dentre outras, de forma independente ou agregada.

No Brasil,  a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012 que “altera a Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”  inaugurou o instituto do compliance, já que positivou que determinadas pessoas, tanto físicas como jurídicas, devem manter a identificação e os registros de seus clientes, comunicando suas operações financeiras, assim evitando e facilitando que os órgãos públicos possam identificar possíveis crimes.

Na conferência da ONU Rio-92 sobre o meio ambiente e desenvolvimento, segundo Barbosa (2008, p. 1-2), pode-se concluir que o desenvolvimento sustentável está inteiramente ligado ao desenvolvimento social, econômico e ambiental, sendo eles interligados e dependentes um do outro:

"O termo 'desenvolvimento sustentável' surgiu a partir de estudos da Organização das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, como uma resposta para a humanidade perante a crise social e ambiental pela qual o mundo passava a partir da segunda metade do século XX. Na Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) (publ. na Revista Visões, 4. ed., n. 4, v. 1, jan./jun. 2008), também conhecida como Comissão de Brundtland, presidida pela norueguesa Gro Haalen Brundtland, no processo preparatório à Conferência das Nações Unidas - também chamada de 'Rio-92', foi desenvolvido um relatório que ficou conhecido como 'Nosso Futuro Comum'. Tal relatório contém informações colhidas pela comissão ao longo de três anos de pesquisa e análise, destacando-se as questões sociais, principalmente no que se refere ao uso da terra, sua ocupação, suprimento de água, abrigo e serviços sociais, educativos e sanitários, além de administração do crescimento urbano. Neste relatório está exposta uma das definições mais difundidas do conceito: 'O desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades'."

Segundo Garcia (2016, p. 137):

O direito ambiental tem avançado de forma significativa na tentativa de alcançar um desenvolvimento sustentável na gestão corporativa, visando sempre ao atendimento integral da norma ambiental, com a finalidade de identificar, reparar e até punir empresas que tenham cometido alguma infração perante as leis socioambientais, como exemplo: desmatamentos, poluição dos rios, mares e lagos, incentivos ao trabalho escravo e infantil, entre outros. No ramo econômico, há tempos já vem mudando o conceito da sustentabilidade, conforme já dito, com três pilares, ambiental, social e econômico.

A sustentabilidade aparece, assim, como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e um suporte para se chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção (LEFF, 2011, p. 15). Ela deve, portanto, estar alicerçada em três importantes dimensões: a ambiental, a social e a econômica.

Leciona Souza (2013, p. 28):

O compliance lida diretamente com esse segmento, trabalhando em cooperação mútua com os órgãos reguladores ambientais estatais e os setores de auditoria interna das empresas, na tentativa de que estas se adéquem às normas ambientais, evitando multas e notificações ou até com medidas compensatórias e com atenuantes no caso de identificação de infração ou crime ambiental.

O segmento de compliance ambiental fica vinculado diretamente, assim como compliance na área econômica, à alta gestão corporativa de uma empresa ou ramo, uma vez que não se pode ter obstáculos que impeçam a atuação dos compliance officers. Leia-se:

O compliance officer é responsável por assegurar que as atividades de monitoramento e testes estejam implantadas e devidamente documentadas, bem como periodicamente avaliadas em sua eficácia. Além disso, deverá o compliance officer identificar desvios, descolamentos e violações; documenta-los corretamente e desenvolver ações corretivas, em conjunto com as linhas de negócios, certificando-se de que tais ações tenham sido adotadas.

Na concepção de Gomes e Oliveira (2016, p.01):

os compliance officers são agentes que atuam diretamente com o compliance de uma empresa ou ramo, sendo no direito ambiental pessoas que trabalham visando à qualidade ambiental de uma empresa, regulação da legislação ambiental no segmento empresarial e até funcionários que trabalham no setor de auditoria de uma empresa e na gestão de qualidade de funcionários, produtos e marketing.

Entende-se também que o chief compliance e o compliance officer não podem ser reconhecidos como um policial, juiz ou promotor, devem ser eles conhecidos como um colaborador importante no desenvolvimento sustentável de uma empresa. Essas funções são ocupadas por pessoas que devem prezar pela transparência, ética, e de grande interesse no crescimento legal, e de reconhecimento sustentável de uma empresa. Assim, são pessoas que anseiam não só pela imagem da empresa perante o direito ambiental, mas, sim, do efetivo crescimento ambiental e adequação das leis ambientais por parte das empresas.

...

Dessa maneira, no Brasil o compliance ambiental atua dentro de uma empresa de diversas formas, tanto no critério preventivo quanto corretivo, além de uma permanência constante da conservação da imagem da empresa como "sustentável" e "ambiental" perante a sociedade, inclusive com a busca das certificações ISO 14001:2004, e instituição do Sistema de Gestão Ambiental – SGA.

Segal (2018, p. 01) ao analisar o Compliance na gestão empresarial assinala que:

... apontam para o fato de que compliance em âmbito do meio ambiente vem se consolidando por intermédio de princípios éticos (MANZI, 2008; COIMBRA, MANZI, 2010) e em decorrência da própria legislação pátria, especialmente nesta última década. Daí, a razão pela qual as instituições financeiras consideraram os riscos para financiamento de atividades e empreendimentos que, potencialmente, gerem danos ao meio ambiente, inclusive as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais, por força dos arts. 3, IV, 12 e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio ambiente), dos arts. 2º, 3º e 4º, da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), e do art. 2, § 4º, da Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), cujos resultados vão desde abalo às suas respectivas reputações junto ao público, aos clientes, aos acionistas e à administração pública, bem como de serem acionadas judicialmente, eis que, [...] para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem (Recurso Especial nº 650.728/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, STJ, julgamento em 02/12/2009).

...

compliance vem se tornando um elemento relevante na gestão empresarial, tendo em vista a necessidade de mitigação de eventuais riscos que possam representar problemas de ordem operacional, financeira, judicial e reputacional. Fundada em princípios éticos, incorporados internamente pelas organizações, a conformidade legal parece agregar valor às suas próprias atividades e às suas respectivas imagens diante dos acionistas, dos fornecedores, da comunidade etc.

Se, num dado momento, compliance estaria associada tão somente à prevenção de condutas antiéticas e ilegais, como os crimes de “lavagem de dinheiro”, contemporaneamente, sua compreensão requer um alcance mais vasto, inclusive, com interface entre as mais diversas dimensões, envolvendo aspectos econômicos, sociais e ambientais. Com isso, questões que envolvam gênero (respeito às diversidades sexuais), direitos dos trabalhadores, direitos dos consumidores e meio ambiente, entre outras, constituem dimensões de compliance nas organizações.

Da mesma forma, se por um lado, compliance decorre da consolidação de uma “cultura” ética, de outro, é produto da própria evolução da legislação vigente. No caso de compliance ambiental, consiste tanto no resultado dos princípios norteadores daquilo que se conhece por desenvolvimento sustentável como uma imposição de uma ordem normativa que atribui aos responsáveis diretos ou indiretos por danos causados ao meio ambiente – sejam pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito provado – a responsabilização civil, administrativa e penal, com repercussões patrimoniais (pagamento de indenização e multa), operacionais (interdições parciais ou totais) e humanas (restrição de direitos).

Entre os diversos mecanismos que possam assegurar efetividade a compliance, a auditoria se faz relevante, à medida que se propõe a realizar um diagnóstico sobre eventuais incorreções no âmbito das corporações, ao mesmo tempo em que torna possível a realização das adequações cabíveis, mediante os dados coletados e apresentados aos departamentos competentes de cada empresa.

Este é, aliás, o objetivo da auditoria ambiental de conformidade legal e que se refere a um instrumento de análise, correção e prevenção, podendo ser incorporada pela função compliance das empresas. Ao menos àquelas que desejam estar em acordo com princípios empresariais éticos, em conformidade com a legislação, reduzir riscos socioambientais e agregas valor às suas respectivas marcas.

...

De qualquer forma, o que está em jogo é a efetividade de princípios como desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental. E, no caso em tela, as empresas do setor financeiro não estão imunes a tais princípios, seja em consequência das demandas coletivas, seja em decorrência da própria legislação ambiental.

Portanto, a importância das atividades de compliance ambiental vão além de pura e simples análise de normas ambientais. Elas envolvem igualmente um estudo e adoção de ações para prevenir multas ambientais, infrações, processos administrativos e judiciais, bem como facilitar os trâmites de licenciamentos ambientais e a realização das auditorias internas e externas, responsáveis diretamente pela melhoria da imagem das empresas perante seu público e a sociedade em geral.

No Brasil ainda não existe uma lei ou regulamentação que determine a criação da função de Compliance. Entretanto, nas empresas nacionais com estruturas mais complexas bem como nas diversas empresas estrangeiras com filiais, já existe um movimento favorável no nosso país e um entendimento da segregação da função de compliance em relação às outras áreas e de sua importância para as empresas que buscam mitigar o risco de não compliance atrelado à reputação e ao risco regulatório e legal.


 CAPÍTULO 4: CONCLUSÃO

O Poder de Polícia é um valioso instrumento de harmonização de direitos fundamentais, previsto no ordenamento jurídico brasileiro no artigo 78 do Código Tributário Nacional e, que a doutrina descreve como sendo o poder que exerce a Administração Pública sobre todos os cidadãos, atividades e bens de forma a impor a supremacia do interesse público sobre o privado em prol do bem comum diante da discricionariedade, da auto-executoriedade e da coercibilidade que possui.

Na seara ambiental revela-se como um importante instrumento público a serviço da proteção do meio ambiente que confere à Administração o poder de fiscalizar, bem como o de regular parâmetros normativos que visem assegurar a qualidade ambiental, o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações e por conseguinte a efetivação do art. 225, caput, da Constituição Brasileira de 1988.

O Brasil sofreu várias catástrofes ambientais nas últimas décadas, tais como o incêndio na Vila Socó em 1984; o caso do Césio 137, em Goiânia, no ano de 1987; os vazamentos de óleo na Baía da Guanabara e em Araucária, em 2000; o rompimento da barragem de Cataguases, em 2003; o vazamento de óleo na Bacia de Campos, em 2011; o incêndio na Ultracargo em 2015; e recentemente as tragédias de rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, que causaram danos irreversíveis ao meio ambiente e às comunidades afetadas.

O exercício do poder de polícia é essencial na prevenção de catástrofes e danos ambientais e para seu estudo neste trabalho foi realizada uma divisão didática do tema que permitiu vislumbrar a tutela jurisdicional brasileira ao meio ambiente no direito ambiental e as responsabilidades no seu exercício para a prevenção do dano e gestão do risco ambiental.

Em sequência, foi apresentado o arcabouço legislativo vigente que delimita o poder dever da Administração Pública e da sociedade de zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, na busca incansável de evitar a ocorrência de um dano ambiental futuro e impor obrigações preventivas sempre que o risco ecológico for considerado, o que não exclui o aspecto sancionador, advindo do dinamismo do poder de polícia.

A vinculação do Estado ao direito fundamental do meio ambiente equilibrado e ao princípio do desenvolvimento sustentável fundamenta a estruturação, pelo poder público, de uma regulação ambiental apropriada para lidar com os desafios cada vez mais complexos, difíceis e globais que afloram na sociedade contemporânea.

Com o instituto do poder de polícia, o direito ambiental não apenas detém condições operacionais para decidir e responsabilizar atividades que ocasionem danos ao meio ambiente, como detém condições dogmáticas para investigar, avaliar e, sobretudo, gerenciar os riscos ecológicos antes mesmo de sua concretização em danos.

É imperiosa a evolução de paradigmas ambientais que façam valer o direito fundamental ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, incutindo valores de pertença e devido cuidado na sociedade, para que esta não se mostre apática no exercício de seus deveres e no acompanhamento da administração pública, que tem por finalidade atender aos interesses da coletividade.


BIBLIOGRAFIA

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