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A relação entre mediação e felicidade no direito das famílias

A relação entre mediação e felicidade no direito das famílias

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Resumo: Este trabalho objetiva a demonstração de como o direito das famílias pode atuar na busca pela felicidade mediante a edificação de profissionais humanizados, devidamente preparados e altamente conscientes para trabalharem pela solução dos diversos conflitos familiares por meio de soluções extrajudiciais como fórmula sanadora de danos antigos, atuais e futuros. A solução por meio da mediação pode representar uma solução estruturada e duradoura, pois atinge a origem do problema. Tal maneira de resolução ainda não faz parte da cultura do judiciário, porém, felizmente, o Novo Código de Processo Civil implementa com maior clareza e precisão esta prática no cotidiano das relações conflituosas.

Palavras-chave: Família. Mediação. Felicidade.


INTRODUÇÃO

Dedicar-se ao direito das famílias é dispensar esforços aos sentimentos humanos. Não trata-se apenas de ditar leis e fazer cumprir direitos, mas enfrentar situações difíceis que cercam pessoas em situação de vulnerabilidade emocional e conflitos que envolvem a construção de suas identidades pessoais. Não é dificultoso visualizar um universo em que todos os seres possuem família e a maioria, em algum momento de suas vidas, vive em meio de dramas familiares.

Através da mediação, é possível perceber um novo viés jurídico que preocupa-se mais com a qualidade das relações humanas do que a simples efetivação da lei. Diante desse cenário, se verificará a importância da prática do ato de mediar e o motivo de sua implementação na última atualização do Código de Processo Civil.

Em seguida, se verá a relação entre felicidade e o direito. Nesse trecho será possível perceber que o direito pode participar do bem-estar subjetivo da humanidade, através de manobras que viabilizam a individualização e a autonomia das decisões.

Por último, explana-se sobre a importância de vincular a mediação ao direito das famílias como uma forma de sanar de forma permanente os problemas com origens sentimentais. Acredita-se que, se as partes por si mesmas chegarem a uma solução, tal acordo seria mais legítimo do que a decisão de um terceiro estranho ao caso.

Sincronicamente, argumentará que a mediação é um instrumento promovedor de felicidade e solução de conflitos em suas origens.


2.     MEDIAR CONFLITOS FAMILIARES É PRECISO

Como o antigo Código de Processo Civil, Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973, não previa as audiências de conciliação e mediação, tais métodos são considerados modernidades implementadas pelo NCPC, Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015. Tal incrementação ambiciona pôr à disposição do judiciário meios diferenciados de soluções de conflitos logo no início do processo.

Acreditava-se, inicialmente, que a conciliação reduzia o campo de atuação do profissional do direito. Porém, aos poucos, a ideia dos meios alternativos de conflitos foi disseminando-se, chegando ao Conselho Nacional de Justiça.

Para Carlos Eduardo de Vasconcelos (2008, p. 46):

 (...) A mediação, os advogados poderão contribuir para uma comunicação construtiva e esclarecida entre as partes, em defesa dos legítimos interesses dos clientes. E atuarão como assessores jurídicos, prontos a dirimir as dúvidas que se apresentem.

A ministra Ellen Gracie orientou que houvessem audiências conciliatórias nos tribunais, pois, segundo o seu entendimento, além da economia temporal e financeira, “os magistrados terão mais tempo para se dedicar àqueles litígios que não se prestam à conciliação”. (CNJ, 2007).  Seguindo a mesma direção, a ministra Eliana Calmon defende que “cabe à Justiça evitar a judicialização dos conflitos”. (CNJ, 2001). 

Nesse ponto de vista, conclui-se que as morosas atividades judiciárias são responsáveis por uma parcela do sofrimento humano, pois “o tempo é inimigo da efetividade da função pacificadora. A permanência de situações indefinidas constitui, como já foi dito, fator de angustia e infelicidade pessoal. ” (CINTRA, 2015. p. 47).

Para Paulo Lôbo (2011. p. 50), a mediação é a solução extrajudicial de conflitos mais adequada para os casos que envolvam relações familiares:

Isto porque por sua natureza os conflitos de família, antes de serem jurídicos, são essencialmente afetivos, psicológicos, relacionais, envolvendo sofrimento. (...) Sempre que possível, o juiz deve recomendar ao casal litigante a prévia tentativa da mediação, cujo resultado, se exitoso, terá probabilidade de se manter com maior estabilidade, afastando o renascimento do conflito.

Conforme previsto no NCPC, em seu artigo 334, caso a petição inicial preencha os requisitos determinados, receberá um despacho inicial positivo, determinando o réu para que apresente-se em uma audiência preliminar que será conciliatória ou mediatória. Caso o desinteresse do autor pela audiência conciliadora seja expresso em petição inicial, presume-se que a mesma foi aceita, exceto nos casos em que a lei proíbe a realização de autocomposição.

Segundo obra divulgada pela OAB:

A disciplina da conciliação e da mediação (artigos 166 a 176 do novo CPC) aperfeiçoa os institutos, buscando, através deles, empreender mecanismos mais eficazes para a resolução consensual de conflitos (resolução nº 125 do CNJ). Nessa linha, o juiz, a requerimento das partes, poderá determinar a suspensão do processo enquanto as partes se submetem à mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar (artigo 709, § único). (AYUB, 2015. p.466)

A mediação diferencia-se da conciliação, já que esta última exige maior interação do profissional que a conduz. O momento conciliatório é aconselhado nos casos em que as partes não possuem convivência prévia, pois, de acordo com o Novo Código de Processo Civil, conforme art. 165, o conciliador possui papel ativo podendo sugerir ações para a resolução do caso. Ainda de acordo com a lei supracitada, de forma diversa, o mediador desempenha o seu trabalho perante acontecimentos em que os envolvidos possuem uma relação anterior ao fato discutido. Portanto, não serão dadas soluções como oferta posto que as próprias partes solucionarão por si mesmas a desarmonia.

É preciso proporcionar autonomia às soluções alternativas de conflitos para que estas apresentem resultados satisfatórios. (BACELAR, 2012. p. 37). Perante essa notável necessidade, a lei determina a criação de Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos.

 De acordo com o Conselho Nacional de Justiça:

(...) Com exceção de alguns Estados que se encontram mais avançados, grande parte dos tribunais ainda não absorveu a necessidade de priorizar a política da conciliação e não criaram os CEJUSC’s em quantidade suficiente para atender essa demanda que a nova codificação impôs. (CNJ, 2015. p. 46).

Surge, com a modernização, a necessidade de garantir serviços prestados com qualidade por profissionais altamente qualificados, assim como torna-se importante a realização de uma supervisão eficaz, além de uma remuneração atrativa que possibilite a contratação de especialistas comprometidos com o trabalho. É preciso, conjuntamente, proliferar a mediação na esfera privada para abarcar mais adversidades, incluindo seu crescimento na esfera virtual.

  A magnitude desse campo deve-se ao fato de que relações familiares não são sanadas de forma eficaz pelo direito processual. A sentença proferida pelo juiz julga os adversários e declara quem é culpado e quem é vítima, dado que este profissional não possui a função de intermediar as partes.

Nesse sentido, Roberto Portugal Bacellar (2012. p. 37) instrui que:

 Há dificuldades quase intransponíveis de ser ao mesmo tempo o juiz que participa da tentativa de mediação e que necessariamente se envolve em todas as circunstâncias da causa e com as próprias partes, e o juiz que julgará a disputa. Embora o juiz desempenhe vários papéis no processo, não é possível a ele julgar com imparcialidade e isenção, após ouvir dinamicamente os interessados e permitir a manifestação de seus desejos, emoções e necessidades. Mesmo que o juiz não apresente formalmente na fundamentação de sua sentença elementos captados na tentativa de mediação, certamente não conseguirá esquecê- los, e isso fará parte do seu livre convencimento.

A mediação e a conciliação, preferentemente, devem ser realizadas de forma pré-processual. Sua prioridade na ordem cronológica deve-se à possibilidade de término precoce do processo devido ao seu bom resultado sem a necessidade de uma ação, ou o fim de um processo com “resolução do mérito, através do pronunciamento homologatório da vontade das partes” (FIGUEIREDO ALVES, 2016, p. 22), garantindo um menor desgaste emocional, maior celeridade, razoabilidade e economicidade, por meio “de sentença que não representa criação unilateral do magistrado, mas ratificação do acordo de vontades das partes.” (FIGUEIREDO ALVES, 2016, p. 134).

No direito das famílias, os assuntos, em sua maioria, comportam uma forte emocionalidade e a construção de uma solução conjunta ostenta mais autenticidade para a resolução de tais questões complexas. A decisão tomada após análise e reflexão sincrônica, desapega-se da burocracia do direito e apega-se aos aspectos emocionais e éticos, apropriando cada caso concreto a uma solução.

Atualmente, o judiciário suporta um número altíssimo de ações em tramitação. De acordo com informação fornecida pelo CNJ, 99,7 milhões de processos tramitaram no judiciário do Brasil em 2014. (CNJ, 2014).  Tais dados comprovam que as classes de advogados não estão preparadas para as mudanças propostas pelo NCPC. Estima-se muito pelo contentamento da tutela, já que as próprias instituições de ensino jurídico constroem suas grades curriculares visando a judicialização das situações, contra uma fração mínima de formação voltada a acordos desassociados de uma ação judicial.

 Diante da necessidade de desafogar o judiciário e solucionar os problemas de milhares de pessoas, anseia-se pelos meios alternativos de conflitos. No Brasil, em 2015, entre os assuntos mais demandados no Poder Judiciário, as ações de alimentos ocuparam a 6ª posição com 836.634 processos, enquanto casamento liderou a 17ª posição com 464.689 processos. (CNJ, 2016).  No mesmo ano, foram registrado 102 milhões de processos para uma população de mais de 200 milhões de habitantes (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 2014),  e 13.164 magistrados. Considerando-se que em cada processo exista pelo menos duas partes, estima-se que o Brasil está integralmente em conflito.


3. FELICIDADE E DIREITO

A felicidade é muito buscada por diversos povos no decorrer da história. É facilmente observável populações inteiras tentando impedir a ocorrência de diversos sofrimentos e buscando bem-estar social. Alguns estudiosos discutem sobre o direito à felicidade, ainda que a sua definição, ainda que de forma generalizada, seja um trabalho penoso. Talvez nenhum esforço intelectual seja capaz de valorar de forma única e definitiva o que é felicidade para introduzi-la ao direito. Assim como a lei não define o que é Deus, também não esclareceria o que seria uma existência felizarda. Apesar disso, tal vagueza não é uma mera impossibilidade jurídica, é um recurso do ordenamento assim como quando protege-se a crença sem a criação de uma lista pré-definida de religiões e deuses. Portanto, para tutelá-la não é preciso delimitar o que é a felicidade, pois a principal atuação do Estado nessa questão seria assegurar instrumentos para que o estado feliz do ser seja viabilizado.

Em 2010, o Senador Cristovam Buarque propôs a inclusão “do direito à busca da Felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito” na Constituição Federal em seu artigo 6º. (SENADO, 2010). Encontra-se mencionada na Constituição de alguns países como Japão (EMBAIXADA DO JAPÃO NO BRASIL, 2013)  e Coreia do Sul. Historicamente, é possível percebê-la sendo citada como sinônimo de liberdade em um contexto político como na Declaração de Independência dos Estados Unidos, na Declaração dos Homens e do Cidadão e na declaração de D. Pedro: "Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico". (BRASIL, 2015).

O texto constitucional brasileiro preza pelo bem-estar e inspira a criação de políticas públicas com a finalidade de proporcionar qualidade de vida à população.  Logo, o mesmo bem-estar citado na constituição é consubstancializado por meio dos direitos sociais em sua forma objetiva, sendo a sua característica subjetiva o campo dos sentimentos.

A busca pela concretização desse direito pode ser observada no NCPC quando este implementa a autocomposição sem a necessidade da intervenção judiciária sem utilizar-se da decisão imparcial do juiz.

Por esse ângulo, Saul Tourinho Leal constata que: “Seria, uma das funções do Judiciário, levar felicidade às pessoas? É cômodo sustentar que caberia ao juiz aplicar a lei ao caso concreto e, algo além disso, seria romantismo ou arbítrio. Concluir assim, contudo, seria uma miséria intelectual. ” (LEAL, 2015. p. 43).

A investigação de sua regulamentação possibilita a criação de estratégias direcionadas ao seu alcance, assim como traçar limitações para evitar o mau uso. Felicidade e bem-estar social possuem sinônimos relacionados.  Dessa forma, juridicamente, é possível assegurar melhores condições de aproximação das pessoas, incorporando-as socialmente, visto que o afastamento social é motivo de infelicidade e um dos grandes atiçadores de suicídios.

O Direito à Felicidade não asseguraria tal sentimento a cada um dos indivíduos, pois seria impossível realizar a garantia do abstrato. Porém, o universo jurídico pode atentar-se para este assunto e sistematizar as jornadas históricas de uma sociedade. Em seguimento semelhante, temos os direitos coletivos que já são muito divulgados, todavia, as práticas jurídicas comunitárias não são frequentemente percebidas no nosso cotidiano. 

A palavra bem-estar, termo com significado mais próximo da definição de felicidade, encontra-se claramente citado no texto constitucional. Tal vocábulo engloba condições concretas e abstratas, sendo esta última equivalente à carga emocional. Obviamente que o âmbito jurídico pode não fazer uma pessoa feliz, mas é plenamente possível que seja capaz de disponibilizar meios para que a felicidade seja concretizada. Não há que concentrar-se em atender as diversas carências existentes na individualidade de cada ser, já que apresentam-se de formas variadas, mas é plenamente realizável que se crie sistematizações aptas a alcançar a realização pessoal e coletiva. No entanto, o judiciário não pode sentenciar a felicidade de um indivíduo, mas se as próprias partes definirem a melhor solução para si mesmas diante dos olhos do judiciário, o contentamento será, em maior probabilidade, um propósito atingível.

Cuida-se pela não banalização do bem tutelado por meio da sua definição. Vigia-se, também, com a mesma cautela, para que não exista espaço para a execução de prazeres sádicos e nenhum outro que contrarie o parâmetro da dignidade da pessoa humana. O bem-estar material não garante felicidade, mas volta-se a ela.

No campo das sentenças judiciais, de alguma maneira, induz o caminho da justiça e felicidade às pessoas, seja através da alteração de nome ou do reconhecimento de uma paternidade. Tais decisões judiciais podem tornar indivíduos felizes de maneira individual ou coletiva, portanto, judicializando os afetos dentro dos limites éticos delimitados pelo direito e relacionando-os intimamente com liberdade e dignidade

A felicidade pode ser representada através da liberdade de crença, por meio de um ambiente ecologicamente equilibrado, pela concretização dos direitos sociais, ou por meio de uma convivência familiar harmonizada. Portanto, se as leis são criadas para reger as relações humanas, precisam considerar os sentimentos pessoais de cada indivíduo.


4.   MEDIAÇÃO COMO UM INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO E FELICIDADE

O tema mediação, quando estudado dentro da esfera do direito das famílias, é abrangente e envolve uma composição plural, exigindo-se uma estrutura fundada principalmente nos direitos material e processual, além de técnicas de mediação. Com o surgimento do Novo Código de Processo Civil, surge uma grande expectativa em relação aos novos rumos das batalhas judiciais.

Questiona-se se o sistema judiciário é o único motivador da morosidade que acomete-o. Imputa-se, inclusive, tal vagarosidade ao posicionamento das partes: advogados displicentes e partes rancorosas que buscam o sofrimento alheio através do pleito. A prisão civil, por exemplo, é utilizada, em algumas situações, por um dos lados como uma vingança, deturpando a essência desse instituto.

Conforme ricamente instruiu Thomas Hobbes, “a competição pela riqueza, a honra, o mando e outros poderes leva à luta, à inimizade e à guerra, porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo consiste em matar, subjugar, suplantar ou repelir o outro.” (HOBBES, 1997. p. 37).

Em alguns casos, é possível observar que algumas pessoas almejam uma sentença que defina o autor do erro e projetam a confecção de um documento que culpabilize alguém. Muitas vezes, esse desejo de retaliação se sobrepõe à necessidade de reparação material em sua plenitude propriamente dita.

O poder judiciário tem por finalidade compor as partes, porém, em uma universalidade de casos, a solução é imposta e não há disposição de entendimento mútuo. Dessa maneira, o litígio não se soluciona de forma plenamente equitativa, em especial na esfera de família.

 A mera concepção de que um conflito pode ser “vencido” merece revisão. Em nossas relações familiares privadas cotidianas, normalmente abordamos conflitos como fenômenos a serem resolvidos – nunca se permitindo que um dos cônjuges tenha a sensação de que saiu perdedor. Todavia, na nossa prática profissional, permitimo nos o engajamento em procedimentos elaborados para determinar qual o vencedor da disputa. Para tanto, partes reciprocamente imputam culpa ou responsabilidade e polarizam suas relações – como se um estivesse correto e o outro errado. (AZEVEDO,  2016  p.9).

O antigo CPC é detentor de muitas exigências formais, um número exagerado de recursos e uma fartura em ações judiciais. A limitação do número de ações, implementada como novidade, surge como uma parte da solução, visto que visa o encurtamento das soluções dos processos utilizando-se de instrumentos como o incidente de resolução de demandas repetitivas, precedentes vinculantes e incidente de assunção de competência.

Apesar do fato de os profissionais do direito sobrevivem da proliferação de demandas, os métodos alternativos de resolução de conflitos, como arbitragem, conciliação e mediação não mitigarão o exercício profissional deste, conforme nos doutrina André Gomma de Azevedo:

Assim, o papel do mediador  consiste  em  estimular  o  advogado  a ter um desempenho profissional que permita o atingimento das metas do seu cliente ao mesmo tempo em que é reconhecido profissionalmente. Isto é, cabe ao mediador esclarecer qual  vem  a  ser  o  papel  do  advogado  em processos autocompositivos e deixar claro que bons advogados são muito importantes  para  a  mediação  na  medida  em  que  apresentam  propostas que as partes  não vislumbrariam sozinhas  e trazem a  segurança de que  a parte não está, inadvertidamente, abrindo mão de seus direitos. (AZEVEDO, 2009. p. 197).

Mesmo que necessite de alguma disponibilidade de tempo para seu processamento (BACELLAR, 2012. p. 36) seria um grande fato gerador de desafogamento do judiciário, fundamentalmente na seara familiar.

Segundo o Novo CPC, em seu artigo 694,  “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”.

Os meios alternativos de solução de conflitos colocam as próprias partes para reconhecerem suas reais necessidades. Nem sempre a figura imparcial do juiz identifica o que é melhor para aquele grupo de pessoas de cotidiano tão desconhecido perante terceiros. A conciliação busca a solução para as divergências quando inexiste vínculo anterior àquela disputa embalada entre os envolvidos, mas a mediação dispõe-se no caso inverso, pois existem convívios antecedentes, e por esse motivo é tão fundamental na seara das famílias.

Socialmente, percebe-se a divisão de tarefas entre homens e mulheres, um com o dever de arrecadar alimentos e outro com a função de cuidar, sem nenhuma discussão em busca de um acordo entre ambos ou uma escassez de interação entre as os membros de uma entidade familiar.

 A solução da mediação age de forma retroativa gerando efeitos a longo prazo. Por essa razão, o mediador necessita de um conhecimento específico preexistente que defina qual a falha que envolve o passado as partes e realize uma projeção de harmonização para o futuro. Essa necessidade de convivência pós resolução entre as partes é o fato elementar que diferencia a prática conciliadora da mediadora.

O cuidado depositado a tal ramo do direito concentrou-se de modo que a Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015, dispôs que a petição inicial não integra a citação, pois a linguagem técnica, complexa e com carga emocional desmoderada, com palavras selecionadas pelo advogado, podem influenciar o acordo de forma negativa.

A evolução do direito é muito lenta devido à grande inércia gerada pela comodidade de se manter nos parâmetros já estabelecidos. O formalismo nem sempre corresponde às expectativas humanitárias e ao comprometimento social. No direito das famílias é necessário metamorfosear situações.

Alimentos gravídicos, casamento homoafetivo e abandono afetivo são figuras que já faziam parte do cotidiano, porém, eram mediocrizados pelo marasmo judicial. Isso demonstra a dificuldade de interação social brasileira que possui dificuldades em admitir que existem seres humanos que se mantem em situações as quais em nenhum tempo conheceremos e não existe um modelo padrão de família que justifique a padronização de petições iniciais.

Isto posto, é proveitoso citar o voto do ministro Celso de Mello sobre a união afetiva:

A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade. (CONJUR, 2011).

O judiciário, infelizmente, cultiva uma sapiência contrária à formação de laços e soluções harmoniosas de problemas. O exemplo disso, é quando desvirtua o instituto da guarda compartilhada como regra, para estabelece-la somente para pais em comum acordo fomentando o sofrimento psicológico de quem está reivindicando amparo, mesmo sem consciência de que trata-se de um pedido de socorro às vias consideradas mais fortes.

Diante dessa realidade que envolve problemas jurídicos, sociais e psicológicos, demonstra-se a importância da atuação dos profissionais devidamente qualificados – assistentes sociais e psicólogos, atenuando os conflitos emocionais evitando atribulações inconvenientes como alienação parental, por exemplo.

A cooperação entre profissionais do direito, do serviço social e da psicologia é muito relevante para ajudar os envolvidos. Estes dois últimos especialistas possuem conhecimento técnico de outras áreas para solucionar os questionamentos formulados pelo juízo que saem furtivamente das competências acadêmicas assimiladas pelos profissionais forenses.

A avaliação realizada pelos profissionais que atuam no judiciário, que não são profissionais do direito, notabilizam-se no momento de captura de dados elementares informativos de direito de família. Dialoga-se com os membros da família para melhor análise de todo o caso e contrapor todas as possibilidades, necessidades, ônus e bônus. As análises elaboradas a partir das informações extraídas do objeto de estudo são traduzidas para a linguagem técnica de cada profissional. Mesmo diante de tantos esforços, teme-se pela honestidade das informações.

Conforme aponta a Cartilha de Mediação e Arbitragem elaborada pela OAB/Guarujá:

Examinadas  as  particularidades  do  caso  concreto,  poderão  as  partes,  ou  o Mediador, em comum acordo, contar com a participação de dois ou mais profissionais, de  distintas  áreas,  denominados  co-mediadores,  para  auxiliá-las  na  busca  de  uma solução consensual para o conflito. (OAB, 2010. p. 50).

A equipe multidisciplinar, em conjunto, tem por intuito a harmonização das relações, escolhendo as informações que são realmente básicas para compreensão dos fatos. Tais informações técnicas podem, até mesmo, dificultarem a conciliação entre as partes. Invariavelmente, o acordo não é o objetivo crucial perseguido na fase analítica. Importa-se integralmente com a solução satisfatória do evento. 

Desse modo, André Gomma de Azevedo (2016.   p.191) nos esclarece que:

(...)Em matéria de família, opta se também por se abordarem, em sessões individuais, as questões que apresentam uma forte carga emotiva, cuja preferência na solução pode ser ideal para afastar uma elevada emotividade prejudicial nas questões seguintes.

As partes, infelizmente, não possuem a cultura de buscar solucionar suas pendências amistosamente para prosseguirem suas convivências mútuas de forma pacífica. A revanche confunde-se facilmente com legalidade. Em muitas vezes, uma ou ambas as partes buscam a judicialização dos seus sentimentos e a sua necessidade de reconhecer os motivadores dos seus problemas, além dos causadores da sua infelicidade.

Nesse novo formato de solução de conflitos, a justiça atua como um mecanismo de harmonização e mecanismo de bem-estar do próximo. O campo legal deve visualizar as partes, de forma empática, como seres humanos e não como rivais. A mediação não soluciona apenas aquele fato que exige intervenção imediata, mas estende-se às origens das adversidades e busca manter a salvo os laços familiares.


5.   CONCLUSÃO 

É incontestável o fato de que o campo jurídico pode atuar como ferramenta na estruturação de entidades familiares colaborando para a solidez social. O modo como o direito das famílias relaciona-se com os sentimentos humanos é incontestável e possui grande relevância no desenvolvimento individual de todas as pessoas.

Quando questionado sobre o que o faz feliz, o indivíduo, muitas vezes, revela ao entrevistador que a paz e a harmonia familiar são responsáveis por grande parte do seu contentamento, ou seja, as relações familiares é um dos fatores determinantes para a efetivação da felicidade pessoal. Cabe, portanto, ao direito que tutela as afinidades domésticas encarregar-se dos cuidados necessários à vida sentimental do indivíduo diante de uma pendência judicial ou de uma situação insustentável e aparentemente sem solução fleumática.

As atitudes adequadas às circunstâncias deveriam ser concretizadas de maneira natural quando referem-se à intimidade humana. Infelizmente, as pessoas temem os métodos coercitivos e não fazem o que é correto naturalmente. O ideal é que o adequado seja um hábito, seja prática habitual. O mundo ideal é o objetivo da lei. O lado errôneo não é o relativo ao direito e à justiça, mas o lado dos cidadãos. A justiça não é instrumento transformador de oprimidos em opressores que mantém o conflito autodestrutivo. 

Portanto, até que a humanidade, finalmente, em uma idealização quase fictícia, trilhe caminhos justos e harmônicos espontaneamente, é preciso existir uma força maior que os direcione para que seus prazeres sádicos e egoístas não tenham existência real. O direito das famílias deve ter por objetivo reconhecer que todas as pessoas e todas as famílias são igualmente dignas de proteção e de um mundo mais feliz. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de confllitos e práticas restaurativas. São Paulo : Método, 2008.


Autor

  • Sara Brígida Farias Ferreira

    Mestranda em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM), ofertado pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Pós-graduada em Direito de Família pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Pós-graduanda em Formação em Educação à Distância pela Universidade Paulista - UNIP. Bacharela em Direito, com habilitação em Relações Sociais, pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Atuou como professora de Legislação Aplicada no curso de formação de Técnicos em Radiologia do Centro de Ensino Técnico Profissionalizante e Superior - CETPS. Foi professora-tutora presencial da Universidade Paulista - UNIP, polo Marabá - PA.

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