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A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial

A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial

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É possível exercer um controle efetivo sobre a formação do convencimento judicial ou estaremos eternamente sujeitos ao arbítrio daqueles a quem o Estado incumbe a missão de aplicar o Direito?

            "As convicções

            são inimigas mais perigosas

            da verdade que as mentiras."

            (Frederich Nietzsche)


Sumário: Introdução. 1. A Prova e o Processo. 1.1 O conceito de prova. 1.2 A função da prova. 1.3 O objeto da prova. 2. A Prova e a Constituição. 2.1 O devido processo legal. 2.2 O dever de motivação das decisões judiciais. 3. A prova e a formação do convencimento judicial. 3.1 Quão livre é o livre convencimento do juiz. 3.2 Os sistemas de avaliação da prova. 3.3 As incursões da doutrina. 3. 4 Elementos para um controle possível. Conclusão.


INTRODUÇÃO

            No período que sucedeu a Segunda Grande Guerra, pôde ser observado, notadamente na Europa ocidental, uma intensa tentativa de diversos países em estabelecer modelos de sociedades capazes de garantir a manutenção de governos civis e democráticos para os anos que viriam. A dramática experiência então vivenciada pôs fim à aparente segurança proporcionada pelo Estado de Direito, tal como concebido à época, isto é, consubstanciado em um constitucionalismo eminentemente positivista, que desmoronou diante da "legalidade" pós-weimariana do III Reich.

            Primeiramente, então, veio a Áustria em 1945, logo após, o Japão em 1947, a Itália em 1948 e a Alemanha em 1949; países que, emergindo de regimes ditatoriais, trilharam semelhantes caminhos rumo à criação de Constituições que vinculassem e fossem rigorosamente obedecidas por todos os órgãos do Estado. [01] O constitucionalismo passou a compreender uma série de direitos fundamentais que não poderiam ser burlados por eventuais ocupantes do Poder e, o mais importante, passou-se a ver a Constituição, menos como uma carta de aspirações político-filosóficas e mais como instrumento de caráter fundacional e primazia normativa. [02] Neste sentido, a leitura de Mauro Cappelletti:

            (…) they have introduced severe limitations to the amendment process of the Constitution, thus shielding the new basic law from the whims of passing majorities; they have included a bill of rights in the constitution, thus extending the constitution’s protection to the individual in his or her relationship with the governmental power; and, last but not least, they have entrusted the enforcement of the constitution, and its bill of rights, to new or renewed judicial tribunals, endowed with important guarantees of independence vis-à-vis the political branches. [03]

            Vê-se, portanto, que a tendência dos países submetidos à dura experiência dos regimes totalitários, que assistiram perplexos as feições cruéis e desumanas que o direito positivo pode assumir, [04] foi a de estabelecer limites para a atuação de seus governantes. Coube, assim, ao sistema constitucional o papel de servir como escudo em defesa dos direitos fundamentais do indivíduo. Pode-se perceber que, nesta primeira fase, idealizou-se a atividade do Poder Legislativo como forma de exercer controle sobre a atuação do Poder Executivo.

            Entretanto – seguindo com a lição do brilhante Cappelletti – o século que se passou ainda haveria de nos ensinar mais uma lição: a de que a idéia russoniana de infalibilidade da lei parlamentar não passava de outra ilusão, pois o Poder Legislativo, e não apenas o Executivo, também era suscetível ao abuso de poder:

            Our century, however, was to teach us yet another lesson: that the Rousseauinan idea of the infallibility of Parliamentary law is but another ilusion, for even the legislative, not only the administrative branch might abuse its power; that this possibility of legislative abuse has grown tremendously with the historical growth of legislation in the modern state, also, that legislatures might be made subservient to uncontrolled political power, and that legislative and majoritarian tyrannies can be no less oppressive than executive tyranny. [05]

            Surge, assim, um novo momento de inquietação. O modelo de organização social, da forma como concebido, ainda demonstrava-se insuficiente para proteger a sociedade, diante de possíveis arbitrariedades estatais. Foi sob a égide desta insegurança que surgiram os primeiros modelos de jurisdição constitucional. A partir de 1971, com a transformação do Conseil Constitutionnel – criado pela Constituição de Gaulle de 1958 – em um órgão independente, cujo objetivo era o de rever a constitucionalidade da legislação parlamentar, [06] que teve início uma nova fase, na qual o Poder Judiciário passaria a exercer controle sobre a atividade legislativa. Conforme Lênio Streck, a democratização social, fruto das políticas do Walfare State, o advento da democracia no pós-guerra e a redemocratização de países que saíram de regimes autoritários/ditatoriais, trazem à luz Constituições cujo texto positiva direitos fundamentais e sociais. Esse conjunto de fatores redefine a relação entre os Poderes do Estado, passando o Judiciário (ou tribunais constitucionais) a fazer parte da arena política, isto porque o Walfare State lhe facultou o acesso à administração do futuro, e o constitucionalismo moderno, a partir da experiência negativa de legitimação do nazifascismo pela vontade da maioria, confiou à justiça constitucional a guarda da vontade geral, encerrada de modo permanente nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica. [07]

            Em apertada síntese, esta é a descrição de dois momentos da evolução social durante o século XX, em que se percebe, com clareza, a preocupação em fornecer proteção ao indivíduo frente a possíveis arbitrariedades de seus governantes. Em um primeiro momento, como visto, para combater o arbítrio do Poder Executivo, pensou-se na atuação do Poder Legislativo, através da consagração de direitos fundamentais do cidadão; em um segundo momento, identificada também a falibilidade da atuação do Legislativo, surgiram as primeiras formas de jurisdição constitucional. Era o Poder Judiciário passando a controlar a atividade legislativa.

            Esta breve narrativa, no entanto, nos conduz a um inadiável questionamento: se a história recente mostra que a atuação do Poder Executivo, assim como do Poder Legislativo, sempre foi suscetível às arbitrariedades que emanam do poder, o que nos leva a crer que a atividade jurisdicional também não esteja sujeita ao arbítrio?

            O que se está a questionar, portanto, é se a formação da convicção judicial, expressada através das decisões que são proferidas, é passível de controle da forma como concebido o nosso atual sistema constitucional e processual; ou, uma vez prestada a tutela jurisdicional com a prolação de uma decisão – seja ela útil ou não, seja ela adequada ou não, seja ela arbitrária ou não – estará encerrada a atividade jurisdicional e o jurisdicionado terá que se contentar com a prestação que lhe foi fornecida pelo Estado-juiz.

            Assim, partindo de uma visão do princípio constitucional da separação dos poderes como um sistema de conexões recíprocas e controles mútuos, [08] impõe-se sejam revisitados alguns conceitos do direito constitucional, do direito processual, da filosofia do direito e da hermenêutica jurídica, para, com base em nosso atual sistema, estabelecer possíveis formas de impor limites à liberdade da formação do convencimento judicial, já que, na lição do professor Moacyr Amaral Santos, se a verdade pudesse ser resultante das impressões pessoais do julgador, sem atenção aos meios que a apresentam no processo, a Justiça seria o arbítrio e o Direito a manifestação despótica da vontade do encarregado pelo Estado de distribuí-lo. [09]

            O presente trabalho, assim, conforme se pode extrair da lição acima citada, tem como ponto de partida, para reflexão acerca de uma possível tentativa de combate ao arbítrio das decisões judiciais, a obrigatória vinculação do julgador aos meios em que a "verdade" se apresenta no processo e as garantias constitucionais que asseguram ao jurisdicionado o direito de influenciar e controlar a formação do convencimento.


1. A PROVA E O PROCESSO

            1.1 O conceito de prova

            De um modo geral, a doutrina contemporânea vem aceitando o abandono da técnica subsuntivista de aplicação do Direito, na medida em que o completo isolamento entre o enfrentamento das chamadas questões de fato e das questões de direito deflagra a incompatibilidade e a insuficiência teórico-pragmática deste mero juízo de conformidade entre premissa maior e uma premissa menor (silogismo puro) com a cada vez mais veloz evolução da sociedade moderna e a necessidade de uma visão sistêmica do direito. [10]

            Fazendo nossas as palavras do professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, poderíamos dizer que afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a disquisição ou o juízo sobre o fato, como totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exime artificial a distinção entre fato e direito – porque no litígio fato e direito se interpenetram – mas perde força sobretudo no tema ora em exame, em virtude da necessidade do fato na construção do direito e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato. [11]

            Não se pode, então, fechar os olhos para as inevitáveis conseqüências advindas do abandono da simplória técnica da subsunção. A concepção moderna [12] reivindica um redimensionamento do papel do fato na aplicação do Direito, o que traz consigo a necessidade de revitalizar conceitos essencialmente vinculados ao direito probatório, segmento visto outrora com uma função quase extrajurídica, pois no momento em que se pensava a decisão judicial não apenas descrita em termos silogísticos, mas como silogística em essência, não poderia, rigorosamente, falar-se de um direito probatório, para além do procedimento, pois o puro fato ao jurista não poderia interessar. [13] É nesse contexto que se insere a moderna conceituação da prova no processo civil.

            Michelle Taruffo faz importante distinção entre dois modelos fundamentais de prova: a prova como argomento persuasivo, diretto a convicere l’organo che giudica sui fatti dell’opportunità di assumere come attendibile uma certa versione dei fatti relevanti per la decisione; [14] e a prova como strumento dimonstrativo, finalizzato allá conoscenza "scientifica" della verità dei fatti rilevanti per la decisione. [15]

            Desta distinção é possível extrair duas constatações de suma importância para o presente estudo: a primeira que estabelece um modelo de prova diretamente vinculado à participação da parte na atividade jurisdicional, em face à sua garantia de poder influenciar a formação do convencimento judicial; do segundo modelo destacado pode ser identificada a tendência atual de tornar o órgão judicante cada vez mais ativo na busca do esclarecimento necessário acerca dos fatos relevantes à decisão, [16] uma acepção, vale dizer, claramente vinculada à noção de procedimento probatório.

            O importante, no entanto, é enfatizar que o conceito de prova sempre esteve associado, teleologicamente, à idéia de busca da "verdade’ acerca dos fatos que envolvem determinado litígio. Poder-se-ia dizer, como outrora, que provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa. [17] A simplicidade do conceito chega a ser sedutora, mas não atende a pretensão central do presente estudo, que é reduzir ao máximo as margens para a subjetividade pura e simples, evitando eventuais arbitrariedades. Cumpre, assim, um breve retrocesso.

            Ao se produzir determinada prova, o que se pretende é conduzir ao espírito do julgador o conhecimento da "verdade" acerca dos fatos relevantes para a solução de determinado conflito de interesses. Entretanto, isto somente virá a ocorrer se, através de seus próprios sentidos, o juiz puder estabelecer contato entre a sua percepção e o meio através do qual a prova se manifestar. Sendo assim: esse algo que o juiz percebe com os próprios sentidos pode ser o próprio fato que se deve provar ou um fato distinto. [18]

            É desta forma que Carnelutti estabelece a distinção entre aquilo que chama de prova direta e prova indireta: a primeira, aquela que o juiz pode perceber mediante o contato direto entre os seus próprios sentidos e a realidade fática, através, por exemplo, de uma inspeção judicial; a segunda, aquela que não lhe é dado perceber diretamente, em razão de se tratar de fato jurídico transeunte e passado, tendo que chegar ao seu conhecimento através de outro fato, do qual se possa deduzir a ocorrência do primeiro.

            É importante ter em mente que os fatos são acontecimentos que, no instante imediatamente posterior à sua ocorrência, deixam de existir. O que resta são apenas dados, comprovações, registros desta sua ocorrência, que irão formar, na grande maioria das vezes, toda a prova possível de ser produzida, ou seja, aquilo que chega ao conhecimento do juiz não é o fato em si, mas um registro do seu acontecimento, que se apresenta – quase sempre – contaminado por deformações oriundas dos sentidos, dos valores e de processos psíquicos daqueles que com ele têm contato. [19]

            Esta perspectiva de busca pela chamada verdade substancial ou genuína perdurou até meados do século XVIII, quando surgiu um novo paradigma sob a influência das idéias iluministas. Desde então, houve uma alteração de foco, de forma que a relevância passou do objeto do conhecimento (paradigma do objeto) para o sujeito cognoscente (paradigma do sujeito), desde então, passou-se a entender que os objetos só existem porque o sujeito pode conhece-los. Esta nova perspectiva fez Carnelutti declarar: a minha estrada, começada com atribuir ao processo a busca pela verdade, conduziu à substituição da verdade pela certeza. [20]

            É importante tentar distinguir, neste contexto, o que é uma verdade e o que é uma certeza. Pode-se dizer, num plano exclusivamente teórico e com relativa precisão, que a verdade é a conformidade (correspondência) entre noção idealizada pelo juiz e aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos; a certeza, por sua vez, é o estado que toma conta do espírito do julgador, quando este acredita estar de posse da verdade.

            A alteração de paradigma proclamada por Carnelutti decorreu da constatação de que o conhecimento da verdade genuína é tarefa inalcançável para o conhecimento humano. Contudo, parece-nos que a solução indicada é insatisfatória, pois no momento em que se conclui que a verdade genuína não está ao alcance do conhecimento humano, não há como se aceitar que qualquer sujeito afirme estar de sua posse (certeza). Nas palavras de Marinoni e Arenhart, a verdade, enquanto essência de um objeto, jamais pode ser atingida se este objeto está no passado, porque não se pode mais recuperar o que já passou; de outra banda, também a idéia de certeza somente pode ser concebida no nível subjetivo específico, sendo que este conceito pode variar de pessoa para pessoa – o que demonstra a relatividade desta noção. [21]

            A prova não oferece ao juiz o conhecimento da verdade e, tampouco, a posse da certeza, mas tão somente lhe fornece subsídios para identificar qual a versão sobre os fatos que mais provavelmente corresponde àquilo que efetivamente ocorreu. Cândido Dinamarco, então, conclui que em todos os campos do exercício do poder (...) a exigência da certeza é somente uma ilusão, talvez uma generosa quimera. Aquilo que muitas vezes os juristas se acostumaram a interpretar como exigência de certeza para as decisões nunca passa de mera probabilidade, variando somente o grau da probabilidade exigida, inversamente os limites toleráveis dos riscos. [22]

            A apreciação da prova, na tarefa de estabelecer o suporte fático de uma decisão judicial, é a forma pela qual se permite ao juiz aferir a verossimilhança das alegações trazidas pelas partes, de forma que lhe seja possível realizar um juízo de probabilidade acerca da correspondência entre estas alegações e aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos. No entanto, desde já é importante perceber que, em termos jurídico-processuais, um alto grau de verossimilhança tem o valor de verdade. Afinal, é isto que pode ser exigido da prova. [23]

            Como visto, o conhecimento humano não nos permite ir além deste juízo de verossimilhança, calcado na probabilidade sobre a efetiva ocorrência dos fatos afirmados. Esta verossimilhança se forma a partir da noção de experiência, isto é, o juiz irá aferir a ilação lógica entre aquilo que é alegado e aquilo que normalmente acontece, avaliando se os elementos trazidos pelas partes permitem ao homem médio acreditar na ocorrência do fato. A verdade aceita pelo julgador, no momento da formação do seu convencimento, será aquela que mais provavelmente corresponda aos acontecimentos do mundo dos fatos. Não se pode exigir do conhecimento humano mais do que isto, pois mesmo as provas não têm a aptidão para conduzir seguramente à verdade sobre o fato ocorrido. [24]

            Parece-nos, então, que a melhor solução para o dilema, a atender as necessidades do processo civil moderno, pode ser extraída da lição de Jürgen Habermas, para quem a "verdade" não se descobre, mas se constrói através da argumentação. A verdade sobre um fato é um conceito dialético, construído com base na argumentação desenvolvida pelos sujeitos do processo. [25] A perspectiva atual da verdade, não encontra-se mais no objeto, nem mesmo no sujeito, mas naquilo que os sujeitos produzem a partir de certos elementos comuns (linguagem). Agora, o sujeito deve interagir com os demais sujeitos, a fim de atingir um consenso sobre o que possa significar conhecer o objeto e dominar o objeto; não é mais a subjetividade que importa, mas sim a intersubjetividade. [26]

            A adoção da teoria desenvolvida por Habermas, nos conduz a uma visualização do processo civil moderno intensificando a participação dialética das partes na busca pelo consenso, pois segundo a lição do professor da Escola de Frankfurt, a verdade é algo necessariamente provisório, apenas prevalecendo enquanto se verificar o consenso.

            De acordo com as premissas estabelecidas, torna-se claro que – em sua concepção moderna, isto é, frente à aceitação das limitações inerentes à ciência processual e ao próprio conhecimento humano – a prova é todo o meio, desenvolvido dentro dos parâmetros do Direito, capaz de oferecer ao juiz subsídios probabilísticos suficientes para justificar racionalmente a sua decisão, de modo a gerar sua aceitação lógica pelas partes.

            Desta tentativa de conceituação podemos visualizar diversos elementos que ganham especial relevo na busca por um efetivo exercício de controle sobre a formação do convencimento judicial, pois se entendermos a verdade como um conceito dialético, não há como deixarmos de oferecer ao instituto do contraditório uma visão renovada, capaz de lhe oferecer máxima amplitude; da mesma forma, entendendo a prova como instrumento apto a oferecer elementos para que o juiz justifique racionalmente sua decisão, necessariamente teremos que oferecer à garantia de motivação das decisões judiciais um espectro de abrangência ainda mais amplo.

            1.2 A função da prova

            Identificados estes elementos essenciais que devem compor qualquer tentativa de conceituação da prova dentro do processo civil moderno, demonstrando a sujeição do resultado da atividade probatória a um certo grau de incerteza, voltemos a analisar a razão pela qual o ideal de verdade – concebido puramente como a correspondência entre a noção idealizada e a realidade – deve ser dissociado da definição de prova, se o objetivo é minimizar as subjetividades na aplicação do Direito.

            Durante o século XX, inúmeros foram os estudiosos a se debruçar sobre o estudo das chamadas Teorias da Verdade. Pode-se dizer que a teoria que obteve maior prestígio e aceitação é a chamada Teoria da Correspondência. Para seus adeptos, grosso modo, uma determinada afirmação será verdadeira quando ela estiver de acordo (corresponder) à realidade ocorrida no mundo dos fatos.

            Trazendo tal discussão para o âmbito do presente estudo, uma vez aceita a afirmação de que a prova é suficiente para alcançar ao julgador a "verdade" sobre os fatos, ela deve ser capaz de alcançar ao julgador a certeza, absolutamente indene de dúvidas, acerca da correspondência entre a noção por idealizada e a realidade ocorrida.

            Ocorre que sempre que uma determinada versão sobre um acontecimento é idealizada, ela sofre uma série de deformações – muitas vezes incondicionadas – que a afastam significativamente daquilo que poderia corresponder à realidade. Explica-se: quando, por exemplo, uma testemunha vai a juízo depor sobre um determinado fato, este fato será relatado segundo os seus critérios pessoais de percepção, os quais, inevitavelmente, estarão contaminados por uma gama enorme de valores, conceitos e sentidos por ela armazenados ao longo da vida, o que certamente deformará o seu conteúdo. Nas palavras de Enrico Altavilla, a realidade tem sempre, portanto, um valor subjetivo, e por conseguinte, relativo, porque é uma projecção do mundo exterior que chega ao nosso eu, deformado por nossos sentidos e por todos os processos psíquicos. [27]

            Para Marinoni e Arenhart, a reconstrução de um fato ocorrido no passado sempre vem influenciada por aspectos subjetivos das pessoas que assistiram ao mesmo, ou ainda do juiz, que há de valorar a evidência concreta. Sempre há uma interpretação formulada sobre tal fato – ou sobre a prova direta dele derivada – que altera o seu real conteúdo, acrescentando-lhe um toque pessoal que distorce a realidade. Mais do que isso, o julgador (ou o historiador, ou, enfim, quem quer que deva tentar reconstruir fatos do passado) jamais poderá excluir, terminantemente, a possibilidade de que as coisas possam ter-se passado de outra forma.

            Se aceitássemos que a prova se presta para alcançar ao julgador a verdade acerca dos fatos ocorridos, não há como se escapar da conclusão de que a teoria da correspondência é insuficiente para identificar a sua função dentro do processo civil, pois a verdade não poderá ser alcançada tão-somente quando for possível comprovar esta correspondência entre a versão idealizada e a realidade, já que esta quase sempre sofrerá deformações diante dos processos psíquicos do ser humano.

            Muito embora, em termos filosóficos, a teoria da correspondência disponha de grande aceitação e seja aquela que melhor define o que é a verdade; em termos jurídico-processuais, a chamada Teoria da Coerência poderia gozar de maior aplicabilidade, por fornecer maiores subsídios para a aferição da verdade, dado seu caráter nitidamente procedimental. [28] Quer-se dizer: em termos conceituais, a definição de verdade se mostra mais consistente à luz da teoria da correspondência, mas em termos práticos – diante da necessidade de traze-la para dentro do processo mediante a análise da prova, a qual, por sua vez, será sempre suscetível a deformações – é necessário que se identifique a "verdade" através de um juízo de verossimilhança, conforme antes enfatizado, e, neste sentido, a teoria da coerência nos fornece maiores elementos. Pouco adiantaria aceitar que a verdade se alcança através da correspondência entre uma idealização e a realidade, se, processualmente, não dispomos de critérios objetivos para estabelecer em que situações seria possível aferir esta correspondência.

            Segundo os adeptos da Teoria da Coerência, a verdade poderia ser alcançada através da idealização de uma versão em que os enunciados que a formam não apresentem contradições entre si. O caráter procedimental desta teoria, evidentemente, fornece maiores subsídios para o exercício de um controle objetivo sobre a correção das premissas fáticas que sustentam uma determinada decisão judicial, partindo da identificação de eventuais contradições, isto é, a "verdade" poderia ser alcançada sempre que uma determinada versão não apresentar qualquer ponto de colisão (contradição) entre seus enunciados.

            No entanto, mesmo para respeitados coerencialistas, esta teoria também não é suficiente para que a realidade (verdade ontológica ou genuína) seja recomposta; sua eleição deriva da condição de ser a teoria que torna viável a melhor aproximação possível com a realidade, o que encontra perfeita consonância com o conceito moderno de prova, destacado no tópico anterior.

            À luz da Teoria da Coerência, para que a verdade pudesse ser alcançada, seria necessária a aferição simultânea de uma coerência ótima com uma base de dados perfeita, [29] o que, trazendo para a realidade do processo civil moderno, enquanto fenômeno cultural e atividade humana, é inalcançável. Contudo, a análise de uma versão idealizada, mediante a tentativa de identificação de pontos contraditórios entre seus enunciados, pode trazer maior proveito quando a intenção é exercer controle sobre a correção das premissas adotadas pela sentença.

            Nicholas Rescher, [30] em artigo intitulado Verdad como Coherencia Ideal, chega à frustrante – mas inafastável – conclusão de que, mesmo à luz da Teoria da Coerência, o conhecimento humano não é capaz de garantir algo mais do que a melhor aproximação possível entre uma idealização e a realidade:

            Dado que "la verdad genuina" sólo está garantizada por la coherencia ideal (esto es, por la coherencia óptima con una base de datos perfecta que no poseemos, y no con aquella otra algo menos que óptima a la que efectivamente podemos acceder), no tenemos seguridad incondicional acerca de la corrección efectiva de nuestras investigaciones, guiadas por el objetivo de la coherencia; tampoco tenemos una garantía sin reservas de que esas investigaciones nos proporcionen "la verdad genuina" que perseguimos cuando nos ocupamos de investigaciones empíricas. (...)

            Nuestro "conocimiento" en tales casos no es más que nuestra mejor aproximación a la verdad de las cosas. Ya que no podemos ocupar el punto de vista del ojo de Dios, sólo tenemos acceso a los hechos del mundo a través de una investigación (potencialmente errada) de la realidad. (...)

            En la vida real, siempre por debajo de lo ideal, la verdad supuesta queda ciertamente separada de la verdad indubitable por una brecha evidencial. Pero, dada una criteriología adecuada de la verdad, esta brecha se cierra en circunstancias ideales. El requisito de continuidad refleja el hecho de que la investigación persigue la verdad, el que la empresa científica tiene como objetivo y aspiración final alcanzar la verdad genuina.

            El hecho de que lo que consigamos en nuestra práctica del coherentismo científico no sea verdad genuina, sino únicamente nuestra mejor aproximación a ella, refleja la circunstancia de que debemos afanarnos en la búsqueda del conocimiento rodeados de las ásperas realidades y complejidades de un mundo imperfecto. Hemos de ser conscientes siempre de la brecha entre lo real y lo ideal; también cuando debatimos la verdad de nuestras tesis científicas.

            O que é importante destacar é que o conhecimento humano tem seus limites e que dele não se pode exigir que seja capaz de recompor a verdade genuína (ontológica ou substancial), mediante a análise dos fatos probatórios que lhe são perceptíveis, já que se apresentam deformados pelos processos psíquicos daqueles que com ele têm contato, neste rol se incluindo o próprio julgador. Dentro do processo civil moderno, a função da prova é levar ao conhecimento do juiz subsídios suficientes para que a formação do convencimento judicial acerca das premissas que irão formar o suporte fático do decisum alcance a melhor aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo dos fatos, fornecendo às partes subsídios que delimitem a atividade dialética.

            Esta melhor aproximação possível é a única "verdade" ao alcance do conhecimento humano, razão pela qual não há que se falar em coexistência de duas verdades – conforme comumente se usa: verdade material e verdade processual – o que existe é uma única verdade, a que está ao alcance do nosso conhecimento. A verdade genuína ou ontológica não passa de mera idealização, que poderá ser sempre deformada pelos processos psíquicos do ser humano. Esta idealização, no entanto, não é sensível ou inteligível, o que a afasta por completo do mundo jurídico.

            A aplicação do direito não pode ficar eternamente sujeita a busca de uma "verdade" que se mostra inalcançável ao conhecimento humano. A verdade (mundo redondo) de hoje, não é a verdade (mundo plano) de ontem, razão pela qual toda e qualquer decisão judicial deve estar conformada com o nível de desenvolvimento do conhecimento de seu tempo, relativizando-se ante a evolução do saber. [31]

            Em suma, a prova não conduz o julgador ao conhecimento da verdade, vez que objetivo inalcançável; a sua função, dentro do processo civil moderno, é formar o convencimento daquele a quem incumbe a aplicação do direito, assegurando-lhe estar de posse do conhecimento dos fatos jurídicos valorizados pelas normas, a ponto de que atinja a melhor aproximação possível com aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos.

            1.3 O objeto da prova

            O processo civil se pauta pelo chamado princípio da inércia, segundo o qual, para que seja lícito ao Estado intervir nas relações entre particulares, é necessário que haja um impulso daquele que pretende a prestação da tutela jurisdicional. Este impulso se dá através do exercício do direito público subjetivo de ação, que se manifesta através do ajuizamento de uma determinada demanda, em que, conforme exige o Código de Processo Civil (art. 282, III), incumbe ao autor indicar os fatos e os fundamentos do seu pedido. Proposta a demanda, então, o réu será ouvido para manifestar-se acerca de todos os fatos narrados pelo autor, presumindo-se verdadeiros aqueles não impugnados (CPC, art. 302).

            Dispõe a lei processual (CPC, art. 333), que ao autor incumbe o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito (inciso I); ao réu, os impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado pelo autor (inciso II). Esta, em um primeiro momento, é a regra geral de distribuição do ônus da prova estabelecida pelo ordenamento jurídico-processual, regra esta que comporta cada vez mais relativizações, ante as peculiaridades da relação jurídica sub judice.

            Poder-se-ia dizer, então, que a prova se debruçará sobre os fatos alegados por uma parte e impugnados pela outra ou, na terminologia de Carnelutti, que são os chamados fatos controvertidos, que constituem a regra em matéria de prova. [32]

            É bem verdade que a lei prevê a possibilidade de que venha a ser exigida a prova do direito invocado, quando singular, estrangeiro, estadual, municipal ou consuetudinário. Trata-se, no entanto, de hipótese extremamente rara, razão pela qual é feito apenas este registro, já que, repita-se, são os fatos controvertidos que constituem a regra em matéria de prova, regra esta, no entanto, também sujeita a relativizações.

            Durante significativo período de tempo, sustentava a doutrina, com base no princípio do ne procedat iudex ex officio e ne eat iudex ultra petita partium, que determinado fato só viria a compor o suporte fático da sentença, se alegado por pelo menos uma das partes (necessidade da afirmação unilateral), e necessariamente iria compô-lo se alegado por ambas as partes (suficiência da afirmação bilateral), independentemente da sua comprovação. Neste sentido, referia Carnelutti que a afirmação unilateral (discorde) de um fato é condição necessária para a sua posição na sentença; a afirmação bilateral (concorde) é por fim condição suficiente. (...) as partes podem, bem calando um fato real ou bem afirmando acordes um fato imaginário, obrigar o juiz a pôr na sentença uma situação de fato diferente da realidade. [33]

            Foi a partir de tais conclusões que se estabeleceu o chamado princípio da disponibilidade, já que as partes, desde que concordes, poderiam afastar um determinado fato da apreciação (valoração jurídica) do Estado-juiz, se silenciassem sobre a sua ocorrência; ou incluí-lo nas razões de decidir, por mais absurdo que se evidenciasse, sempre que concordes acerca da sua ocorrência.

            Esta aptidão dispositiva que se concedia às partes, frente ao processo civil, teve origem no pensamento liberal que prevaleceu em meio ao século XIX, notadamente no período que sucedeu a Revolução Francesa, cuja máxima do lassaiz-faire, lessaiz-passer foi levada às últimas conseqüências. Emprestava-se ao processo civil a função de servir de mero instrumento de atuação dos interesses particulares dos litigantes, que, por isso, o dominavam inteiramente. [34]

            Carnelutti, no entanto, à época, já chamava atenção para uma necessária relativização deste princípio processual, naqueles casos em que visualizável a preponderância do interesse público. Para isso, ressaltava que a disponibilidade dos fatos pelas partes era muito mais uma diretiva de conveniência do processo do que um princípio propriamente dito. [35]

            Com o passar do tempo, o Estado abandonou esta função de mero garantidor dos interesses individuais e foi se posicionando de forma cada vez mais ativa no cumprimento de sua missão constitucional de prestar a jurisdição. Hoje, ante a visão cada vez mais publicista do processo civil moderno, não mais se pode conceber um juiz inerte em sua atividade, aguardando que o conhecimento dos fatos lhe seja alcançado pelas partes.

            O artigo 130 do nosso atual Código de Processo Civil marcou importante passo neste sentido, concedendo ao juiz o poder/dever de determinar a produção de todas as provas que entender necessárias à instrução do processo, o que afastou por completo as margens para o non liquet. A lei processual, assim, estabeleceu um verdadeiro ônus para o julgador, ao lhe impor a tarefa de conduzir ativamente a instrução probatória, independentemente da iniciativa das partes, certamente comungando da visão de que o processo não é um jogo em que o mais capaz sai vencedor, mas instrumento de justiça, com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito. [36]

            No entanto, mesmo após a introdução do artigo 130 no Código de Processo Civil, manteve-se a disposição prevista no artigo 334, inciso III, da lei processual, onde está determinado que não dependem de prova os fatos alegados por uma parte e confessados pela parte contrária. Ou seja, da mesma forma como o CPC estabelece que ao juiz incumbe determinar a produção de todos os meios de prova que entender necessários para a melhor apreciação do litígio, a mesma lei estabelece que não dependem de prova os fatos sobre os quais não paire o requisito da controvérsia. E mais, o também referido artigo 302 do CPC estabelece presunção de veracidade para todos os fatos alegados por uma parte e não contestados pela outra.

            Percebe-se, assim, que o nosso atual diploma processual estabelece duas diretivas que, num primeiro momento, podem parecer antagônicas, na medida em que concede ao Estado-juiz o ônus de conduzir e, até mesmo, impulsionar a atividade probatória (artigo 130), mas, por outro lado, tende a amparar a disponibilidade sobre os fatos que irão formar o suporte sentencial (artigos 302 e 334, III). [37]

            Da análise sistemática dos referidos enunciados, poder-se-ia concluir que apenas em relação aos fatos controvertidos é que estaria o juiz autorizado a determinar a produção de provas, mesmo quando não requeridas pelas partes. Entretanto, o que se denota é um flagrante conflito de interesses a merecer ponderação: de um lado o interesse público que, na tarefa de pacificar as relações sociais, mediante a justa composição das lides, assim não poderia entende-la, sempre que o suporte fático da decisão proferida não corresponda à melhor aproximação possível com os fatos efetivamente ocorridos; de outro, o interesse privado das partes que submetem seu litígio à apreciação judicial, as quais, inicialmente, poderiam vir a dispor dos fatos que o envolvem.

            Toda colisão de interesses desta natureza (público versus privado) acaba por sugerir a simplória aplicação do chamado "princípio" da supremacia do interesse público. Entretanto, a adoção deste verdadeiro axioma como princípio norteador (ou norma-princípio) para a solução de tensões entre interesses conflitantes, vem sendo cada vez mais questionada, especialmente pela doutrina germânica e, entre nós, brilhantemente pelo professor Humberto Ávila. [38] Sem a intenção de aprofundar o enfrentamento desta questão, para o presente estudo é importante destacar a indissociabilidade entre estes interesses identificada pelo jurista gaúcho, no sentido de que o interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado.(...) Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma "conexão estrutural".

            O chamado "princípio" da supremacia do interesse público não pode ser adotado como forma de direcionar a ponderação dialética sempre em favor do interesse público, já que, ao contrário dos princípios efetivamente albergados pelo nosso ordenamento jurídico, este não deriva do exame conjunto dos dispositivos legais existentes, mas, pelo contrário, colide com a análise sincrônica do Direito, exigida pela unidade da Constituição ou do sistema jurídico. [39] E mais, se fosse possível a dedução de uma norma-princípio de prevalência, seria possível a dedução de uma norma-princípio antinômica à debatida, assecuratória dos interesses privados garantidos aqui-e-acolá na Constituição. [40]

            Desta forma, a maneira de ponderar o conflito de interesses surgido por força da dicção dos mencionados dispositivos processuais que, ora parecem trilhar para o completo abandono do princípio da disponibilidade, ora parecem fortalece-lo em meio à nossa legislação processual, há de ser feita apenas à luz do caso concreto e em consonância com os postulados normativos [41] da proporcionalidade e da razoabilidade.

            A colisão dos mencionados interesses, público e privado, ao invés de ser enfrentada mediante a simples aplicação de um "princípio" de supremacia, deve estar consubstanciada no postulado da unidade da reciprocidade de interesses, direcionando-se para a máxima realização dos interesses envolvidos. A solução desta colisão não pode ser pretendida de forma estável e absoluta, mas móvel e contextual. [42]

            Verifica-se, assim, que não existe uma supremacia preestabelecida em favor do interesse público em questão. O interesse que irá se sobrepor somente poderá ser identificado à vista do caso concreto e dos postulados antes referidos. [43]

            Pode-se concluir, portanto, que a ausência de controvérsia a respeito de um determinado fato que envolve a lide gera, em um primeiro momento, a sua presunção de veracidade. No entanto, diante do caso concreto, ou seja, identificada a (eventual) supremacia do interesse público sobre o interesse privado das partes – supremacia esta que deverá ser motivada pelo juiz, já que, como visto, não pode ser vista como resultante da simples aplicação de um princípio norteador do direito – tal presunção poderá vir a sucumbir diante da produção de provas em sentido contrário.

            O juiz é livre para conduzir a atividade probatória, mas, evidentemente, devendo submissão às garantias constitucionais asseguradas às partes, questão esta que será melhor abordada no próximo capítulo. Contudo, neste momento, é importante ficar claro que a atividade dos litigantes não pode ser um limitador para o fim último da instrução probatória que – ao menos de forma idealizada – é a busca pela "verdade".

            Os limites do julgador, desta forma, são apenas aqueles estabelecidos no artigo 460 do Código de Processo Civil, isto é, não poderá proferir sentença de natureza diversa do pedido, condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Entretanto, estando adstrito aos limites da causa, deverá conduzir ativamente o processo – notadamente a instrução probatória – podendo determinar a produção de provas, mesmo quando dirigidas à comprovação de fatos incontroversos, mas desde que identificada a preponderância do interesse público; [44] caso contrário, há que prevalecer a suficiência da afirmação bilateral e a presunção estabelecida pela lei processual (art. 302).

            Tal constatação decorre da perspectiva atual de publicização do processo civil, essencialmente ligada à dimensão contemporânea da garantia constitucional do acesso à justiça, [45] que traz como conseqüência o alargamento dos poderes do juiz, notadamente na condução da instrução probatória. Conforme Dinamarco, a escalada inquisitiva, no processo civil moderno, corresponde à crescente assunção de tarefas do Estado contemporâneo, o qual repudia a teoria dos "fins limitados". É claro que essa tendência publicista não poderia chegar ao ponto de autorizar o exercício espontâneo da jurisdição, nem de substituir as iniciativas instrutórias das partes pelas do juiz; mas, para a efetividade jurídica, social e política do processo, algumas mitigações a esse imobilismo do agente jurisdicional vão sendo estabelecidas. [46]

            Ponderações hão de ser feitas à luz do caso concreto, como antes demonstrado, mas a perspectiva atual de publicização do processo civil e, por decorrência, o alargamento do ativismo judicial nos conduz à conclusão de que, cada vez mais, é permitida a investigação pelo juiz sobre todos os fatos que julgue necessários para a melhor solução da lide.


2 A PROVA E A CONSTITUIÇÃO

            2.1 O devido processo legal

            Não seria exagero dizer que o todo o direito processual ordinário, não é mais do que a concretização – no plano infraconstitucional – do princípio constitucional do devido processo legal. É ele o princípio processual fundamental sobre o qual todos os outros se sustentam. [47]

            Embora sua presença estivesse presente nas raízes dos sistemas constitucionais anteriores, foi apenas com a promulgação da Constituição de 1988 que o ordenamento jurídico pátrio passou a dispor de norma expressa a albergar a garantia ao devido processo legal no âmbito constitucional. Não se trata, todavia, de inovação do constituinte brasileiro. O due process of law, desde o século XIV, encontra previsão no direito anglo-saxão, sendo que, inicialmente, limitava-se à garantia processual e, com o passar do tempo, transformou-se em garantia do próprio direito, com o mais amplo espectro de conteúdo e alcance.

            Para os fins a que se propõe o presente estudo, é válida uma brevíssima retrospectiva histórica a fim de possibilitar a melhor compreensão da extensão deste fenômeno, já que, nas palavras de Siqueira Castro, o devido processo legal, ao lado do princípio da isonomia, representou o principal instrumento de argumentação de que lançou mão a doutrina e a jurisprudência no vibrante processo de transformação do Direito Constitucional nos Estados Unidos da América. [48]

            A cláusula do devido processo legal teve sua origem na expressão law of the land, que surgiu pela primeira vez, entre os britânicos, no ano de 1215, com a Magna Charta Libertatum de João Sem Terra. A expressão due process of law somente veio a ser expressamente utilizada, no ano de 1354, pelo Estatuto de Eduardo III, denominado de Statute of Westminster of the Liberties of London, que embora fosse um instrumento de acentuado e deliberado reacionarismo, continha exemplos de institutos originais e eficazes do ponto de vista jurídico que até hoje provoca a admiração dos estudiosos do Direito Constitucional. [49]

            Posteriormente, já fortemente influenciada pela interpretação extensiva que lhe vinha sendo dada, especialmente por Coke e Blackstone, a cláusula chega às colônias da América do Norte não só como garantia de legalidade, mas ainda como garantia de justiça, vinculante para todos os poderes do Estado. [50] Inaugura-se, assim, o período de maior interesse para a compreensão da evolução e da abrangência do instituto.

            Até o final do século XIX, predominava a perspectiva do devido processo legal como mero instrumento de garantia à regularidade do processo. Através dele estavam assegurados o direito à ampla defesa, ao contraditório, à produção de provas, etc; ou seja, questões de natureza eminentemente processuais. A doutrina convencionou denominar esta fase de procedural due process of law.

            A partir de então, isto é, término do século XIX e início do século XX, os Estados Unidos passaram a vivenciar sua fase de hipervalorização dos ideais do liberalismo econômico. A Suprema Corte norte-americana, contaminada pelo espírito do lassaiz-faire, passou a empregar uma interpretação extremamente extensiva à cláusula, através da qual se auto-legitimava a interferir na atuação legislativa para declarar a inconstitucionalidade das normas que considerasse atentatórias aos princípios liberais, notadamente o direito de propriedade.

            Foi, então, no período que sucedeu a grande depressão de 1929 que, em meio à política intervencionista de Roosevelt, veio a ser estabelecida uma terceira perspectiva, em que passou a ser duramente questionada a atuação da Suprema Corte, no que diz respeito à utilização de cláusulas abertas (especialmente o due process of law) para a imposição de suas opiniões em detrimento daquelas valorizadas no plano legislativo. Percebeu-se que a ausência de controle sobre a atividade do Judiciário poderia ser tão antidemocrática quanto à ausência de controle sobre a atividade do Legislativo.

            Entre nós, ergueram-se vozes influentes como a de Pontes de Miranda, para sustentar que a interpretação extensiva que vinha sendo adotada pela Suprema Corte americana era, em verdade, uma falsificação raciocinante. [51]

            Foi em meio a estas críticas que houve a transferência do eixo central de aplicação do devido processo legal, para que fosse restringido significativamente o seu espectro de abrangência. A partir de então, passou-se a autorizar sua invocação apenas com o objetivo de conferir proteção aos direitos fundamentais do cidadão.

            Esta é a atual perspectiva de compreensão da abrangência da cláusula do due process of law, inclusive no Direito Constitucional brasileiro, isto é, muito mais do que uma mera garantia à regularidade do processo, para ser também um instrumento de controle acerca da razoabilidade das leis editadas pelo Poder Legislativo, no que diz com a sua interferência na esfera dos direitos fundamentais do indivíduo. É o que a doutrina convencionou chamar de substantive due process of law, enfatizando que a cláusula não mais se limita à determinação processual de direitos substanciais, mas se entende à garantia de que seu gozo não seja restringido de modo arbitrário ou desarrazoado. [52]

            É fundamental esta compreensão acerca da extensão da garantia para a sua correta aplicação como norma-princípio; no entanto, para o presente estudo, não basta analisar a aptidão da cláusula para fornecer subsídios ao Judiciário para que proteja o cidadão contra possíveis "arbitrariedades legislativas", importa analisar, acima de tudo, a sua aplicabilidade com instrumento de controle contra possíveis decisões judiciais arbitrárias, o que nos obriga a analisar a cláusula, obviamente que em sua matriz constitucional, mas relacionando-a com suas interfaces no processo civil moderno. Não se quer, com isso, retroceder no estudo deste fenômeno, abordando-o com a perspectiva limitada do procedural due process of law, mas – de forma consentânea à sua atualidade – como verdadeiro instrumento de legitimação das decisões judiciais, o que impende enfrenta-lo sob perspectiva extremamente aproximada às idéias de Niklas Luhmann. [53]

            O estudo de Luhmann assume importância fundamental para autorizar a pesquisa e o desenvolvimento de sistemas de controle objetivo sobre a formação do convencimento judicial a partir das normas processuais existentes, pois, embora não se trate de um processualista, sua abordagem é extremamente conclusiva ao estabelecer que o procedimento é mais do que seqüência fixa de ações determinadas: é um sistema social que desempenha uma função específica de legitimar as decisões judiciais a partir de sua aceitação social.

            Para tanto, acredita que esta legitimação deriva da previsibilidade a respeito do conteúdo da decisão a ser proferida, e esta previsibilidade somente se tornará possível através da definição prévia dos procedimentos a serem observados, enquanto sistemas de ação, através dos quais os endereçados das decisões aprendem a aceitar uma decisão que vai ocorrer, antes de sua ocorrência concreta. [54]

            A reforçar este raciocínio está a lição de Cândido Dinamarco, para quem a previsão legal, obtida via procedimento, abstrai a surpresa no decorrer dos atos processuais, evitando a possibilidade de atuação arbitrária. [55] É desta forma que o princípio constitucional do devido processo legal, ao lado do dever de motivação das decisões judiciais, assume especial relevância para o exercício de controle sobre a formação do convencimento judicial, permitindo que as partes não apenas o influenciem, como também possam aferir a sua correção lógico-estrutural.

            O procedimento – ensina Luhmann – não justifica a decisão, mas fundamenta uma presunção de exatidão de seu conteúdo. [56] Desta forma, toda a decisão judicial que vier a ser proferida sem a observância do procedimento estabelecido por lei, além de ferir uma garantia constitucional do jurisdicionado, irá retirar a legitimidade que, em princípio, lhe é inerente por força da outorga constitucional.

            Neste contexto de observância ao procedimento, como pressuposto para a necessária previsibilidade da decisão a ser proferida, merece especial atenção a garantia das partes ao contraditório. O procedimento, evidentemente, não se esgota com a observância do contraditório, mas, certamente, é ele o seu ponto nevrálgico.

            A participação das partes no processo, sob a forma do contraditório, não é um fim em si mesma, seu valor é o valor das garantias que tutela. Todo o procedimento, em si, é forma, mas a sua observância é que garante o direito substancial das partes. Como já referido, é o procedimento que irá conferir legitimidade às decisões judiciais e o contraditório, como seu elemento central, é que irá, se não garantir, ao menos permitir a prolação de uma decisão potencialmente justa. É importante, portanto, dimensiona-lo à luz do que até aqui foi exposto.

            Vimos que o fim último da atividade de instrução probatória é a busca pela verdade, que somente poderia ser alcançada pela correspondência entre a versão idealizada e aquilo que efetivamente veio a ocorrer no mundo dos fatos; entretanto, do conhecimento humano não é lícito exigir mais do que a melhor aproximação possível, já que a "verdade genuína" não passa de mera idealização. Com o passar dos anos e a evolução da exegese empregada à garantia ao contraditório foi possível perceber, em um primeiro momento, que a investigação da verdade não é resultado de uma razão individual, mas do esforço combinado das partes. [57] O contraditório, então, era tido como o único método e instrumento para a investigação dialética da verdade. [58]

            A evolução do instituto se deu em meio à necessidade de um maior ativismo judicial e à crescente ânsia pela efetividade do processo. Com o afastamento da disponibilidade das partes sobre os fatos que envolvem determinado litígio e o fortalecimento da tendência publicista do processo civil, o contraditório deixou de ser o único método para a investigação da verdade, pois a experiência desmentiu a crença na eficiência do trabalho desenvolvido somente pelos participantes do processo. [59]

            Pode-se dizer, assim, que a atual concepção da garantia ao contraditório não mais se limita ao ponto de vista formal, isto é, à mera oportunização para o exercício de alguma forma de manifestação. Vai muito mais além. Falar em contraditório, hoje, é falar na possibilidade efetiva que as partes têm de influenciar a formação do convencimento judicial. Nas palavras precisas e sempre atentas aos valores constitucionais do professor Alvaro de Oliveira, a faculdade concedida aos litigantes de pronunciar-se e intervir ativamente no processo impede, outrossim, sujeitem-se passivamente à definição jurídica ou fática da causa efetuada pelo órgão judicial. E exclui, por outro lado, o tratamento da parte como simples "objeto" de pronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado, desenvolvendo antes da decisão a defesa das suas razões. A matéria vincula-se ao próprio respeito à dignidade humana e aos valores intrínsecos da democracia, adquirindo sua melhor expressão e referencial, no âmbito processual, no princípio do contraditório, compreendido de maneira renovada, e cuja efetividade não significa apenas debate das questões entre as partes, mas concreto exercício do direito de defesa para fins de formação do convencimento do juiz, atuando, assim, como anteparo à lacunosidade ou insuficiência da sua cognição. [60]

            A garantia ao contraditório ultrapassa, hoje, a esfera exclusivamente procedimental para tornar-se uma condição de validade dos atos processuais, incluindo-se a própria sentença. Não basta, portanto, que as partes possam simplesmente apresentar suas razões, é necessário que tenham a efetiva possibilidade de influenciar a formação do convencimento judicial. A produção da prova, neste contexto, passa a ser o momento central do processo, no que diz com a sua aptidão para a busca pela "verdade" e a sua importância para a prestação jurisdicional pleiteada. [61]

            Com isso, pretende-se demonstrar que, embora esteja afastada a idéia de disponibilidade das partes sobre os fatos que envolvem a lide, oriunda do brocardo latino da mihi factum dabo tibi ius, o ativismo judicial encontra seu limite no contraditório. A decisão não pode ser uma surpresa para os litigantes. Não pode o juiz decidir a causa a partir de um ponto de vista que as partes não tenham se apercebido. É dever do órgão jurisdicional atuar da forma mais transparente possível, notadamente no momento da instrução probatória, para que se dê conhecimento acerca de qual direção o direito subjetivo corre perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição, possibilitando-as assim melhor defender seu direito de influenciar a decisão judicial. [62]

            2.2 O dever de motivação das decisões judiciais

            Se o devido processo legal e, mais especificamente, o contraditório representa um importante instrumento de que fazem uso os litigantes para, ao menos em parte, afastar o arbítrio da atuação estatal, igualmente fundamental, neste sentido, é a garantia assegurada pela Constituição de que as decisões judiciais venham a ser devidamente motivadas.

            Embora fosse visto, por alguns autores, como uma decorrência do Estado de Direito ou, até mesmo, do Direito de Ação, foi apenas com a Constituição de 1988 que o dever de motivação das decisões judiciais foi erguido ao status de garantia constitucional; até então, no ordenamento pátrio, encontrava previsão apenas em sede infraconstitucional, mais especificamente no Código de Processo Civil.

            O dever de motivação teve sua origem, ainda no século XVI, em Portugal, vindo a se tornar um traço comum nas demais codificações européias apenas entre os século XIX e XX. No Brasil, o instituto nasceu sob forte influência lusitana, sendo que sua primeira aparição remete ao Código Filipino (Ordenação do Livro III, Título LXVI, § 7). Tal disposição veio a servir de inspiração para o artigo 232 do Regulamento n° 737 de 1850 e, a seguir, passou a integrar grande parte dos diplomas processuais estaduais, bem como o próprio Código de Processo Civil de 1939 (artigos 118 e 280).

            O Código de Processo Civil de 1973 veio a alargar ainda mais o dever de motivação das decisões judiciais, classificando-o como requisito essencial da sentença (artigo 458), determinando expressamente a sua observância no momento de avaliação das provas (artigo 131) e, até mesmo, quando da prolação de decisões interlocutórias, ainda que, neste caso, autorizando a sua exposição de forma concisa (artigo 165). Nas palavras de Barbosa Moreira, a conjugação desses dispositivos não deixa margem a qualquer dúvida sobre a adoção categórica e irrestrita do princípio da obrigatoriedade da motivação. [63]

            Uma questão de extrema dificuldade é precisar qual seria a principal justificativa para que a exigência do dever de motivar viesse a integrar a quase totalidade dos ordenamentos jurídicos atuais. É certo, no entanto, que a sua concepção traz consigo a idéia de garantia e a tentativa de racionalizar ao máximo a atividade jurisdicional.

            Parece-nos claro que há uma indiscutível dimensão política enraizada na adoção do dever de motivação das decisões judiciais, no sentido de limitar o poder do órgão judicante, inibindo a prática de eventuais arbitrariedades e permitindo que a sociedade exerça um controle efetivo a respeito da correção lógica e jurídica dos fundamentos utilizados como razão de decidir. Eis aqui o ponto central a ensejar a análise das repercussões advindas da transformação do dever de motivação, enquanto direito dos litigantes até assumir o status de garantia constitucional.

            Enquanto o dever de motivação permanecia limitado à esfera da legislação infraconstitucional, sua ratio restringia-se a questões de ordem eminentemente processuais, isto é, tinha o condão de permitir que os litigantes tomassem conhecimento das razões pelas quais o órgão judicante decidiu desta ou daquela forma. Sua previsão estava visceralmente ligada à atividade das partes, permitindo que exercessem o chamado controle endoprocessual, isto é, que verificassem se o julgador observou corretamente seus argumentos, se houve a correta valoração da prova trazida aos autos ou se a decisão não incidiu em violação à lei.

            Ao ser erguido ao status de garantia constitucional, o dever de motivação assumiu um espectro de muito maior abrangência. Bastaria, para tanto, lembrar que as normas são disposições meramente declaratórias, enquanto as garantias são disposições assecuratórias, isto é, disposições que, em defesa dos direitos, limitam o poder, na célebre lição de Rui Barbosa. [64]

            Pretendeu, assim, o legislador constituinte consagrar expressamente o dever de motivação das decisões judiciais como garantia de todos os cidadãos, ainda que a nosso ver, mesmo antes de 1988, sempre pudesse ser vista como corolário do Estado de Direito. A Constituição veio a afirmar que, a partir de então, a correção das razões de decidir não diz respeito apenas às partes envolvidas em determinado litígio que se pretende resolver. Sempre que uma decisão judicial deixa de observar os argumentos dos litigantes (expendidos em meio ao contraditório) ou deixa de promover a correta valoração da prova existente nos autos, é toda a sociedade que está ameaçada.

            A partir da Constituição Federal de 1988, o controle das decisões judiciais deixou de ser apenas endoprocessual, passando a permitir um controle extraprocessual, através do qual toda a sociedade, e não apenas as partes e seus advogados, podem examinar a correção do julgado, pois o arbítrio ameaça potencialmente a todos.

            O já lembrado Barbosa Moreira foi um dos grandes influenciadores desta transformação, destacando, dez anos antes da promulgação da atual Carta da República, que o pensamento jurídico de nossos dias propugna concepção mais ampla da controlabilidade das decisões judiciais, que não se adstringe ao quadro das impugnações previstas nas leis do processo. Não é apenas o controle endoprocessual que se precisa assegurar: visa-se, ainda, e sobretudo, "a tornar possível um controle ‘generalizado’ e ‘difuso’ sobre o modo como o juiz administra a justiça"; e "isso implica que os destinatários da motivação não sejam somente as partes, seus advogados e o juiz da impugnação, mas também a opinião pública entendida no seu complexo, seja como opinião do quisquis populo". [65]A possibilidade de aferir a correção com que atua a tutela jurisdicional não deve constituir um como "privilégio" dos diretamente interessados, mas estender-se em geral aos membros da comunidade: é fora de dúvida que, se a garantia se revela falha, o defeito ameaça potencialmente a todos, e cada qual, por isso mesmo, há de ter acesso aos dados indispensáveis para formular juízo sobre o modo de funcionamento do mecanismo assecuratório. [66]

            Não se pode mais visualizar o dever de motivação com objetivo restrito à possibilidade de impugnação do decisum e à delimitação da coisa julgada. A Constituição de 1988 veio alargar significativamente seu aspecto de abrangência, para permitir que o controle sobre a atividade jurisdicional seja exercido por toda a sociedade – eis que potencialmente sujeita ao arbítrio – e não apenas pelas partes. É o dever de motivação como espressione del principio della partecipazione popolare all’amministrazione della giustizia, nas palavras de Michelle Taruffo. [68]

            Como vimos no capítulo anterior, não se pode exigir do conhecimento humano – e não se pode, portanto, exigir do juiz – que alcance sempre a verdade sobre os fatos que envolvem um determinado conflito de interesses; mas, por outro lado, é dever do julgador – como vimos neste capítulo – submeter todas as provas e argumentos trazidos pelas partes ao contraditório, permitindo que influenciem efetivamente a formação do convencimento judicial. É por esta limitação insuperável da natureza humana que se exige a mais ampla exposição dos motivos que conduziram o órgão judicante a decidir como decidiu. É esta a "verdade" que se pode exigir do julgador, a verdade da sua convicção. Na expressão de Jean Louiz Berge, a legitimidade da justiça tem este preço. [69]

            Qualquer país que se julgue democrático não pode conceber que a prestação da tutela jurisdicional seja exercida de forma incontrolável, enquanto exercício de uma autoridade absoluta. A legitimidade de uma decisão deriva da correção de seus fundamentos fáticos e jurídicos, razão pela qual há quem sustente que não apenas as partes têm o ônus de convencer o juiz, como este também tem o dever de convencer as partes e o cidadão em geral acerca da correção do seu julgado. É apenas mediante o exercício de um controle efetivo sobre os motivos que conduziram o julgador a decidir como decidiu que será possível conceber uma indispensável participação popular na administração da Justiça. [70]

            Conclui-se, portanto, que a legitimidade de uma decisão judicial deriva da correta exposição dos motivos que conduziram o raciocínio do juiz. A cada vez mais forte tendência legislativa pela adoção de conceitos jurídicos indeterminados, acentua a necessidade de motivação das decisões judiciais, pois quanto maior for o grau de discricionariedade do julgador, maior será a necessidade de exposição dos motivos, sob pena de se tornar uma garantia ilusória e meramente ritualística, [71] a ceder espaço ao arbítrio.

            A exposição dos motivos de uma decisão judicial é o que permite à sociedade aferir sua correção, tanto na exposição dos fatos quanto na eleição das normas incidentes ao caso concreto, isto é, somente mediante a análise da motivação é possível exercer um controle efetivo sobre formação do convencimento judicial, verificando se houve a correta valoração da prova existente nos autos, para que, a partir dela, o direito pudesse vir a ser aplicado. Como decorrência lógica, é possível dizer que a correta e adequada valoração da prova é requisito para a legalidade do decisum – pois a análise do fato e da norma são indissociáveis no momento de aplicar o direito (capítulo 1, item 1.1) – de forma que o dever de motivação das decisões judiciais, previsto em sede constitucional, não é garantia a uma mera motivação, mas a uma motivação adequada e atenta àquilo que resultou da atividade das partes e do próprio juiz ao longo do trâmite processual, sob pena de violação à lei e à Constituição.


3 A PROVA E A FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO JUDICIAL

            3.1 Quão livre é o livre convencimento do juiz [72]

            O presente ensaio, como referido desde suas primeiras linhas, se propõe a questionar a liberdade de que dispõe o juiz para formar seu convencimento, bem como a aptidão dos mecanismos constitucionais e processuais existentes para limita-la. Esta atividade, a partir da qual o julgador forma sua convicção, uma vez visualizada como um fenômeno de pura consciência, que se exaure sob o pano íntimo e imperscrutável da mera subjetividade, como sugeria Massimo Nobili [73] – pode permitir que o jurisdicionado seja condenado mais completo arbítrio. Por outro lado, restringir demasiadamente este campo de discricionariedade da atividade judicial poderia representar um indesejado retrocesso na evolução do direito processual e, especificamente, nos sistemas de avaliação da prova. Eis, então, o dilema: restringir esta liberdade significaria um retrocesso; aumentá-la, significaria abrir as portas para o arbítrio. Encontrar o ponto ideal, em que a indispensável liberdade conferida ao juiz não se torne perniciosa ao processo, é a árdua tarefa a ser enfrentada pela Ciência do Direito, sob pena de que a falta desta percepção fenomênica a condene ao destino de Ícaro.

            Convém esclarecer que esta tentativa de restringir adequadamente a liberdade de que dispõe o juiz para formar seu convencimento não visa retirar da magistratura a sua independência, mas, pelo contrário, legitimar suas decisões e reforçar sua autoridade, valendo lembrar a precisa advertência de Juan Luís Pagés: não existem controles em prejuízo da independência, mas independência devido a estes controles. [74] Este registro assume crucial importância para o tema ora examinado, haja vista que a possibilidade de um controle efetivo sobre a atividade judicial, além de elevar a condição democrática do processo, inspira no cidadão maior confiança no aparelho judiciário e, nesta seara, qualquer tentativa de estabelecer formas de controle ou simplificação processual non è possible se non in proporzione della fiducia che in un dato momento l’ordine giudiziario ispira ai cittadini. [75]

            Como demonstrado, o ponto central para que se exerça um possível controle sobre a formação do convencimento judicial reside na construção da moldura fática da decisão, ainda que, na atividade de aplicação do direito, este juízo sobre os fatos não possa ser completamente isolado do chamado juízo de direito. É na pesquisa da "verdade" – vista como fim último da instrução probatória – que há de se concentrar o combate a possíveis arbitrariedades.

            Demonstramos que uma decisão judicial, para que possa vir a ser tida como legítima, deve ser prolatada após a correta e adequada instrução do processo, através da qual se tenha procurado alcançar a melhor aproximação possível entre versão consagrada pelo decisum e aquilo que efetivamente veio a ocorrer no mundo dos fatos. Entretanto, como não se pode exigir da atividade judicial mais do que esta aproximação, a atuação do julgador torna-se, até certo ponto, discricionária e potencialmente sujeita a equívocos próprios do ser humano. Deste contexto, sobressai a importância da Constituição como norma destinada a estabelecer as garantias do cidadão que limitam o poder estatal.

            O primeiro limitador da atividade judicial é o princípio constitucional do devido processo legal, tanto no que diz respeito à obediência ao procedimento – para possibilitar uma indispensável previsibilidade acerca da decisão que será proferida –, como no que diz respeito à garantia das partes ao contraditório – visto como a faculdade assegurada às partes de influenciar efetivamente a formação do convencimento do juiz.

            Não obstante a observância do procedimento, a legitimação de uma decisão judicial ainda dependerá da adequada exposição de seus motivos. O dever de motivação é o outro grande limitador imposto pela Constituição à discricionariedade judicial, permitindo que não apenas as partes, como a sociedade em geral, verifiquem a correção dos argumentos utilizados pelo juiz como fundamentos de sua decisão.

            A Constituição, assim, impõe limites ao julgador, exigindo que, antes de decidir, avalie de forma efetiva as razões deduzidas pelas partes e, ao decidir, exponha os motivos que o levaram a tal decisão. Para que decida, pressupõe-se que o juiz tenha formado sua convicção acerca dos fatos que envolvem a lide e, assim, possa aplicar o direito ao caso concreto. Entretanto, este fenômeno que leva o julgador da ignorância à certeza se desenvolve, irremediavelmente, nos impenetráveis contornos da alma humana, de forma que se torna extremamente penosa a atividade de impedir a ocorrência de eventuais deformações que possam vir a se transformar em arbítrio.

            Como visto, não raro, o histórico dos fatos, que resulta da apreciação da prova, é deformado por processos psíquicos incondicionados do ser humano, decorrentes, muitas vezes, da formação ideológica ou da inserção social, política e econômica daquele a quem a lei incumbe a tarefa de julgar. E não apenas os fatos. O processo de julgamento dificilmente começa com a premissa da qual a conclusão é subseqüentemente retirada. O ato de julgar, na grande maioria das vezes, começa com uma conclusão – mais ou menos vaga – formada, para que, somente após, se busquem as premissas que a fundamentem. [76]

            Esta situação, embora o desconforto causado na doutrina, [77] foi reconhecida expressamente pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, quando disse que, ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após, cabe recorrer à dogmática para, encontrado o indispensável apoio, formalizá-lo. Tal afirmação, vinda de um integrante da cúpula do Poder Judiciário, só reforça a constatação acera da extrema dificuldade existente na pretensão de exercer um controle objetivo sobre o processo de formação do convencimento judicial, pois não apenas os fatos, como os próprios fundamentos da decisão podem ser deformados pelo juiz, segundo seus critérios de percepção pessoal, o que nos leva até mesmo a questionar se realmente vivemos sob o império das leis e não dos homens...

            3.2 Os sistemas de avaliação da prova

            O presente estudo não tem a pretensão de exaurir o análise da evolução dos sistemas de avaliação da prova até hoje imaginados, contudo, é válida uma brevíssima menção neste sentido com o objetivo de melhor compreender a sua evolução e as expectativas depositadas no sistema que hoje vem obtendo este status de excelência, possibilitando-nos, assim, verificar até que ponto vai esta liberdade que é concedida ao juiz.

            Nas palavras de Danilo Knijnik, a literatura sobre esse fenômeno – "convencimento judicial" ou "convicção judicial" – converge, já em seu ponto de origem, para setores de pensamento relativamente conhecidos. Costuma-se, a respeito, expor os três modelos históricos atinentes à valoração das provas – íntima convicção, prova legal e persuasão racional – destacando-se, em seguida, a excelência deste último, normalmente associado tanto a eminentes valores democráticos, como a legítimas conexões do processo com o ordenamento jurídico-constitucional. [78]

            Primeiramente, concebeu-se o sistema da prova legal, no qual o juiz não realiza qualquer ponderação, não perquire o valor ou a legitimidade da prova, limita-se, tão-somente, a aplicar o que está disposto na lei. Há um prévio "tarifamento" das provas admissíveis, através do qual se lhes atribui um determinado valor, restando ao julgador apenas uma atividade essencialmente aritmética de aferir, no caso concreto, aquilo que se chamou de verdade legal. [79]

            O sistema da livre convicção é a antítese. Nele se confere ao julgador a mais ampla liberdade para colher e apreciar as provas. A verdade é formada exclusivamente na consciência do juiz, com atenção apenas ao seu conhecimento e suas impressões pessoais. Como decorrência, nem mesmo a exposição dos motivos que lhe levaram a decidir desta ou daquela forma pode vir a ser exigida. [80]

            A persuasão racional ou o livre convencimento motivado surge, então, como um sistema misto. [81] A convicção há de ter origem na análise da prova, não de forma arbitrária e sem peias, mas condicionada a regras jurídicas, regras de experiência e regras de lógica, tanto que o juiz deverá, obrigatoriamente, mencionar na sentença os motivos que lhe levaram a decidir desta ou daquela forma. É indiscutível que este sistema concede ao julgador significativa liberdade. Não aquela conferida ao juiz no sistema da livre convicção, mas muito maior do que a concedida no sistema da prova legal. Neste sistema, no entanto, somente se aceitará a convicção alcançada, de forma condicionada (1) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica, (2) às provas destes fatos trazidas aos autos, (3) às regras legais, lógicas e máximas de experiência e (3) à motivação do decisum. [82]

            Deste breve apanhado, concluímos – com Carlos Alberto Alvaro de Oliveira – que a linha mestra de desenvolvimento da relação do juiz com a prova, e principalmente dos poderes deste na sua avaliação, manifesta-se no sentido de libera-lo cada vez mais de cadeias de ordem meramente formal. A tendência hodierna dominante inclina-se decididamente por racionalizar o sistema mediante a prevalência da verdade empírica extraída dos fatos da causa por meio da lógica e de critérios científicos. [83]

            Não há como negar, portanto, que o sistema da persuasão racional veio a alargar os poderes do juiz, se comparado com o sistema da prova legal, conferindo-lhe significativa liberdade tanto na produção, como na avaliação da prova. Contudo, esta liberdade na formação do convencimento não é ilimitada, encontrando na Constituição restrições essencialmente inspiradas em valores de ordem democrática.

            Questiona-se, contudo: estas exigências são suficientes para que se exerça um controle objetivo sobre a formação do convencimento judicial ou a adoção do sistema do livre convencimento motivado abre de vez as porta para o arbítrio judicial?

            Se concluirmos que a apreciação da prova encontra-se irremediavelmente sujeita aos processos psíquicos do ser humano e, da mesma forma, a própria exposição dos motivos de uma decisão pode não corresponder fielmente a um raciocínio desenvolvido pelo juiz, mas preconcebido por ele, será possível estabelecer mecanismos aptos a controlar a formação do convencimento judicial ou tudo o que podemos pretender é reduzir ao máximo as margens para o arbítrio até encontrarmos um ponto, se não ideal, plenamente aceitável?

            3.3 As incursões da doutrina

            Ainda que escassa, é qualificada a doutrina a tratar do problema do controle da formação do convencimento judicial. No que diz respeito aos autores estrangeiros, os estudos mais significativos tendem a enfrentar o problema sob o prisma da argumentação jurídica, tentando verificar a correção dos enunciados que formam uma decisão como forma de legitimar a convicção alcançada. Não há como deixar de atribuir valor às reflexões de Theodor Viehweg (Teoria Tópica), Chäim Pereleman (Nova Retórica), Stephen Toulmin (Teoria da Argumentação) e Robert Alexy (Discurso Racional), às quais cumpre fazer breve referência.

            A Teoria Tópica de Viehweg fornece elementos para a verificação da correção argumentativa, partindo de pontos de vista de aceitação generalizada (sentido comum). Os topos, neste contexto, seriam os fios condutores do pensamento, aptos a permitir a construção de um tecido de silogismos curtos e logicamente dedutíveis, para, a partir deles, estabelecer uma conclusão final. Com o passar do tempo, entretanto, percebeu-se a impossibilidade da simples utilização de métodos dedutivos para aferir a correção da argumentação jurídica, já que a tópica se limita a fornecer uma porção de premissas (tópicos), sem, no entanto, estabelecer qualquer critério de hierarquia entre elas, o que lhes retira, significativamente, sua aplicabilidade para a finalidade pretendida. [84]

            O polonês Chäim Perelman, durante a ocupação nazista, pretendeu estabelecer uma nova teoria da argumentação, partindo da eliminação de todo e qualquer juízo de valor, pois considerava que recairiam fora do campo racional. O que interessa para Perelman é a estrutura da argumentação e a sua lógica, pouco importando os aspectos psicológicos envolvidos. Desta forma, sendo verdadeiras as premissas adotadas, a conclusão, necessariamente, também o será.

            Perelman considera que uma argumentação válida para um auditório particular é apenas persuasiva, enquanto a que for válida para um auditório universal será efetivamente convincente. A argumentação, assim, é vista como um processo destinado à obtenção de um resultado: conseguir a adesão do auditório universal através da linguagem. A nosso ver, a grande dificuldade da teoria de Perelman é que tem como pressuposto para a obtenção de uma conclusão, a aceitabilidade das premissas e, como já ensinava Aristóteles, o papel da lógica formal é fazer com que a conclusão seja solidária com as premissas, mas o da lógica jurídica é mostrar a aceitabilidade das premissas. [85]

            Em contraposição a estas teorias, Stephen Toulmin veio a sustentar que a correção de um argumento não é questão que dependa exclusivamente da forma das premissas adotadas e da sua conclusão, mas, antes de tudo, é questão de procedimento, de forma que a correção de um argumento deve ser aferida de acordo com os critérios estabelecidos. Toulmin, assim, passa a analisar o argumento a partir dos elementos que o compõe, verificando a função e a intensidade de cada um deles, relacionado-os entre si. [86] É importante deixar claro que esta teoria rechaça a tentativa de utilizar para o raciocínio jurídico o esquema exclusivamente silogísitico – como antes era pretendido – sustentando que a argumentação é um fenômeno que depende, essencialmente, da interação humana. Para Toulmin, em síntese, argumentar significa o esforço de dar suporte a uma pretensão através de boas razões. [87]

            Robert Alexy veio a desenvolver uma teoria profundamente influenciada por Jürgen Habermas – porém não destinada somente a distinguir os bons dos maus argumentos, mas promover uma análise intrínseca e estrutural dos argumentos. Esta pode ser caracterizada como uma "teoria do procedimento", pois um enunciado somente pode ser considerado verdadeiro se resultar de um procedimento preestabelecido. Alexy, assim, pretendeu oferecer uma solução para o chamado "dilema de Münchhausen" que surge quando se pretende fundamentar uma proposição por meio de outra proposição e, então, ou se estabelece uma cadeia circular tendente ao infinito, ou, em determinado momento, a fundamentação é substituída por uma decisão arbitrária. A saída oferecida por Alexy é estabelecer exigências para a atividade de fundamentação, isto é, regras de discussão racional cujo cumprimento garanta que o resultado seja também racional. Para os fins a que se propõe o presente estudo, mostra-se desnecessário um maior aprofundamento descritivo acerca da Teoria do Discurso Racional, contudo vale dizer que o fato de um enunciado ser resultado do procedimento determinado não significa, de forma alguma, que ele seja totalmente correto. Por esta razão, ainda que traga importantes elementos, a teoria de Alexy também é insuficiente para estabelecer formas de controle sobre a formação do convencimento judicial.

            Como vimos, nenhuma das teorias da argumentação é suficiente, por si só, para garantir a possibilidade de controlar objetivamente a adequação do convencimento formado. Em uma nova investida, poder-se-ia tentar encontrar solução adequada mediante o retorno à antiga discussão acerca da completude do Direito enquanto sistema, através da análise das reflexões de importantes autores, como Kelsen e Dworkin.

            É certo que não se pode mais conceber o juiz como "a boca da lei", na célebre expressão de Montesquieu, de forma que não há como pretender encontrar na letra dos enunciados legislativos a solução para todo e qualquer litígio. O Direito há de ser visto, essencialmente, como um conjunto harmônico de normas jurídicas, em que as várias significações verbais que as formam fornecem mais do que uma única solução a ser aceita como correta. As normas – já ensinava Kelsen – constituem apenas a moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, [88] de forma que, ao optar entre uma das alternativas oferecidas, o juiz não estaria agindo discricionariamente, mas dentro do âmbito de liberdade que o Direito lhe confere. Entretanto, nem todo o esforço do brilhante professor da Universidade de Viena, em enaltecer a segurança fornecida pelo positivismo, foi suficiente para afastar por completo o risco do arbítrio, pois a aplicação da norma, inevitavelmente, dependerá sempre de um intermediário humano – o juiz – que irá decidir segundo sua compreensão pessoal.

            Outra contribuição para o combate ao arbítrio judicial veio, no final da década de 60, com Ronald Dworkin [89] que, pela primeira vez, rechaçou a discricionariedade judicial como até então vinha sendo aceita pelos positivistas. Dworkin demonstra que o espaço de discricionariedade deixado pelas normas não é tão largo, pois a sua aplicação deve ser pautada por vetores axiológicos previamente estabelecidos, que não se confundem com os próprios valores, mas apresentam-se como elementos estruturantes do sistema jurídico. Pretendeu o jurista densificar o ambiente decisório a partir de princípios, que teriam a missão de restringir a liberdade do juiz no julgamento dos chamados "casos difíceis" e impor determinado sentido para suas decisões, a partir dos valores eleitos pela sociedade.

            Dworkin faz a seguinte analogia para explicar a participação dos princípios na aplicação do Direito: Um sargento recebe uma ordem para eleger, entre seus homens, os cinco mais experientes para a realização de uma tarefa. Não há como negar que o comando confere certa discricionariedade ao militar (tal qual uma norma aberta), entretanto esta liberdade está limitada pelo critério da experiência, o que torna o seu espaço de manobra delimitado e não discricionário. Com isso, Dworkin quer dizer que o juiz deve decidir conforme a direção indicada pelos princípios que o orientem, da mesma forma que se encontra quando deve aplicar uma regra.

            A grande conclusão a que se pode chegar é de que a aplicação do direito não se dará, na grande maioria dos casos, pelo simples enunciar de uma regra ou de uma fórmula jurídica. O evoluir da sociedade moderna reivindica um sistema muito mais dinâmico e atento às peculiaridades do caso concreto, o que se retrata pela cada vez mais freqüente positivação de conceitos jurídicos abertos e indeterminados. Contudo, a aplicação da norma não pode se dar de forma completamente aleatória e, por isso, arbitrária. São os princípios, na condição de balizadores e elementos estruturantes do sistema jurídico, que irão legitimar a aplicação do Direito quando a norma conceder ao seu intérprete maior campo de discricionariedade.

            Parece-nos, todavia, que este ideal de balizar a formação do convencimento judicial, relativo à eleição e aplicação das normas através dos princípios, não encontra adequado paralelo no que diz respeito à apreciação da prova. Merece destaque, neste sentido, a inteligente contribuição de Danilo Knijnik para a criação de standars jurídicos, originários do valor de probabilidade em que se fundam as inferências probatórias e destinados à crítica e ao controle do convencimento judicial, capazes de evitar que a discricionariedade judicial, agudizada neste delicado setor da experiência processual, se viesse a traduzir em arbítrio. [90]

            A reflexão de Knijnik é extremamente consistente e atenta às experiências do direito comparado, de onde importa seus modelos de constatação que, sem dúvida alguma, se mostram aptos a conferir um maior grau de racionalidade para o exame da prova. No entanto, ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, a sua proposta não pretende "engessar" a formação do conhecimento judicial mediante um prévio tarifamento da prova. Sua reflexão, pelo contrário, valoriza outros critérios além da mera quantidade de prova existente, como, por exemplo, a credibilidade da prova (v.g. evidence beyond a reasonable doubt), a sua suficiência (v.g. mínima atividade probatória) ou insuficiência (v.g. défaut de motifs), entre outros.

            Parece-nos, no entanto, que o desenvolvimento destes modelos de constatação não consegue superar a dramática barreira existente nesta seara, qual seja, a limitação do exercício de controle sobre a formação do convencimento judicial por meio do mero juízo de renovação, isto é, a substituição da convicção alcançada pelo juiz, por aquela que será alcançada pelo tribunal (instância superior), através da via recursal. [91]

            Não há como deixar de concluir que, mesmo com a adoção dos modelos de constatação ou standars jurídicos propostos pelo jurista gaúcho, inevitavelmente existirá o risco de que os mesmos venham a ser aplicados de forma equivocada pelo juiz da causa e a correção deste equívoco, necessariamente, dependerá de um novo exame junto à instância superior. Desta forma, salvo melhor juízo, o sistema proposto também não resolve por completo o problema.

            Todas estas considerações nos levam a questionar a utilidade dos mecanismos até hoje propostos pela doutrina como forma de controlar a formação do convencimento judicial. Um aspecto, no entanto, resta induvidoso, o juiz não é uma máquina silogística, nem o processo, como fenômeno cultural, presta-se a soluções de matemática exatidão. Isso vale, é bom ressaltar, não só para o equacionamento das questões fáticas e de direito, como também para a condução do processo e notadamente no recolhimento e valorização do material fático de interesse para a decisão. [92] Resta investigar, então, se dentro do nosso sistema processual – sempre examinado à luz das suas interfaces com a norma constitucional – existem formas de minimizar a subjetividade do julgamento.

            3.4 Elementos para um controle possível

            É inegável que o constitucionalismo moderno – notadamente no que diz respeito às suas irradiações sobre o direito processual ordinário – vem desenvolvendo importantes mecanismos de combate ao arbítrio judicial. A experiência constitucional brasileira vive, neste contexto, um momento especialmente rico, uma vez que a Carta atual veio a ser promulgada em período de significativa transição sócio-político, quando o país deixou para trás um regime ditatorial, dando um importante passo para a constituição de um sistema democrático.

            A Constituição, no entanto, tem sua eficácia condicionada a atos de vontade humana – aquilo que Hesse chamou de "vontade de Constituição" – de forma que a sua simples promulgação não tem o condão de conformar adequada e satisfatoriamente a relação entre o Estado e seus administrados. No entanto, embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar esta ordem. [93]

            Para que se possam visualizar mecanismos de adequada restrição à liberdade judicial, antes de tudo é preciso que exista a disposição de orientar a atuação humana, concedendo máxima efetividade aos comandos emanados da Lei Fundamental. A interpretação de toda e qualquer norma processual há de ser feita a partir da Constituição e do reconhecimento do Direito como um sistema hierarquizado de normas. A interpretação sistemática, neste contexto, é aquela que se realiza em consonância com esta rede hierarquizada, que tem como elemento central a Constituição, permeada por princípios, normas e valores considerados dinamicamente e em conjunto. Assim, ao se aplicar uma norma, está-se aplicando o sistema inteiro. [94]

            Disto decorre a necessária interpretação das normas constitucionais à luz do princípio da máxima efetividade (ou princípio da eficiência ou, ainda, princípio da interpretação efetiva), de forma a lhes atribuir a maior efetividade possível dentro de todas as interpretações que poderiam ser dadas, conforme a lição de Canotilho: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese de actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais). [95]

            A aplicação do Direito é uma atividade humana e, como tal, sujeita aos acertos e desacertos do homem. Não há como fugir dessa realidade. Não há como se pretender atar esta atividade por meio de fórmulas ou mecanismos pré-concebidos, aptos a sempre lhe conferir a exatidão desejada. O que se pode e se deve fazer é examinar os enunciados jurídico-processuais, segundo as normas da Constituição e estas, por sua vez, à luz do princípio da máxima efetividade.

            Deste modo, para que possamos limitar adequadamente a liberdade judicial, há de ser concedida às garantias constitucionais ao devido processo legal e à motivação das decisões judiciais a maior efetividade possível, dentro dos limites estabelecidos pelo nosso ordenamento jurídico-processual. Há mecanismos processuais, pouco utilizados na prática, que podem oferecer aos jurisdicionados a segurança necessária para que a indispensável liberdade concedida aos juízes seja reduzida a patamares plenamente aceitáveis.

            Como vimos no capítulo anterior, a cláusula do due processo of law representa uma importante garantia para, inicialmente, garantir a razoabilidade das leis editadas pelo Estado. No que diz respeito ao controle sobre a atividade judicial, sua importância advém da garantia a que seja obedecido o procedimento previamente estabelecido, como também para assegurar aos litigantes em geral a possibilidade de influenciar efetivamente a formação do convencimento judicial, através do contraditório, destacando que – na esteira de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira - a participação no processo para a formação da decisão constitui, de forma imediata, uma posição subjetiva inerente aos direitos fundamentais, portanto, é ela mesma o exercício de um direito fundamental. [96]

            A Constituição, assim, consagra dois valores essenciais para a existência de um processo justo: previsibilidade e participação. A opção do constituinte, vale dizer, encontra conforto nas precisas palavras de Canotilho: a democratização do exercício do poder através da participação pressupõe que esta participação se traduza, mediante a sua canalização através de "procedimentos justos", numa influência qualitativa no resultado das decisões. [97]

            E como conferir a estes dois valores (previsibilidade e participação) a maior efetividade possível dentro do atual ordenamento jurídico-processual que dispomos, garantindo que o jurisdicionado não fique sujeito ao arbítrio judicial? Tracemos alguns exemplos.

            O processo, como vimos, rege-se pelo princípio da inércia. É o autor que irá impulsionar a atividade judicial com o ajuizamento da demanda, nela fixando o objeto litigioso. Ao réu, por sua vez, através da contestação, caberá dimensionar sua resistência à pretensão deduzida em juízo. Passado este primeiro momento de angularização da relação processual – excetuando-se os casos de ausência dos requisitos necessários ao regular desenvolvimento da lide que importe na extinção do feito sem julgamento de mérito (CPC, art. 267) e as situações em que se mostre necessária a emenda da petição inicial (CPC, art. 284) – incumbirá ao juiz o seu primeiro ato significativo de jurisdição: fixar os pontos controvertidos e indicar as provas a ser produzidas.

            Durante algum tempo, a doutrina divergiu acerca da obrigatoriedade da audiência preliminar, prevista pelo artigo 331 do Código de Processo Civil, a qual o juiz faz uso para tentar conduzir as partes a uma possível conciliação. Não obtendo êxito nesta tentativa – dispõe o parágrafo 2º, acrescentado pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao mencionado artigo 331 – o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas.

            Com a edição da Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, que acrescentou mais um parágrafo (o terceiro) ao artigo 331 do CPC, a discussão acerca da obrigatoriedade da audiência preliminar perdeu sua razão de ser. O referido enunciado autoriza o juiz a examinar a probabilidade de que venha a ser obtida a conciliação, antes de decidir sobre a oportunidade da audiência. Contudo, ainda que não seja obrigatória a tentativa de conciliação e ainda que se esteja a tratar de direitos indisponíveis (os quais não admitem conciliação), parece-nos uma providência extremamente adequada a designação de audiência, senão pela possibilidade da conciliação em si, pela fixação dos pontos controvertidos, pelo exame das questões processuais e pela determinação das provas a serem produzidas. A fixação dos pontos controvertidos é providência de extrema importância para a transparência da atividade judicial, notadamente no que diz respeito aos valores da previsibilidade e da participação, antes destacados.

            Com a fixação dos pontos controvertidos, contrario sensu, o juiz estará identificando aqueles pontos tidos por incontroversos, ou aceites por ambas as partes. O juiz, então, agindo com o ativismo que lhe é hodiernamente exigido, indicará os pontos que, embora não alegados ou concordes, a seu ver se mostre necessária a produção de prova para a solução da lide.

            Desta forma, as partes terão uma espécie de mapeamento inicial sobre os caminhos que irá tomar a formação do convencimento do juiz, identificando, com precisão, aqueles aspectos que serão valorizados pelo juiz para aplicar o Direito ao caso concreto, indicando qual direção o direito subjetivo corre perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição, possibilitando-as assim melhor defender seu direito de influenciar a decisão judicial – nas palavras já lembradas de Alvaro de Oliveira [98] - evitando surpresas na decisão.

            Seguindo ainda a orientação do parágrafo 2º, do artigo 331, do Código de Processo Civil, fixados os pontos controvertidos, o juiz indicará as provas a serem produzidas. A nosso ver, este é o momento adequado não apenas para indicar as provas, como também para distribuir os ônus probatórios. Se o objetivo é garantir às partes previsibilidade e participação, nada mais adequado do que dar à regra processual este alcance.

            O nosso ordenamento jurídico, cada vez mais, vem relativizando a distribuição dos ônus probatórios como, originariamente, é estabelecida pelo código processual, artigo 333 e respectivos incisos. A inversão do ônus da prova é providência altamente salutar para a otimização da instrução probatória e para que esta atinja o seu fim desejado: fornecer a melhor aproximação possível entre a versão que será consagrada pela sentença e aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos.

            A doutrina, no entanto, vem mostrando-se dividida acerca do momento em que deverá ocorrer esta fixação do ônus probatório: se quando do recebimento da inicial, no saneamento do processo ou na sentença de mérito. A solução da questão, a nosso ver, novamente depende da consideração dos valores da previsibilidade e da participação. Se o objetivo do legislador é impedir que ocorram surpresas para as partes quando da prolação da sentença, bem como que as mesmas tenham a garantia de influenciar efetivamente na formação do convencimento judicial, não há como deixar de se filiar à corrente que sustenta ser a fase de saneamento do processo a mais adequada para que haja a fixação do ônus probatório. Neste contexto, o momento ideal será durante a realização da audiência preliminar, seja porque, ao receber a inicial, o juiz ainda não tem condições de identificar a controvérsia que será estabelecida, por desconhecer o conteúdo da contestação do réu; seja porque, na sentença, as partes já não terão mais como produzir qualquer prova para se desincumbir do ônus que lhe for atribuído, o que, vale dizer, viola frontalmente a garantia constitucional ao contraditório. Conforme Marinoni e Arenhart, se a parte tem o direito de adequadamente participar do processo, ela evidentemente não pode ter uma sentença que lhe é contrária formada em virtude da sua inércia, quando originariamente, de acordo com a regra comum do ônus da prova, a prova não seria da sua incumbência. Se a parte tem o direito básico e fundamental de participar do processo, sendo apenas corolário disto o direito à prova, ela tem o direito de produzir a prova que passa a ser da sua incumbência, e influirá na decisão do juiz. [99]

            Uma vez fixados os pontos controvertidos, distribuídos os ônus probatórios e produzidas as provas pelas partes, caberá ao juiz examinar se dispõe de elementos suficientes para solucionar a lide. Existindo alguma questão obscura ou entendendo que seja necessária a produção de novas provas acerca de alguma questão ainda não esclarecida e que considere importante para o julgamento do feito, basta que o juiz defina qual a questão que está a depender de comprovação, através de despacho fundamentado, especificando a quem incumbe o ônus da sua produção. Nas palavras de Cândido Dinamarco, a regra do diálogo, inerente à garantia constitucional do contraditório, em sua feição moderna, integra o chamado ativismo judiciário e exige que o juiz esclareça as partes sobre os rumos da instrução, conclamando-as a complementar as provas, a fim de que o objeto do litígio seja fixado. [100]

            É imperioso considerar, ainda, que tanto a fixação dos pontos controvertidos, como a distribuição do ônus da prova – seja oralmente durante a audiência preliminar, seja através de despacho por escrito – indicará claramente os caminhos pelos quais se formará o convencimento do juiz e, o que também é muito importante, será materializada através de uma decisão interlocutória que, como tal, enseja a interposição de recurso (Agravo de Instrumento). Com isso, se permite que a instância superior exerça um imediato controle sobre os rumos que tomará o processo e que conduzirão à formação do convencimento judicial. Se esta providência não supera, de uma vez por todas, a barreira identificada por Danilo Knijnik, [101] ao menos reduz significativamente a sua dramaticidade, afinal a instância superior estará exercendo controle durante o processo de formação do convencimento, de forma concomitante e não posterior.

            Não há como deixar de concordar que o simples juízo de renovação (substituição da formação do convencimento do juiz pelo convencimento do Tribunal) não satisfaz a necessidade do controle. O aspecto principal desta insatisfação, a nosso ver, é a impossibilidade de que as partes produzam novas provas ou exponham novos argumentos após a formação da convicção do juiz. A providência de expressamente fixar os pontos controvertidos e distribuir os ônus probatórios, durante a audiência preliminar, possibilitando o imediato exame da matéria pela instância superior, via Agravo de Instrumento, reduz significativamente esta dificuldade, permitindo uma interação muito mais abrangente entre as partes e o órgão judicante (juiz e tribunal).

            Este acervo de providências indicadas encontra expressa previsão no Código de Processo Civil e não são mais do que a interpretação da cláusula do devido processo legal, da forma que lhe dá maior efetividade, assegurando que sejam atingidos os fins a ela inerentes, na medida em que, nas palavras de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o diálogo, recomendado pelo método dialético, amplia o quadro de análise, constrange à comparação, atenua o perigo de opiniões preconcebidas e favorece a formação de um juízo mais aberto e ponderado" [102]

            Do mesmo modo, deve ser concedido ao dever de motivação das decisões judiciais, enquanto garantia constitucional, a interpretação mais efetiva possível, conforme a lição de Canotilho antes lembrada. Desta forma, quando a Constituição assegura que serão fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (artigo 93, IX), está a Carta a garantir não apenas o acesso da sociedade a uma "mera motivação", mas a uma motivação adequada e atenta às provas que foram produzidas nos autos. O que se busca é resguardar o valor da transparência do agir estatal, de forma que seja permitido ao povo em geral o exercício de sua soberania.

            A fundamentação das sentenças – ensina Calamandrei – é certamente uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como um esboço topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão. Nesse caso, se a conclusão estiver errada, poder-se-á descobrir facilmente, através da fundamentação, em que etapa do seu caminho o juiz perdeu o rumo. [103]

            Para isso, não pode o juiz ocultar, através de falsos silogismos ou afirmações imprecisas, os motivos que lhe levaram a decidir como decidiu. A sentença deve reproduzir fielmente o raciocínio desenvolvido até que seja alcançada a convicção judicial e, no momento em que este raciocínio se distanciar da prova existente nos autos, apegando-se a elementos externos ao processo (ideológicos, políticos, sociais, econômicos, etc.), estará a decisão incorrendo em violação à Constituição Federal, cuja conseqüência é a nulidade do decisum e cujo exame é legitimado, inclusive, ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102, III, "c" da Constituição).

            Sempre que o itinerário lógico exposto pelo juiz não corresponder ao resultado da atividade das partes e do órgão judicante durante o tramitar do processo, notadamente durante a instrução probatória, e sugerir que a formação do convencimento judicial se deu com base em elementos subjetivos ou estranhos ao processo, o controle poderá ser exercido através dos Embargos de Declaração (CPC, art. 535, II), em razão da omissão dos motivos ou da ausência de correspondência entre estes motivos e os elementos existentes nos autos.

            Desta forma, novamente o controle sobre a formação do convencimento judicial não dependerá, exclusivamente, do mero "juízo de renovação", tendo em vista que os Embargos de Declaração exigem a prolação de uma nova decisão que não substitui a decisão anterior, a qual estaria a incidir no vício da omissão, mas a ela se integra, aperfeiçoando-a; é o que a doutrina convencionou chamar de caráter intregrativo dos Embargos de Declaração.

            É certo, no entanto, que a prática forense nos mostra o grande desconforto dos juízes em acolher embargos declaratórios, para reconhecer o vício de sua própria decisão. O que podemos ver, quase sempre, é a enorme utilização de precedentes, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, que autorizam o juiz a não enfrentar todas as questões postas nos autos e todos os argumentos trazidos pelas partes, mas apenas aqueles que entender necessários para o julgamento da lide. [104] Com isso, o STJ está a excepcionar a regra constitucional de motivação das decisões judiciais, quando assim não o fez o legislador constituinte ou, pelo menos, reduzindo a efetividade de um dispositivo constitucional, quando a lição da melhor doutrina (Canotilho) é exatamente em sentido contrário. O juiz deve, sim, enfrentar todos os argumentos trazidos pelas partes, motivando expressamente suas razões sempre que entender por bem afastar um argumento trazido pelas partes ou desconsiderar um fato sobre o qual exista prova nos autos. Somente assim estará assegurado o direito fundamental da parte à participação no processo e cumprido pelo juiz o seu dever de motivar adequadamente as decisões.


Conclusão:

            O presente ensaio não tem a pretensão de oferecer uma fórmula pronta e suficientemente apta para resolver o problema do arbítrio das decisões judiciais. Os mais céticos certamente dirão que o processo, enquanto fenômeno cultural e atividade humana, não se presta para a busca de soluções de precisão matemática, completamente livres do erro, afinal sempre dependeremos de uma intervenção humana, potencialmente equivocada, para a aplicação do Direito. O que se busca, contudo, é estimular uma reflexão inadiável sobre esta questão que põe em cheque o próprio Estado Democrático de Direito: é possível exercer um controle efetivo sobre a formação do convencimento judicial ou estaremos eternamente sujeitos ao arbítrio daqueles a quem o Estado incumbe a missão de aplicar o Direito? Esta é a pergunta e é ela o que realmente importa, porque as respostas são várias.

            São diversas as formas de conferir aos valores da participação, da previsibilidade e da transparência a maior eficácia possível dentro do nosso ordenamento jurídico; por certo que o presente ensaio não teve a pretensão de esgotá-las, deixando tal tarefa a cargo da criatividade e perspicácia dos operadores do Direito, sempre à luz dos casos concretos com que se deparem. Alguns exemplos foram dados apenas a título ilustrativo, mas o importante é estabelecer um "norte" e a consagrar definitivamente estes valores como metas a serem alcançadas pelo direito processual moderno.

            As conclusões expostas não são mais do que o resultado de alguma reflexão sobre o fenômeno da formação do convencimento judicial. Parafraseando Barbosa Moreira, pode-se dizer que o tópico aflorado é daqueles que exigem do jurista a humildade e a disponibilidade espiritual necessárias para reavaliar atitudes que um longo e arraigado hábito dá a impressão de não comportarem alternativa. [105] Seria pretensioso, portanto, tentar exaurir a sua análise, que extrapola os próprios limites da Ciência do Direito. O que se pretende, ao fim e ao cabo, é simplesmente estimular uma reflexão necessária, contribuindo com uma exposição menos fragmentada e menos distante da prática forense, mas essencialmente aproximada aos valores constitucionais. Naturalmente que, amanhã ou depois, novas idéias hão de surgir para confirmar ou desacreditar por completo as conclusões ora alcançadas, afinal as respostas, além de serem muitas, são inevitavelmente substituídas ante a evolução do conhecimento, o que fica são as perguntas e a nossa disposição para enfrentá-las, pois felizmente a humanidade não se coloca apenas os problemas que é capaz de resolver. [105]


NOTAS

            01 Neste sentido, excelente a contribuição de MAURO CAPPELLETTI em "Repudiating Montesquieu? The expansion and legitimacy of Constitucional Justice". Revista de la Facultad de Derecho de Mexico. Tomo XXXVI. Julio-Diciembre de 1986. p. 35-66.

            02 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina. 1998. p. 1111-1112.

            03 CAPPELLETTI, Mauro. op. cit. p. 39.

            04 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003. p. 35

            05 CAPPELLETTI, Mauro. op. cit. p. 50.

            06 CAPPELLETTI, Mauro. op. cit. p. 51

            07 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 40.

            08 CAPPELLETTI, Mauro. op.cit. p. 60-61: "When we speak of separation of powers, we certainly do not mean separatión in the original french significance; we mean, rather, reciprocal connections and mutual controls".

            09 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. vol. 1. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 7.

            10 Embora não reconheçam expressamente, alguns autores, especialmente na área do Direito Tributário, abordam o fenômeno da incidência da norma na aplicação do Direito ainda sob a perspectiva subsuntivista. Autores, como COING, por exemplo, sustentam que combater este sistema seria o mesmo que arrombar portas abertas.

            11 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. vol. 15, p. 7-20 1998. p. 13.

            12 Quando se refere à concepção moderna, se está falando da percepção acerca da interpenetração entre direito e fato, bem destacada pelo professor Alvaro de Oliveira, de modo que a aplicação do direito deixe de ser feita através de simples e, por vezes, falsos silogismos. A visão atual deste fenômeno propõe que a aplicação do direito seja feita de forma altamente dinâmica, em meio a um constante ir e vir, do fato à norma e da norma ao fato, até que, ao se conformarem, ofereçam a melhor solução ao caso concreto (espiral hermenêutica).

            13 KNIJNIK, Danilo. Os standars do convencimento judicial: paradigmas para o seu possível controle. Revista Forense. vol. 353. p. 19.

            14 TARUFFO, Michelle. Modelli di Prova e di Procedimento Probatório. Rivista di Diritto Procesuale. vol. 45, n 2, p. 420.

            15 Idem. Ibidem. p. 421.

            16 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (coord). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

            17 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 8.

            18 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Traduzido por Lisa Pary Scarpa. 5.ed. Campinas: Bookseller, 2002. p. 82.

            19 Tal questão será melhor abordada no tópico seguinte (1.3).

            20 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 44.

            21 Idem. p. 72.

            22 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 291

            23 Neste sentido, a lição de Gerhard Walter: Para ellos, la convicción no podía ser más que la conciencia de una suma verosimilitud, porque el conocimiento humano no puede ir más allá de la verosimilitud. Pero un concepto de verosimilitud así entendido no excluye la necesidad de formarse una convicción personal acerca de si determinado hecho ocurrió o no, sino que está en franca consonancia con esa necesidad. (WALTER, Gerhard. Libre Apreciación de la Prueba. (Trad.) Tomás Banghaf. Bogotá: Editorial Temis, 1985. p. 151).

            24 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 44.

            25 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 51.

            26 Idem. p. 51.

            27 ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Giudiziaria. 3. ed. vol. II. Torino: Torinense, 1927. p. 506.

            28 No presente estudo, entendeu-se por destacar estas duas teorias em razão de demonstrarem maior consistência aceitação e aplicabilidade. Contudo, ainda existem outra teorias que poderiam receber igual destaque como, por exemplo, a Teoria Consensual que teve entre seus adeptos Jüergen Habermas, para quem a condição para a verdade dos enunciados é o assentimento potencial de todos os demais.

            29 RESCHER, Nicholas. Verdad como Coherencia Ideal. In: NICOLÁS, Juan Antonio. FRÁPOLLI, María José. (org.) Teorías de la Verdad en el Siglo XX. Madrid: Editorial Tecnos, 1997. p. 500.

            30 RESCHER, Nicholas. op. cit. p. 506-507.

            31 A relativização da coisa julgada é um fenômeno que, a nosso ver, decorre da problemática ora abordada. O tema é objeto de profundas discussões acadêmicas e doutrinárias, mas o seu enfrentamento, no presente ensaio, acabaria por estender demasiadamente a abordagem pretendida. Fica, portanto, apenas o registro, como estímulo à reflexão.

            32 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Trad. Lisa Pary Scarpa. 5. ed. Campinas: Bookseller, 2002. p.42.

            33 CARNELUTTI, Francesco. op. cit. p. 35

            34 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os poderes do juiz em face da prova. Revista Forense. Vol. 263. Rio de Janeiro, 1978. p. 40.

            35 CARNELUTTI, Francesco. op. cit. p. 38.

            36 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da Amplitude de Produção Probatória in TUCCI, José Rogério Cruz e (coord). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 175.

            37 A restrição feita pelo CPC é quanto aos fatos relativos a direito indisponíveis (art. 351). Nestes casos, lei veda até mesmo a confissão da parte, impedindo a produção dos efeitos jurídicos pertinentes a tal ato.

            38 ÁVILA, Humberto. Repensando o "princípio da supremacia do interesse público sobre o particular". < www.direitopublico.com.br> Acesso em: 10 de agosto de 2004.

            39 ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da sumpremacia do interesse público sobr o particular. Direito Público www.direitopublico.com.br Acesso em: 10 de agosto de 2004.

            40 Idem, Ibidem.

            41 ÀVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 87 e seguintes.

            42 ÀVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Direito Público < www.direitopublico.com.br> Acesso em: 10 de agosto de 2004.

            43 Daniel Sarmento faz interessante análise sobre esta questão, comparando duas decisões do STF em que o Ministro Sepúlveda Pertence se posicionou de forma diversa, à luz de peculiaridades fáticas, determinando o interesse que deveria prevalecer no caso concreto. (SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003. p. 183/188).

            44 Não há como deixar de referir que o artigo 131 do CPC estabeleceu que o juiz formará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. Este dispositivo, que autoriza o julgador a analisar a prova de fatos não alegados pelas partes, afasta o princípio da disponibilidade, mas sugere um aparente conflito com o artigo 128 do mesmo diploma legal que, por sua vez, claramente limita os poderes do juiz. A faculdade estabelecida pelo citado artigo 131, no entanto, indica tão-somente que a convicção do juiz poderá se fundar em provas que tenham sido determinadas ex oficio, ainda que sobre fatos não invocados pelas partes (cf. Moacyr Amaral Santos, ob. cit. p. 431).

            45 Neste sentido, ver CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. (trad) Ellen Gracie Nortfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998.

            46 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 288.

            47 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 28.

            48 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira de. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 32.

            49 NERY JUNIOR, Nelson. op. cit. 29/30.

            50 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: RT, 1973. p. 26.

            51 Dizia Pontes de Miranda que o mal americano está em que se permite à Suprema Corte ir até a questão política, obrigando os juízes ao criptoconstitucionalismo, ao defrontar de soluções jurídicas deduzidas de textos que não permitem a dedução, para que, com isto, se atenham no terreno da subsunção ordinária do caso ao preceito. No fundo, uma falsificação raciocinante. Ou a Justiça se deve limitar ao seu mister específico (então, aplica a Constituição como aplica outras leis, e, na discordância entre elas, aquela), sem que isto signifique não poder descer à concordância entre os preceitos ordinários e os princípios gerais (demasiado gerais) da Constituição, quando manifestamente apurável a subsunção ou não subsunção daqueles nestes; ou deve ter duas missões – inconfundíveis, porque de métodos ainda hoje diferentes: o simples julgar e a ordenação constitucional. A confusão levou à desordem doutrinária americana, que só a casuística, de si mesmo mutável, consegue praticamente atenuar... A Suprema Corte faz política, crendo julgar; mas deixa de julgar onde caberia julgamento... por lhe parecer de domínio político (Apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Ob. Cit. p. 37).

            52 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ob. Cit. p. 36.

            53 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: Universidade de Brasília, 1980.

            54 LUHMANN, Niklas. op. cit.

            55 Sustenta o brilhante Dinamarco: No cenário das instituições jurídicas do país, o procedimento tem valor de penhor da legalidade no exercício do poder. A lei traça o modelo dos atos do processo, sua seqüência, seu encadeamento, disciplinando com isso o exercício do poder e oferecendo a todos a garantia de que cada procedimento a ser realizado em concreto terá conformidade com o modelo preestabelecido: desvios ou omissões quanto a esse plano de trabalho e participação constituem violações à garantia constitucional do devido processo legal. No Estado de direito, como foi dito, não se concebe como possa o juiz, no exercício da jurisdição, realizar atividades cujo escopo jurídico é a atuação da lei, mas realizá-las com o campo aberto para o arbítrio. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 153.)

            56 LUHMANN, Niklas. op. cit.

            57 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. op. cit. p. 8.

            58 Idem. p. 9.

            59 Idem, ibidem.

            60 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. op. cit. p. 12-13.

            61 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório. In: Novas Tendências do Direito Processual. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990. p. 19.

            62 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. op. cit. p. 15.

            63 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. In: Temas de Direito Processual (Segunda Série). São Paulo: Saraiva, 1980. p. 86.

            64 "as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem a existência legal aos direitos reconhecidos; as disposições assecuratórias são as que, em defesa de direitos, limitam o poder." (República: teoria e prática. p. 124).

            65 A transcrição referida por Barbosa Moreira é Michelle Taruffo.

            66 MOREIRA, José Carlos Barbosa. op. cit., p. 90.

            67 TARUFFO, Michelle. La motivazione della dentenza civile. Padova, 175. p. 409.

            68 MATA-MOUROS, Maria de Fátima. A Fundamentação da Decisão como Discurso Legitimador do Poder Judicial. Comunicação ao Congresso da Justiça em Dezembro de 2003. < www.terravista.pt> Acesso em: 28 de maio de 2004.

            69 Neste sentido, a lição de Michelle Taruffo: " Sul piano della giurisdizione, ciò significa che il provvedimento del giudice non si legittima in quanto esercizio di autorità assoluta, ma in quanto il giudice renda conto del modo in cui esercita il potere che gli è stato delegato dal popolo, che è il primo e vero titolare della sovranità. Donde l’obbligo di giustificare la decisione, che riponde sia alla necessita di dimonstrarne la fondatezza in fatto e in diritto, sia alla necessità di permettere che tale fondatezza sia diskutierbar, cioè sia controllabile dall’esterno in modo difuso. L’esercizio del potore giurisdizionale deve dunque essere "transparente", raciónale e controllabile, al pari dell’esercizio di qualunque potere nell’ambito dello Stato democratico di diritto.

            Tutto ciò porta ad individuare la fondazione essenziale dell’obbligo di motivazione come garanzia costituzionale, che può essere sintetizzata in due elementi. Da um lato, si può dire che vi à valido esercizio della giurisdizione soltanto dove vi è motivazione, ossia che l’amministrazione della giustizia si legittima attraverso la giustificazione e la controllabilità dei provvedimento giurisdizionali.

            Dall’altro lato, la possibilita del controlo esterno e difuso sull’esercizio del potere giurisdizionale si configura come una manifestazione essenziale del principio di partecipazione popolare all’administrazione delle giustizia. Si tratta evidentemente della partecipazione in forma di controllo sull’esercizio del potere delegato al giudice, ma intuisce facilemente che si tratta di uno strumento importantíssimo.

            Attraverso il controllo, ed anzi per effetto della sua stessa possibilita, il popolo si riappropria della sovranità e la esercita direttamente, evitando che il mecanismo della delega del potere si transformi in una espropriazione definitiva della sovranità da parte degli organi che tale potere esercitano in nome del popolo." (TARUFFO, Michelle. Il Significato Constituzionale Dell’ Obligo di Motivazione. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (org.). Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 41-42).

            70 TARUFFO, op. cit., p. 106.

            71 Este título é inspirado subtítulo nº 6 do excelente artigo Os Standars do Convencimento Judicial: paradigmas para um possível controle de Danilo Knijnik, publicado na Revista Forense, v. 353.

            72 NOBILI, Massimo. Il principio del libero convencimento del giudice. Milão: Giuffrè, 1974. p. 6

            73 Apud MATA-MOUROS, Maria de Fátima. A Fundamentação da Decisão como Discurso Legitimador do Poder Judicial. Comunicação ao Congresso da Justiça em Dezembro de 2003. < www.terravista.pt> Acesso em: 28 de maio de 2004.

            74 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di Diritto Processuale Civile. 4. ed. Napoli: Jovene, 1928. p. 664.

            75 Cf. FRANK, Jerome. Law and the modern mind. Glaucester: Peter Smith, 1970. p. 108.

            76 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 254 e SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 121.

            77 KNIJNIK, Danilo. op. cit. p. 15-16.

            78 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 394.

            79 Idem, 1983, p. 396.

            80 Idem, 1983, p. 397.

            81 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 398.

            82 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Problemas atuais da livre apreciação da prova. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. < www6.ufrgs.br/ppgd/doutrina/oliveir3.htm> . Acesso em: 9 de julho de 2004.

            83 ATIENZA, Manoel. As Razões do Direito. Traduzido por Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3.ed. São Paulo: Landy, 2003. p. 45-58.

            84 Idem. p. 59-92.

            85 Toulmin propõe a análise dos argumentos através de quatro elementos básicos: as razões, a pretensão, a garantia e o respaldo. A análise estrutural da proposta, no entanto, dependeria de um aprofundamento excessivo, que não é o objeto do presente estudo, tendo em vista que este modelo, ao final, não se mostra suficiente para resolver a problemática do controle do convencimento judicial. Basta a referência e a contextualização.

            86 ATIENZA, Manoel. As Razões do Direito. Traduzido por Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3.ed. São Paulo: Landy, 2003.p. 93-115.

            87 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2.ed. vol. 2. Coimbra: Arménio Amado, 1962. p. 288.

            88 Os artigos publicados por Dworkin no ano de 1967 podem ser encontrados na obra Taking Rights Seriously, Cambridge: Harvard University Press., 1977.

            89 KNIJNIK, Danilo. Os standars do convencimento judicial: paradigmas para o seu possível controle. Revista Forense. vol. 353. p. 17.

            90 Neste sentido, Vittorio Denti: "a) o si esclude la possibilità stessa di um controllo puramente logico del giudizio di fatto, asserendo che il controllo necessariamente si risolve in uma rinnovazione del giudizio medesimo; b) ovvero si fa ricorso a procedimenti logici più attendibili, muovendo dalla premessa che la razionalità del convincimento del giudice sul fatto è data dal valore di probabilità sul quale si fonda l’inferenza probatória." (Scientificità della prova e libera valuntazione del giudice. In: Rivista di Diritto Procesuale, n. 3, ano 1972, p. 432.)

            91 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 7.

            92 HESSE, Konrad. op. cit. p. 20.

            93 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 60.

            94 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1187.

            95 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de(org). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 10/11.

            96 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 936.

            97 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de(org). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 15.

            98 MARINONI, Luiz Guilherme. et al. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da (org). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 197.

            99 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 249.

            100 Segundo o autor, como vimos pouco acima, ou se estabelecem modelo de constatação para controlar a formação do convencimento judicial, ou se aceita que a única forma de controle seja através do juízo de renovação, isto é, substituir o convencimento do juiz pelo convencimento do Tribunal, através de recurso.

            101 ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Garantia do Contraditório. In: Garantias constitucionais do processo civil. Org: José Rogério Cruz e Tucci, R.T., 1999, p. 139.

            102 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. Traduzido por Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 175.

            103 Neste sentido, exemplificativamente, o julgamento do AGRESP 489.633/RJ; Min. Luiz Fux; 1ª Turma do STJ; DJU 29.IX.2003.

            104 MOREIRA, João Carlos Barbosa. Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1998. vol. 261. p. 19.

            105 GIANNETTI, Eduardo. Felicidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 183.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICININI, Joel. A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 873, 23 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7621. Acesso em: 26 abr. 2024.