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A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial

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23/11/2005 às 00:00
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É possível exercer um controle efetivo sobre a formação do convencimento judicial ou estaremos eternamente sujeitos ao arbítrio daqueles a quem o Estado incumbe a missão de aplicar o Direito?

            "As convicções

            são inimigas mais perigosas

            da verdade que as mentiras."

            (Frederich Nietzsche)


Sumário: Introdução. 1. A Prova e o Processo. 1.1 O conceito de prova. 1.2 A função da prova. 1.3 O objeto da prova. 2. A Prova e a Constituição. 2.1 O devido processo legal. 2.2 O dever de motivação das decisões judiciais. 3. A prova e a formação do convencimento judicial. 3.1 Quão livre é o livre convencimento do juiz. 3.2 Os sistemas de avaliação da prova. 3.3 As incursões da doutrina. 3. 4 Elementos para um controle possível. Conclusão.


INTRODUÇÃO

            No período que sucedeu a Segunda Grande Guerra, pôde ser observado, notadamente na Europa ocidental, uma intensa tentativa de diversos países em estabelecer modelos de sociedades capazes de garantir a manutenção de governos civis e democráticos para os anos que viriam. A dramática experiência então vivenciada pôs fim à aparente segurança proporcionada pelo Estado de Direito, tal como concebido à época, isto é, consubstanciado em um constitucionalismo eminentemente positivista, que desmoronou diante da "legalidade" pós-weimariana do III Reich.

            Primeiramente, então, veio a Áustria em 1945, logo após, o Japão em 1947, a Itália em 1948 e a Alemanha em 1949; países que, emergindo de regimes ditatoriais, trilharam semelhantes caminhos rumo à criação de Constituições que vinculassem e fossem rigorosamente obedecidas por todos os órgãos do Estado. [01] O constitucionalismo passou a compreender uma série de direitos fundamentais que não poderiam ser burlados por eventuais ocupantes do Poder e, o mais importante, passou-se a ver a Constituição, menos como uma carta de aspirações político-filosóficas e mais como instrumento de caráter fundacional e primazia normativa. [02] Neste sentido, a leitura de Mauro Cappelletti:

            (…) they have introduced severe limitations to the amendment process of the Constitution, thus shielding the new basic law from the whims of passing majorities; they have included a bill of rights in the constitution, thus extending the constitution’s protection to the individual in his or her relationship with the governmental power; and, last but not least, they have entrusted the enforcement of the constitution, and its bill of rights, to new or renewed judicial tribunals, endowed with important guarantees of independence vis-à-vis the political branches. [03]

            Vê-se, portanto, que a tendência dos países submetidos à dura experiência dos regimes totalitários, que assistiram perplexos as feições cruéis e desumanas que o direito positivo pode assumir, [04] foi a de estabelecer limites para a atuação de seus governantes. Coube, assim, ao sistema constitucional o papel de servir como escudo em defesa dos direitos fundamentais do indivíduo. Pode-se perceber que, nesta primeira fase, idealizou-se a atividade do Poder Legislativo como forma de exercer controle sobre a atuação do Poder Executivo.

            Entretanto – seguindo com a lição do brilhante Cappelletti – o século que se passou ainda haveria de nos ensinar mais uma lição: a de que a idéia russoniana de infalibilidade da lei parlamentar não passava de outra ilusão, pois o Poder Legislativo, e não apenas o Executivo, também era suscetível ao abuso de poder:

            Our century, however, was to teach us yet another lesson: that the Rousseauinan idea of the infallibility of Parliamentary law is but another ilusion, for even the legislative, not only the administrative branch might abuse its power; that this possibility of legislative abuse has grown tremendously with the historical growth of legislation in the modern state, also, that legislatures might be made subservient to uncontrolled political power, and that legislative and majoritarian tyrannies can be no less oppressive than executive tyranny. [05]

            Surge, assim, um novo momento de inquietação. O modelo de organização social, da forma como concebido, ainda demonstrava-se insuficiente para proteger a sociedade, diante de possíveis arbitrariedades estatais. Foi sob a égide desta insegurança que surgiram os primeiros modelos de jurisdição constitucional. A partir de 1971, com a transformação do Conseil Constitutionnel – criado pela Constituição de Gaulle de 1958 – em um órgão independente, cujo objetivo era o de rever a constitucionalidade da legislação parlamentar, [06] que teve início uma nova fase, na qual o Poder Judiciário passaria a exercer controle sobre a atividade legislativa. Conforme Lênio Streck, a democratização social, fruto das políticas do Walfare State, o advento da democracia no pós-guerra e a redemocratização de países que saíram de regimes autoritários/ditatoriais, trazem à luz Constituições cujo texto positiva direitos fundamentais e sociais. Esse conjunto de fatores redefine a relação entre os Poderes do Estado, passando o Judiciário (ou tribunais constitucionais) a fazer parte da arena política, isto porque o Walfare State lhe facultou o acesso à administração do futuro, e o constitucionalismo moderno, a partir da experiência negativa de legitimação do nazifascismo pela vontade da maioria, confiou à justiça constitucional a guarda da vontade geral, encerrada de modo permanente nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica. [07]

            Em apertada síntese, esta é a descrição de dois momentos da evolução social durante o século XX, em que se percebe, com clareza, a preocupação em fornecer proteção ao indivíduo frente a possíveis arbitrariedades de seus governantes. Em um primeiro momento, como visto, para combater o arbítrio do Poder Executivo, pensou-se na atuação do Poder Legislativo, através da consagração de direitos fundamentais do cidadão; em um segundo momento, identificada também a falibilidade da atuação do Legislativo, surgiram as primeiras formas de jurisdição constitucional. Era o Poder Judiciário passando a controlar a atividade legislativa.

            Esta breve narrativa, no entanto, nos conduz a um inadiável questionamento: se a história recente mostra que a atuação do Poder Executivo, assim como do Poder Legislativo, sempre foi suscetível às arbitrariedades que emanam do poder, o que nos leva a crer que a atividade jurisdicional também não esteja sujeita ao arbítrio?

            O que se está a questionar, portanto, é se a formação da convicção judicial, expressada através das decisões que são proferidas, é passível de controle da forma como concebido o nosso atual sistema constitucional e processual; ou, uma vez prestada a tutela jurisdicional com a prolação de uma decisão – seja ela útil ou não, seja ela adequada ou não, seja ela arbitrária ou não – estará encerrada a atividade jurisdicional e o jurisdicionado terá que se contentar com a prestação que lhe foi fornecida pelo Estado-juiz.

            Assim, partindo de uma visão do princípio constitucional da separação dos poderes como um sistema de conexões recíprocas e controles mútuos, [08] impõe-se sejam revisitados alguns conceitos do direito constitucional, do direito processual, da filosofia do direito e da hermenêutica jurídica, para, com base em nosso atual sistema, estabelecer possíveis formas de impor limites à liberdade da formação do convencimento judicial, já que, na lição do professor Moacyr Amaral Santos, se a verdade pudesse ser resultante das impressões pessoais do julgador, sem atenção aos meios que a apresentam no processo, a Justiça seria o arbítrio e o Direito a manifestação despótica da vontade do encarregado pelo Estado de distribuí-lo. [09]

            O presente trabalho, assim, conforme se pode extrair da lição acima citada, tem como ponto de partida, para reflexão acerca de uma possível tentativa de combate ao arbítrio das decisões judiciais, a obrigatória vinculação do julgador aos meios em que a "verdade" se apresenta no processo e as garantias constitucionais que asseguram ao jurisdicionado o direito de influenciar e controlar a formação do convencimento.


1. A PROVA E O PROCESSO

            1.1 O conceito de prova

            De um modo geral, a doutrina contemporânea vem aceitando o abandono da técnica subsuntivista de aplicação do Direito, na medida em que o completo isolamento entre o enfrentamento das chamadas questões de fato e das questões de direito deflagra a incompatibilidade e a insuficiência teórico-pragmática deste mero juízo de conformidade entre premissa maior e uma premissa menor (silogismo puro) com a cada vez mais veloz evolução da sociedade moderna e a necessidade de uma visão sistêmica do direito. [10]

            Fazendo nossas as palavras do professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, poderíamos dizer que afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a disquisição ou o juízo sobre o fato, como totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exime artificial a distinção entre fato e direito – porque no litígio fato e direito se interpenetram – mas perde força sobretudo no tema ora em exame, em virtude da necessidade do fato na construção do direito e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato. [11]

            Não se pode, então, fechar os olhos para as inevitáveis conseqüências advindas do abandono da simplória técnica da subsunção. A concepção moderna [12] reivindica um redimensionamento do papel do fato na aplicação do Direito, o que traz consigo a necessidade de revitalizar conceitos essencialmente vinculados ao direito probatório, segmento visto outrora com uma função quase extrajurídica, pois no momento em que se pensava a decisão judicial não apenas descrita em termos silogísticos, mas como silogística em essência, não poderia, rigorosamente, falar-se de um direito probatório, para além do procedimento, pois o puro fato ao jurista não poderia interessar. [13] É nesse contexto que se insere a moderna conceituação da prova no processo civil.

            Michelle Taruffo faz importante distinção entre dois modelos fundamentais de prova: a prova como argomento persuasivo, diretto a convicere l’organo che giudica sui fatti dell’opportunità di assumere come attendibile uma certa versione dei fatti relevanti per la decisione; [14] e a prova como strumento dimonstrativo, finalizzato allá conoscenza "scientifica" della verità dei fatti rilevanti per la decisione. [15]

            Desta distinção é possível extrair duas constatações de suma importância para o presente estudo: a primeira que estabelece um modelo de prova diretamente vinculado à participação da parte na atividade jurisdicional, em face à sua garantia de poder influenciar a formação do convencimento judicial; do segundo modelo destacado pode ser identificada a tendência atual de tornar o órgão judicante cada vez mais ativo na busca do esclarecimento necessário acerca dos fatos relevantes à decisão, [16] uma acepção, vale dizer, claramente vinculada à noção de procedimento probatório.

            O importante, no entanto, é enfatizar que o conceito de prova sempre esteve associado, teleologicamente, à idéia de busca da "verdade’ acerca dos fatos que envolvem determinado litígio. Poder-se-ia dizer, como outrora, que provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa. [17] A simplicidade do conceito chega a ser sedutora, mas não atende a pretensão central do presente estudo, que é reduzir ao máximo as margens para a subjetividade pura e simples, evitando eventuais arbitrariedades. Cumpre, assim, um breve retrocesso.

            Ao se produzir determinada prova, o que se pretende é conduzir ao espírito do julgador o conhecimento da "verdade" acerca dos fatos relevantes para a solução de determinado conflito de interesses. Entretanto, isto somente virá a ocorrer se, através de seus próprios sentidos, o juiz puder estabelecer contato entre a sua percepção e o meio através do qual a prova se manifestar. Sendo assim: esse algo que o juiz percebe com os próprios sentidos pode ser o próprio fato que se deve provar ou um fato distinto. [18]

            É desta forma que Carnelutti estabelece a distinção entre aquilo que chama de prova direta e prova indireta: a primeira, aquela que o juiz pode perceber mediante o contato direto entre os seus próprios sentidos e a realidade fática, através, por exemplo, de uma inspeção judicial; a segunda, aquela que não lhe é dado perceber diretamente, em razão de se tratar de fato jurídico transeunte e passado, tendo que chegar ao seu conhecimento através de outro fato, do qual se possa deduzir a ocorrência do primeiro.

            É importante ter em mente que os fatos são acontecimentos que, no instante imediatamente posterior à sua ocorrência, deixam de existir. O que resta são apenas dados, comprovações, registros desta sua ocorrência, que irão formar, na grande maioria das vezes, toda a prova possível de ser produzida, ou seja, aquilo que chega ao conhecimento do juiz não é o fato em si, mas um registro do seu acontecimento, que se apresenta – quase sempre – contaminado por deformações oriundas dos sentidos, dos valores e de processos psíquicos daqueles que com ele têm contato. [19]

            Esta perspectiva de busca pela chamada verdade substancial ou genuína perdurou até meados do século XVIII, quando surgiu um novo paradigma sob a influência das idéias iluministas. Desde então, houve uma alteração de foco, de forma que a relevância passou do objeto do conhecimento (paradigma do objeto) para o sujeito cognoscente (paradigma do sujeito), desde então, passou-se a entender que os objetos só existem porque o sujeito pode conhece-los. Esta nova perspectiva fez Carnelutti declarar: a minha estrada, começada com atribuir ao processo a busca pela verdade, conduziu à substituição da verdade pela certeza. [20]

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            É importante tentar distinguir, neste contexto, o que é uma verdade e o que é uma certeza. Pode-se dizer, num plano exclusivamente teórico e com relativa precisão, que a verdade é a conformidade (correspondência) entre noção idealizada pelo juiz e aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos; a certeza, por sua vez, é o estado que toma conta do espírito do julgador, quando este acredita estar de posse da verdade.

            A alteração de paradigma proclamada por Carnelutti decorreu da constatação de que o conhecimento da verdade genuína é tarefa inalcançável para o conhecimento humano. Contudo, parece-nos que a solução indicada é insatisfatória, pois no momento em que se conclui que a verdade genuína não está ao alcance do conhecimento humano, não há como se aceitar que qualquer sujeito afirme estar de sua posse (certeza). Nas palavras de Marinoni e Arenhart, a verdade, enquanto essência de um objeto, jamais pode ser atingida se este objeto está no passado, porque não se pode mais recuperar o que já passou; de outra banda, também a idéia de certeza somente pode ser concebida no nível subjetivo específico, sendo que este conceito pode variar de pessoa para pessoa – o que demonstra a relatividade desta noção. [21]

            A prova não oferece ao juiz o conhecimento da verdade e, tampouco, a posse da certeza, mas tão somente lhe fornece subsídios para identificar qual a versão sobre os fatos que mais provavelmente corresponde àquilo que efetivamente ocorreu. Cândido Dinamarco, então, conclui que em todos os campos do exercício do poder (...) a exigência da certeza é somente uma ilusão, talvez uma generosa quimera. Aquilo que muitas vezes os juristas se acostumaram a interpretar como exigência de certeza para as decisões nunca passa de mera probabilidade, variando somente o grau da probabilidade exigida, inversamente os limites toleráveis dos riscos. [22]

            A apreciação da prova, na tarefa de estabelecer o suporte fático de uma decisão judicial, é a forma pela qual se permite ao juiz aferir a verossimilhança das alegações trazidas pelas partes, de forma que lhe seja possível realizar um juízo de probabilidade acerca da correspondência entre estas alegações e aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos. No entanto, desde já é importante perceber que, em termos jurídico-processuais, um alto grau de verossimilhança tem o valor de verdade. Afinal, é isto que pode ser exigido da prova. [23]

            Como visto, o conhecimento humano não nos permite ir além deste juízo de verossimilhança, calcado na probabilidade sobre a efetiva ocorrência dos fatos afirmados. Esta verossimilhança se forma a partir da noção de experiência, isto é, o juiz irá aferir a ilação lógica entre aquilo que é alegado e aquilo que normalmente acontece, avaliando se os elementos trazidos pelas partes permitem ao homem médio acreditar na ocorrência do fato. A verdade aceita pelo julgador, no momento da formação do seu convencimento, será aquela que mais provavelmente corresponda aos acontecimentos do mundo dos fatos. Não se pode exigir do conhecimento humano mais do que isto, pois mesmo as provas não têm a aptidão para conduzir seguramente à verdade sobre o fato ocorrido. [24]

            Parece-nos, então, que a melhor solução para o dilema, a atender as necessidades do processo civil moderno, pode ser extraída da lição de Jürgen Habermas, para quem a "verdade" não se descobre, mas se constrói através da argumentação. A verdade sobre um fato é um conceito dialético, construído com base na argumentação desenvolvida pelos sujeitos do processo. [25] A perspectiva atual da verdade, não encontra-se mais no objeto, nem mesmo no sujeito, mas naquilo que os sujeitos produzem a partir de certos elementos comuns (linguagem). Agora, o sujeito deve interagir com os demais sujeitos, a fim de atingir um consenso sobre o que possa significar conhecer o objeto e dominar o objeto; não é mais a subjetividade que importa, mas sim a intersubjetividade. [26]

            A adoção da teoria desenvolvida por Habermas, nos conduz a uma visualização do processo civil moderno intensificando a participação dialética das partes na busca pelo consenso, pois segundo a lição do professor da Escola de Frankfurt, a verdade é algo necessariamente provisório, apenas prevalecendo enquanto se verificar o consenso.

            De acordo com as premissas estabelecidas, torna-se claro que – em sua concepção moderna, isto é, frente à aceitação das limitações inerentes à ciência processual e ao próprio conhecimento humano – a prova é todo o meio, desenvolvido dentro dos parâmetros do Direito, capaz de oferecer ao juiz subsídios probabilísticos suficientes para justificar racionalmente a sua decisão, de modo a gerar sua aceitação lógica pelas partes.

            Desta tentativa de conceituação podemos visualizar diversos elementos que ganham especial relevo na busca por um efetivo exercício de controle sobre a formação do convencimento judicial, pois se entendermos a verdade como um conceito dialético, não há como deixarmos de oferecer ao instituto do contraditório uma visão renovada, capaz de lhe oferecer máxima amplitude; da mesma forma, entendendo a prova como instrumento apto a oferecer elementos para que o juiz justifique racionalmente sua decisão, necessariamente teremos que oferecer à garantia de motivação das decisões judiciais um espectro de abrangência ainda mais amplo.

            1.2 A função da prova

            Identificados estes elementos essenciais que devem compor qualquer tentativa de conceituação da prova dentro do processo civil moderno, demonstrando a sujeição do resultado da atividade probatória a um certo grau de incerteza, voltemos a analisar a razão pela qual o ideal de verdade – concebido puramente como a correspondência entre a noção idealizada e a realidade – deve ser dissociado da definição de prova, se o objetivo é minimizar as subjetividades na aplicação do Direito.

            Durante o século XX, inúmeros foram os estudiosos a se debruçar sobre o estudo das chamadas Teorias da Verdade. Pode-se dizer que a teoria que obteve maior prestígio e aceitação é a chamada Teoria da Correspondência. Para seus adeptos, grosso modo, uma determinada afirmação será verdadeira quando ela estiver de acordo (corresponder) à realidade ocorrida no mundo dos fatos.

            Trazendo tal discussão para o âmbito do presente estudo, uma vez aceita a afirmação de que a prova é suficiente para alcançar ao julgador a "verdade" sobre os fatos, ela deve ser capaz de alcançar ao julgador a certeza, absolutamente indene de dúvidas, acerca da correspondência entre a noção por idealizada e a realidade ocorrida.

            Ocorre que sempre que uma determinada versão sobre um acontecimento é idealizada, ela sofre uma série de deformações – muitas vezes incondicionadas – que a afastam significativamente daquilo que poderia corresponder à realidade. Explica-se: quando, por exemplo, uma testemunha vai a juízo depor sobre um determinado fato, este fato será relatado segundo os seus critérios pessoais de percepção, os quais, inevitavelmente, estarão contaminados por uma gama enorme de valores, conceitos e sentidos por ela armazenados ao longo da vida, o que certamente deformará o seu conteúdo. Nas palavras de Enrico Altavilla, a realidade tem sempre, portanto, um valor subjetivo, e por conseguinte, relativo, porque é uma projecção do mundo exterior que chega ao nosso eu, deformado por nossos sentidos e por todos os processos psíquicos. [27]

            Para Marinoni e Arenhart, a reconstrução de um fato ocorrido no passado sempre vem influenciada por aspectos subjetivos das pessoas que assistiram ao mesmo, ou ainda do juiz, que há de valorar a evidência concreta. Sempre há uma interpretação formulada sobre tal fato – ou sobre a prova direta dele derivada – que altera o seu real conteúdo, acrescentando-lhe um toque pessoal que distorce a realidade. Mais do que isso, o julgador (ou o historiador, ou, enfim, quem quer que deva tentar reconstruir fatos do passado) jamais poderá excluir, terminantemente, a possibilidade de que as coisas possam ter-se passado de outra forma.

            Se aceitássemos que a prova se presta para alcançar ao julgador a verdade acerca dos fatos ocorridos, não há como se escapar da conclusão de que a teoria da correspondência é insuficiente para identificar a sua função dentro do processo civil, pois a verdade não poderá ser alcançada tão-somente quando for possível comprovar esta correspondência entre a versão idealizada e a realidade, já que esta quase sempre sofrerá deformações diante dos processos psíquicos do ser humano.

            Muito embora, em termos filosóficos, a teoria da correspondência disponha de grande aceitação e seja aquela que melhor define o que é a verdade; em termos jurídico-processuais, a chamada Teoria da Coerência poderia gozar de maior aplicabilidade, por fornecer maiores subsídios para a aferição da verdade, dado seu caráter nitidamente procedimental. [28] Quer-se dizer: em termos conceituais, a definição de verdade se mostra mais consistente à luz da teoria da correspondência, mas em termos práticos – diante da necessidade de traze-la para dentro do processo mediante a análise da prova, a qual, por sua vez, será sempre suscetível a deformações – é necessário que se identifique a "verdade" através de um juízo de verossimilhança, conforme antes enfatizado, e, neste sentido, a teoria da coerência nos fornece maiores elementos. Pouco adiantaria aceitar que a verdade se alcança através da correspondência entre uma idealização e a realidade, se, processualmente, não dispomos de critérios objetivos para estabelecer em que situações seria possível aferir esta correspondência.

            Segundo os adeptos da Teoria da Coerência, a verdade poderia ser alcançada através da idealização de uma versão em que os enunciados que a formam não apresentem contradições entre si. O caráter procedimental desta teoria, evidentemente, fornece maiores subsídios para o exercício de um controle objetivo sobre a correção das premissas fáticas que sustentam uma determinada decisão judicial, partindo da identificação de eventuais contradições, isto é, a "verdade" poderia ser alcançada sempre que uma determinada versão não apresentar qualquer ponto de colisão (contradição) entre seus enunciados.

            No entanto, mesmo para respeitados coerencialistas, esta teoria também não é suficiente para que a realidade (verdade ontológica ou genuína) seja recomposta; sua eleição deriva da condição de ser a teoria que torna viável a melhor aproximação possível com a realidade, o que encontra perfeita consonância com o conceito moderno de prova, destacado no tópico anterior.

            À luz da Teoria da Coerência, para que a verdade pudesse ser alcançada, seria necessária a aferição simultânea de uma coerência ótima com uma base de dados perfeita, [29] o que, trazendo para a realidade do processo civil moderno, enquanto fenômeno cultural e atividade humana, é inalcançável. Contudo, a análise de uma versão idealizada, mediante a tentativa de identificação de pontos contraditórios entre seus enunciados, pode trazer maior proveito quando a intenção é exercer controle sobre a correção das premissas adotadas pela sentença.

            Nicholas Rescher, [30] em artigo intitulado Verdad como Coherencia Ideal, chega à frustrante – mas inafastável – conclusão de que, mesmo à luz da Teoria da Coerência, o conhecimento humano não é capaz de garantir algo mais do que a melhor aproximação possível entre uma idealização e a realidade:

            Dado que "la verdad genuina" sólo está garantizada por la coherencia ideal (esto es, por la coherencia óptima con una base de datos perfecta que no poseemos, y no con aquella otra algo menos que óptima a la que efectivamente podemos acceder), no tenemos seguridad incondicional acerca de la corrección efectiva de nuestras investigaciones, guiadas por el objetivo de la coherencia; tampoco tenemos una garantía sin reservas de que esas investigaciones nos proporcionen "la verdad genuina" que perseguimos cuando nos ocupamos de investigaciones empíricas. (...)

            Nuestro "conocimiento" en tales casos no es más que nuestra mejor aproximación a la verdad de las cosas. Ya que no podemos ocupar el punto de vista del ojo de Dios, sólo tenemos acceso a los hechos del mundo a través de una investigación (potencialmente errada) de la realidad. (...)

            En la vida real, siempre por debajo de lo ideal, la verdad supuesta queda ciertamente separada de la verdad indubitable por una brecha evidencial. Pero, dada una criteriología adecuada de la verdad, esta brecha se cierra en circunstancias ideales. El requisito de continuidad refleja el hecho de que la investigación persigue la verdad, el que la empresa científica tiene como objetivo y aspiración final alcanzar la verdad genuina.

            El hecho de que lo que consigamos en nuestra práctica del coherentismo científico no sea verdad genuina, sino únicamente nuestra mejor aproximación a ella, refleja la circunstancia de que debemos afanarnos en la búsqueda del conocimiento rodeados de las ásperas realidades y complejidades de un mundo imperfecto. Hemos de ser conscientes siempre de la brecha entre lo real y lo ideal; también cuando debatimos la verdad de nuestras tesis científicas.

            O que é importante destacar é que o conhecimento humano tem seus limites e que dele não se pode exigir que seja capaz de recompor a verdade genuína (ontológica ou substancial), mediante a análise dos fatos probatórios que lhe são perceptíveis, já que se apresentam deformados pelos processos psíquicos daqueles que com ele têm contato, neste rol se incluindo o próprio julgador. Dentro do processo civil moderno, a função da prova é levar ao conhecimento do juiz subsídios suficientes para que a formação do convencimento judicial acerca das premissas que irão formar o suporte fático do decisum alcance a melhor aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo dos fatos, fornecendo às partes subsídios que delimitem a atividade dialética.

            Esta melhor aproximação possível é a única "verdade" ao alcance do conhecimento humano, razão pela qual não há que se falar em coexistência de duas verdades – conforme comumente se usa: verdade material e verdade processual – o que existe é uma única verdade, a que está ao alcance do nosso conhecimento. A verdade genuína ou ontológica não passa de mera idealização, que poderá ser sempre deformada pelos processos psíquicos do ser humano. Esta idealização, no entanto, não é sensível ou inteligível, o que a afasta por completo do mundo jurídico.

            A aplicação do direito não pode ficar eternamente sujeita a busca de uma "verdade" que se mostra inalcançável ao conhecimento humano. A verdade (mundo redondo) de hoje, não é a verdade (mundo plano) de ontem, razão pela qual toda e qualquer decisão judicial deve estar conformada com o nível de desenvolvimento do conhecimento de seu tempo, relativizando-se ante a evolução do saber. [31]

            Em suma, a prova não conduz o julgador ao conhecimento da verdade, vez que objetivo inalcançável; a sua função, dentro do processo civil moderno, é formar o convencimento daquele a quem incumbe a aplicação do direito, assegurando-lhe estar de posse do conhecimento dos fatos jurídicos valorizados pelas normas, a ponto de que atinja a melhor aproximação possível com aquilo que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos.

            1.3 O objeto da prova

            O processo civil se pauta pelo chamado princípio da inércia, segundo o qual, para que seja lícito ao Estado intervir nas relações entre particulares, é necessário que haja um impulso daquele que pretende a prestação da tutela jurisdicional. Este impulso se dá através do exercício do direito público subjetivo de ação, que se manifesta através do ajuizamento de uma determinada demanda, em que, conforme exige o Código de Processo Civil (art. 282, III), incumbe ao autor indicar os fatos e os fundamentos do seu pedido. Proposta a demanda, então, o réu será ouvido para manifestar-se acerca de todos os fatos narrados pelo autor, presumindo-se verdadeiros aqueles não impugnados (CPC, art. 302).

            Dispõe a lei processual (CPC, art. 333), que ao autor incumbe o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito (inciso I); ao réu, os impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado pelo autor (inciso II). Esta, em um primeiro momento, é a regra geral de distribuição do ônus da prova estabelecida pelo ordenamento jurídico-processual, regra esta que comporta cada vez mais relativizações, ante as peculiaridades da relação jurídica sub judice.

            Poder-se-ia dizer, então, que a prova se debruçará sobre os fatos alegados por uma parte e impugnados pela outra ou, na terminologia de Carnelutti, que são os chamados fatos controvertidos, que constituem a regra em matéria de prova. [32]

            É bem verdade que a lei prevê a possibilidade de que venha a ser exigida a prova do direito invocado, quando singular, estrangeiro, estadual, municipal ou consuetudinário. Trata-se, no entanto, de hipótese extremamente rara, razão pela qual é feito apenas este registro, já que, repita-se, são os fatos controvertidos que constituem a regra em matéria de prova, regra esta, no entanto, também sujeita a relativizações.

            Durante significativo período de tempo, sustentava a doutrina, com base no princípio do ne procedat iudex ex officio e ne eat iudex ultra petita partium, que determinado fato só viria a compor o suporte fático da sentença, se alegado por pelo menos uma das partes (necessidade da afirmação unilateral), e necessariamente iria compô-lo se alegado por ambas as partes (suficiência da afirmação bilateral), independentemente da sua comprovação. Neste sentido, referia Carnelutti que a afirmação unilateral (discorde) de um fato é condição necessária para a sua posição na sentença; a afirmação bilateral (concorde) é por fim condição suficiente. (...) as partes podem, bem calando um fato real ou bem afirmando acordes um fato imaginário, obrigar o juiz a pôr na sentença uma situação de fato diferente da realidade. [33]

            Foi a partir de tais conclusões que se estabeleceu o chamado princípio da disponibilidade, já que as partes, desde que concordes, poderiam afastar um determinado fato da apreciação (valoração jurídica) do Estado-juiz, se silenciassem sobre a sua ocorrência; ou incluí-lo nas razões de decidir, por mais absurdo que se evidenciasse, sempre que concordes acerca da sua ocorrência.

            Esta aptidão dispositiva que se concedia às partes, frente ao processo civil, teve origem no pensamento liberal que prevaleceu em meio ao século XIX, notadamente no período que sucedeu a Revolução Francesa, cuja máxima do lassaiz-faire, lessaiz-passer foi levada às últimas conseqüências. Emprestava-se ao processo civil a função de servir de mero instrumento de atuação dos interesses particulares dos litigantes, que, por isso, o dominavam inteiramente. [34]

            Carnelutti, no entanto, à época, já chamava atenção para uma necessária relativização deste princípio processual, naqueles casos em que visualizável a preponderância do interesse público. Para isso, ressaltava que a disponibilidade dos fatos pelas partes era muito mais uma diretiva de conveniência do processo do que um princípio propriamente dito. [35]

            Com o passar do tempo, o Estado abandonou esta função de mero garantidor dos interesses individuais e foi se posicionando de forma cada vez mais ativa no cumprimento de sua missão constitucional de prestar a jurisdição. Hoje, ante a visão cada vez mais publicista do processo civil moderno, não mais se pode conceber um juiz inerte em sua atividade, aguardando que o conhecimento dos fatos lhe seja alcançado pelas partes.

            O artigo 130 do nosso atual Código de Processo Civil marcou importante passo neste sentido, concedendo ao juiz o poder/dever de determinar a produção de todas as provas que entender necessárias à instrução do processo, o que afastou por completo as margens para o non liquet. A lei processual, assim, estabeleceu um verdadeiro ônus para o julgador, ao lhe impor a tarefa de conduzir ativamente a instrução probatória, independentemente da iniciativa das partes, certamente comungando da visão de que o processo não é um jogo em que o mais capaz sai vencedor, mas instrumento de justiça, com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito. [36]

            No entanto, mesmo após a introdução do artigo 130 no Código de Processo Civil, manteve-se a disposição prevista no artigo 334, inciso III, da lei processual, onde está determinado que não dependem de prova os fatos alegados por uma parte e confessados pela parte contrária. Ou seja, da mesma forma como o CPC estabelece que ao juiz incumbe determinar a produção de todos os meios de prova que entender necessários para a melhor apreciação do litígio, a mesma lei estabelece que não dependem de prova os fatos sobre os quais não paire o requisito da controvérsia. E mais, o também referido artigo 302 do CPC estabelece presunção de veracidade para todos os fatos alegados por uma parte e não contestados pela outra.

            Percebe-se, assim, que o nosso atual diploma processual estabelece duas diretivas que, num primeiro momento, podem parecer antagônicas, na medida em que concede ao Estado-juiz o ônus de conduzir e, até mesmo, impulsionar a atividade probatória (artigo 130), mas, por outro lado, tende a amparar a disponibilidade sobre os fatos que irão formar o suporte sentencial (artigos 302 e 334, III). [37]

            Da análise sistemática dos referidos enunciados, poder-se-ia concluir que apenas em relação aos fatos controvertidos é que estaria o juiz autorizado a determinar a produção de provas, mesmo quando não requeridas pelas partes. Entretanto, o que se denota é um flagrante conflito de interesses a merecer ponderação: de um lado o interesse público que, na tarefa de pacificar as relações sociais, mediante a justa composição das lides, assim não poderia entende-la, sempre que o suporte fático da decisão proferida não corresponda à melhor aproximação possível com os fatos efetivamente ocorridos; de outro, o interesse privado das partes que submetem seu litígio à apreciação judicial, as quais, inicialmente, poderiam vir a dispor dos fatos que o envolvem.

            Toda colisão de interesses desta natureza (público versus privado) acaba por sugerir a simplória aplicação do chamado "princípio" da supremacia do interesse público. Entretanto, a adoção deste verdadeiro axioma como princípio norteador (ou norma-princípio) para a solução de tensões entre interesses conflitantes, vem sendo cada vez mais questionada, especialmente pela doutrina germânica e, entre nós, brilhantemente pelo professor Humberto Ávila. [38] Sem a intenção de aprofundar o enfrentamento desta questão, para o presente estudo é importante destacar a indissociabilidade entre estes interesses identificada pelo jurista gaúcho, no sentido de que o interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado.(...) Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma "conexão estrutural".

            O chamado "princípio" da supremacia do interesse público não pode ser adotado como forma de direcionar a ponderação dialética sempre em favor do interesse público, já que, ao contrário dos princípios efetivamente albergados pelo nosso ordenamento jurídico, este não deriva do exame conjunto dos dispositivos legais existentes, mas, pelo contrário, colide com a análise sincrônica do Direito, exigida pela unidade da Constituição ou do sistema jurídico. [39] E mais, se fosse possível a dedução de uma norma-princípio de prevalência, seria possível a dedução de uma norma-princípio antinômica à debatida, assecuratória dos interesses privados garantidos aqui-e-acolá na Constituição. [40]

            Desta forma, a maneira de ponderar o conflito de interesses surgido por força da dicção dos mencionados dispositivos processuais que, ora parecem trilhar para o completo abandono do princípio da disponibilidade, ora parecem fortalece-lo em meio à nossa legislação processual, há de ser feita apenas à luz do caso concreto e em consonância com os postulados normativos [41] da proporcionalidade e da razoabilidade.

            A colisão dos mencionados interesses, público e privado, ao invés de ser enfrentada mediante a simples aplicação de um "princípio" de supremacia, deve estar consubstanciada no postulado da unidade da reciprocidade de interesses, direcionando-se para a máxima realização dos interesses envolvidos. A solução desta colisão não pode ser pretendida de forma estável e absoluta, mas móvel e contextual. [42]

            Verifica-se, assim, que não existe uma supremacia preestabelecida em favor do interesse público em questão. O interesse que irá se sobrepor somente poderá ser identificado à vista do caso concreto e dos postulados antes referidos. [43]

            Pode-se concluir, portanto, que a ausência de controvérsia a respeito de um determinado fato que envolve a lide gera, em um primeiro momento, a sua presunção de veracidade. No entanto, diante do caso concreto, ou seja, identificada a (eventual) supremacia do interesse público sobre o interesse privado das partes – supremacia esta que deverá ser motivada pelo juiz, já que, como visto, não pode ser vista como resultante da simples aplicação de um princípio norteador do direito – tal presunção poderá vir a sucumbir diante da produção de provas em sentido contrário.

            O juiz é livre para conduzir a atividade probatória, mas, evidentemente, devendo submissão às garantias constitucionais asseguradas às partes, questão esta que será melhor abordada no próximo capítulo. Contudo, neste momento, é importante ficar claro que a atividade dos litigantes não pode ser um limitador para o fim último da instrução probatória que – ao menos de forma idealizada – é a busca pela "verdade".

            Os limites do julgador, desta forma, são apenas aqueles estabelecidos no artigo 460 do Código de Processo Civil, isto é, não poderá proferir sentença de natureza diversa do pedido, condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Entretanto, estando adstrito aos limites da causa, deverá conduzir ativamente o processo – notadamente a instrução probatória – podendo determinar a produção de provas, mesmo quando dirigidas à comprovação de fatos incontroversos, mas desde que identificada a preponderância do interesse público; [44] caso contrário, há que prevalecer a suficiência da afirmação bilateral e a presunção estabelecida pela lei processual (art. 302).

            Tal constatação decorre da perspectiva atual de publicização do processo civil, essencialmente ligada à dimensão contemporânea da garantia constitucional do acesso à justiça, [45] que traz como conseqüência o alargamento dos poderes do juiz, notadamente na condução da instrução probatória. Conforme Dinamarco, a escalada inquisitiva, no processo civil moderno, corresponde à crescente assunção de tarefas do Estado contemporâneo, o qual repudia a teoria dos "fins limitados". É claro que essa tendência publicista não poderia chegar ao ponto de autorizar o exercício espontâneo da jurisdição, nem de substituir as iniciativas instrutórias das partes pelas do juiz; mas, para a efetividade jurídica, social e política do processo, algumas mitigações a esse imobilismo do agente jurisdicional vão sendo estabelecidas. [46]

            Ponderações hão de ser feitas à luz do caso concreto, como antes demonstrado, mas a perspectiva atual de publicização do processo civil e, por decorrência, o alargamento do ativismo judicial nos conduz à conclusão de que, cada vez mais, é permitida a investigação pelo juiz sobre todos os fatos que julgue necessários para a melhor solução da lide.

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Sobre o autor
Joel Picinini

advogado em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICININI, Joel. A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 873, 23 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7621. Acesso em: 24 abr. 2024.

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