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A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial

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23/11/2005 às 00:00
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2 A PROVA E A CONSTITUIÇÃO

            2.1 O devido processo legal

            Não seria exagero dizer que o todo o direito processual ordinário, não é mais do que a concretização – no plano infraconstitucional – do princípio constitucional do devido processo legal. É ele o princípio processual fundamental sobre o qual todos os outros se sustentam. [47]

            Embora sua presença estivesse presente nas raízes dos sistemas constitucionais anteriores, foi apenas com a promulgação da Constituição de 1988 que o ordenamento jurídico pátrio passou a dispor de norma expressa a albergar a garantia ao devido processo legal no âmbito constitucional. Não se trata, todavia, de inovação do constituinte brasileiro. O due process of law, desde o século XIV, encontra previsão no direito anglo-saxão, sendo que, inicialmente, limitava-se à garantia processual e, com o passar do tempo, transformou-se em garantia do próprio direito, com o mais amplo espectro de conteúdo e alcance.

            Para os fins a que se propõe o presente estudo, é válida uma brevíssima retrospectiva histórica a fim de possibilitar a melhor compreensão da extensão deste fenômeno, já que, nas palavras de Siqueira Castro, o devido processo legal, ao lado do princípio da isonomia, representou o principal instrumento de argumentação de que lançou mão a doutrina e a jurisprudência no vibrante processo de transformação do Direito Constitucional nos Estados Unidos da América. [48]

            A cláusula do devido processo legal teve sua origem na expressão law of the land, que surgiu pela primeira vez, entre os britânicos, no ano de 1215, com a Magna Charta Libertatum de João Sem Terra. A expressão due process of law somente veio a ser expressamente utilizada, no ano de 1354, pelo Estatuto de Eduardo III, denominado de Statute of Westminster of the Liberties of London, que embora fosse um instrumento de acentuado e deliberado reacionarismo, continha exemplos de institutos originais e eficazes do ponto de vista jurídico que até hoje provoca a admiração dos estudiosos do Direito Constitucional. [49]

            Posteriormente, já fortemente influenciada pela interpretação extensiva que lhe vinha sendo dada, especialmente por Coke e Blackstone, a cláusula chega às colônias da América do Norte não só como garantia de legalidade, mas ainda como garantia de justiça, vinculante para todos os poderes do Estado. [50] Inaugura-se, assim, o período de maior interesse para a compreensão da evolução e da abrangência do instituto.

            Até o final do século XIX, predominava a perspectiva do devido processo legal como mero instrumento de garantia à regularidade do processo. Através dele estavam assegurados o direito à ampla defesa, ao contraditório, à produção de provas, etc; ou seja, questões de natureza eminentemente processuais. A doutrina convencionou denominar esta fase de procedural due process of law.

            A partir de então, isto é, término do século XIX e início do século XX, os Estados Unidos passaram a vivenciar sua fase de hipervalorização dos ideais do liberalismo econômico. A Suprema Corte norte-americana, contaminada pelo espírito do lassaiz-faire, passou a empregar uma interpretação extremamente extensiva à cláusula, através da qual se auto-legitimava a interferir na atuação legislativa para declarar a inconstitucionalidade das normas que considerasse atentatórias aos princípios liberais, notadamente o direito de propriedade.

            Foi, então, no período que sucedeu a grande depressão de 1929 que, em meio à política intervencionista de Roosevelt, veio a ser estabelecida uma terceira perspectiva, em que passou a ser duramente questionada a atuação da Suprema Corte, no que diz respeito à utilização de cláusulas abertas (especialmente o due process of law) para a imposição de suas opiniões em detrimento daquelas valorizadas no plano legislativo. Percebeu-se que a ausência de controle sobre a atividade do Judiciário poderia ser tão antidemocrática quanto à ausência de controle sobre a atividade do Legislativo.

            Entre nós, ergueram-se vozes influentes como a de Pontes de Miranda, para sustentar que a interpretação extensiva que vinha sendo adotada pela Suprema Corte americana era, em verdade, uma falsificação raciocinante. [51]

            Foi em meio a estas críticas que houve a transferência do eixo central de aplicação do devido processo legal, para que fosse restringido significativamente o seu espectro de abrangência. A partir de então, passou-se a autorizar sua invocação apenas com o objetivo de conferir proteção aos direitos fundamentais do cidadão.

            Esta é a atual perspectiva de compreensão da abrangência da cláusula do due process of law, inclusive no Direito Constitucional brasileiro, isto é, muito mais do que uma mera garantia à regularidade do processo, para ser também um instrumento de controle acerca da razoabilidade das leis editadas pelo Poder Legislativo, no que diz com a sua interferência na esfera dos direitos fundamentais do indivíduo. É o que a doutrina convencionou chamar de substantive due process of law, enfatizando que a cláusula não mais se limita à determinação processual de direitos substanciais, mas se entende à garantia de que seu gozo não seja restringido de modo arbitrário ou desarrazoado. [52]

            É fundamental esta compreensão acerca da extensão da garantia para a sua correta aplicação como norma-princípio; no entanto, para o presente estudo, não basta analisar a aptidão da cláusula para fornecer subsídios ao Judiciário para que proteja o cidadão contra possíveis "arbitrariedades legislativas", importa analisar, acima de tudo, a sua aplicabilidade com instrumento de controle contra possíveis decisões judiciais arbitrárias, o que nos obriga a analisar a cláusula, obviamente que em sua matriz constitucional, mas relacionando-a com suas interfaces no processo civil moderno. Não se quer, com isso, retroceder no estudo deste fenômeno, abordando-o com a perspectiva limitada do procedural due process of law, mas – de forma consentânea à sua atualidade – como verdadeiro instrumento de legitimação das decisões judiciais, o que impende enfrenta-lo sob perspectiva extremamente aproximada às idéias de Niklas Luhmann. [53]

            O estudo de Luhmann assume importância fundamental para autorizar a pesquisa e o desenvolvimento de sistemas de controle objetivo sobre a formação do convencimento judicial a partir das normas processuais existentes, pois, embora não se trate de um processualista, sua abordagem é extremamente conclusiva ao estabelecer que o procedimento é mais do que seqüência fixa de ações determinadas: é um sistema social que desempenha uma função específica de legitimar as decisões judiciais a partir de sua aceitação social.

            Para tanto, acredita que esta legitimação deriva da previsibilidade a respeito do conteúdo da decisão a ser proferida, e esta previsibilidade somente se tornará possível através da definição prévia dos procedimentos a serem observados, enquanto sistemas de ação, através dos quais os endereçados das decisões aprendem a aceitar uma decisão que vai ocorrer, antes de sua ocorrência concreta. [54]

            A reforçar este raciocínio está a lição de Cândido Dinamarco, para quem a previsão legal, obtida via procedimento, abstrai a surpresa no decorrer dos atos processuais, evitando a possibilidade de atuação arbitrária. [55] É desta forma que o princípio constitucional do devido processo legal, ao lado do dever de motivação das decisões judiciais, assume especial relevância para o exercício de controle sobre a formação do convencimento judicial, permitindo que as partes não apenas o influenciem, como também possam aferir a sua correção lógico-estrutural.

            O procedimento – ensina Luhmann – não justifica a decisão, mas fundamenta uma presunção de exatidão de seu conteúdo. [56] Desta forma, toda a decisão judicial que vier a ser proferida sem a observância do procedimento estabelecido por lei, além de ferir uma garantia constitucional do jurisdicionado, irá retirar a legitimidade que, em princípio, lhe é inerente por força da outorga constitucional.

            Neste contexto de observância ao procedimento, como pressuposto para a necessária previsibilidade da decisão a ser proferida, merece especial atenção a garantia das partes ao contraditório. O procedimento, evidentemente, não se esgota com a observância do contraditório, mas, certamente, é ele o seu ponto nevrálgico.

            A participação das partes no processo, sob a forma do contraditório, não é um fim em si mesma, seu valor é o valor das garantias que tutela. Todo o procedimento, em si, é forma, mas a sua observância é que garante o direito substancial das partes. Como já referido, é o procedimento que irá conferir legitimidade às decisões judiciais e o contraditório, como seu elemento central, é que irá, se não garantir, ao menos permitir a prolação de uma decisão potencialmente justa. É importante, portanto, dimensiona-lo à luz do que até aqui foi exposto.

            Vimos que o fim último da atividade de instrução probatória é a busca pela verdade, que somente poderia ser alcançada pela correspondência entre a versão idealizada e aquilo que efetivamente veio a ocorrer no mundo dos fatos; entretanto, do conhecimento humano não é lícito exigir mais do que a melhor aproximação possível, já que a "verdade genuína" não passa de mera idealização. Com o passar dos anos e a evolução da exegese empregada à garantia ao contraditório foi possível perceber, em um primeiro momento, que a investigação da verdade não é resultado de uma razão individual, mas do esforço combinado das partes. [57] O contraditório, então, era tido como o único método e instrumento para a investigação dialética da verdade. [58]

            A evolução do instituto se deu em meio à necessidade de um maior ativismo judicial e à crescente ânsia pela efetividade do processo. Com o afastamento da disponibilidade das partes sobre os fatos que envolvem determinado litígio e o fortalecimento da tendência publicista do processo civil, o contraditório deixou de ser o único método para a investigação da verdade, pois a experiência desmentiu a crença na eficiência do trabalho desenvolvido somente pelos participantes do processo. [59]

            Pode-se dizer, assim, que a atual concepção da garantia ao contraditório não mais se limita ao ponto de vista formal, isto é, à mera oportunização para o exercício de alguma forma de manifestação. Vai muito mais além. Falar em contraditório, hoje, é falar na possibilidade efetiva que as partes têm de influenciar a formação do convencimento judicial. Nas palavras precisas e sempre atentas aos valores constitucionais do professor Alvaro de Oliveira, a faculdade concedida aos litigantes de pronunciar-se e intervir ativamente no processo impede, outrossim, sujeitem-se passivamente à definição jurídica ou fática da causa efetuada pelo órgão judicial. E exclui, por outro lado, o tratamento da parte como simples "objeto" de pronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado, desenvolvendo antes da decisão a defesa das suas razões. A matéria vincula-se ao próprio respeito à dignidade humana e aos valores intrínsecos da democracia, adquirindo sua melhor expressão e referencial, no âmbito processual, no princípio do contraditório, compreendido de maneira renovada, e cuja efetividade não significa apenas debate das questões entre as partes, mas concreto exercício do direito de defesa para fins de formação do convencimento do juiz, atuando, assim, como anteparo à lacunosidade ou insuficiência da sua cognição. [60]

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            A garantia ao contraditório ultrapassa, hoje, a esfera exclusivamente procedimental para tornar-se uma condição de validade dos atos processuais, incluindo-se a própria sentença. Não basta, portanto, que as partes possam simplesmente apresentar suas razões, é necessário que tenham a efetiva possibilidade de influenciar a formação do convencimento judicial. A produção da prova, neste contexto, passa a ser o momento central do processo, no que diz com a sua aptidão para a busca pela "verdade" e a sua importância para a prestação jurisdicional pleiteada. [61]

            Com isso, pretende-se demonstrar que, embora esteja afastada a idéia de disponibilidade das partes sobre os fatos que envolvem a lide, oriunda do brocardo latino da mihi factum dabo tibi ius, o ativismo judicial encontra seu limite no contraditório. A decisão não pode ser uma surpresa para os litigantes. Não pode o juiz decidir a causa a partir de um ponto de vista que as partes não tenham se apercebido. É dever do órgão jurisdicional atuar da forma mais transparente possível, notadamente no momento da instrução probatória, para que se dê conhecimento acerca de qual direção o direito subjetivo corre perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição, possibilitando-as assim melhor defender seu direito de influenciar a decisão judicial. [62]

            2.2 O dever de motivação das decisões judiciais

            Se o devido processo legal e, mais especificamente, o contraditório representa um importante instrumento de que fazem uso os litigantes para, ao menos em parte, afastar o arbítrio da atuação estatal, igualmente fundamental, neste sentido, é a garantia assegurada pela Constituição de que as decisões judiciais venham a ser devidamente motivadas.

            Embora fosse visto, por alguns autores, como uma decorrência do Estado de Direito ou, até mesmo, do Direito de Ação, foi apenas com a Constituição de 1988 que o dever de motivação das decisões judiciais foi erguido ao status de garantia constitucional; até então, no ordenamento pátrio, encontrava previsão apenas em sede infraconstitucional, mais especificamente no Código de Processo Civil.

            O dever de motivação teve sua origem, ainda no século XVI, em Portugal, vindo a se tornar um traço comum nas demais codificações européias apenas entre os século XIX e XX. No Brasil, o instituto nasceu sob forte influência lusitana, sendo que sua primeira aparição remete ao Código Filipino (Ordenação do Livro III, Título LXVI, § 7). Tal disposição veio a servir de inspiração para o artigo 232 do Regulamento n° 737 de 1850 e, a seguir, passou a integrar grande parte dos diplomas processuais estaduais, bem como o próprio Código de Processo Civil de 1939 (artigos 118 e 280).

            O Código de Processo Civil de 1973 veio a alargar ainda mais o dever de motivação das decisões judiciais, classificando-o como requisito essencial da sentença (artigo 458), determinando expressamente a sua observância no momento de avaliação das provas (artigo 131) e, até mesmo, quando da prolação de decisões interlocutórias, ainda que, neste caso, autorizando a sua exposição de forma concisa (artigo 165). Nas palavras de Barbosa Moreira, a conjugação desses dispositivos não deixa margem a qualquer dúvida sobre a adoção categórica e irrestrita do princípio da obrigatoriedade da motivação. [63]

            Uma questão de extrema dificuldade é precisar qual seria a principal justificativa para que a exigência do dever de motivar viesse a integrar a quase totalidade dos ordenamentos jurídicos atuais. É certo, no entanto, que a sua concepção traz consigo a idéia de garantia e a tentativa de racionalizar ao máximo a atividade jurisdicional.

            Parece-nos claro que há uma indiscutível dimensão política enraizada na adoção do dever de motivação das decisões judiciais, no sentido de limitar o poder do órgão judicante, inibindo a prática de eventuais arbitrariedades e permitindo que a sociedade exerça um controle efetivo a respeito da correção lógica e jurídica dos fundamentos utilizados como razão de decidir. Eis aqui o ponto central a ensejar a análise das repercussões advindas da transformação do dever de motivação, enquanto direito dos litigantes até assumir o status de garantia constitucional.

            Enquanto o dever de motivação permanecia limitado à esfera da legislação infraconstitucional, sua ratio restringia-se a questões de ordem eminentemente processuais, isto é, tinha o condão de permitir que os litigantes tomassem conhecimento das razões pelas quais o órgão judicante decidiu desta ou daquela forma. Sua previsão estava visceralmente ligada à atividade das partes, permitindo que exercessem o chamado controle endoprocessual, isto é, que verificassem se o julgador observou corretamente seus argumentos, se houve a correta valoração da prova trazida aos autos ou se a decisão não incidiu em violação à lei.

            Ao ser erguido ao status de garantia constitucional, o dever de motivação assumiu um espectro de muito maior abrangência. Bastaria, para tanto, lembrar que as normas são disposições meramente declaratórias, enquanto as garantias são disposições assecuratórias, isto é, disposições que, em defesa dos direitos, limitam o poder, na célebre lição de Rui Barbosa. [64]

            Pretendeu, assim, o legislador constituinte consagrar expressamente o dever de motivação das decisões judiciais como garantia de todos os cidadãos, ainda que a nosso ver, mesmo antes de 1988, sempre pudesse ser vista como corolário do Estado de Direito. A Constituição veio a afirmar que, a partir de então, a correção das razões de decidir não diz respeito apenas às partes envolvidas em determinado litígio que se pretende resolver. Sempre que uma decisão judicial deixa de observar os argumentos dos litigantes (expendidos em meio ao contraditório) ou deixa de promover a correta valoração da prova existente nos autos, é toda a sociedade que está ameaçada.

            A partir da Constituição Federal de 1988, o controle das decisões judiciais deixou de ser apenas endoprocessual, passando a permitir um controle extraprocessual, através do qual toda a sociedade, e não apenas as partes e seus advogados, podem examinar a correção do julgado, pois o arbítrio ameaça potencialmente a todos.

            O já lembrado Barbosa Moreira foi um dos grandes influenciadores desta transformação, destacando, dez anos antes da promulgação da atual Carta da República, que o pensamento jurídico de nossos dias propugna concepção mais ampla da controlabilidade das decisões judiciais, que não se adstringe ao quadro das impugnações previstas nas leis do processo. Não é apenas o controle endoprocessual que se precisa assegurar: visa-se, ainda, e sobretudo, "a tornar possível um controle ‘generalizado’ e ‘difuso’ sobre o modo como o juiz administra a justiça"; e "isso implica que os destinatários da motivação não sejam somente as partes, seus advogados e o juiz da impugnação, mas também a opinião pública entendida no seu complexo, seja como opinião do quisquis populo". [65]A possibilidade de aferir a correção com que atua a tutela jurisdicional não deve constituir um como "privilégio" dos diretamente interessados, mas estender-se em geral aos membros da comunidade: é fora de dúvida que, se a garantia se revela falha, o defeito ameaça potencialmente a todos, e cada qual, por isso mesmo, há de ter acesso aos dados indispensáveis para formular juízo sobre o modo de funcionamento do mecanismo assecuratório. [66]

            Não se pode mais visualizar o dever de motivação com objetivo restrito à possibilidade de impugnação do decisum e à delimitação da coisa julgada. A Constituição de 1988 veio alargar significativamente seu aspecto de abrangência, para permitir que o controle sobre a atividade jurisdicional seja exercido por toda a sociedade – eis que potencialmente sujeita ao arbítrio – e não apenas pelas partes. É o dever de motivação como espressione del principio della partecipazione popolare all’amministrazione della giustizia, nas palavras de Michelle Taruffo. [68]

            Como vimos no capítulo anterior, não se pode exigir do conhecimento humano – e não se pode, portanto, exigir do juiz – que alcance sempre a verdade sobre os fatos que envolvem um determinado conflito de interesses; mas, por outro lado, é dever do julgador – como vimos neste capítulo – submeter todas as provas e argumentos trazidos pelas partes ao contraditório, permitindo que influenciem efetivamente a formação do convencimento judicial. É por esta limitação insuperável da natureza humana que se exige a mais ampla exposição dos motivos que conduziram o órgão judicante a decidir como decidiu. É esta a "verdade" que se pode exigir do julgador, a verdade da sua convicção. Na expressão de Jean Louiz Berge, a legitimidade da justiça tem este preço. [69]

            Qualquer país que se julgue democrático não pode conceber que a prestação da tutela jurisdicional seja exercida de forma incontrolável, enquanto exercício de uma autoridade absoluta. A legitimidade de uma decisão deriva da correção de seus fundamentos fáticos e jurídicos, razão pela qual há quem sustente que não apenas as partes têm o ônus de convencer o juiz, como este também tem o dever de convencer as partes e o cidadão em geral acerca da correção do seu julgado. É apenas mediante o exercício de um controle efetivo sobre os motivos que conduziram o julgador a decidir como decidiu que será possível conceber uma indispensável participação popular na administração da Justiça. [70]

            Conclui-se, portanto, que a legitimidade de uma decisão judicial deriva da correta exposição dos motivos que conduziram o raciocínio do juiz. A cada vez mais forte tendência legislativa pela adoção de conceitos jurídicos indeterminados, acentua a necessidade de motivação das decisões judiciais, pois quanto maior for o grau de discricionariedade do julgador, maior será a necessidade de exposição dos motivos, sob pena de se tornar uma garantia ilusória e meramente ritualística, [71] a ceder espaço ao arbítrio.

            A exposição dos motivos de uma decisão judicial é o que permite à sociedade aferir sua correção, tanto na exposição dos fatos quanto na eleição das normas incidentes ao caso concreto, isto é, somente mediante a análise da motivação é possível exercer um controle efetivo sobre formação do convencimento judicial, verificando se houve a correta valoração da prova existente nos autos, para que, a partir dela, o direito pudesse vir a ser aplicado. Como decorrência lógica, é possível dizer que a correta e adequada valoração da prova é requisito para a legalidade do decisum – pois a análise do fato e da norma são indissociáveis no momento de aplicar o direito (capítulo 1, item 1.1) – de forma que o dever de motivação das decisões judiciais, previsto em sede constitucional, não é garantia a uma mera motivação, mas a uma motivação adequada e atenta àquilo que resultou da atividade das partes e do próprio juiz ao longo do trâmite processual, sob pena de violação à lei e à Constituição.

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Sobre o autor
Joel Picinini

advogado em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICININI, Joel. A avaliação da prova e a formação do convencimento judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 873, 23 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7621. Acesso em: 2 nov. 2024.

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