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A opção por um tratamento sem sangue x o direito à vida.

O caso das testemunhas de Jeová e a aparente colisão dos direitos fundamentais

A opção por um tratamento sem sangue x o direito à vida. O caso das testemunhas de Jeová e a aparente colisão dos direitos fundamentais

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Existe hierarquia entre os direitos fundamentais? Em caso de conflito, como resolver tal conflito? Na questão da aplicação do sangue para adeptos da religião Testemunhas de Jeová como resolver para que ambos os lados saiam com uma satisfação.

INTRODUÇÃO

Estudo que compreende a crença das Testemunhas de Jeová, baseando-se a fé em mandamentos inspirados do livro mais antigo do mundo, ”à Bíblia”, de onde os seguidores tiram suas leis e orientações específicas para regerem suas vidas. Considerando assim suas vidas como Dádiva Divina, vendo-se assim uma necessidade de cuidar dela com zelo, cuidando assim da saúde e corpo, buscando sempre tratamentos médicos onde não afere suas crenças.

Sabemos tão somente que o mal súbito à saúde poderá sobrevir a qualquer momento. Por este motivo que não se espera que a doença para aduzir de necessidades onde poderá interpor suas relações com a crença.

Mesmo em um mundo onde se pode considerar que a Medicina encontra bem avançada, não se pode contar com um diagnóstico preciso. Contudo, opiniões médicas conflitantes, se deparam com fortes convicções religiosas, causando assim um conflito de direitos, entre bem jurídico tutelado e soberano, com outros direitos equiparados por nossa constituição.

Por ter um posicionamento de recusa às transfusões à qualquer tipo ou fração de sangue, as Testemunhas de Jeová recebe uma grande atenção de descrentes e causa certa excentricidade.

Porém, a de se dizer, que recusar a determinado tratamento, não quer dizer, que este está reivindicando o direito à morte, nem tampouco que está querendo ser referência.

E este posicionamento muitas vezes é visto como fanatismo, mas como dizer em reivindicar a morte se tais crentes buscam os hospitais para cura de seus males, não seriam estes tão inocentes ao ponto de contradizer suas crenças publicamente, nem mesmo tantos estudos por tratamentos alternativos?

E é exatamente em casos como este onde surgi o conflito entre os direitos fundamentais, que irei tratar neste estudo, onde vimos que o médico tem o direito de se recusar a participar de alguns tratamentos, salvo se este for o único habilitado para tal procedimento, não seria direitos difusos, onde o mesmo se aplicaria as Testemunhas de Jeová ao recusarem receber sangue?

Pode este posicionamento em abster-se de sangue ser considerado legal levando em conta o princípio constitucional de liberdade religiosa, e o princípio da autonomia de vontade? Perante o juramento realizado pelos médicos em buscar sempre salvar vidas, podem estes desrespeitar a recusa do paciente? Não seria isto uma sobreposição indevida de o que é valorável na sua profissão aos valores do paciente?

Por sempre se veem confrontando sempre com estes questionamentos, é que as Testemunhas de Jeová buscam incessantemente através de estudos, tratamentos alternativos, isento de sangue para que seja saciado suas necessidades.

E cada dia mais, vemos muitos considerarem coerente a necessidade de se abster de sangue, visto várias decorrências de doenças acarretadas nas transfusões. Cada dia mais médicos rejeitam o sangue em seus procedimentos cirúrgicos, visto que, por vezes, ao invés de salvar seus pacientes com a transfusão, levam a lamentavelmente a incidência de fatalidade.

Para elaborar esse projeto será utilizada a pesquisa teórico-bibliográfica, onde através de livros, revistas virtuais, leis, artigos científicos será possível aprofundar no assunto da recusa ao sangue de forma científica. Com o pensamento de explorar todas as vertentes e possibilidades que surgirão com essa pesquisa, será possível trazer respostas a alguns questionamentos ao longo do estudo.

Na pesquisa documental serão utilizadas, leis, jurisprudência, tratados internacionais, súmulas, com a intenção de fazer uma melhor interpretação do direito a liberdade de escolha religiosa em relação aos direitos dos médicos ao voto de salvar vidas. Hoje, com base em que os tribunais proferem na resolução de conflitos.

Será utilizado o método indutivo, visto que emanou da concepção específica da liberdade de escolha em direção a uma concepção mais ampla, não delimitando a pesquisa somente em relação ao art. 5º, mas utilizando outros instrumentos jurídicos. As diversas jurisprudências sobre a divergência do sangue, ajuda a ampliar mais ainda a pesquisa, pois há um crescimento cada vez mais expressivo de casos que se enquadram ao tema problema.

Será explicado o tema problema, de forma que com a legislação, a jurisprudência, tratada internacional os casos concretos que envolvam a liberdade de escolha, consigam um posicionamento que satisfaça o interesse das partes, e propicie uma melhor análise. Por uma matéria que ainda não possui legislação, o uso da interpretação será de suma importância.

A análise comparativa vem para poder comparar as leis dentro do ordenamento, ou mesmo de outro país. Apesar de não possuir legislação que regulamente esta, os juízes se embasam em outras leis ou mesmo na analogia para decidir o caso. Por essa razão, cada vez mais há julgados decidindo como procedente o pedido feito para que haja o do direito à liberdade religiosa.

Desenvolver-se-á análise da evolução histórica dos conflitos por causa do sangue por causa da liberdade religiosa, visto que o grande e avassalador crescimento populacional, as mudanças normativas no país, o surgimento de novas culturas e a inserção dos princípios norteadores de família na Constituição Federal de 1988, possibilitaram uma evolução de forma gradativa no pensamento da sociedade.

A análise crítica do tema tem por objetivo demonstrar como na atualidade o judiciário trata essa questão da liberdade religiosa, visto que não há leis que tratam diretamente do assunto. Serão apresentados os tipos de soluções que são utilizadas para sanar essa lacuna normativa, os problemas que podem advêm da concessão do registro e a conclusão que se pode chegarão referente tema.

E por fim, as Testemunhas de Jeová esperam que sejam realizados seus tratamentos com base em seus valores e não aos de terceiros, sendo assim respeitados em sua igualdade e suas diferenças, conforme diz Aristóteles “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.” 1


1. A origem das testemunhas de Jeová

Teve início em 1870 com seu fundador Charles Taze Russel, na cidade de Allegheny, Pensilvânia, EUA, quando se juntou com alguns amigos afim de realizarem estudos aprofundados sobre à bíblia.

Em meados de julho de 1879, Charles e seus colaboradores publicaram o primeiro exemplar de revista denominado “ A Torre de Vigia e Arauto da Presença de Cristo (em inglês), hoje podemos ver o prosseguimento da mesma, porém com o nome de “ A Sentinela”.

Nos anos 80, inúmeros outros grupos tinham se formado com o mesmo objetivo, levando assim a criação da primeira Sociedade de Tratados da Torre de Vigia de Sião, tendo como presidente Charles Russel. Atualmente chamada de “Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados”.2

No decorrer do tempo, este pequeno grupo de pessoas passou a divulgar tudo aquilo que aprendiam, dando testemunho de casa em casa, levando com eles publicações e os convidando a participar dos estudos bíblicos.3

Nos anos 90 essa obra de dar testemunho tornou-se mundialmente conhecida, levando a sede a um outro endereço, mudaram-se para Brooklyn, Nova Iorque.

Desde então as Testemunhas de Jeová têm como objetivo principal é de levar a outros a interpretação da bíblia por meio do testemunho de casa em casa.

Na atualidade as testemunhas de Jeová são mais de 8 milhões espalhados pelo mundo, se reunindo em Salões do Reino, buscando o mesmo objetivo.

As Testemunhas de Jeová têm levado a cada dia mais as informações extraídas da bíblia.

Através da Sociedade Torre de Vigia e suas filiais, as Testemunhas de Jeová possuem hoje um dos grandes parques gráficos do mundo, com capacidade para imprimir milhares de exemplares de publicações a cada ano, sendo que algumas de suas publicações estão entre as mais distribuídas mundialmente. Além do que todas as publicações das Testemunhas de jeová são traduzidas em diversos idiomas, como também no braile e línguas de sinais. Atualmente suas publicações estão traduzidas em 742 idiomas.4

O porquê do nome das Testemunhas de Jeová

Em 26 de julho de 1931, em um congresso em Ohio, USA, o nome se dado à este grupo era de Estudantes da Bíblia, porém em um discurso realizado por Joseph Franklin Rutherford, intitulado “ O Reino, a Esperança do Mundo”, mudou-se o nome para Testemunhas de Jeová.5

O fundamento usado por Russel para escolha de tal nome foi embasada no estudo profundo da bíblia, notoriamente em Isaías 43:10: “Vocês são as minhas testemunhas”, mais diz Jeová, “Sim, meu servo a quem escolhi, para que vocês me conheçam e tenham fé em mim, *E entendam que eu sou o mesmo. Antes de mim não foi formado nenhum Deus E depois de mim continuou a não haver nenhum.

Para concluir seu discurso, foi apresentada uma resolução intitulada “ Um Novo Nome”. Em algumas publicações poderia se verificar o nome como sendo “Testemunhas cristãs de Jeová”, o que comprovava que eles criam também em Jesus, assim como criam em Jeová.

As Testemunhas de Jeová no Brasil

No Brasil, o trabalho de pregação de casa em casa, para divulgação das mensagens da Bíblia, já reuniu grande número de pessoas interessadas, hoje em dia são cerca de mais de 750.000. A busca de pessoas interessadas já é feita por mais de 90 anos.

Os brasileiros ouviram pela primeira vez a mensagem divulgada por Charles Taze Russel e seu pequeno grupo em 1920, quando 8 marujos brasileiras, em seu dia de folga, onde estava parados em um estaleiro em Nova Iorque, ouviram as explicações dadas por um daqueles que podemos chamar de estudantes da bíblia.

Quando regressaram para o Brasil, esse marujos começaram, então, a falar a outros sobre as mensagens ouvidas, conseguindo assim reunir um considerável número de interessados. Com o tempo, traduziram algumas publicações que conseguiam em suas viagens ao EUA.

Como tem sido a expansão das Testemunhas de Jeová no Brasil

Ao passo que o empenho dos brasileiros recém associados ao grupo de estudantes da Bíblia aumentavam, esse esforço se concentrava, à princípio, na cidade do Rio de Janeiro. Alguns anos depois, com a mudança desses interessados para outras regiões do Brasil, primeiramente em São Paulo, foi possível encontrar interessados também nessas regiões.

Na região do Nordeste, o empenho na divulgação das crenças das Testemunhas de Jeová iniciou-se também com um marinheiro, em 1925. Em 1938, na capital do estado de Alagoas, formou-se a primeira congregação6, e, no ano seguinte, em Recife Pernambuco, também formou-se uma congregação, totalizando nessa época o auge de 15 congregações em todo país.

Na Bahia, no ano de 1934, o professor George Shakhashiri, uma Testemunha de Jeová que conheceu os ensinamentos propagados pelos Estudantes da Bíblia na Europa, chegou de navio a Salvador, na capital baiana. Neste porto de parada, enquanto visitava alguns parentes e amigos libaneses, deu início ao trabalho iniciado por Russel.

Em Santa Catarina, dois imigrantes Europeus, em 193, Theodor e Alexandre Mertin, que sé fixou residência em Blumenau. Continuaram ao seu serviço de divulgação das obras bíblicas, visitando pessoas e povoados no vale do Rio Itajaí.

No Amazonas, em 1931, apenas duas Testemunhas de Jeová residiam naquela localidade. Porem seus esforços foi tão grande que a filial da Sociedade Torre de Vigia em São Paulo recebia diversas cartas daquele estado solicitando publicações bíblicas. Naquele mesmo ano, organizou-se a primeira congregação na selva Amazônica, logo tendo um crescimento rápido, e chegou a ser a maior congregação do Brasil, com centenas de associados.

E por fim em 1924, iniciou-se as obras por meio de Isaías Lourenço Ferreira, acamado em um Hospital Central da Marinha, teve seu primeiro contato por meio de um folheto distribuído por um dos 8 marujos, e no seu regresso para o Rio de Janeiro decidiu mudar-se para Guarani, no Estado de Minas Gerais, e daí começou a repassar as novas aprendidas.

Daí por diante as boas novas levadas pelas Testemunhas de Jeová se espalhou por todo território brasileiro.


2. QUAL A BASE RELIGIOSA QUANTO AO USO DO SANGUE

Como diz Goldim (2001), o direito a recusa para com à terapia transfusional por motivação religiosa, levantada por pacientes em risco de morte é costumeira e, com ela traz à tona uma série de consequências que devem ser levada em consideração, a constitucionalidade dos Direitos Fundamentais, tratando-se de conflitos gerados diretamente ligados à vida do ser humano, ligados à sua liberdade, vida e dignidade. Destarte que alguns capítulos do texto do Antigo Testamento proíbem o povo de Deus de alimentar-se com sangue e de acordo com TOKARSKI (2005) o fundamento para a proibição do recebimento de transfusão baseia-se nos seguintes textos bíblicos: “Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento: eu vos dou tudo isto como vos deu a erva verde. Somente não comereis carne com a sua alma, com seu sangue (Gênesis 9: 3-4.)” (BÍBLIA SAGRADA, 1993, p. 56). “A todo israelita ou a todo estrangeiro, que habita no meio deles, e que comer qualquer espécie de sangue, voltarei minha face contra ele, e exterminá-lo-ei do meio de meu povo (Livro Levítico 17:10)” (BÍBLIA SAGRADA, 1993, p. 161). Doravante a obscuridade destes versículos não esteja em termos médicos, as Testemunhas de Jeová consideram que proíbem a administração de transfusão de sangue total, sem qualquer fracionamento seja ele de papas de hemácias, e de plasma, bem como de concentrados de leucócitos e de plaquetas. Entretanto, o entendimento religioso das Testemunhas não proíbe de modo absoluto o uso de componentes, como a albumina, as imunoglobulinas e os preparados para hemofílicos; cabe a cada Testemunha decidir individualmente se deve aceitar a esses (JAMA, 1981; 246:2471-2472).

As Testemunhas creem que o sangue retirado do corpo deve ser inutilizado, de modo que não aceitam a autotransfusão de sangue retirado de antemão e guardado. As técnicas de coleta ou de hemodiluição intra-operatórias que envolvam guardar o sangue para ser reposto, lhes são inaceitáveis. Não obstante, muitas Testemunhas de Jeová permitem o uso de equipamento para que se realize a diálise, do coração-pulmão artificialmente e o reaproveitamento intra-operatório, caso a circulação extracorpórea seja ininterrupta; (JAMA, 1981; 246:2471-2472). De acordo com Soriano (2002) as Testemunhas de Jeová não têm a intenção de renunciar à vida quando negam a terapia transfusional. Apenas manifestam a vontade de serem submetidas a tratamento alternativo ao sangue. Não obstante, os que professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida, porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo não recusam tratamento médico. Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos para se evitarem as transfusões sanguíneas, que, por sinal podem acarretar inúmeras infecções, inclusive a temível AIDS (SORIANO, 2002, p. 118). Uma publicação médica explanou extensivamente os riscos envolvidos nas transfusões: As transfusões são perigosas. Podem causar reações do tipo hemolítico, leucoaglutinante e alérgico. O perigo principal é a infecção induzida pela transfusão. O maior perigo é a transmissão da hepatite não-A, não-B. Calcula-se que de 5% a 15% dos doadores voluntários são portadores deste vírus. Os testes laboratoriais prévios à doação, para detectar os anticorpos contra o "core" da hepatite B, permitem detectar entre 30% e 40% dos portadores do vírus da hepatite não-A, nãoB. A vasta maioria dos casos de hepatite pós-transfusional são subclínicos, visto que a enfermidade evolui durante vários anos. Uma alta porcentagem de receptores infectados contrai cirrose (BRUMLEY et al., 1999). Algumas pesquisas mostram que pelo menos cerca de 5% do total de pessoas que recebem transfusões de sangue nos E.U.A contraem hepatite (o que representa uma margem de 175.000 por ano), e que cerca de 4.000 morrem! As perspectivas não são muito animadoras, pois outros vírus ainda não detectáveis nos testes de bolsas de sangue podem causar a hepatite. Isso sem mencionar diversas outras doenças que são contraídas como a sífilis, malária, vírus da herpe, a toxoplasmose, tripanossomíase, tifo, leishmaniose e a temível AIDS (MARINI, 2005).

O mais preocupante é que os testes realizados nos bancos de sangue não geram a segurança que muitos pacientes imaginam ter. Um dos diretores da Cruz Vermelha Americana, ao abordar os autos custos que envolvem tais testes, declarou: "Simplesmente não podemos continuar a adicionar teste após teste para cada agente infeccioso que poderia ser disseminado" (ASSOCIAÇÃO TORRE DE 13 VIGIA, 1990, p. 10). O Dr. Neil Blumberg, diretor da Unidade de Medicina Transfusional e do Banco de Sangue da Universidade de Rochester, de Nova York, E.U.A., numa estimativa conservadora, afirmou que o número de mortos em seu país devido a tais infecções provenientes das transfusões gira em torno dos 10.000 a 50.000 por ano (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA, 1990). De fato, as transfusões não têm o caráter salvador que o público imagina. Ademais, apresenta um desconfortável grau de periculosidade e morbidade. Devido a estes riscos, a Presidential Commission on the Human Immunodefidiency Vírus Epidemic (E.U.A.), recomendou que antes de realizar uma transfusão de sangue, o médico deve obter o consentimento de seu paciente, e que o procedimento deve incluir uma explicação dos riscos implicados na transfusão de sangue e de seus componentes, entre eles a possibilidade de contrair o HIV, bem como informações sobre terapias alternativas à transfusão de sangue homólogo2 (MARINI, 2005).

De modo geral, pacientes que não aceitam sangue como tratamento são pessoas que prezam sua vida. Pessoas esclarecidas que, procuram tratamento médico sempre que dele necessitam, reivindicando não o "direito de morrer", como de forma sensacionalista vez por outra se alega, mas apenas que desejam receber um tratamento de qualidade, porém isento de hemotransfusão (BASÍLIO, 2005). O direito do paciente que não aceita sangue por convicções religiosas não é diferente do direito de qualquer pessoa de escolher o tipo de tratamento médico que deseja para si, o que se baseia nos princípios constitucionais do direito à vida e livre disponibilidade, dignidade, liberdade de consciência e crença, liberdade de culto, não privação de direitos por motivo de crença religiosa e privacidade (BASÍLIO, 2005). Bastos (2001) afirma que atualmente, com a grande evolução da ciência médica quanto ao desenvolvimento de tratamentos e cirurgias sem a utilização de sangue, a transfusão já não é considerada com a única terapêutica capaz de salvar a vida do paciente que dela necessite. 2 Porque respeitar a escolha de tratamento médico sem sangue", Dr.Philip Brumley, José Cláudio Del Claro e Miguel Grimaldi Cabral de Andrade, Julho de 1999, pg.10. 14 Há sim outros tratamentos alternativos – desenvolvidos e utilizados por médicos alopatas, e não por sectários de uma religião específica – que atingem o mesmo resultado. São eles: os expansões do volume do plasma, os fatores de crescimento hematopoiéticos, a recuperação intra-operatória do sangue no campo cirúrgico, a hemostasia meticulosa etc. O fato de se ter mais de um tratamento em substituição à transfusão de sangue já nos leva logo a concluir que este não é o único modo de salvar a vida do paciente.

Pode-se, portanto, prescindir dele por outras formas alternativas de tratamento (BASTOS, 2001, p. 493). Constantino (1998), em réplica às críticas tecidas ao seu artigo "Transfusão de Sangue e Omissão de Socorro", explica que as denominadas Testemunhas de Jeová interpretam erroneamente a passagem bíblica de Atos, cap. 15, vers. 20, em que os Apóstolos, trazendo algumas regras do Antigo para o Novo Testamento, recomendaram aos novéis cristãos (isto é, aos recém-convertidos do Paganismo ao Cristianismo), que se abstivessem do sangue; a sobredita seita vê, aqui, uma proibição implícita da realização de transfusões sanguíneas. Entretanto, o leitor atento, lendo todo o capítulo 15 de Atos, entende que a questão posta em debate era se algumas normas do Judaísmo (Antigo Testamento) deveriam ou não prevalecer no Cristianismo (Novo Testamento); a conclusão foi a de se conservarem as regras contidas no versículo 20, entre elas, a abstenção do sangue; porém, tal proibição, oriunda do Antigo Concerto, era a de se comer o sangue dos animais (GÊNESIS, 9:4; LEVÍTICO, 3:17). Só dos animais, pois, naquela época, nem se sonhava com transfusões sanguíneas, entre seres humanos...

As Testemunhas retrucam que o sangue humano equipara-se ao sangue dos animais, o que é uma falácia, pois a própria Bíblia diz que "a carne (natureza física) dos homens é uma e a carne dos animais é outra" (I CORÍNTIOS, 15:39). Por fim, argumentam as Testemunhas que, se não se pode comer, pela boca, o sangue, não se pode, também, ingeri-lo pela veia, em uma transfusão. Contudo, a reação metabólica é completamente diferente, ao se comer o sangue (de animais) e ao se tomar uma transfusão de sangue (humano) pela veia: quando se come o sangue (animal) - pela boca, é óbvio -, o organismo absorve as gorduras e proteínas, mas a massa sanguínea é posta fora, após a digestão, pelas fezes; quando se toma uma transfusão de sangue (humano), pela veia, a massa sanguínea aplicada não é eliminada pela digestão, mas incorpora-se no sangue do paciente (LEME, 2005). 15 Os fiéis desta religião, os intitulados Testemunhas de Jeová, não aceitam a transfusão de sangue por entender que "o sangue de outrem é impuro, moralmente contaminado" (KFOURI NETO, 2003, p. 173). Entretanto, não cabe aqui analisar as justificativas bíblicas para esta recusa, objetiva-se apenas informar o possível fundamento religioso que leva os seguidores desta religião a preferirem a morte a uma transfusão sanguínea.

As Testemunhas de Jeová tem como conceito de vida o que há na Bíblia, e segundo elas existem mais de 400 textos relacionados com o sangue. O fundamento de suas convicções vem desde há criação humana, onde creem que Jeová ordenou a Noé7 que se abastece de sangue, em qualquer de suas formas. Para embasar suas crenças, basta verificar o que diz a Bíblia em Gênesis 9: 3-5:

Todo animal que se move e que está vivo pode servir-lhes de alimento. Assim como dei a vocês a vegetação verde, eu lhes dou todos eles. 4 Somente não comam a carne de um animal com seu sangue, que é a sua vida. 5 Além disso, vou exigir uma prestação de contas pelo sangue, a vida, de vocês. Vou exigir de cada animal uma prestação de contas; e vou exigir de cada homem uma prestação de contas pela vida do seu irmão.

Podemos também ver em outras passagens Bíblia a proibitividade do uso de sangue, e podemos verificar isso em Atos 15: 28,29, onde encontramos a fundamentação para tal proibição, visto que Gênesis se refere aos primórdios da humanidade, diferentemente de Atos, que vigora até os dias de hoje, onde diz:

“Pois pareceu bem ao espírito santo e a nós não impor a vocês nenhum fardo além destas coisas necessárias: 29 que persistam em se abster de coisas sacrificadas a ídolos, de sangue, do que foi estrangulado e de imoralidade sexual. Se vocês se guardarem cuidadosamente dessas coisas, tudo irá bem com vocês. Saudações!”8

2.1 O conceito da bíblia sobre o sangue desde o início da humanidade

A Bíblia os proíbe de tomar sangue por qualquer via. Assim, As Testemunhas de Jeová não deve aceitar sangue total ou seus componentes primários, quer como alimento, quer numa transfusão. Veja os textos a seguir:

  • Gênesis 9:4. Embora tivesse permitido que Noé e sua família passassem a se alimentar de carne animal após o Dilúvio, Deus os proibiu de comer o sangue. Ele disse a Noé: “Somente a carne com a sua alma — seu sangue — não deveis comer.” Desde então, isso se aplica a todos os humanos, porque todos são descendentes de Noé.

  • Levítico 17:14. “Não deveis comer o sangue de qualquer tipo de carne, porque a alma de todo tipo de carne é seu sangue. Quem o comer será decepado da vida.” Para Deus, a alma, ou vida, está no sangue e pertence a Ele. Embora essa lei tenha sido dada apenas à nação de Israel, ela mostra a importância que Deus dava a não comer sangue.

  • Atos 15:20. ‘Abstenham-se do sangue.’ Deus deu aos cristãos a mesma proibição que deu a Noé. A História mostra que os primeiros cristãos não consumiam sangue, nem mesmo para fins medicinais.

2.2 A Bíblia como ver quanto ao comer do sangue

As testemunhas de Jeová tem sua base em rejeição total de sangue, devido um texto bíblico tanto do velho testamento como no novo testamento, onde transcorre de abstenção totalmente de sangue, e fala claramente sobre o “NÃO” comer sangue em Levíticos, veremos este texto a seguir: LEVÍTICOS 17:12: “Foi por isso que eu disse aos israelitas: “Nenhum* de vocês deve comer sangue, e nenhum estrangeiro que mora entre vocês+ deve comer sangue.”


3. DIREITO À LIBERDADE

Para possibilitar a compreensão deste assunto é importante conceituar direitos e garantias fundamentais. A Constituição Federal de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito, o qual objetiva assegurar a todos os brasileiros o exercício dos direitos sociais e individuais, tendo como valores supremos a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade, o desenvolvimento e a justiça, a fim de que se tenha uma sociedade fraterna e justa.

Vale referir que os direitos fundamentais são valores máximos do ordenamento jurídico maior, subordinando a sociedade como um todo, e onde se incluem o Poder Público e os particulares. Mostra-se, de tal forma, ser indissociável a relação entre a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais, pois até nas ordens normativas que não possuem referência expressa, a dignidade aparece na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nela estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Já as garantias fundamentais são os direitos que os cidadãos possuem para exigir do poder Pública a efetividade dos direitos fundamentais por intermédio dos meios processuais adequados para tanto. Conforme leciona Galindo (2006, p. 50),

A ideia dos direitos fundamentais está associada a prerrogativas de todos os cidadãos, enquanto que a ideia de garantias fundamentais está ligada à questão dos meios utilizáveis para fazer valer aqueles direitos, ou seja, salienta-se o caráter material dos direitos fundamentais e o caráter instrumental das garantias fundamentais Canotilho destaca que, a rigor, as garantias são também direitos, embora se saliente nelas o caráter instrumental de proteção destes últimos.

As garantias tanto seriam o direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção de seus direitos [...]. Para se ter uma vida digna os direitos fundamentais devem ser considerados, haja vista que são indispensáveis para a sua garantia. Observa-se que os direitos fundamentais são necessários para a concretização de uma existência centrada na dignidade da pessoa humana. 12 Aborda-se, a seguir, a concretização dos direitos fundamentais, mostrando como se trabalha a liberdade, o direito à vida, a dignidade humana e o direito à liberdade religiosa e de crença, os quais estão intrinsecamente ligados. Dessa forma, não havendo o reconhecimento dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, bem como a sua efetivação, estar-se-á negando a própria dignidade.

Ainda sobre as diferenças existentes entre direitos e garantias é importante referir que não há um consenso na doutrina sobre o tema, mas é fundamental discuti-lo haja vista a sua importância para o desenvolvimento do tema desta pesquisa. Lenza (2011, p. 863, grifos do autor) se manifesta sobre os direitos e garantias enfatizando que: Um dos primeiros estudiosos a enfrentar esse tormentoso tema foi o sempre lembrado Rui Barbosa, que, analisando a Constituição de 1891, distinguiu:

“as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito”. 9

Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados. Por fim, diferenciar as garantias fundamentais dos remédios constitucionais. Estes últimos são espécies do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex.: habeas corpus, habeas data etc.) em determinadas situações a garantia poderá estar na própria norma que assegura o direito.

Assim, direitos e garantias não se confundem, mas se complementam. Enquanto direitos são bens, vantagens que o cidadão pode usufruir, garantias são instrumentos colocados à disposição para assegurar sua concretização. No mesmo sentido, Schäfer (2001, p. 44) conceitua a diferenciação de direitos e garantias fundamentais:

Clássica e bem atual é a “contraposição dos direitos fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e pela sua função, em direitos propriamente ditos 13 ou direitos à liberdade, por um lado, e garantias, por outro lado. Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objecto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, nas perspectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem como os direitos; na acepção jurisdicional inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.”10

Ou seja, o Texto Constitucional, pretendendo manter sua força normativa, estabelece institutos jurídicos cujos objetivos centram-se na proteção de seu núcleo essencial, meios através dos quais é possível tornar eficazes concretamente os direitos declarados em seu corpo, ou, ainda, proteção contra ataques a manutenção dos preceitos constitucionais. A esses instrumentos jurídicos é que se reserva a expressão “garantias dos direitos fundamentais” de um lado as declarações dos direitos; de outro lado, a estes ligados indissociavelmente, os mecanismos de sua proteção. É certo que o texto constitucional reconhece a força normativa das normas declaratórias, ou seja, dos direitos, das normas executórias e das garantias constitucionais, pois se assim não fosse o cidadão estaria à mercê da arbitrariedade do Estado. Ante as construções doutrinárias anteriormente referidas constata-se que falando em direitos, fala-se em normas de conteúdo declaratório, que são dispositivos que enumeram bens e vantagens aos cidadãos. Já as garantias são normas de conteúdo assecuratório, os chamados mecanismos constitucionais colocados à disposição do cidadão para ter o seu direito assegurado. Pode-se, ainda, referir que não existe uma divisão muito clara entre direitos e garantias fundamentais, até porque muitos direitos fundamentais são também garantias e induzem o leitor à dúvida.

Não é incomum se verificar em um mesmo dispositivo constitucional ou legal, a fixação da garantia como declaração do direito. Silva (2003, p. 185-186, grifos do autor) ressalta que: Constituição, de fato, não consigna regra que aparte as duas categorias, nem se quer adota terminologia precisa a respeito das garantias. Assim é que a rubrica do Título II enuncia: Dos direitos e garantias fundamentais [...]. O Capítulo I desse Título traz a rubrica:

“Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, não menciona as garantias, mas boa parte dele constitui-se de garantias. Ela se vale de verbos para declarar direitos que são mais apropriados para enunciar garantias. Ou talvez melhor diríamos, ela reconhece alguns direitos, garantindo-os. Por exemplo: “é garantido o direito de resposta” (art. 5º, V). 1411

Isso por si só mostra o quão árdua é a tarefa de esclarecer o que é direito ou o que é garantia. O que se pretende dizer é que na maioria das vezes, por não se ter clareza quanto à extensão da norma, se é norma declaratória e assecuratória ao mesmo tempo, para a concretização dos direitos fundamentais há necessidade da utilização de mecanismos de proteção. Pode-se adiantar que medidas judiciais são importantes para a sua efetivação e mais ainda no caso a ser analisado neste estudo, pois dois direitos fundamentais estão em conflito.

Assim, em vista da relevância jurídica e social do tema e considerando a existência de divergências doutrinárias a respeito do assunto, impera a necessidade de compreender melhor o conflito entre o direito fundamental à vida e o direito à liberdade de crença religiosa. Na busca de um pertinente entendimento sobre o tema, necessário se faz uma análise acerca da classificação dos direitos fundamentais. Salienta-se, ainda, que o tema suscita muitos debates, razão pela qual se aborda a seguir o surgimento da cada uma das gerações/dimensões dos direitos fundamentais.

Neste sentido, sustenta Galindo (2006, p. 48-49) que: Teoricamente, há um debate acerca das múltiplas gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, sendo o modelo tridimensional ou trigeracional o aceito pela maioria dos doutrinadores clássicos que tentam conciliar o surgimento de determinados direitos fundamentais, juntamente com as três principais correntes do pensamento jurídico, quais sejam, o positivismo normativista, o positivismo sociológico e o jusnaturalismo. Cabe referir que há uma pequena diferença em relação aos períodos históricos do surgimento dos direitos, mas que de forma alguma deixam de ter a mesma importância.

No entanto, como os direitos fundamentais fazem parte de uma construção cultural do próprio homem e que são criados de acordo com a necessidade social e história da humanidade, fala-se, também, em uma quarta geração, com surgimento no final do século XX. Importante ressaltar que as gerações/dimensões de direitos não são sucessivas e sim complementares, visto que as gerações que surgem complementam as já existentes, visando à construção de uma sociedade mais justa e livre. Bedin (2002, p. 42) refere que “a classificação proposta por T. H. Marshall (1967) é, sem sombra de dúvida, a mais aceita e valorizada pelos estudiosos na área.” Assim, sendo a sua exposição se torna imperiosa para a compreensão da evolução dos direitos, a qual se passa a descrever: 15 a) direitos civis ou direitos de primeira geração; b) direitos políticos ou direitos de segunda geração; c) direitos econômicos e sociais ou direitos de terceira geração; d) direitos de solidariedade ou direitos de quarta geração. Enfatiza-se que somente a partir do reconhecimento e da consagração dos direitos fundamentais pelas primeiras constituições é que essa divisão passou a ser relevante, visto que cada geração está vinculada às transformações sociais e políticas ocorridas nas sociedades, decorrentes de processo de desenvolvimento industrial, tecnológico e científico. Dando sequência ao assunto, o autor supracitado ressalta que: A primeira geração de direitos surgiu com as declarações de direitos de 1776 (Declaração de Virginia) e de 1789 (Declaração da França) e pode ser denominada de direitos civis ou liberdades civis clássicas. Esta geração de direitos abrange os chamados direitos negativos, ou seja, os direitos estabelecidos contra o Estado. Daí, portanto, a afirmação de Norberto Bobbio de que entre eles estão “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reserva para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado” (Bobbio, 1992, p. 32).

Assim, estes direitos estabelecem um marco divisório entre a esfera pública (Estado) e a esfera privada (sociedade civil). Esta distinção entre a esfera pública e a esfera privada – é bom ressaltar – é uma das características fundamentais da sociedade moderna, e é a partir dela que se estrutura o pensamento liberal e o pensamento democrático. Estes direitos de primeira geração, por outro lado, são tão importantes que Claude Lefort chegou a afirmar que eles constituem a pedra de fundação da democracia moderna e que, portanto, “onde sofrem restrições todo o edifício democrático corre risco de desmoronar” (Lefort, 1991, p. 58). (BEDIN, 2002, p. 43).

Apontados os motivos que induziram o reconhecimento desses direitos pode-se afirmar que a cada momento histórico surge a necessidade de tutela dos direitos humanos, demonstrando que foi uma conquista lenta e gradativa. Com relação à evolução dos direitos fundamentais, e dando sequência à cronologia referente à evolução das gerações/dimensões dos direitos, observa-se que a segunda geração de direitos surgiu no decorrer do século 19 e engloba os direitos políticos ou as denominadas liberdades políticas (BEDIN, 2002). O autor supracitado dá sua contribuição sobre a segunda geração de direitos, afirmando que: 16 Esta segunda geração de direitos, como nos esclarece Vera Regina Pereira Andrade, se “processou na esteira das potencialidades democráticas da cidadania civil, ou seja, na esteira dos direitos civil” [...] e, como tal, acrescentaríamos, pode ser vista como desdobramento natural da primeira geração de direitos. A vinculação, mencionada no parágrafo anterior, entre direitos civis e direitos políticos, no entanto, não nos deve impedir de compreender a especificidade de cada uma dessas gerações de direitos.

As primeiras como vêm, se caracteriza ou se distingue pelo fato de os direitos por ela abrangidos serem considerados direitos negativos, ou seja, direitos estabelecidos contra o Estado. A segunda geração de direitos, por outro lado, se caracteriza ou se distingue pelos fatos de os direitos por ela compreendidos serem considerados direitos positivos, isto é, direitos de participar do Estado. Este deslocamento, de “contra o Estado” para “participar no Estado”, é importantíssimo, pois nos indica o surgimento de uma nova perspectiva da liberdade. Esta deixa de ser pensado exclusivamente de forma negativa, como não impedimento, para ser compreendida de forma positiva, como autonomia. (BEDIN, 2002, p. 56). A partir dessa segunda geração evidencia-se que o cidadão pode ser participante da vida do Estado e projetar a sua cidadania política e social, englobando as chamadas liberdades socais, incluindo-se aí a liberdade de sindicalização, do direito de greve, entre outros. Na mesma linha de raciocínio, Bedin (2002) relata que a terceira geração de direitos surgiu no século 20, mais acentuadamente na segunda década, tendo sido influenciada pela Constituição de Weimar, de 1923 (Alemanha) e a Constituição Mexicana, de 1917 (México).

Sobre isso esclarece que: Esta terceira geração de direitos compreende os chamados direitos de créditos, ou seja, direitos que tornam o Estado devedor dos indivíduos, particularmente dos individuas trabalhadores e dos indivíduos marginalizados, no que se refere à obrigação de realizar ações concretas, visando a garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem-estar social. Estes direitos, portanto, não são direitos estabelecidos “contra o Estado” ou direitos de “particular no estado”, mas sim direitos e garantidos “através ou por meio do Estado”. Assim, não se trata de um novo deslocamento da noção de liberdade, por exemplo, como vimos, de não impedimento para a autonomia, mas sim da revitalização do princípio da igualdade. Por isto, podemos dizer com muita tranquilidade que esta nova geração de direitos representa não uma herança do liberalismo ou do pensamento democrático, como no caso das duas primeiras gerações de direitos, mas sim “um legado do socialismo” (Lafer, 1988, p. 127). (BEDIN, 2002, p. 62).

Diante disso parece salutar não deixar de mencionar o que Dallari (2004) menciona sobre os direitos fundamentais, haja vista que se encaixa de forma muito adequada ao que se 17 deseja abordar no próximo item sobre o conflito entre direitos fundamentais, mais especificamente, o direito à vida e à liberdade religiosa. O autor afirma que: A expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.

Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as condições mínimas necessárias param se tornar úteis a humanidade, como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse conjunto de condições e de possibilidades associa as características naturais dos seres humanos, a capacidade natural de cada pessoa e os meios de que a pessoa pode valer-se como resultado da organização social. É a esse conjunto que se dá o nome de direitos humanos. Para entendermos melhor o que significa direitos humano, basta dizer que tais direitos correspondem à necessidade essencial da pessoa humana. Trata-se daquela necessidade que são iguais para todos os seres humanos, e que devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com dignidade que deve ser assegurada a todas as pessoas. Assim, por exemplo, a vida é um direito humano fundamental, porque sem ela a pessoa não existe.

Então a preservação da vida é uma necessidade de todas as pessoas humanas. Mas, observando como são e como vivem os seres humanos, vamos percebendo a existência de outras necessidades que são também fundamentais, como a alimentação, a saúde, e tantas outras coisas. (DALLARI, 2004, p. 12, grifos do autor). Neste contexto significa dizer que os direitos fundamentais têm sua fundamentabilidade material centrada na dignidade da pessoa humana, que sem ela não vive, sobrevive ou convive na sociedade. No entanto, a questão que emerge como problemática reside no fato de os direitos fundamentais, muitas vezes, entrarem em colisão e revelarem a dificuldade de se reconhecer a nota de fundamentabilidade de um direito, notadamente, quando novos direitos estão sendo registrados e em vias de serem declarados como fundamentais, de modo solene, como o direito ao turismo e o direito ao desarmamento, conforme aduz Nunes (2007).

A respeito disso, Alston (apud NUNES, 2007, p. 36-37) atenta para “a tendência de a Organização das Nações Unidas e de outros organismos internacionais proclamarem inúmeros direitos, ditos fundamentais, sem a observância de quaisquer critérios objetivos.” Nesse diapasão, observa-se, segundo Ferreira Filho (2009, p. 35), que os direitos humanos ou ditos fundamentais devem “refletir um valor social fundamental importante, ser relevante, inevitavelmente em grau variável num mundo de diferentes sistemas de valor” e 18 desta forma serem reconhecidos pela comunidade jurídica e efetivados pelo poderes estatais, incluindo-se entre eles a liberdade religiosa e o direito à vida. Ambos apresentam-se como fundamentais e decorrentes de princípios constitucionais. 1.1 A liberdade e a legalidade como princípios fundamentais Em razão do entendimento de que os direitos englobam tanto os direitos fundamentais quanto os individuais, com toda uma nova série de prerrogativas e garantias que buscam assegurar o exercício da cidadania plena, entendida em sua conceituação mais ampla, é necessário explicitar o que significa liberdade e legalidade como princípios fundamentais e assim compreendê-los no contexto desta pesquisa. Conforme Adão (1999, p. 1-2, grifo do autor), Destaque importante, no campo dos direitos fundamentais individuais, era, e ainda é, prestado ao direito de liberdade. As teorias que se prestam a apresentar o conteúdo filosófico da liberdade são inúmeras. Surge, este direito individual, principalmente, como forma de libertar o homem das amarras do estado absolutista.

A esfera individual não mais poderia ser restringida pelo Estado de forma deliberada e absoluta. Destaca-se que o direito de liberdade nada mais é do que reconhecimento de que o indivíduo possui autonomia de vontade e esta se manifesta na possibilidade de querer ou não alguma coisa. Importante destacar, também, que a “liberdade individual” e a “autoridade estatal” precisam manter-se em constante equilíbrio, haja vista que a manutenção de ambas sem oscilações que causem desestabilização das relações é fundamental para o Estado Democrático de Direito. Sustenta Adão (1999, p. 1-2, grifo do autor) que o conceito de liberdade não é absoluto, não implica em ausência de coação. Liberdade consiste na ausência de coação anormal, ilegítima e imoral. Daí concluir-se que somente a lei geral estatal pode restringi-la, e assim mesmo devendo aquela ser elaborada segundo regras preestabelecidas e aceitas pela coletividade que busca regular. A lei limitadora do conteúdo da liberdade individual precisa ser normal, moral e legítima, no sentido de ser consentida por aqueles que a liberdade restringe. 19 O direito à liberdade não é absoluto, mas não se pode esquecer que para o ser humano se considerar livre é indispensável que os demais respeitem a sua liberdade. É evidente, porém, que essa liberdade está vinculada ao princípio da legalidade. Observa-se, portanto, que não há como desvincular a liberdade do princípio basilar do Estado Democrático de Direito, qual seja, do princípio da legalidade, sendo que baseado na lei o cidadão pode garantir/assegurar seus direitos. Assevera Adão (1999, p. 1, grifo do autor) que: Na Constituição Federal brasileira de 1988, percebe-se esta ligação no artigo 5 º , inciso II, que menciona que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.” A liberdade somente poderia ser limitada pela lei. Esta forma de considerar-se a legalidade frente à liberdade é baseada em um conteúdo negativo, sendo a liberdade o conceito geral e a restrição da lei a exceção. Não há uma relação no sentido de poderes fazer tudo o que a lei permite, mas de poder-se fazer tudo, exceto o que a lei expressamente proíbe.

Assim, infere-se que não há como dissociar o princípio da liberdade do princípio da legalidade, ambos se complementam, ainda mais quando se está diante de flagrante desrespeito à vida, por exemplo, no caso de uma pessoa negar-se a realizar um procedimento de transfusão de sangue ou tratamento médico que contrarie seus princípios éticos e religiosos alegando que a liberdade é um princípio e ao mesmo tempo um direito inerente ao ser humano. E, o direito de escolha faz parte deste grupo. Ademais, torna-se imperioso frisar que a CF/88, no art. 5º, inc. II, como já mencionado, deixa muito claro que “ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.” Então, questiona-se: como resolver o conflito existente entre dois direitos fundamentais? Sabe-se que a vida é um direito inviolável e fundamental (grifo nosso) e que a liberdade religiosa para algumas pessoas, no caso das Testemunhas de Jeová, apresenta um valor mais elevado que a própria vida, quando se referem à renúncia de sua liberdade de consciência e fé.

Direito à Liberdade Individual

A liberdade de cada pessoa é essencial para se ter uma vida plenamente satisfatória. Quando alguém não possui a sua própria liberdade, ela não consegue se desenvolver como pessoa. A liberdade de se expressar, a liberdade de pensamento e de ação é fundamental para qualquer um que seja considerando ser humanos vivo, desde que tenha nascido.

Se alguém é impedido de pensar e de agir conforme o seu pensamento, sendo obrigado a agir de acordo com ideias diferentes as suas, isso causa um grande mal estar. Péssimo mesmo é quando certa pessoa pensa de uma forma correta sobre determinado assunto, mas é obrigada a pensar de uma forma errada por imposição de outros.

Existe no mundo um padrão sobre o que é pensar da forma correta sobre todos os assuntos. Porém, há muitas pessoas que pensam diferente dessa forma pré-estabelecida pela sociedade. É aí que entra a liberdade individual de cada um. E essa liberdade deve ser respeitada (desde que não represente uma ameaça a própria pessoa que deseja ter essa liberdade nem para as pessoas em sua volta). Principalmente quando a questão é de comportamento pessoal às ideias sobre o que é certo e o que é errado diferem muito.

Existem padrões de comportamento estabelecidos. Mas nem todos seguem tais padrões. Julgar tais pessoas que pensam e agem de forma diferente da tradicional como "anormais" ou até "insanas" muitas vezes é algo bastante injusto e deve-se ter muita cautela ao tomar uma posição dessas, contra a própria pessoa humana em atuais consciências.

Se as conclusões de alguém sobre como se deve agir quanto ao comportamento em sociedade são contrárias as usuais, pode-se saber se esse alguém está certo ou errado, de acordo com as suas atitudes na vida prática. Por tudo isso, é muito difícil estabelecer normas, costumes e valores para uma sociedade como um todo, pois cada um tem a sua própria maneira de se comportar. Todos têm direito á liberdade de pensamento e de ação. Basta saber usar essa liberdade para se tornar uma pessoa que mereça ser respeitada, mesmo apesar das diferenças.

Direito à Liberdade Religiosa

Não obstante seja, hodiernamente, um direito de nítida feição constitucional, a liberdade religiosa nem sempre foi reconhecida como direito fundamental a ser gozado pelos cidadãos brasileiros.

No Brasil Imperial, que durou pouco menos de um século, levando-se em conta o Período Regencial presenciado entre o Primeiro e Segundo Reinados. A Carta Política de 1824, outorgada por D. Pedro I após a dissolução da Assembleia Constituinte, foi bem clara, ao prever no seu art. 5º que versava: “A religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.”

Como se depreende do dispositivo legal, o Império adotou como religião oficial o catolicismo, em que pese tenha mostrado certo grau de tolerância com os demais cultos religiosos, desde que celebrados de maneira particular, de forma a não afetar a ordem pública vigente.

Tal paradigma é finalmente rompido com a queda da Monarquia e consequente Proclamação da República, tendo sido promulgada, nesta ocasião (1981), a primeira Constituição Republicana que se tem nota da então incipiente história brasileira. Tal diploma, rechaçando veementemente os precedentes históricos, institui, pela primeira vez, a liberdade religiosa no Brasil, mormente no que toca aos direitos individuais dos cidadãos, como se observa do seu art. 72 § 3º, in verbis: “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.”

Neste diapasão, as cartas que sucederam a Constituição Republicana de 1981 seguiram o mesmo caminho trilhado pelo constituinte daquela época, garantido o direito à liberdade religiosa a todos os cidadãos residentes no país, aniquilando por completo a realidade imperial, donde Estado e Igreja confundiam-se como um só ente.

O direito à liberdade religiosa atinge o seu grau máximo de proteção com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, tendo sido o mesmo elevado à condição de direito fundamental, e, por conseguinte, cláusula pétrea, com previsão expressa no rol de garantias do art. 5º deste diploma.

Interessante apontar que, além de ser garantida como direito individual dos cidadãos, a liberdade religiosa também é protegida pela atual Lei Maior em outras facetas, merecendo destaque no sistema tributário (art. 150, VI, “b”) ou mesmo na ordem social (art. 195, § 7º, por não citar outros).

Todavia, em razão do corte epistemológico a que se propõe o presente trabalho, urge reter a atenção para o direito à liberdade religiosa como garantia individual, de modo a explanar qual o seu grau de ingerência e importância em eventuais conflitos com outros direitos individuas de ordem constitucional, como o direito à vida.

Pois bem. Mister faz-se, nesse sentido, analisar o teor dos incisos VI, VII e VIII da Carta Magna de 1988, os quais são transcritos ipsis literis:

Art. 5º, VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Art. 5º, VII: é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

Art. 5º, VIII: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.12

O primeiro dos incisos (VI) refere-se à liberdade de culto e de crenças, assegurada a todos, independentemente do segmento religioso que se identifiquem. Percebe-se, da leitura do dispositivo, que se trata de norma constitucional de eficácia relativa. Contudo, não existindo, até o momento, legislação complementar que trate da matéria, o exercício desta liberdade se dá de forma plena, tendo como único óbice, como não poderia deixar de ser, a observância de outros direitos e garantias fundamentais.

Igualmente, tal dispositivo de forma alguma obriga que o indivíduo adote esta ou aquela crença ou religião. Ao contrário, tal liberdade pode ainda ser interpretada no sentido de não se crer em absolutamente nada.

No tocante ao inciso VII, pode-se perceber o cuidado do legislador constituinte em estender o direito de assistência religiosa também àqueles que se encontra em entidades civis ou militares de internação coletiva, não mostrando preferência por religião específica.

Em outras palavras, um indivíduo que cumpre pena de detenção em presídio terá o direito à assistência religiosa, seja qual for a sua crença, na medida em que a sua condição temporária de detento não é, por si só, suficiente para impedir que continue a praticar os seus ritos. Ao Estado, por sua vez, é defeso optar por uma religião específica ao prestar essa assistência de ordem constitucional.

Finalmente, o inciso VIII trata da conhecida escusa de consciência. Nas palavras de Manoel Jorge Silva Neto (2008, p. 121): “É o direito reconhecido ao objetor de não prestar o serviço militar nem engajar-se no caso de convocação para a guerra, sob o fundamento de que a atividade marcial fere as suas condições religiosas ou filosóficas.”.

Em que pese o reconhecimento desta garantia, o dito objetor não está eximido de cumprir deveres legais, devendo o Estado fixar prestação alternativa para que seja cumprida.

Fica analisado, pois, o direito constitucional à liberdade religiosa, bem como os seus desdobramentos previstos na Constituição Federal. Passa-se agora, dando continuidade ao trabalho, a tecer algumas considerações acerca do método da ponderação de interesses, o qual servirá para solucionar conflitos práticos quando entram em rota de colisão dois direitos fundamentais.

Especial atenção deve ser conferida ao conflito entre o direito à vida e à liberdade religiosa, pois a tensão entre ambos mostra-se plena de aplicação no cotidiano, mormente no que concerne ao procedimento de transfusão de sangue realizados em testemunhas de Jeová.

Direito à Vida

Para atingir o cerne da discussão, qual seja, a contraposição entre o direito à vida e o direito à liberdade religiosa, é necessário traçar preliminarmente o conceito e limites de cada um destes, para que assim se possa obter visualização adequada para a resolução do conflito.

Em verdade, a discussão acerca do caráter absoluto do direito à vida possui estreita relação com a dicotomia entre direito público e direito privado. A revolução francesa, no século XVIII, deu surgimento ao chamado Estado Liberal. O poder do Estado foi limitado e os indivíduos gozavam de uma liberdade jamais vista, pois a interferência do poder público na vida em sociedade era mínima. O direito privado, positivado nas primeiras codificações, primava pela proteção à autonomia.

Com o advento da revolução industrial esse paradigma começou a se transformar. A percepção de que a mudança era premente surgiu com a exploração incessante dos trabalhadores nas fábricas, principalmente na Inglaterra, e com o consequente aumento da desigualdade social em toda a Europa. O Estado começa, então, a retomar seu caráter intervencionista e a autonomia era mitigada em prol do interesse público. As constituições se tornaram a base dos regimes jurídicos, ocorrendo o que foi chamado de constitucionalização do direito civil. O direito à vida se tornou um dos princípios basilares das constituições seguintes e a sua proteção era justificada em virtude do interesse público.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o direito à vida é inviolável e indisponível, daí que, apesar de ser titularidade por todos, ninguém possui direito sobre ele. É por isso que para parte da doutrina, como Roberta Kaufmann, o direito à vida deverá prevalecer sobre a liberdade religiosa, como no caso de um paciente que busca atendimento em um hospital público (2010, p, 21). Contudo, a jurisprudência pátria já começa a se pronunciar de forma contrária a esse entendimento, mitigando o direito à vida em prol da dignidade do sujeito que não se submete à transfusão de sangue. Nesse sentido, acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE CRENÇA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA. OPÇÃO POR TRATAMENTO MÉDICO QUE PRESERVA A DIGNIDADE DA RECORRENTE. A decisão recorrida deferiu a realização de transfusão sanguínea contra a vontade expressa da agravante, a fim de preservar-lhe a vida. A postulante é pessoa capaz, está lúcida e desde o primeiro momento em que buscou atendimento médico dispôs, expressamente, a respeito de sua discordância com tratamentos que violem suas convicções religiosas, especialmente a transfusão de sangue. Impossibilidade de ser a recorrente submetida a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial. Tratamento médico que, embora pretenda a preservação da vida, dela retira a dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido. Livre arbítrio. Inexistência do direito estatal de "salvar a pessoa dela própria", quando sua escolha não implica violação de direitos sociais ou de terceiros. Proteção do direito de escolha, direito calcado na preservação da dignidade, para que a agravante somente seja submetida a tratamento médico compatível com suas crenças religiosas. Agravo Provido.

(Agravo de Instrumento 70032799041, 12ª Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em: 06/05/2010)13

A Constituição Federal é a lei maior do ordenamento jurídico brasileiro, e deve ser interpretado de maneira a maximizar a eficácia de proteção ao catálogo de direitos fundamentais, o que inclui a liberdade de escolha do cidadão.

Não se pode negar, ademais, a grande importância do direito à vida. É por essa razão que cresce na doutrina uma corrente intermediária, que defende que o direito à vida deverá prevalecer apenas nos casos extremos quando, por exemplo, a transfusão de sangue é o único recurso seguro para salvar a vida da testemunha de Jeová (SÁ, 2010). Enquanto houver alternativas à transfusão, o direito à liberdade religiosa deverá prevalecer. Portanto, a inviolabilidade do direito à vida deve ser mitigada, consoante a necessidade de preservar o direito à escolha ou autonomia dos indivíduos.

Nesse tocante, trecho de parecer do CREMEB:

Se não há iminente perigo de vida, o médico atenderá a vontade do paciente ou de seus familiares. Ao contrário, se estamos diante de iminente perigo de vida do paciente e o procedimento se impuser, é óbvio que nenhuma falta ética estará o médico cometendo face ao seu Código de Profissional de Medicina. (CREMEB, 2004, p. 3)14

Existe também a possibilidade de que, caso o paciente seja plenamente capaz, poderá recusar a transfusão mesmo que seja o único recurso que o médico tenha pra lhe salvar a vida. Essa tendência está presente na jurisprudência internacional. No Brasil, ainda prevalece o direito à vida em detrimento da liberdade religiosa.


4. DIREITO DE AUTONOMIA SOBRE O PRÓPRIO CORPO

Nossa Constituição Federal nos seu artigo 5º, incisos II, VI e X garantem o direito à liberdade de consciência e de crença, e à privacidade. Em uma questão de lógica conforme podemos verificar em doutrinas, isso remete ao que o ser humano poderá fazer com o seu próprio corpo.

Se tratando do corpo da pessoa, compete tão somente a ela como paciente decidir qual o melhor tratamento, qual mais apropriado a sua conduta, e consciência, não cabendo assim a opinião pública, nem ao Poder Judiciário, pois conforme se tratar do próprio corpo, qualquer outra decisão que não da pessoa, seria tratamento de forma subjetiva. Portanto ao tomar decisão relativas à saúde do paciente, são os valores do paciente que devem determinar qual tratamento deverá ser seguido.

4.1 Liberdade e Autonomia

O direito à liberdade e autonomia acima de tudo religiosa não está restritamente ligado a adoração da divindade particular da pessoa ou templos religiosos, mas abrange, contudo, esquivar-se de todas as formas que o torna impuro perante suas crenças e sua consciência religiosa. Não importando assim de se mostrar diferente de qualquer posicionamento, pois,

A liberdade religiosa consiste num feixe de direitos públicos subjetivos, consagrados pela tradição, pelo direito comparado, e pelo direito constitucional positivo brasileiro como fundamentais. Essencialmente, é ela o direito de cada ser humano ter sua religião, por escolha livre, segui-la livremente nos seus mandamentos, prestar estes, o seu culto à divindade sem ingerência.15

Todavia, vale salientar, que as Testemunhas de Jeová não são contra tratamentos médicos. Muito distante disso, uma vez que elas até mesmo realizam várias pesquisas na área da saúde para contribuir com a ciência. Elas aceitam quase que todos os tratamentos médicos realizados no mercado da medicina hoje em dia, porém somente querem se resguardar de um mandamento bíblico. Assim, não se trata de uma recusa de tratamento médico, mas sim de uma opção por uma consciência religiosa de não aceitarem o sangue como tipo de tratamento.

4.2 A autonomia da Constituição

Apesar do poder marcial da Constituição Brasileira perante as leis geral, existem os que defendem estar dentro do artigo 135 (omissão de socorro) e 146, § 3º( constrangimento ilegal) do código Penal Brasileiro a base legal para se impor uma transfusão de sangue indesejada.

Ademais, é lógico e fundamentalmente jurídico o corolário de que aqueles direitos garantidos constitucionalmente não podem estar subordinados a nenhuma outra norma legal. Uma vez que o Poder Legislativo é produto da Constituição, e que o código Penal é uma promulgação do Poder Legislativo, tão logo os dispositivos do Código Penal em sua base hierárquica são inferiores às garantias da Constituição.

Aferindo Há quaisquer incoerências entre os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, e os deveres ou obrigações criados pela legislação comum, tais como o Código Penal, o menor deve se submeter perante a Constituição como sendo maioral em questão de hierarquia nas leis.

Assim, em posicionamento das garantias constitucionais da liberdade, e claramente da liberdade religiosa, não podemos permitir que as obrigações alegadamente impostas aos médicos pelo artigo 135 do Código Penal, assim como também a interpretação dos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica vigente atropelem a nossa maior conquista, o maior dos poderes, nossa Constituição, nossos direitos adquiridos como direitos fundamentais do ser humano, de autonomia sobre o próprio corpo e de liberdade religiosa.

4.3 Direito de recusa e escolha de tratamento médico

4.3.1 Preservação da vida

O conflito eminente das Testemunhas de Jeová na recusa do sangue nos tratamentos que envolvam transfusão de sangue homólogo em virtude de suas crenças traz levanta o tema fundamental e polêmico: o direito do paciente perante a escolha terapêutica dentro da Constituição Federal V.S. legislação brasileira.

Este posicionamento tem mostrado que as Testemunhas de Jeová são pacientes que prezam por sua vida, pois procuram de maneira espontânea por tratamento médico quando necessitam. Não acreditando assim em "curas pela fé" ou em "autoflagelação" e nem reivindicam o "direito de morrer" para solucionar seus males, como de forma sensacionalista e obstinada como vez por outra se alega, mas apenas desejam assim como todos, receber um tratamento médico de qualidade, porém sem o uso de sangue.

De acordo com o princípio do Consentimento Informado vimos que, antes de uma intervenção, o médico deverá esclarecer ao paciente os benefícios e riscos da terapia a ser aplicada (bem como alternativas), deixando que o paciente expresse seu consentimento ou não para o que considera ser o mais adequado aos seus interesses.

O direito ao Consentimento Informado está bem consagrado no nosso ordenamento jurídico brasileiro, a principiar por princípios constitucionais como a Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade e Legalidade (CF arts. 1º, III; 5º, caput e II).

O Princípio Da Dignidade da Pessoa Humana esclarece quanto ao fundamento do princípio do Estado de Direito e se vincula a atividade médica. E inexiste dignidade sem autonomia, deverá ser concedido ao paciente o direito de poder fazer suas escolhas terapêuticas de acordo com seus valores pessoais e religiosos.

Um comentário feito por, ALEXANDRE DE MORAIS descreve que "o direito à vida e à saúde, entre outros, aparecem como consequência imediata da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil."

Por conseguinte, o paciente tem total direito de se opor a um determinado tratamento médico se fundamentando no artigo 5º, II da Constituição Federal, que declara que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, salvo em virtude de lei. No caso em suma, como não há lei que rege a obrigar o paciente a de opor a transfusão de sangue como tratamento para determinados casos, a recusa será legítima e deverá ser respeitada. Ademais, um dispositivo legal neste sentido seria uma afronta tendo em vista os métodos de tratamentos médicos alternativos existentes, inclusive para necessidades emergências.

Desta forma são vários os motivos que levam o paciente a recusar o tratamento sem sangue. Dentre ele, podemos verificar de ocorrer do paciente não sentir total confiança em determinado médico ou hospital, ou que não queira sofrer as reações dolorosas de uma quimioterapia, ou que ainda pretenda consultar a opinião de outro profissional, etc. Seja assim como for, a nossa legislação garante o direito de escolha e recusa de tratamento médico para qualquer pessoa, independente do que motiva a decisão.

Caso seja a motivadora da escolha terapêutica em determinada situação for à convicção religiosa do paciente, o direito legal ao Consentimento Informado devera assim como nos demais casos ser preservado. Pois do contrário, configuraria uma forma odiosa de intolerância religiosa, há muito abolida do nosso ordenamento jurídico. Pois o direito do paciente que não aceita sangue por convicções religiosas não se diferencia de qualquer outro direito fundamental de nosso.

Afinal, mesmo que não seja a opção terapêutica prevalecida pela equipe médica, prevalecerá a vontade do paciente acima da decisão puramente técnica e profissional, por força dos preceitos constitucionais e legais já considerados.

Como já dito anteriormente que CANOTILHO, consideram existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte um (paciente) colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro (médico). Os direitos fundamentais de um nenhum dos lados não podem ser excluídos entre si, devendo ser harmonizados, sob pena de se sacrificar o princípio maior da dignidade da pessoa humana.

Contrariando totalmente a impropriedade da tese de colisão de direitos fundamentais (direito à vida x direito à liberdade religiosa) notadamente ao caso das Testemunhas de Jeová que recusam transfusão de sangue homólogo, assim ensina o jurista NELSON NERY JUNIOR:

"Ocorre, entretanto, que essa propalada colisão é um falso problema, na exata medida em que a colisão de direitos fundamentais em sentido estrito [consoante evidenciado na citação acima transcrita do maior expoente da teoria da colisão dos direitos fundamentais, ROBERT ALEXY] somente ocorre quando a realização de um direito fundamental, no caso a liberdade religiosa, causar dano ou repercussão negativa no direito fundamental de outrem."16

Ademais, quando um paciente escolhe por se abster de tratamento com sangue em razão de sua convicção religiosa, isto em nenhum momento afeta direitos fundamentais de terceiros, de maneira que não se deve falar em colisão entre direitos fundamentais.


5. MEDICINA TRANSFUSIONAL

Tendo em vista que a intervenção médica que se discute no caso paciente Testemunha de Jeová é a transfusão de sangue, a incerteza da prática médica ajudará a colocar a verdade sobre essa terapia em seu contexto adequado. Apesar do grande avanço da ciência médica, a medicina parece ainda ser uma arte sujeita a nuanças subjetivas, como se pode perceber nas seguintes citações;

Poucos afirmariam que a medicina é uma ciência exata, todavia muitos comentaristas fazem observações sobre a indisposição dos profissionais de saúde de considerar com seus pacientes as incertezas inerentes no diagnostico, no prognostico e nos possíveis tratamentos. As explicações desta virtude variam da insistência em manter o controle e o domínio profissional á eficácia terapêutica em potencial da confiança inquestionável no tratamento, tanto por parte do paciente como do profissional.

Acredita-se que o tempo médico de vida da verdade em medicina seja de oito anos. O que significa dizer que metade do que foi ensinado durante o curso médico e na residência deixa de ser verdade em oito anos.17

As incertezas sobre as práticas médicas crescem na medida em que se constata que as opiniões sobre como tratar determinados problemas de saúde são muito variadas. O entendimento sobre tratamento necessário ou indispensável, numa certa situação, varia de um certo profissional para outro.

Diz-se, ainda que os profissionais de saúde frequentemente refletem seus próprios valores ao preferir um tratamento alternativo a outro.

5.1 A incerteza das transfusões de sangue: Riscos da transfusão de sangue

Na última década, alguns estudos descobriram que, distante de salvar vidas, as transfusões de sangue podem consequentemente colocar em risco a vida dos pacientes. Recentemente, um grupo de cirurgiões e anestesistas está pondo em questionamento se o procedimento deve ser realmente ser adotado livremente como está acontece hoje.

"Habitualmente, quando ocorre uma incerteza clínica decorrente de um tratamento, você não o administra, mas nós continuamos aplicando a transfusão," diz o Dr. James Isbister, do Royal North Shore Hospital, na Austrália.

5.1.1 O problema está no sangue

Atualmente, um novo estudo realizado por médicos ingleses, não há nenhuma pesquisa que demonstre que a transfusão de sangue tenha benefícios, exceto se o paciente está com um quadro hemorrágico que não possa ser estancado. Segundo o Dr. Gavin Murphy, do Bristol Heart Institute, o que há são vários estudos alertando para os perigos da transfusão de sangue.

Este mesmo estudo avaliou outra série de outras pesquisas médicas já publicadas, mostrando que o problema não se encontra com o risco de se contrair uma infecção, ou doenças como a AIDS ou a hepatite - o maior problema está no próprio sangue.

5.1.2 Transfusão de sangue e o aumento da taxa de mortalidade de pacientes

Inúmeras das pesquisas atualmente mostram que as transfusões de sangue, principalmente as que contêm glóbulos vermelhos, estão diretamente ligadas a alta taxa de mortalidade em pacientes que durante a aplicação do sangue tiveram choque hemofílico e tiveram um ataque cardíaco, que passaram por cirurgias cardíacas ou que estão em estado crítico.

De igual natureza entre a transfusão de sangue e a alta taxa de mortalidade ainda é incerta, mas tudo apontam para alterações químicas no sangue já envelhecido após retirada do ser humano, o impacto que decorre no sistema imunológico e para a capacidade do sangue em transportar oxigênio.

5.1.3. Os riscos da transfusão é maior do que risco de infecção

Por certo, as grandes maiorias dos especialistas concordam que o risco representado pela transfusão de sangue é muito maior do que os riscos de uma infecção adquirida durante a transfusão. "Provavelmente entre 40 e 60 por cento das transfusões de sangue não são boas para os pacientes," afirma o Dr. Bruce Spiess, da Virginia Commonwealth University.

As transfusões de sangue tornaram-se um elemento básico da medicina durante as guerras mundiais, quando foram utilizadas como último recurso para salvar soldados que haviam sofrido perdas de sangue. Mas atualmente, distante de estar restritas a hemorragias catastróficas, as transfusões são utilizadas dia após dia como um tratamento opcional, mais comum em pacientes que se encontram em UTIs ou passando por grandes cirurgias.

5.1.4 Riscos maiores

Tudo começou a mudar em 1999, quando um estudo feito no Canadá destacou que um número significativo menor de pacientes morria decorrente da transfusão de sangue caso eles recebessem a transfusão somente quando os níveis de hemoglobina caíam abaixo de 70 g/l de sangue, e não 100 g/l, como é costumeiro normalmente.

Um estudo recente descobriu que, pacientes que sofreu ataques cardíacos, apresentou hematócritos acima de 25%, neste caso a transfusão de sangue representa um risco de morte três vezes maior ou com um segundo ataque cardíaco num intervalo de 30 dias. (Journal of the American Medical Association, vol 292, p 1555).

A cada 9.000 pacientes que sofreu cirurgias cardíacas na Inglaterra entre 1996 e 2003, receber uma transfusão de glóbulos vermelhos está associado com um risco três vezes maior de morrer dentro de um ano, e um risco comprovado de quase seis vezes maior de morrer em até 30 dias depois da cirurgia.

Comprova portanto que transfusões de sangue também estão associadas a mais infecções e altas taxas de incidência de derrames cerebrais, ataques cardíacos e falhas nos rins - complicações normalmente associadas a uma falta de oxigênio nos tecidos.

5.2 Tratamentos sem transfusão halogênica

O relatório sobre a epidemia de AIDS apresentado pela Comissão Presidencial dos Estados Unidos revelou o erro de presumir que o que é ou tem sido uma prática habitual seja necessariamente uma prática boa. Esse relatório apresentou o seguinte resultado, analisando criticamente os padrões habituais de transfusão, aceitos durante as décadas passadas, a medida mais segura preventivamente seria a não administração de sangue de outras pessoas nos pacientes já enfermo.

A comissão recomendou que se obtenha o consentimento informado antes de administrar qualquer produto sanguíneo. Disse que a obtenção deste consentimento:

Deve incluir uma explicação dos riscos implicados na transfusão de sangue e de seus componentes, entre eles a possibilidade de contrair o HIV, bem como informações sobre terapia alternativas à transfusão de sangue homólogo. Estas incluem especificamente sangue autólogo previamente armazenado, transfusão autóloga intraoperatória, técnicas de hemodiluição e recuperação pós-operatória.18

Se o procedimento sensato e humano é obter consentimento informado do paciente ou dos pais dele antes de empregar qualquer produto sanguíneo, dificilmente poderia ser suficiente a opinião de um médico para ignorar ou negligenciar o direito à autodeterminação do paciente sobre o seu próprio corpo ou o direito dos pais de velar pela integridade familiar.

Ademais, a mesma Comissão fez a seguinte recomendação em termos mais aplicados:

Os centros de assistência médica devem implantar todas as estratégias razoáveis para evitar a transfusão de sangue de uma pessoa em outra (transfusão homóloga) e substituí-la, sempre que possível, pela transfusão de sangue do mesmo indivíduo (transfusão autóloga). As técnicas de transfusão autóloga disponíveis na atualidade incluem o pré-depósito do sangue do próprio paciente, o reaproveitamento do seu próprio sangue durante a cirurgia, técnicas de diluição sanguínea e o reaproveitamento pós-operatório para reinfusão. Os centros médicos devem empreender com afinco o treinamento de sua equipe nestes procedimentos, e o consentimento informado para uma transfusão de sangue ou de seus componentes deve incluir uma explicação do risco envolvido na transfusão e informações sobre as alternativas para a transfusão de sangue homólogo.19

Por muitos anos, as Testemunhas de Jeová tem procurado alguns métodos alternativos recomendados pela Comissão Presidencial (por exemplo, a recuperação intraoperatória do sangue, hemodiluição e alguns métodos de recuperação pós-operatórios de sangue).

É uma fato que a medicina tem cada vez mais buscado meios de evitar transfundir sangue, sendo atualmente recomendado por um crescente númeto de médicos, pois consideram que:

A literatura médica indica ampla gama de estratégicas para evitar e controlar hemorragias e anemias sem transfusões de sangue [...]. Assim, á da responsabilidade do médico considerar tais alternativas com a finalidade de proteger seus pacientes das doenças associadas às transfusões de sangue e respeitar as convicções religiosas da família.20

Ao passo que é praticamente impossível acabar com hábitos profissionais, diversas fontes mostram que se pode praticar todo tipo de intervenções cirúrgicas ou tratamento médico com bons resultados sem utilizar sangue halogênico. É o que confirmou o professor Luc Montagnier, descobridor do vírus da AIDS: “à medida que aumenta o nosso entendimento, nos damos conta que as transfusões de sangue estão com os dias contados”.21


6. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS ÀS TRANSFUSÕES DE SANGUE

Hoje em dia existem inúmeros recursos terapêuticos para reduzir ou até evitar uma transfusão de sangue halogênico (sangue de outra pessoa). Todas as opções envolvem alguma estratégica clínica com medicamentos e/ou equipamentos específicos para o tratamento de paciente com anemia e/ou distúrbio na coagulação do sangue (por exemplo, plaquetas baixas). Em contrapartida, também existem estratégicas cirúrgicas com evidências em reduzir a perda de sangue pelo paciente durante a cirurgia. Pode-se ainda economizar o uso de hemocomponentes, que já se encontram pequenos nos bancos de sangue, intervês de medidas específicas em tratar o paciente para suportar ao estado de anemia.

Segue as opções e/ou alternativas em prol de reduzir e/ou evitar uma transfusão de sangue são:

1 – Tolerância a anemia.

Quando o diagnosticado a anemia duas partes estão envolvidas: MÉDICO e PACIENTE. Já se tem o conhecimento científico de que o paciente tolera anemia. Mas, muitos médicos não tem este conhecimento. Se tornarmos conhecido este fato, muitas transfusões de sangue poderão ser evitadas. A medicina não diz até quando o médico deve tolerar a anemia, isto é individual.

2 – Medicamentos no combate à anemia.

Sulfato ferroso, ácido fólico, vitamina B12, eritropoietina, darbepoietina e o CERA (continuous erythropoietin receptor activator) são os principais. Ainda outros em fase final de liberação mundial que fazem o papel do sangue em transportar o oxigênio: Hemopure, Hemolink, Oxygent.

3 – Medicamentos de uso sistêmico (endovenoso) para parar sangramento e evitar transfusão de sangue:

Ácido tranexâmico, ácido épsilon aminocapróico, vasopressina, estrogênios conjugados, octreotide, somatostatina, acetato de desmopressina (DDAVP), vitamina K (fitomenadiona), fator VII recombinante ativado, concentrado de fator VIII de coagulação, concentrado de complexo protrombínico, concentrado de fibrinogênio humano, fator XIII recombinante humano.

4 – Medicamentos de uso tópico para parar sangramento e evitar transfusão de sangue:

Hemostato de celulose oxidada para compressão da ferida; adesivos para tecidos/cola de fibrina/selantes; gel de fibrina ou de plaquetas; colágeno hemostático; espuma/esponjas de gelatina; tamponamento tópico de trombina ou embebido com trombina; polissacarídeos de origem vegetal; alginato de cálcio.

5 – Equipamentos/máquinas que evitam transfusão de sangue:

Trata-se de uma máquina capaz de recuperar o sangue do paciente que seria perdido durante a cirurgia. O fato interessante é que este sangue recuperado tem o DNA do próprio paciente. Pode ser reutilizado e não representa uma homotoxina (“corpo estranho”). Quando não recuperado, infelizmente vai para a lata de lixo junto com gases e compressas. O custo deste procedimento é aproximadamente o mesmo preço de uma a duas bolsas de sangue, quando consideradas todas as atividades envolvidas na transfusão de sangue.

A autotransfusão intraoperatória é uma excelente alternativa ao sangue alogênico, principalmente pelos benefícios, tais como: disponibilidade imediata de sangue fresco, diminuição das complicações pós-operatória, redução do número de dias de internação e de infecções associadas, redução de morte, bem como diminui a demanda de sangue homólogo (bolsas).

6 – Hemodiluição normovolêmica aguda:

Esta é uma das opções de tratamento mais simples e barata para se evitar ou amenizar as necessidades transfusionais. Consiste na retirada de uma, duas, três ou mais bolsas de sangue do paciente no início da cirurgia, sendo substituído por soluções cristaloides e/ou coloides como expansores do volume do plasma, para manter a normovolemia. Este sangue ficará a disposição do cirurgião para ser usado no momento apropriado, normalmente no final da cirurgia. Se ocorrer algum sangramento na cirurgia, teremos menos perda de sangue, já que estará mais diluído. Este sangue recuperado e armazenado tem o DNA do paciente, sem risco de reações imunológicas. O custo deste procedimento é de aproximadamente U$20,00 (vinte dólares) ou R$60,00 (sessenta reais), que seria o custo de duas bolsas de coletar sangue vazia.

7 – Técnicas cirúrgicas:

Esta estratégia envolve uma hemostasia meticulosa (técnicas cirúrgicas apuradas para parar sangramentos) e uma anestesia hipotensiva. Permitir que o paciente fique com sua pressão um pouco mais baixa, no menor nível tolerável, irá resultar em menos perda de sangue, pois a pressão de vazamento do sangue para fora do corpo durante uma hemorragia será menor. Outra técnica cirúrgica para evitar ou reduzir o consumo de sangue alogênico consiste em utilizar uma anestesia com hipotermia moderada (resfriar o paciente durante a cirurgia).

8 – Evitar coletas excessivas de sangue:

Trata-se da opção mais simples para se evitar uma transfusão de sangue. Porém, colocá-la em prática parece algo difícil e sem valor. Verificou-se isto também com o ato de lavar as mãos pelos médicos após examinar cada doente. Também é um procedimento simples, mas quanta rejeição ainda temos para colocá-la em prática por uma causa justa de se evitar infecção. Colher sangue três, quatro, cinco ou mais vezes num único dia, do mesmo paciente, só para seguir uma rotina ou algum protocolo arbitrário de determinada Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com certeza irá causar uma anemia iatrogênica e, consequentemente, resultar em uma transfusão de sangue também iatrogênica. Portanto, coletas excessivas de sangue gera anemia, como a maioria dos médicos não tolera anemia, o resultado é uma transfusão. Por isso, pergunte sempre ao seu médico se tal coleta irá mudar a conduta, ou seja, irá orientar um novo tratamento. Caso contrário, o sangue retirado só irá contribuir para piorar o quadro clínico.

9 – Usar tubos pequenos para coletas de sangue:

Esta também é outra opção ou alternativa simples de tratamento para se evitar o uso de sangue alogênico (de outra pessoa). A ciência concorda que quanto mais sangue se retira de um paciente, principalmente, quando hospitalizado, pior será para seu quadro de saúde. O que se propõe é colher o mínimo de sangue necessário para realizar os testes laboratoriais essenciais. Para isso, em muitos casos pode-se utilizar os pequenos tubos pediátricos para realizar as coletas em pacientes adulto s. O resultado desta estratégia significa evitar uma perda desnecessária de sangue e, consequentemente, evitar hemotransfusões. Praticar isso, é adotar uma medicina moderna que também salva vidas sem o uso de sangue através de uma transfusão. Pergunte isso ao seu médico.

10 – Oxigenoterapia precoce/Oxigênio suplementar:

A tolerância à anemia pode ser aumentada ao ventilar o paciente com uma alta fração inspirada de oxigênio (FiO2). Enquanto é mantida a normovolemia (volume circulante normal), a ventilação hiperóxica (ofertar 100% de oxigênio) pode ser considerada uma terapia de salvamento na vigência de hemorragia importante associada à anemia aguda grave com risco de morte. Ventilar com 100 % de oxigênio resulta em aumento rápido do conteúdo arterial de oxigênio, assegura a oxigenação dos tecidos mesmo com uma hemoglobina muito baixa (anemia grave) e mostra ser uma estratégia importante em reduzir transfusão alogênica.22


7. ESTRATÉGICAS CLÍNICAS PARA EVIATAR E CONTROLAR HEMORRAGIAS E ANEMIAS SEM TRANSFUSÃO DE SANGUE

O objetivo de todo profissional médico é zelar pelo bem estar do paciente que se encontra sob seus cuidados. Havendo dúvida acerca do melhor tratamento a ser empregado, mesmo respeitando a vontade do paciente, recomenda-se a prudência que se use o bom senso, consultando outros especialistas mais experientes, no intuito de individualizar uma terapia para as circunstâncias clínicas específicas, sobretudo ao caso do paciente Testemunha de Jeová. Abaixo encontram-se alistadas informações pertinentes sobre procedimentos médicos sem o emprego de sangue fornecidas pela COLIH (Comissão de Ligação com Hospitais).

7.1. Princípios gerais de tratamento sem sangue23

Formular um plano de tratamento clínico detalhado e individualizado para reduzir a perda sanguínea e tratar a anemia. O planejamento prospectivo e abrangente deve usar ao máximo uma combinação de modalidade para prevenir ou tratar hemorragia ou anemia. Um programa de preservação de sangue não pode basear-se em uma única modalidade.

Outro ponto importante recomenda-se obter consentimento esclarecido para procedimento antecipados ou potenciais. Discutir os risco e benefícios das intervenções propostas com o paciente e também com a família.

Empregar em enfoque multidisciplinar, ou seja, sempre colaborando com outras áreas de conhecimento para desenvolver e aprimorar a estratégia visada de manejo do sangue que for mais apropriada. Comunicar o plano de tratamento a todos os membros da equipe médica, designando antecipadamente as funções de cada um e as responsabilidades respectivas de forma clara. Manter comunicação constante sobre o tratamento do paciente, em especial quando a pessoa tem diversas doenças que são tratadas por vários médicos.

Ficar atento à perda sanguínea ou a deterioração fisiológica. É essencial detectar prontamente hemorragias anormais e envolver membros mais experientes da equipe, tomando pronta ação quando necessário.

7.2. Estratégicas para controle de hemorragia e anemia em pacientes enfermos24

7.2.1 Princípios gerais de conduta em Unidade de Terapia Intensiva (UTI)

Recomenda-se usar o critério clínico, estando preparado para modificar quaisquer práticas rotineiras, como vigilância extra e rápido controle de sangramentos.

Formular um planejamento clínico individualizado para facilitar a rápida tomada de decisões e evitar atrasos no tratamento. Planejamento bem-sucedido inclui previsão, prevenção, pronto reconhecimento e tratamento da perda sanguínea e anemia pelo uso de múltiplas intervenções terapêuticas apropriadas.

Discutir procedimentos em potencial ou indicado e seus riscos e benefícios com o paciente, família, responsável ou procurador.

Adote uma abordagem colaborativa entre os profissionais envolvidos nas diversas especialidades clínicas.

Mantenha a comunicação contínua com respeito ao controle do paciente entre os membros da equipe de cuidados intensivos e os consultores.

Consulte especialistas que já tem experiência no controle de pacientes sem transfusão de sangue

Mantenha vigilância ativa e contínua dos sinais e sintomas de perda de sangue ou deterioração. Se houver suspeita de sangramento, por alterações clínicas ou laboratoriais, inicie prontamente o diagnostico e o controle adequado.


8. COMISSÃO DE LIGAÇÃO COM HOSPITAIS (COLIH)

No intuito de auxiliar as Testemunhas de Jeová que precisam de ajuda ao enfrentar um problema relacionado com transfusão de sangue, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, filial no Brasil, criou o Serviço de Informações Sobre Hospitais, com sede em São Paulo. Tendo como objetivo relacionamento das Testemunhas de Jeová que necessitam de tratamento médicos sem sangue, são composta por mais de 2.000 membros experientes, que foram designados e treinados para este trabalho.

A COLIH mantém informações a respeito da disponibilidade e da eficácia de muitas formas de cirurgia e de tratamento sem sangue, e uma lista detalhada de médicos que estão dispostos a realizar cirurgias em Testemunhas de Jeová sem o uso de sangue.

O Serviço de Informações Sobre Hospitais supervisiona também o treinamento e o trabalho da COLIH. Os membros dessa comissão fazem visitas a médicos e hospitais com a finalidade de estabelecer um melhor relacionamento no atendimento de casos de Testemunhas de Jeová.

8.1 Orientações fornecidas pela COLIH

No Brasil, há mais de 150 Comissões de Ligação com Hospitais situados nas principais cidades, sendo ao todo cadastrados mais de 7.000 médicos que cooperam para cirurgias sem sangue. Em cada congregação das Testemunhas de Jeová existe uma pessoa responsável pela ponte entre as comissões.

Quaisquer membros da organização das Testemunhas de Jeová poderão recorrer a esta comissão, caso necessite, através dos anciãos. Os membros da COLIH somente interferem em casos de maior magnitude, cuja complexidade do caso induza a uma transfusão.

A função da COLIH é cooperar, jamais dificultar o tratamento ou trabalho dos médicos. Os membros dessa comissão dispõem, de inúmeras informações que facilitarão o trabalho da equipe médica.

A COLIH, seguindo a orientação da Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, orienta a família para que tenha sempre em todas as ocasiões o seu documento para uso médico preenchido por completo, datado, assinado e atestado por testemunhas, inclusive é recomendado o reconhecimento das firmas. É o cartão Não Aplique Sangue- Instruções e Procuração para tratamento de saúde. (segue foto)

Este cartão explica os motivos baseados na Bíblia, podendo também ser incluído aspectos específicos, tais como o tipo de cirurgia e o nome dos médicos e do hospital de confiança. Ademais, traz informações com respeito a pequenas frações de sangue, procedimentos médicos que envolvam o sangue do próprio paciente e instruções outros tratamentos.

8.2 Exercer seus direitos25

Caso seja fornecido algum termo de responsabilidade por parte do hospital, a COLIH recomenda examinar cuidadosamente esse documento, que poderá ser também na forma de um formulário de consentimento, logo ao ser internado. Logo após que a vontade do paciente será respeitada, o paragrafo seguinte declara que o signatário concorda que o hospital administre quaisquer tratamentos médico julgarem necessário.

O paciente tem o direito de alterar quaisquer de tais declarações, para excluir o sangue, ou riscá-las inteiramente. Lembrando que, de acordo com a Constituição da República, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei”.

Médicos e enfermeiros talvez tentem persuadir o paciente Testemunha de Jeová, mas como tal documento é um contrato, por óbvio, ninguém assina um contrato que não concorde. Caso insistam que o paciente assine, alerta a COLIH que o paciente poderá recorrer á direção do hospital.

Havendo muita resistência para aceitarem o formulário rasurado, o paciente poderá, nesse caso, fazer algumas observações de seu interesse, no próprio formulário, indicando quais cláusulas que discorda e colocando uma que declare especificamente a sua rejeição quanto ao uso do sangue.

Corolário do princípio constitucional da autonomia de vontade, um dos direitos de paciente é o consentimento conscientizado, o que significa que tratamento de tipo algum pode ser-lhe administrado sem sua permissão. O paciente pode até mesmo recusar todo e qualquer tratamento, se desejar. Antes de dar esse consentimento para submeter-se a determinado tratamento, a COLIH orienta que a equipe médica tem de dar-lhe uma clara explicação do que intenciona fazer, incluindo todos os riscos durante e após a intervenção médica. Em seguida, será razoável pedir á equipe médica informações sobre quaisquer alternativas disponíveis. Daí, depois de informado, o paciente terá mais segurança para escolher o tratamento que deseja.

Segundo a Comissão, para ter certeza do que o paciente está consentindo, mister fazer boas perguntas sobre qualquer coisa que não entenda, especialmente sobre palavras difíceis ou termos médicos usados pela equipe hospitalar. Por exemplo, se o médico disser que gostaria de usar plasma, ou dextran26, mas não é assim. Antes de concordar, sugere-se perguntar ao médico se se trata de um componente do sangue.

Mas, caso o paciente já tenha seguido todos os passos, tomado todas as providências, e ainda assim a equipe médica insistir ou até mesmo resistir a posição do paciente, o maior conselho dado pela COLIH é pedir ajuda. Alguns pacientes esperam tempo demais para procurar ajuda e colocam sua própria vida, sobretudo sua consciência perante Deus, em perigo.


CONCLUSÃO

As Testemunhas de Jeová estão dedicadas a servir a um Deus que acreditam JEOVÁ, e consideram que receber transfusões de sangue é algo repulsivo à sua consciência. Em uma sociedade pluralista como a brasileira, quando a escolha de uma pessoa ou de um pai (ou mãe) devendo haver respeito pelo indivíduo.

Aliás, como amplamente se demonstrou, este respeito é garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, á medida que declara inviolável o direito à vida (com todos os seus elementos materiais e imateriais) e á liberdade (incluindo-se aí a liberdade de consciência, da crença e de culto, bem como o direito a privacidade), e assegura a cada indivíduo o exercício dos direitos sociais e individuais nela garantidos como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Por conseguinte, as Testemunhas de Jeová continuam acreditando e lutando para que o seu direito primário, como cidadãos livre, seja respeitado, quanto á inviolabilidade de sua pessoa e ao direito de escolher tratamento médico sem sangue.

Daí, conclui-se que a colisão entre direitos fundamentais, de um lado o direito á vida, e do outro, liberdade de consciência e de crença sequer existe. Ela é apenas aparente. O paciente tem o poder de decidir quanto a se correrá os riscos do tratamento ou da operação recomendada pelo médico, ou se se arriscará a viver sem tal. Este é o direito natural da pessoa humana, que a lei reconhece como cláusula pétrea. Assim sendo, o paciente pode impor os termos, as condições, e os limites que deseje, ao dar seu consentimento.

Frente ao delicado problema, conclui-se que os dispositivos constitucionais brasileiros merecem pleno respeito, impedidas as autoridades, ao buscarem satisfação de hábitos insustentáveis ou tradições científicas não intensas a críticas, de se intrometerem indevidamente num campo em que o ser humano é soberano.

O ser humano tem soberania sobre o corpo e, evidentemente, tem também sobre a própria vida. Na verdade, a recusa a tratamento médico se inclui entre a manutenção da saúde a minoração dos sofrimentos. Não se pode transfundir sangue em ser humano contra a vontade deste, mediante coerção física (ou mesmo psíquica) sob o argumento de ser preciso salvar-lhe a vida, embora o homem, na qualidade de Testemunha de Jeová, tenha impedimento moral á utilização do meio a ser empregado pela Medicina convencional. A recusa se estrutura em garantia constitucional.

Existe dispositivo jurídico descriminalizado o constrangimento na medida em que tal seja concretizado para evitar suicídio, autolesão ou morte por ausência de tratamento médico na emergência. Entretanto, não há lei incriminando quem deixa de prestar socorro por não conseguir vencer a resistência do paciente.

Mais do que senhor da sua vida, o senhor da vida, o ser humano tem império sobre a própria morte. Pode-se, na verdade, auxiliar o homem a viver, curando-lhes as feridas e lhe restaurando a saúde. Mas não existe suporte suficiente para forçar o ser humano a viver contra suas convicções religiosas. Nisso, só ele tem a última palavra.


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Notas

1 Disponível em: https://kdfrases.com/frase/120428. Acesso em: 21 out. 2015.

2 E no Brasil tem sua sede em Cesário Lange, estado de São Paulo, onde também são impressos todos os materiais necessários para a obra de pregação.

3Disponível em: https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/vontade-de-jeova/quem-sao-testemunhas-jeova/#?insight[search_id]=211ea02e-c55b-4f84-8cc4-9044b9743ca3&insight[search_result_index]=0. Acesso em: 22 out. 2015.

4 Disponível em: https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/publicacoes/videos-biblicos-idiomas-nativos/#?insight[search_id]=8b9b0cec-bd61-4acf-9156-d96329f86648&insight[search_result_index]=1. Acesso em 22 out. 2015

5 Jeová, também chamado de Javé, é o nome de Deus na Bíblia hebraica, e é um termo de origem do hebraico.

Os judeus não reconhecem mais o termo, e evitam inclusive utilizá-lo, e atualmente Jeová é ligado a uma outra religião, conhecidos como Testemunhas de Jeová. Jeová aparece também na Bíblia da Igreja Católica, mas aparece em forma de tetragrama, uma palavra que era escrita sem vogais, YHWH, e foi traduzido para Jeová.

6 Um grupo de pessoas reunidas para determinado a expandir as obras do Reino, descritas na Bíblia. “Números 20:8 Pegue o bastão e reúna a assembleia, você e Arão, seu irmão, e diante dos olhos deles falem ao rochedo, para que dê água; e vocês farão sair água do rochedo para eles e darão de beber ao povo e aos seus rebanhos.”

7 Disponível em: Tradução do Novo Mundo Atos 15: 28Deu a ele o nome de Noé, dizendo: “Este nos trará consolo, aliviando-nos do nosso trabalho e do esforço doloroso das nossas mãos, causados pelo solo que Jeová amaldiçoou.”

8 Disponível em: Tradução do Novo Mundo de Bíblias e Tratados. Gênesis 9: 3-5

9 LENZA (2011, p. 863, grifos do autor)

10 Schäfer (2001, p. 44)

11 "BRASIL. Lei n. 91, de 1988. Alerta, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm>. Acesso em: 10 jun. 2014

12 “BRASIL, Lei emenda n. 91 de 2016. Alerta, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

13 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27471/as-testemunhas-de-jeova-e-o-direito-fundamental-de-recusa-as-transfusoes-de-sangue-na-constituicao-brasileira-de-1988

14 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11018/crime-de-omissao-de-socorro

15 FERREIRA FULHO, Manoel Gonçalves. Questões constitucionais e legais referente a tratamento médico sem transfusão de sangue. São Paulo, 1994.

16 JUNIOR, Nelson Nery, Código de Processo Civil. São Paulo. 2014.

17 BRUMLEY, Philip et. Al. Por que respeitar a escolha de tratamento médico sem sangue. São Paulo, 199.

18 Reporto f the Presidential Commission on the Human Immunodeficiency Vírus Epidemic, p. 78 (1988).

19 Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados.

20 DIMÂMPERA, “Tratamento sem Sangue Homólogo, a Baixo Custo, em Siqueira. Ações Integradas de Saúde A criança e a família, p.193(1994).

21 BRUMLEY, Philip et,al. Por que respeitar a escolha de tratamento médico sem sangue. São Paulo, 1999.

22 https://www.rbccv.org.br/article/2321/Therapeutic-options-to-minimize-allogeneic-blood-transfusions-and-their-adverse-effects-in-cardiac-surgery--a-systematic-review

23 Estratégias clínicas para evitar e controlar hemorragias e anemia sem transfusão de sangue em paciente cirúrgico. Distribuído pelos Serviços de Informações sobre Hospitais para Testemunhas de Jeová. Associação Torre de Vigia de Bíblia e Tratados.

24 Estratégias clínicas para evitar e controlar hemorragias e anemia sem transfusão de sangue em paciente cirúrgico. Distribuído pelos Serviços de Informações sobre Hospitais para Testemunhas de Jeová. Associação Torre de Vigia de Bíblia e Tratados.

25 Nosso Ministério do reino. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, v.2, 2015.

26 LEITE, Élida Maria Diniz, Solução utilizada como expansor do volume circulante em hemorragias agudas, compostas por um polissacarídeo. Dicionário Digital de Termos Médicos,


Autor

  • Hellen Flavia Santos

    Possui graduação em Direito pela Faculdade Pitágoras (2016). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito de Família e Criminal. Aperfeiçoamento Instituto Pedagógico de Minas Gerais em Direito Trabalho. Especialização Instituto Pedagógico de Minas Gerais em Direito Administrativo.

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