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Análise do psicopata à luz de aspectos penais e criminológicos

Análise do psicopata à luz de aspectos penais e criminológicos

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A correta adequação das pessoas acometidas pela psicopatia desafia todo o Poder Judiciário frente às dificuldades de definição do indivíduo psicopata.

RESUMO: A presente pesquisa possui o objetivo principal de analisar o reflexo do psicopata à luz de aspectos penais e criminológicos. Para isso, inicialmente, serão apresentadas as principais características da psicopatia utilizando como norte os conceitos da criminologia, de modo que se abordará, de forma pontual, os principais disturbios mentais e os aspectos gerais que envolvem o comportamento do psicopata. Posteriormente, o que se trabalhará será a responsabilidade penal do psicopata e as diversas nuances do direito penal que cercam o tema. Em seguida, considerando as informações apresentadas, serão descritos os motivos que fazem da Psiquiatria forense uma ciência indispensável no âmbito criminal, principalmente no tocante à determinação do perfil do indivíduo psicopata. Ademais, será feito um estudo comparado que analisará o tratamento dispensado aos psicopatas no Brasil e nos Estados Unidos, considerando, para tanto, a legislação vigente em cada país. Para viabilizar a pesquisa nos moldes planejados, escolheu-se a metodologia da revisão de literatura.

Palavras-chave: Psicopatia; Criminologia; Crime.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho terá como finalidade principal analisar a figura do psicopata à luz do Direito Penal Brasileiro contemporâneo. Tal tema mostra-se consideravelmente polêmico, visto que percebe-se um aumento significativo nos crimes cometidos por pessoas que possuem este tipo de transtorno de personalidade. Desta maneira, é fundamental que se reflita e se compreendam as peculiaridades essenciais que envolvem o assunto.

Inicialmente, serão tratados alguns tópicos acerca da criminologia, tais como a vitimologia e o comportamento criminoso, além do seu analítico estudo e alocamento na psicopatia. A importância deste estudo se baseia na obtenção de uma análise técnica e comportamental dos criminosos, tudo isso com o objetivo de explicar a ocorrência de um fato típico e as possíveis formas de preveni-lo.

Na sequência, a pesquisa adentrará ao Direito Penal Brasileiro, para análise da responsabilidade penal destes indivíduos, interpretando os conceitos da culpabilidade, imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade.

Nesse contexto, se faz fundamental a perícia médica psiquiátrica para a conclusão dos casos e fixação equilibrada das penas, apresentando sua disposição no texto legal. Isso também, porque a definição de psicopatia deve ser buscada a partir do estudo das ciências ligadas à área da saúde mental, pois são elas que fornecem aos operadores do Direito Penal base científica para que identifiquem esses sujeitos.

Por fim, para finalizar todo o processo de análise a que se propõe esta pesquisa, será feito um estudo de direito comparado para analisar a aplicação da legislação penal aos indivíduos que possuem psicopatia, considerando como referência comparativa as peculiaridades jurídicas dos Estados Unidos da América.             


1. A PSICOPATIA NO CONTEXTO DA CRIMINOLOGIA

O crime existe desde os primeiros sinais da civilização humana, dotado de características próprias durante cada período histórico.

Conforme declara Zaffaroni (1999, p. 46), a primeira formulação sistemática do crime é de responsabilidade de Tibério Deciano que definiu o crime como: “fato humano proibido por lei, sob ameaça de pena, para o qual não se apresentava justa causa para a escusa.”.

Dessa forma, é mister tecer o conceito de “crime”, para melhor entendimento da criminologia aplicada ao contexto dessa pesquisa. Liszt (1889, p. 183), descreve o seguinte conceito de crime: “crime é o injusto contra o qual o Estado comina pena e o injusto, quer se trata de delicto do direito civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, do crime, é a ação culposa e contraria ao direito”. Diante disso, pode-se compreender que crime e criminologia são conceitos distintos, porém interconectados. Isso, porque enquanto o crime é um conceito que está muito mais ligado aos aspectos práticos do direito penal, servindo como um balizador para a determinação da conduta criminosa; a criminologia aborda aspectos teóricos e conceituais, esbarrando, por vezes, em ideias psicológicas.

Assim, conforme exposto, é possível compreender que o estudo da criminologia foi tardio, de forma que a criminalidade avançava desenfreadamente. Apesar disso, antes mesmo de iniciar propriamente ao tema proposto, é essencial compreender algumas noções de Criminologia.

De acordo com o que muito bem expõe Nestor Sampaio Penteado Filho (2012, p. 17), entende-se criminologia como "a ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas".

Nesse mesmo sentido, Shecaira (2008, p. 31) escreve que:

Criminologia é um nome genérico designado a um grupo de temas estreitamente ligados: o estudo e a explicação da infração legal; os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com atos desviantes; a natureza das posturas com que as vitimas desses crimes serão atendidas pela sociedade; e, por derradeiro, o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes.

Nesta senda, mesmo sendo uma ciência autônoma, a Criminologia acaba sendo influenciada por outras áreas, tais como psicologia, direito, sociologia, dentre outras matérias. Por isso, resta demonstrada a importância do estudo dessa ciência na presente pesquisa, que classifica e define o criminoso.

Analiticamente, segundo anotações de Penteado Filho (2012, p. 20) de acordo com a Escola Clássica, o criminoso era um ser que havia pecado, optado pelo mal, mas, mesmo assim:

[...] o apogeu do valor do estudo do criminoso ocorreu durante o período do positivismo penal, com destaque para a antropologia criminal, a sociologia criminal, a biologia criminal etc. A Escola Positiva entendia que o criminoso era um ser atávico, preso a sua deformação patológica (às vezes nascia criminoso).

Em outro viés, a Escola Correcionalista, compreendia que o delinquente era diferente pelo fato de ser incapaz de se governar, merecendo que o Estado lhe apresentasse ações pedagógicas.

Na atualidade, a criminologia se utiliza de métodos biológicos, além de encontrar fundamento para as suas teorias nas Ciências Sociais. Dado o seu caráter empírico, procura o auxílio dos artifícios estatísticos e históricos. Ainda assim, como bem aponta Greco (2009, p. 67) defende que tais fatores não são capazes de determinar as causas que culminam na criminalidade.

Diante do que foi delineado, entende-se por necessário observar a Psicopatia, no contexto da Criminologia, sob a luz da Psicologia criminal e Psiquiatria criminal. A primeira área de estudo tem por objeto a personalidade regular, mediana, bem como os fatores que possam influenciá-la, quer sejam biológicos, ambientais ou sociais. Já a segunda área cuida da análise aprofundada a respeito do indivíduo que possui alguma alteração comportamental característica e que esteja relacionada com práticas delituosas.

1.1 Panorâma geral sobre os distúrbios mentais

Antes mesmo de adentrar nas especificidades da psicopatia em si é fundamental diferenciá-la das demais desordens mentais. Para que isso seja feito de forma correta, será feita uma análise do “CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde”, uma vez que é nele que se tem a descrição dos tipos de transtornos específicos de personalidade. Para isso, serão tecidas considerações a respeito de alguns tipos de transtornos.

Iniciando pelo Transtorno de conduta (disposto no CID-10, classificação F91.8), é possível perceber que sua individualização se dá a partir da identificação de comportamento hostil, provocador, desafiante, desobediente em relação às autoridades em seu amplo significado. Normalmente esse tipo de transtorno é associado a outras desordens mentais tais como a própria psicopatia.

Seguindo, tem-se o conceito de Retardo Mental (disposto no CID-10, classificação de F70-F79). De acordo com esta conceituação, Retardo Mental é o desenvolvimento incompleto da mente, caracterizado, normalmente, pelo prejuízo da habilidade para resolver problemas. A esse tipo, especificamente, o Direito brasileiro garante a inimputabilidade, conforme declara expressamente art. 26 do Código Penal brasileiro.

Já a dita Personalidade Antissocial (fixada no CID.10 classificação F60./ DSM. IV 301.7), caracteriza aqueles que costumam apresentar comportamento destrutivo e emocionalmente instável. Além disso, é comum que esse tipo de indivíduo apresente falta de ansiedade ou mesmo culpa. Esse transtorno é originado pela cultura social na qual o indivíduo foi inserido desde criança.

A condição conhecida como Esquizofrenia (CID-10, F20-F29) é permanente do indivíduo, e apresenta condições graves que afetam fortemente o funcionamento intelectual. O indivíduo esquizofrênico tem considerável e inconstante afastamento da realidade, entrando num processo de espelhamento sob si mesmo, no seu mundo interior, ficando, frequentemente, entregue às próprias fantasias.

A característica principal da esquizofrenia é seu quadro crescente e, que leva a uma verdadeira deterioração intelectual e, consequentemente, afetiva. As pessoas que possuem esta desordem não articulam com a mínima lógica quando traçam um raciocínio sobre determinado assunto e, por esse motivo, utilizam frases desconexas com monólogos e, muitas vezes, envolvendo seres irreais. É muito comum que a esquizofrenia esteja associada à psicopatia. Seu tratamento é indicado por meio de medicamentos de uso contínuo, por toda a vida.

Além das desordens descritas anteriormente, ainda se tem as Neuroses (identificadas no CID-10 de F40 até F48). Esse tipo de transtorno está relacionado a distúrbios apenas de alguns aspectos da personalidade; ou seja, mesmo tendo esse transtorno, a pessoa pode ter sua capacidade de pensamento preservada. Da mesma forma, pode ser capaz de estabelecer relações afetivas. Os sintomas que caracterizam as neuroses podem incluir ansiedade, angústia e ideias hipocondríacas. Na neurose, é comum que a pessoa reconheça ser doente e procure, espontaneamente, tratamento para melhorar. Nesse ponto é importante ressaltar algo curioso: não raro, muitos psicopatas se passam por neuróticos objetivando uma pena mais suave.

Assim, é justamente pelas classificações trazidas e individualizadas acima que seria um erro considerar um psicopata como uma pessoa de personalidade patológica e, consequentemente, atribuir-lhe a inimputabilidade, como foi feito por muito tempo no Brasil. Por isso, é fundamental a análise e parecer da perícia médica psiquiátrica, que será objeto de estudo nesta pesquisa.

De modo a respaldar o raciocínio acima exposto, trazem-se os ensinamentos de Roland (2010, p. 152):

Nenhum dos psicopatas que tive oportunidade de estudar ou examinar era legalmente insano. Contudo, nenhum era uma pessoa normal. Todas eram pessoas com distúrbios mentais. Mas, a despeito de seus distúrbios, que estavam relacionados às índoles e às compulsões sexuais, eram pessoas cientes de seus atos, tinham noção de que o que faziam era errado, e decidiram fazer de qualquer forma.

Neste sentindo é importante destacar que embora seja reconhecida como patologia que acomete o estado mental do indivíduo, a psicopatia não possui descrição específica no CID. Desse modo, não é possível caracterizá-la especificamente como patologia utilizando o mencionado cadastro.

Sendo assim, é muito importante realizar a consolidação de especialidades, ou seja, psicólogos, psiquiatras, peritos, no sentido de facilitar a análise e desenvolvimento de casos que venham a aparecer para apreciação do Poder Judiciário. Isso, principalmente, para que se identifique o mais breve possível, qual transtorno mental acomete o sujeito e o que ele realmente possui, culminando em um julgamento judicial adequado, aplicando-se a sanção justa.

1.2 Aspectos gerais da psicopatia

Inicialmente, é preciso destacar que, conforme Soeiro e Gonçalves (2010, p. 2), a psicopatia é uma condição mental que se manifesta por meio de uma séria de condutas resultadas de um conjunto de características biológicas e de personalidade do indivíduo. Tal conjunto de características, na maioria das vezes, está relacionado a fatores familiares e ambientais que impactam, consideravelmente, no desenvolvimento psíquico da pessoa.

Posto isto, é mister salientar a origem do termo e suas definições, para uma maior compreensão. Nessa senda, o entendimento de Jorge Trindade (2012, p. 165):

Em realidade, o termo personalidade psicopática, atualmente de uso corrente, foi introduzido no final do século XVIII, para designar um amplo grupo de patologias de comportamento sugestivas de psicopatologia, mas não classificáveis em qualquer outra categoria de desordem ou transtorno mental.

Seguindo o raciocínio, o referido autor esclarece (2012, p. 161):

Esse transtorno, historicamente, foi conhecido por diferentes nomes: a)insanidade sem delírio (PINEL, 1806); b)insanidade moral (PRICHARD, 1837); c) delinquência nata (LOMBROSO, 1911); d) psicopatia (Koch, 1891); e) sociopatia (LYKKEN, 1957). Atualmente, é conhecido por Transtorno de Personalidade Antissocial.

No início do século XX, a Escola de Psiquiatria Alemã, através dos ensinamentos de Kurt Schneider definiu a acepção “psicopata”, apontando que, um indivíduo com esse tipo de transtorno tem uma personalidade fora do considerado normal, que sofre, justamente, por causa de sua anormalidade ou que, instigado por ela, causa mal à sociedade.

No contexto jurídico forense a psicopatia é definida como um conjunto de mudanças de conduta em sujeitos que possuem tendência a esse tipo de comportamento com certa constância, pelos fatores: delinquência juvenil, desordens emocionais causadas na infância, convivência com pessoas autoritárias, ou até mesmo falta de atenção dos seus responsáveis.

Na definição desses sujeitos é muito comum que se tenha destacado o charme, quase sempre superficial, a superestima, facilidade de se entediar, tendência a mentir e manipulação, dificuldade em sentir culpa ou remorso, insensibilidade nas relações afetivas, indiferença em relação às pessoas ao seu redor, falta de empatia, impulsividade de conduta, desordem comportamental, ausência de objetivos fixos, principalmente os de longo prazo e, não raro, promiscuidade sexual.

Este tipo de alteração de personalidade é possuinte de um alto nível de gravidade, principalmente quando se analisa o processo evolutivo de um indivíduo dentro da patologia e até onde ele pode chegar. Isso, porque, com o passar do tempo, o sujeito normalmente chega a estágios graves de descontrole, podendo causar males irreversíveis a si mesmo e à sociedade.

Nesse sentido, vale dizer, ainda, que mesmo considerando todas as afirmativas feitas anteriormente, deve ficar claro que o portador da psicopatia não é uma pessoa doente, na acepção restrita da palavra, visto que a pessoa que desenvolve esse tipo de desordem está acometida por um transtorno de personalidade.

Ainda assim, esse tipo de indivíduo se acha à margem do que é considerado normal nos critérios emocionais e comportamentais, demandando acompanhamento dos profissionais da área da saúde e da área humanística, tanto em aspectos físicos quanto comportamentais, incluídos aí os profissionais do Direito.

Para o Direito, especificamente, o estudo desse indivíduo merece atenção devido ao fato de que os crimes praticados por sujeitos considerados psicopatas são simplesmente para satisfação de sua desordem mental, observando-se a presença, muitas das vezes, de violência gratuita, ao contrário dos criminosos comuns que normalmente buscam dinheiro e poder com a prática de seus crimes.


2. RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA

Após a compreensão do contexto já abordado se faz necessário um aprofundamento dos tipos de responsabilização penal que existem em nosso ordenamento jurídico, na seara do Direito Penal, isso tudo para melhor visualização e entendimento do tema analisado.

Assim, inicia-se, a partir dessa narrativa, a análise da psicopatia à luz dos conceitos da culpabilidade, imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade.

Para que isso seja feito de maneira satisfatória, será feita uma reflexão sobre cada um desses elementos de forma individualizada, possibilitando a verificação do melhor item para enquadramento do indivíduo psicopata.

2.1 Considerações sobre culpabilidade

Na atualidade, o conceito de culpabilidade apresenta conexão direta com os elementos caracterizadores da imputabilidade, assim como a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diferente da praticada.

Nesse sentido, é possível compreender das lições de Nucci (2011, p. 300) que:

Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser Imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo).

Dessa forma, o que se tem é que a culpabilidade surge da possibilidade de penalizar o indivíduo causador do ilícito penal, sendo que este deve ser considerado imputável, pois está mentalmente consciente do mal causado e, paralelamente, tem completa consciência de que poderia agir de forma diferente, caso fosse possível.

2.2 Considerações sobre imputabilidade

Apesar de ser inerente ao âmbito jurídico, a inimputabilidade está associada às áreas relacionadas à saúde mental e à regularidade psíquica, sendo necessária, portanto, uma análise interdisciplinar. Esse termo, surge do binômio da sanidade mental e maturidade, isto é, denota a condição daquele que tem a capacidade de realizar uma ação com completo discernimento, sendo capaz de bem direcionar seus atos.

Assim, Damásio de Jesus (2000, p. 65) é assertivo ao trabalhar em sua obra o conceito de imputabilidade:

Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a pratica de um fato punível, e ainda, Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica.

Nesse sentido, ressalvado aqueles, os quais, a legislação brasileira determina o contrário, serão responsabilizados por atos e condutas praticadas socialmente, os indivíduos que em razão de ato contrário à lei, cometam algum tipo de ilícito penal, devendo, por isso, receber a adequada punição. Sendo necessário, portanto, que se constate a capacidade mental e as condições de controle do agente.

2.3 Considerações sobre inimputabilidade

Considerando a análise conceitual da imputabilidade apresentada no tópico anterior, caracteriza-se de forma quase que antônima a inimputabilidade, visto que este conceito aparece concretamente quando há ausência de faculdade mental do agente. Instituto normatizado no art. 26, do Código Penal Brasileiro, conforme abaixo:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento[1].

Cumpre informar que existem certas condições psicológicas, de que são exemplos algumas neuroses, como os transtornos obsessivo-compulsivos (TOC), nos quais o sujeito, mesmo sabendo o valor de seu comportamento, não possui a capacidade de se autodeterminar ou de se governar a fim de que possa impedir seu próprio impulso, por isso, é considerado, para o direito penal, um doente mental, de modo a ser rotulado de completamente incapaz. Segundo Nucci (2014, p. 89), essa falta de capacidade acontece por causa da doença mental ou mesmo do desenvolvimento mental incompleto.

Ressalte-se que, conforme ressalva Trindade (2012, p. 45), são consideradas doenças mentais as psicoses, os estados de alienação mental por descontrole de personalidade, a evolução equivocada de seus componentes e outros. Já o desenvolvimento mental incompleto é aquele que não fora finalizado, enquadrando neste conceito, além dos menores de idade, os índios que não estejam adaptados.

Nessas situações, a psicopatologia forense deve verificar se a anormalidade causa a incapacidade.  Ainda assim, é inevitável o exame médico psiquiátrico, pois é ele que proporcionará um laudo especializado, indicando exatamente o estado de doença mental a fim de comprovar a real gravidade dos indivíduos, sendo que poderá ser realizado tanto na fase do inquérito policial quanto no decorrer do processo penal, mediante instauração de incidente de insanidade mental do réu.

Ademais, existem três principais critérios para se verificar a inimputabilidade, considerando desde já que o nosso Código Penal Brasileiro utiliza o critério Biopsicológico, segundo explica Nucci (2014, p. 105).

Esses critérios são:

  • Biológico: que analisa exclusivamente a saúde mental do autor do delito;
  • Psicológico: que considera a capacidade que o autor do crime possui para compreender o caráter ilícito do fato ou mesmo de se comportar conforme essa compreensão; e
  •  Biopsicológico: neste critério o que se destaca é a união dos dois critérios citados acima.

Após a análise e uma vez compreendido que o agente é, de fato, inimputável, sua absolvição é necessária, aplicando-se, no entanto, medida de segurança como forma de repreensão do ilícito praticado.

2.4 Considerações sobre a semi-imputabilidade

Na análise dos termos que vigiam a sanidade mental dos praticantes de delitos, existe uma situação muito particular que se situa justamente entre a imputabilidade e a inimputabilidade. Nesses casos, a correta averiguação pode impactar decisivamente na capacidade de compreensão e autogoverno do agente.

A respeito desses indivíduos, muito bem pontua Penteado Filho (2012, p. 118) ao descrever que:

Aqui se situam os denominados fronteiriços (limítrofes), os quais apresentam situações atenuadas ou residuais de psicoses, de oligofrenias ou ainda quadro de psicopatia. Tais estados ou situações afetam a higidez mental do indivíduo, sem, contudo, privá-lo completamente dela.

Em casos como esses, a causa redutora é fundamental. Na prática o magistrado fixará a pena privativa de liberdade para só depois substituir por internação ou mesmo tratamento ambulatorial.

Ainda nesse sentido, vale informar que, conforme entendimento de Delmanto (2010, p. 45), a culpabilidade não se extingue, haja vista ter natureza condenatória, sendo assim, o que muda é a possibilidade do juiz, ao analisar o caso específico e diante das provas colacionadas nos autos, poderá aplicar a medida de segurança ou a pena reduzida, o que julgar mais adequado.

Nessa esteira, Superior Tribunal de Justiça já se posicionou para afirmar que:

Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa; (HC 33.401-RJ, 5ª T., rel. Felix Fischer, 28.09.2004, v.c., DJ 03.11.2004, p. 212)[2].

Dessa forma, diante da jurisprudência supracitada, é conveniente abordar, a seguir, o importante papel da perícia médica para que seja feita a comprovação da condição mental do acusado de forma assertiva, visto que, somente dessa forma o magistrado será capaz de prolatar sentença e aplicar a sanção mais justa.


3. A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA MÉDICA PSIQUIÁTRICA

Considerando o critério utilizado pela Legislação Penal Brasileira, a perícia médica psiquiátrica, em casos específicos, é fundamental para obtenção de resultado concreto da doença mental ou mesmo do desenvolvimento incompleto, consoante o caráter biopsicológico.

Desse modo, o magistrado poderá acolher o laudo psiquiátrico no decorrer da instrução processual e integralizá-lo às provas. Porém, é importante ressaltar que o juízo não fica restrito a este parecer, devendo levar em consideração o que está disciplinado no art. 182 do Código de Processo Penal, ou seja, “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”.

Sendo assim, o juiz poderá determinar que seja realizada nova perícia médica psiquiátrica caso não sinta segurança com a apresentada nos autos. Se for esse o caso, o ideal é que o novo parecer seja elaborado pelo médico psiquiátrico já designado para tanto. Apesar disso, o magistrado não pode ignorar ou desconsiderar a prova pericial que confirma a inimputabilidade dos réus, baseado em suas impressões pessoais, devendo, portanto, respeitar o laudo apresentado pelo especialista.

3.1 Abordagem legal sobre o tema

A lei brasileira não expressa em seus termos matéria específica que determine a pena a ser cumprida pelo indivíduo psicopata ou qual a forma de condenação a ser fixada para ele. Assim, a legislação penal apenas pincela o assunto em alguns dispositivos instituídos em seus textos, a exemplo do artigo 26 do Código Penal.

Apesar disso, a aplicação deste dispositivo legal ao psicopata se torna praticamente impossível, visto que, como já dito, se faz necessária perícia médica psiquiátrica a fim de que seja possível elaborar um diagnóstico correto, evitando, portanto, que o sujeito cumpra sua pena como “um qualquer”, e consequentemente agrave seu transtorno, já que não foi tratado adequadamente por profissionais especializados, conforme disciplina Greco (2009, p. 85).

Nesse sentido, os entendimentos majoritários dos juristas brasileiros, normalmente acompanhados pelas jurisprudências de muitos Tribunais brasileiros, têm sido convergentes, à tese de que os psicopatas deveriam ser responsabilizados penalmente na qualidade de semi-imputáveis, já que a psicopatia se aproxima de uma espécie de perturbação da saúde mental.

Normalmente, na inimputabilidade penal, o agente é absolvido e encaminhado ao cumprimento de medida de segurança, já na semi-imputabilidade há sentença condenatória, porém com a obrigatoriedade de redução da pena.

Nesse raciocínio, Trindade (2012, p. 79) assevera que:

Em que pese a existência de posicionamento jurisprudêncial referindo a posição de que os psicopatas apresentam capacidade penal diminuída, imaginar a psicopatia como uma doença mental clássica e incapacitante sob o aspecto cognitivo e volitivo, fazendo com que, sob o aspecto jurídico, o psicopata seja isento de pena, é o mesmo que privilegiar a sua conduta delitiva perpetrada ao longo da vida e validar seus atos.              

Sendo assim, revela-se algo de difícil solução, visto que o questionamento se faz essencial quanto ao que deve ser feito para que ocorra a efetiva ressocialização desses indivíduos.

Teoricamente, não existe nada a ser feito, visto que, como aduzido, não existe no Brasil uma concepção jurídica única que se verse sobre a psicopatia. Isso significa que não existe matéria individualizada nos Códigos Brasileiros para que haja a punição correta e a ressocialização desses agentes.

Na atualidade, a única opção legal é a velha norma editada por Getúlio Vargas, qual seja o Decreto nº 24.559/34, que regulamenta precariamente a situação do psicopata. Neste decreto, é observada a atenção que deve ser dada a estes sujeitos, devendo ser facilitado um elo entre sistema judiciário e a psiquiatria.

Diante das observações tecidas, é necessária uma adaptação da legislação, para que a pena aplicada ao psicopata não se limite a pena máxima em abstrato imposta ao crime ocorrido, de forma que esta pena perdure enquanto se achar necessário, ou seja, enquanto o agente demonstrar periculosidade ao convívio social, para isso deve haver o acompanhamento contínuo de uma equipe especializada, para que se minimizem as agressões e impulsividades do agente.


4. BREVE ESTUDO DE DIREITO COMPARADO: ESTADOS UNIDOS X BRASIL

Após analisadas as principais características acerca do tratamento legal dispensado aos psicopatas em solo brasileiro, se faz necessária uma breve análise a respeito deste tratamento em outros países. Isso, porque, muito embora exista uma perspectiva de aplicação das sanções penais aos indivíduos psicopatas, a legislação brasileira ainda está muito aquém quando comparada com as disposições adotadas no exterior.  

4.1 Sanções dispensadas aos psicopatas no Brasil x EUA.

Os psicopatas possuem características peculiares, tendo em vista que não são capazes de assimilar os efeitos da punição. A função brasileira da pena, prevenir, punir e ressocializar, não funciona com esses indivíduos.

Como já fora observado ao longo da pesquisa, no Brasil os indivíduos são classificados como imputáveis, semi-imputáveis e inimputáveis, não existindo, portanto uma lei específica para os psicopatas, diferentemente dos Estados Unidos que criou leis especificas, demonstrando desta forma entendimento de que os crimes cometidos por pessoas com personalidades e condutas díspares merecem uma observação individualista.

Assim, conforme assevera Palomba (2003, p. 183), em países como os EUA o psicopata é visto pela própria legislação com um olhar diferenciado e isto garante que a reincidência dos crimes praticados por pessoas com esta característica diminua consideravelmente.

No Brasil, as sanções aplicadas a inimputáveis, semi-imputáveis e imputáveis são respectivamente: medida de segurança, aplicação da pena com atenuante e aplicação da pena normalmente. Já nos Estados Unidos quando se fala de crimes sexuais praticados por psicopatas, realiza-se a aplicação de hormônios femininos nos infratores, reduzindo os níveis de testosterona e a libido sexual, denomina-se este procedimento como “Castração Química”.

Existe também a possibilidade de prisão perpétua, sendo garantido a indivíduos menores de idade celas de isolamento, diferentemente do Brasil.

Um dos mais renomados especialistas do assunto, Robert Hare (1973, p. 04), criou uma avaliação diagnóstica, mensurada através da chamada escala Hare, para facilitar a identificação dos indivíduos com características de psicopatia. Segundo suas considerações, o termo psicopatia “se refere aos indivíduos cronicamente anti-sociais que estão sempre, em complicações, não aprendendo nem com a experiência nem com a punição e que não mantêm nenhuma ligação real com qualquer pessoa, grupo ou padrão”.

Utilizando esses conhecimentos, os Estados Unidos trabalham intensamente com a aplicação deste tipo de teste, além de investir na criação de legislações direcionadas aos psicopatas, situação ainda pouco explorada no Brasil.

Segundo Palomba (2003, p. 185), por ter legislações específicas e apostar na utilização de testes para identificar o perfil do agente criminoso, bem como seu grau de reincidência, os Estados Unidos conseguem direcionar a aplicação da pena de forma a individualizá-la conforme o grau de periculosidade do acusado.

 Já no Brasil, conforme destaca o autor supracitado, muito embora o ordenamento jurídico tenha absorvido o ideal principiológico da individualização da pena, a aplicação ainda é feita com base em critérios genéricos dispostos na lei penal, com validade e aplicabilidade para qualquer indivíduo que seja considerado imputável.

4.2 Casos Concretos e as punições aplicadas (EUA)

As sanções aplicadas aos psicopatas variam consideravelmente de acordo com o local e legislação, pesquisas apontam que 84% dos casos de serial killers do mundo, ocorreram nos EUA[3]. Isso justifica o aperfeiçoamento da legislação sobre a temática neste país.

Nesta senda, os casos de Richard Treton Chase e Ted Bundy, americanos, despertam a atenção pois tiveram suas aplicações distintas.

Richard, nascido na Califórnia em 1959, conhecido como “O Vampiro de Sacramento”, comia os corpos de suas vítimas e bebia o sangue delas, e, fora sentenciado à pena de morte na câmara de gás, por seis assassinatos, entretanto se suicidou com antidepressivos em 1980.

Já Ted, que devido a sua aparência agradável, generosidade, simpatia e inteligência não despertava desconfianças de seu lado sombrio, e fazia de todas estas qualidades um capuz para o criminoso sem escrúpulos que existia dentro dele e, que assassinou dezenas de jovens nos EUA, fora condenado à cadeira elétrica com 42 anos, e inspirou diversas séries e filmes sobre serial killers.

Os casos acima citados, demonstram que nos EUA a principal aplicação de pena para esses individuos era a de morte.

No tocante as prisões perpétuas, pode-se citar, na Califórnia – EUA, o caso de Edmund Kemper, condenado por 10 assassinatos, entre eles o da mãe e avós. Com QI de 145, conseguiu driblar os testes psicológicos, sendo liberado da clínica na qual estava após ter sido diagnosticado com esquizofrenia paranoide. Após matar novamente, foi levado a novo julgamento, dessa vez o argumento de insanidade mental foi rechaçado. Foi condenado à prisão perpétua, cumprindo sua pena em um presídio de segurança máxima em Folsom.

Observa-se, nesse caso, que os Estados Unidos, ao destinarem um presídio de segurança máxima a um assassino contumaz, o segrega da sociedade e preserva a coletividade, ciente de que soltar um criminoso desse nível acarretaria prejuízo para população.

4.3 Sanções Brasileiras

Para alguns países, em especial os EUA, ficou claro que o crime não é o objeto central da pena, mas sim a condição do agente de psicopata, ou não. Como já fora mencionado, o país em questão utiliza da escala Hare como principal meio de diferenciação dos criminosos, possibilitando uma segregação dos psicopatas no sistema carcerário.

A jurisprudência pátria, ainda não é pacificada em relação a temática, e, embora Hilda Morana já tenha traduzido e adequado o PCL-R (método padronizado para quantificar e organizar atitudes e comportamentos observáveis [...][4]), não há regulamentação para a aplicação. Nesta vereda:

E M E N T A – HABEAS CORPUS – VILIPÊNDIO DE CADÁVER – MEDIDA DE SEGURANÇA – FALTA DE VAGA EM NOSOCÔMIO JUDICIAL – MANUTENÇÃO DO PACIENTE NA PRISÃO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – PACIENTE PORTADOR DE PERSONALIDADE PSICOPÁTICA OBSESSIVA-COMPULSIVA EM EVOLUÇÃO – NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA INTERNAÇÃO PARA GARANTIA DA INTEGRIDADE FÍSICA DO PACIENTE E DA SOCIEDADE – ORDEM DENEGADA.

Tratando-se de paciente portador de personalidade psicopática em evolução e tendo sido demonstrado que a sua soltura põe em risco não só a sociedade, como também a sua própria vida, devido à revolta causada pelo ato por ele praticado, a manutenção da internação na cadeia pública até o surgimento de vaga em estabelecimento próprio não constitui constrangimento ilegal. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, denegar a ordem; unânime, com o parecer.” (TJMS- Habeas Corpus – HC6379. MS 2004.003679-2. Primeira Turma Criminal. Relator: Des. Rui Garcia Dias. Decisão em 29.6.2014)[5].

Apesar do posicionamento desta decisão, que considera adequada a manutenção da internação do psicopata, uma vez detectada a periculosidade, existem ainda muitas divergências sobre a temática no Brasil.

Há poucos anos, o caso de Thiago da Rocha, que confessou 29 assassinatos em Goiânia, foi alvo da mídia e ficou conhecido em todo país. Thiago foi considerado psicopata, de acordo com o laudo divulgado pela Junta Médica do Tribunal de Justiça de Goiás, e, embora apontada a psicopatia, os psiquiatras o caracterizaram como imputável, ou seja, capaz de cumprir pena normalmente como um criminoso qualquer, haja vista que o mesmo possuía poucas chances de resposta a tratamentos com medicações, o que inviabilizava a internação.

A observação mais importante deste caso, está na periculosidade do agente, quando trata-se um psicopata como um criminoso comum, a consequência se baseia no alto risco potencial que este individuo oferecerá não só para os presos, mas, a longo prazo, também a sociedade, visto que após cumprir a pena será detentor novamente de seu direito à liberdade, pois já terá pago sua “dívida” para com o Estado.

Partindo da análise do direito comparado, o Brasil está aquém de outros países, se comparadas suas jurisprudências e leis, isto porque, enquanto outros países analisam as peculiaridades dos casos, o Brasil não faz o mesmo. Nesse sentido, ficou claro que, mecanismos como o PCL-R são essenciais nessa busca de eficiência.

No momento, parece haver consenso de que o PCL-R é o mais adequado instrumento, sob a forma de escala, para avaliar psicopatia e identificar fatores de risco de violência. Com demonstrada confiabilidade, tem sido adotado em diversos países como instrumento de eleição para a pesquisa e para o estudo clínico da psicopatia, como escala de predição de recidivismo, violência e intervenção terapêutica.” (TRINDADE, 2012).

A busca por sanções eficazes que baseiam-se apenas no ato praticado pelo individuo, sem uma observação individualista da periculosidade do agente que, posteriormente, estará em liberdade, provoca aumento na probabilidade de reincidência, sujeitando a sociedade a um perigo que poderia ser evitado se o caso fosse analisado com sua devida peculiaridade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo sobre a psicopatia no Direito Penal Brasileiro ainda é algo muito escasso, conforme se percebe da presente análise disposta nessa pesquisa. Isso porque a correta adequação dessas pessoas desafia todo o Poder Judiciário frente às dificuldades de definição do indivíduo psicopata e como identificá-lo na qualidade de infrator. Nesse contexto, é mister enfatizar a importância da perícia médica especializada, pois só assim o magistrado possuirá elementos adequados para julgar.

Conforme o entendimento apresentado, através da análise de alguns dos distúrbios mentais identificados pelo CID-10 e DSM, a psicopatia, deve ser entendida como um distúrbio de personalidade e, não ser considerada uma doença. Assim, o psicopata, quando pratica um crime, poderá ser considerado um infrator imputável.

No mesmo sentido, é importante dizer, que mesmo imputável, deve-se ocorrer à individualização da pena na fase executória, através de teste aplicado especificamente ao caso concreto, ou seja, é fundamental identificar os psicopatas inseridos no sistema carcerário brasileiro.

Para que isso ocorra de forma satisfatória, é preciso que essa avaliação interdisciplinar técnica aconteça antes da fixação da pena ou mesmo de possíveis benefícios, frente a possibilidade de condenação com base no artigo 26, parágrafo único do Código Penal, no caso do Brasil.

Nesta senda, quando a análise da aplicação da lei penal e suas posteriores consequências práticas é feita à luz do direito comparado, é possível notar que o ordenamento jurídico brasileiro carece de regulamentação específica e adequada às pessoas psicopatas, visto que, como já mencionado oportunamente, esses indivíduos demandam uma análise individualizada dos crimes que praticam, de modo que a aplicação da pena seja assertiva, considerando os critérios de justiça.

Através de um estudo de direito comparado, observa-se que os Estados Unidos, país com elevado índice de crimes praticados por psicopatas, preocupa-se em atualizar a legilação direcionada a esses indivíduos. Os casos de Richard Treton Chase, Ted Bundy e Edmund Kemper, descritos anteriormente, representam grandes exemplos da especifidade prática da legislação norte-americana.

No ordenamento pátrio, a jurisprudência ainda não é pacífica a respeito do tratamento dispensado aos psicopatas. Muito embora já existam autores que estudam e buscam interpretar o chamado PCL-R, método padronizado para quantificar e organizar atitudes e comportamentos observáveis, ainda não existe disposição legal que regulamente a aplicação do referido método ou mesmo qualquer outro.

Sendo assim, o ordenamento jurídico penal pátrio precisa ser reavaliado no tocante a especificidade de seus critérios quando da aplicação da pena para indivíduos que tenham este perfil. Além disso, assim como já ocorre em outros países, a valorização do conhecimento psicológico individualizado, mensurado através de testes e avaliações, como as que integram a escala Hare, por exemplo, é algo imprescindível para que a lei seja aplicada de forma correta e, mais, para que se tenha um embasamento científico para a criação de leis que versem especificamente sobre o tema.

Resta aguardar que os legisladores, bem como os próprios tribunais, percebam a ineficiência das medidas já tomadas e, se espelhando em outros países, adotem medidas especificas para os que possuem psicopatia.


REFERÊNCIAS

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. cit. p. 15 In Fernando Galvão e Rogério Greco. Estrutura Jurídica do Crime. Belo Horizonte: Mandamentos. 1999. p. 46.


Notas

[1] BRASIL. DECRETO-LEI nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. [S. l.], 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 16 out. 2019.

[2] RODRIGUES, Bruno. DECISÃO: Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido de medida liminar, em favor de ADEMAR PESSOA CARDOSO, em face de decisão monocrática proferida pelo relator do HC nº 71.331/MG, Ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça. (HC 90229 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 18/12/2006, publicado em DJ 01/02/2007 PP-00102). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000003971&base=baseMonocraticas>. Acesso em 10 out. 2019.

[3] OLIVEIRA, Priscyla. Direito comparado e a punibilidade do psicopata homicida. Jus, Maranhão, nov. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/44929/direito-comparado-e-a-punibilidade-do-psicopata-homicida>. Acesso em: 20 out. 2019.

[4] MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised) em população forense brasilera: caracterização de dois subtipos da personalidade; transtorno global e parcial. 2003. 199 f. Tese (Doutorado) - Curso de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5142/tde-14022004-211709/publico/HildaMorana.pdf>. Acesso em: 21 out. 2019.

[5] TJ-MS – HC: 6379 MS 2004.006379-2, Relator: Des. Rui Garcia Dias, Data de Julgamento: 29/06/2004, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 08/07/2004. Disponível em: < https://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3802174/habeas-corpus-hc-6379> Acesso em 10 out. 2019.


Autor

  • Rafaella Santana Carnavalli

    Foi estagiária na Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Campinas) e no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Bárbara DOeste. Tecnóloga em Gestão Comercial pela Universidade Cidade de São Paulo - UNICID (2021). Bacharel em Direito pela Universidade Paulista - UNIP (2021). Licenciada em Português - Espanhol (2022). Licenciada em Ciências Sociais (2023). Advogada, Professora e articulista no Blog do Werneck.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

, Rafaella Santana Carnavalli. Análise do psicopata à luz de aspectos penais e criminológicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6061, 4 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78414. Acesso em: 26 abr. 2024.