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Dos vícios dos atos processuais

Dos vícios dos atos processuais

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01. Introdução

O presente ensaio tem o escopo de explanar sobre os vícios dos atos processuais, especificamente no campo do direito processual civil. Para tanto, julgamos por bem iniciarmos com algumas breves considerações concernentes aos planos da existência, da validade e da eficácia, destacando o debate referente à terminologia empregada na seara das invalidades; a seguir, um excelente artigo do processualista gaúcho Galeno Lacerda inspira uma reflexão sobre o Código e o Formalismo Processual. Também de respeitável brilhantismo é a obra de Rui Portanova – Princípios do Processo Civil – e em especial o capítulo destinado às nulidades. Mais adiante, ainda reservamos ponderações tangentes às irregularidades processuais, tema raramente abordado e por Antônio Dall’Agnol Jr. exposto com lucidez. Aliás, também recorremos à Dall’Agnol a fim de discorrer sobre o sistema das nulidades processuais, bem como no tocante às nulidades cominadas e não-cominadas. Do mesmo modo, expomos a respeito da argüição, efeitos e decretação das invalidades sob a luz do mestre Humberto Theodoro Júnior. Também tratamos do ato inexistente, tema que temos como fundamental, na seara das invalidades.

Por fim, cumpre lembrar que a adoção da expressão ‘vícios processuais’ se deu pela abrangência que enseja, posto que não serão tratadas aqui somente as invalidades dos atos processuais, focando apenas as nulidades, absolutas ou relativas; inserimos também o ato inexistente e as irregularidades. Sendo assim, julgamos inadequado encimar o trabalho com título tão restritivo.

As invalidades processuais, e o tratamento a elas dispensado pelo documento processual pátrio, é, sem sombra de dúvida, um tópico empolgante. Digno de reverência (1) , a inserção desse capítulo em nosso ordenamento representou um grande passo rumo à boa justiça, consoante as palavras de Galeno Lacerda:

"Se a força depender do Código atual, o espírito que lhe anima a letra saberá infundi-la. E não haverá consolo maior à alma de um Juiz do que tanger o processo com inteligência e sabedoria, para, de suas mãos deslumbradas, ver florir a obra plástica e admirável da criação do justo, do humano, na vida."


02. Algumas considerações acerca dos planos da existência, da validade e da eficácia

Com o intuito de evitar confusões, mas sem a pretensão de dissipar dúvidas a respeito da terminologia mais adequada, nos propomos a discernir, desde já, os planos da existência, da validade e da eficácia. Incomensurável foi a contribuição de Pontes de Miranda no exame destes planos no campo do direito material. E, inspirados no ilustre jurista é que faremos essas breves ponderações.

Preliminarmente, convém relembrar o conceito de jurisdicização. Esclarece Pontes de Miranda: (2)

"Se a regra jurídica diz que o suporte fático é suficiente, a regra jurídica dá-lhe entrada no mundo jurídico: o suporte fático juridiciza-se (= faz-se fato jurídico). Se ela, diante de fato jurídico, enuncia que o fato jurídico vai deixar de ser jurídico, isto é, vai sair, ou desaparecer do mundo jurídico, desjuridiciza-o ali, a regra jurídica é juridicizante; aqui, desjuridicizante."

Desse modo, quando a norma incidir sobre o suporte fático suficiente mínimo, então estaremos diante da existência do fato, como jurídico. Ou, como nas palavras do mestre, o suporte fático, colorido pela regra, juridiciza-se, principia-se no mundo jurídico. Passa a existir.

Já no que tange ao plano da validade, é magistério de Bernardes de Mello: (3)

"Plano da validade, portanto, se refere à parte do mundo jurídico em que se apura a existência ou a inexistência de défice nos elementos nucleares do suporte fático dos atos jurídicos que influem na sua perfeição."

Concernente à eficácia dos atos jurídicos, esta diz com os efeitos, as conseqüências do ato existente, o preenchimento dos pressupostos para a irradiação de efeitos decorrentes do ato.

Então, no âmbito do direito material, o ato jurídico existente pode ser válido ou inválido. Inválido, pode ser nulo ou anulável. Em regra, a invalidade acarreta a ineficácia, mas há casos em que, mesmo inválido pode ser eficaz. No que se refere a ato nulo, a priori é considerado ineficaz. De outra banda, "diferentemente do ato nulo, o ato jurídico anulável gera, desde logo, toda a eficácia jurídica, perdurando até que seja desconstituído por sentença, ou tornando-se definitiva se decorrido o prazo prescricional sem que a ação de anulação seja proposta, ou por outro meio judicial seja a anulabilidade argüida" (Pontes de Miranda, ob. cit., p. 186).

Destarte as colocações feitas aqui, sob a ótica do direito substantivo, analisemos agora às concernentes ao direito adjetivo. Bernardes de Mello (4) advoga pela inseparabilidade da forma e do conteúdo que a replene. Assevera o mestre alagoano:

"O ato processual não pode ser considerado apenas pelo seu aspecto formal. Há, nele, essencialmente, um conteúdo, que lhe dá substância. Sob o aspecto da validade do ato processual, tanto a sua forma propriamente dita, a sua exteriorização, como o seu conteúdo têm de ser levados em conta, porque constituem um conjunto inseparável."

Pela relação intrínseca entre a forma e a substância do ato processual, entre os planos da validade e da eficácia há um liame tão tênue que muitos equívocos acaba por gerar. Fundamental é ter em mente que o princípio da legalidade das formas, atenuado pelos princípios da finalidade e da não–prejudicialidade consubstancia o sistema da instrumentalidade das formas, segundo o qual os atos processuais devem ser realizados sob a égide legal, mas, se a forma prescrita em lei não tiver a preeminência de cominar a nulidade para o caso de descumprimento, "considera-se válido o ato praticado por outra forma, desde que alcance a sua finalidade e não cause prejuízo a qualquer das partes". (5) Logo, o ato processual existente pode ser válido ou inválido, se válido, produz, desde já, os efeitos que intenta; se inválido, pode ser nulo ou anulável. Anulável, "gera, desde logo, toda a sua eficácia jurídica", perdurando até que a nulidade seja decretada ou que seja convalidado o ato processual. (6) Nulo, em regra, não produz efeitos. Mas casos há em que, mesmo inválido, o ato projeta suas conseqüências. Entendimentos nessa linha têm merecido repercussão na jurisprudência: (7)

"Não se declara nulidade, por falta de audiência do MP, se o interesse dos menores se acha preservado, posto que vitoriosos na demanda" (STJ-3ª Turma, Resp 26.898- 2-SP-EDcl, rel. Min. Dias Trindade, j. 10.11.92, receberam em parte, v.u., DJU 30.11.92, p. 22.613)

Ainda:

"Não se decreta nulidade, por ausência de manifestação do MP perante esta Corte, quando os interesses da pessoa de direito público (...) resultaram plenamente resguardados no decisório" (STJ-4ª Turma, Resp 2734-GO-EDcl, rel. Min. Athos Carneiro, j. 28.5.91, rejeitaram os emb., v.u., DJU 24.6.91,p. 8.641)

Isto posto, mesmo com disposição expressa de nulidade, "quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir" (CPC, art. 246), parte da magistratura entende que, em virtude dos princípios da finalidade e da não-prejudicialidade do ato processual, a nulidade não deve ser decretada. Assim, mesmo inválido, por não coadunar-se com o dispositivo legal, é eficaz por ter produzido efeitos e, além disso, está amparado em normas que integram o sobre-direito processual a que se referia Galeno Lacerda. (8)

Por fim, fundamental é a contribuição de Dall’Agnol Jr. ao se referir ao problema terminológico concernente às invalidades processuais. Nota-se que a questão é palco de inúmeras teorias e controvérsias, não sendo de todo pacífico o emprego de um ou outro termo, muito embora seja de uso corrente a expressão nulidades processuais. (9)

O próprio legislador enseja tais controvérsias, na medida em que elegeu a locução ‘nulidades processuais’ para intitular o capítulo correspondente ao art. 243 ao 250 do nosso Documento Processual Civil. Todavia, há que se compreender a interpretação que o legislador concede ao termo ‘nulidade’, recorrendo ao art. 687 do Regulamento 737/1850, ao dispor que as nulidades dividem-se em absolutas e relativas.

Entretanto, na oportunidade, faz-se mister ressaltarmos que o fulcro de todas essas discussões reside na confusão entre os planos ponteanos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Cumpre lembrar que o termo nulidade diz com a invalidade, mas é só uma de suas espécies, posto que o ato também pode ser anulável. Assim como também é espécie de vício de ato processual, as irregularidades. Dall’Agnol prefere a expressão invalidade pela abrangência desta – e concordamos - não obstante seja de consagrado emprego a locução ‘nulidades processuais’. O insigne jurista gaúcho, ainda insurge com uma lição de Norberto Bobbio, a qual reproduzimos:

"Não consigo esquecer, porém, lição de BOBBIO (...) no sentido de que ‘uno dei compiti principali della scienza giuridica’ é justamente o ‘di purificare il linguaggio giuridico".


03. O Código e o Formalismo Processual

Em conferência proferida por Galeno Lacerda, no Congresso Brasileiro de Direito Processual Civil, em Porto Alegre, em 15.07.83: "O Código e o Formalismo Processual", o ilustre jurista, por ocasião dos dez anos de vigência do diploma processual, buscou fazer um "um instante de meditação sobre as virtudes que se contêm no Código em vigor". Desse modo, destacou o processualista gaúcho, merece especial atenção o antiformalismo processual consagrado pelo sistema estabelecido em nosso Código.

Com as palavras de Montesquieu (Espírito das Leis, Livro 29): ‘As formalidades da justiça são necessárias à liberdade’, Galeno Lacerda advertiu sua platéia a respeito dos grandes enganos proporcionados por este conceito, considerando a forma um fim em si mesma, radicalizando o rito, "descarnado do humano e do verdadeiro objetivo do processo, que é sempre um dado concreto da vida, e jamais um esqueleto de formas sem carne. Subverteu-se o meio em fim". Fundamentais essas palavras do mestre, em um tempo em que o processo civil mostra-se mais importante que o próprio direito civil, e bem ele lembra que o processo, sem o direito material, não é nada. O instrumento, desarticulado do fim, não tem sentido.

O mister da forma é o fim, sendo assim, a lei que rege a forma deve ser interpretada e aplicada em função dessa finalidade. A interpretação literal da lei processual acaba por empobrecer a sua própria aplicação, de modo a subjugar a função do intérprete, restringindo-o a mero aplicador de fórmulas feitas. O que é imprescindível ao aplicador ou intérprete da lei procesual é, antes de tudo, perquirir pela valoração normativa inserta em seu conteúdo. É averiguar, no caso concreto, se o ato alcançou sua meta ou serviu a sua finalidade.

Outro tópico é o concernente ao interesse público na manutenção da formalidade, como um princípio absoluto, assegurador de um devido processo legal. Galeno Lacerda insurge contra essa proposição afirmando que, não obstante a importância da presença do interesse público na fixação do rito, há um interesse maior, que se eleva sobre este, que reside exatamente na preservação da forma em prol da justiça humana e concreta, na concepção do processo como um instrumento para que esta se concretize.

No nosso Código de Processo Civil, é o capítulo que disciplina as nulidades o que merece mais atenção. Nas próprias palavras do insigne processualista:

          "... o capítulo mais importante e fundamental de um Código de Processo moderno

se encontra nos preceitos relativizantes das nulidades. Eles é que asseguram ao processo cumprir sua missão sem transformar-se em fim em si mesmo, eles é que o libertam do contra-senso de desvirtuar-se em estorvo da Justiça".

Além disso, Galeno Lacerda localiza as regras das nulidades no sobre-direito processual, por se sobreporem às demais, posto seu eminente interesse público. In verbis:

          "... estamos em presença, na verdade, de normas processuais superiores que eliminam os efeitos legais da inobservância de dispositivos inferiores...". E coaduna-se Pontes de Miranda: "Partindo-se de que há regras jurídicas que recaem em relações e regras jurídicas que recaem em regras jurídicas, a distinção logo se põe em evidência. Não é possível tratar-se, com exatidão e clareza, dos dois campos, sem se ver a diferença".

Por fim, continuamos com as palavras do mestre Galeno Lacerda:

"Posso afirmar, e o faço agora com a experiência amadurecida de Juiz, que esse sistema é o profundamente antiformalista. As disposições analisadas se expandem como largas avenidas de abertura, a permitir ao Juiz trânsito livre para o milagre, sem os tropeços da forma e da letra, de fazer justiça de acordo com a própria consciência, amparado em dispositivos do próprio Código.

Percebe-se, então, que os obstáculos e protelações resultam muito menos de defeitos do texto do que da falta de percepção, por quem o aplica ou interpreta, da esplêndida abrangência de princípios basilares, consagrados em preceitos norteadores.

(...)

Trata-se de um Código que permite boa justiça. Se ela não se produz com a rapidez desejada, culpe-se, antes de tudo, a organização judiciária e a angústia dos recursos materiais e humanos postos à disposiçãodo Poder Judiciário no Brasil".


04. As Nulidades sob a ótica dos Princípios do Processo Civil

Consideramos de suma importância destacarmos os princípios do processo civil e sua estreita ligação com o as nulidades (Capítulo V, Título V do Livro I de nosso Documento Processual), tendo em vista que o espírito do legislador, ao preceituá-las, esteve inegavelmente informado por tais princípios.

Consoante o magistério de Rui Portanova (10) o princípio master seria o da instrumentalidade do processo, ramificado em outros seis, a saber:

Princípio da liberdade de forma

Princípio da finalidade

Princípio do aproveitamento

Princípio do prejuízo

Princípio da convalidação

Princípio da causalidade

Em linhas gerais, pelo princípio da liberdade de forma, como bem se infere, os atos processuais não dependem de forma, exceto se a lei expressamente a determinar. Deste modo, acrescenta o autor, a legislação pátria acabou por repelir o princípio da legalidade das formas, o que discordamos, na medida em que há atos em que é exigida forma prescrita em lei para que tenham validade. Assim, a legalidade das formas estaria adstrita às hipóteses ordenadas na norma processual, o que não desprestigia o princípio, apenas o restringe.

Pelo princípio da finalidade, se o ato for praticado por forma diversa da estabelecida em lei, e mesmo assim atingir a finalidade a que ele se destina, deve ser considerado válido. Cumpre lembrar que a forma não encerra um fim em si mesma, mas existe em virtude de uma finalidade e, se esta for atingida, então não há de falar em nulidade. Questão digna de menção é a controvérsia quanto à aplicabilidade do art. 244 do CPC quando a lei determinar forma para a validade do ato cominando, inclusive, a pena de nulidade. Pondera Hélio Tornagui (11) que, quando a lei prescrever determinadas formas sob ‘pena de nulidade’, estabelece a presunção iuris et de iure de que o ato não alcançará sua finalidade se realizado de outro modo. Não se aplicaria, pois, o princípio da finalidade. De outra banda, Moniz Aragão preconiza que, atingindo, o ato, sua finalidade, nada há a obstar sua validade, livrando-o da nulidade. Pontes de Miranda também compartilha o ponto de vista.

No que tange ao princípio do aproveitamento, não se declara a nulidade quando for possível suprir o defeito ou aproveitar parte do ato, objetivando, assim, rechaçar um recuo processual face a uma nulidade.

Outro magno princípio é aquele que condiciona a nulidade ao prejuízo que esta originar à parte. Nesse sentido manifesta-se Rui Portanova:

          "... caso haja um ato cuja nulidade não chegou a tolher a liberdade de atuação de qualquer dos postulantes, não há prejuízo. Logo, não cabe falar em nulidade."

É importante frisar: o que existe antes da decretação da nulidade é, propriamente, um ato viciado. De fato, a nulidade surge como sanção, a posteriori e, aplicada, caracteriza o ato como nulo.

Concernente ao princípio da convalidação, consolida-se o ato quando a parte não acusar o vício na primeira oportunidade em que se manifestar nos autos (consolidação expressa) ou silenciar a respeito (consolidação tácita). Entretanto, trata-se aqui das nulidades relativas e anulabilidades, posto que as absolutas não são convalidadas.

Por fim, pelo princípio da causalidade, investiga-se a abrangência da declaração de nulidade, o reflexo de um ato nulo nos demais atos que compõem o procedimento. Já vem de longa data a presença do princípio em apreço nos quadros legais: o Regulamento 737, de 1850, ordena invalidades que "anulam o processo desde o termo em que elas se deram, quanto os atos relativos dependentes e consequentes" (art. 674).

Rui Portanova sintetiza, brilhantemente:

          "Por princípio, se não há ligação entre um ato e outro, não há contágio de nulidade. (...) Fundamentalmente o que faz um ato ser dependente de outro é o critério de indisponibilidade e necessidade. Cada caso concreto dirá o quanto um ato (o antecedente nulo) é indispensável para o outro (o sucessivo suscetível de nulidade)"

Portanova ainda cita Antonio Janyr Dall’Agnol Jr:

          "Em suma, a regra sobre invalidade derivada (princípio da causalidade) pode ser assim posta: a invalidade de um ato não contagia os anteriores, nem os subsequentes que não o tenham por antecedente necessário; mas contamina os atos sucessivos que dele dependam"

Do exposto inferimos que o capítulo das nulidades está, flagrantemente, norteado pelos princípios do processo civil. O que, sem dúvida, representa uma grande conquista por parte de nosso direito processual. A preocupação com a celeridade, com a economia processual, com a própria salvação do processo, originaram normas de resultado em que a forma necessariamente coaduna-se com a finalidade intentada pelos atos processuais. É preciso ter mente que a forma não é um fim em si mesma, mas que sua existência está jungida à segurança de um devido processo legal, assim como a uma finalidade. Vale lembrar os aplausos recebidos ao art. 244 do Código Processual Civil pátrio: (12)

          "Segundo proclamou o recente IX Congresso Mundial de Direito Processual, é em dispositivo do nosso CPC que se encontra a mais bela regra do atual Direito Processual, a saber, a insculpida no art. 244, onde se proclama que ‘quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade" (STI-RT 683/183)


05. Os Vícios dos Atos Processuais

Preliminarmente, é necessário ter em mente que os atos processuais, como atos jurídicos que são, têm de preencher determinados requisitos, a fim de que reputados válidos. Dispõe o art. 82 do Código Civil:

"A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145,I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145)"

Tratamos aqui, pois, dos defeitos que atingem a forma pela qual o ato deveria se realizar. Oportuno, aliás, o contraponto; Galeno Lacerda (13) esclarece que, não obstante originarem-se do tronco comum da teoria geral do direito, as nulidades processuais são autônomas, em relação às de direito privado, tendo em vista a natureza da norma violada: se prevalecente o interesse público, a violação provoca a nulidade absoluta, se o interesse protegido é, primordialmente, o da parte, está-se diante de nulidade relativa ou anulabilidade.

De outra banda Ovídio Baptista (14) constata que, concernente as nulidades, no direito material vigem princípios diversos daqueles do campo processual - norteado pelos princípios da instrumentalidade das formas e da finalidade. Mas assevera que na concepção moderna, "as nulidades no campo do direito privado, já não se dividem em absolutas e relativas segundo a gravidade do vício de que seja portador o ato jurídico, mas tendo em vista a relevância ou a natureza do interesse protegido pela norma legal desatendida pelo ato viciado".

Inspirado em Carnelutti, Dall’Agnol Júnior reconhece os requisitos dos atos processuais como necessários e meramente úteis, conforme sua "importância". Assim, os vícios essenciais seriam os relativos aos requisitos necessários, ao passo que os não essenciais ou acidentais, aos simplesmente úteis. Foi também com base nesses ensinamentos que Galeno Lacerda construiu seu sistema de nulidades processuais, no qual as idéias de finalidade, conversão, prejuízo e repressão ao dolo processual foram seus pilares.

Afora tais observações, esclarece Galeno Lacerda: "Não se trata, propriamente, como em geral pretendido, de maior ou menor intensidade do defeito, sim do defeito que mereça ou não mereça a sanção de invalidade, por terem sido ou não terem sido atingidos pelo ato, na sua especificidade". Este é o entendimento contemporâneo, posto que o nível da gravidade do vício não se presta mais para distinguir nulidade de anulabilidade, cedendo lugar para a acepção segundo a natureza do interesse tutelado preponderantemente pela norma: se público ou particular.

No que tange ao conceito de invalidade processual, muitas são as proposições doutrinárias:.

Segundo Grinover, Araújo Cintra e Dinamarco, "em algumas circunstâncias, reage o ordenamento jurídico à imperfeição do ato processual, destinando-lhe a ausência de eficácia. Trata-se de sanção à irregularidade, que o legislador impõe, segundo critérios de oportunidade (política legislativa), quando não entende conveniente que o ato irregular venha a produzir efeitos". Essa conveniência decorre, sobretudo, da "necessidade de fixar garantias para as partes", assim como assegurar a prevalência do contraditório.

Para Plácido e Silva, (15) nulidade é a "ineficácia de um ato jurídico, em virtude de haver sido executado com transgressão à regra geral, de que possa resultar a ausência de condição ou de requisito de fundo ou de forma, indispensável à sua validade".

Por sua vez, Galeno Lacerda assevera que "a nulidade resulta, precisamente, da infração a um preceito cogente e imperativo".

De todo o modo, o que desponta claro em todas essas concepções é o caráter desaprovador que a invalidade instaura. A nulidade é, pois, conseqüência da inobservância da forma estabelecida pela lei para a prática válida e eficaz de determinado ato processual. É vital a compreensão de que existem dois momentos; aquele em que o ato está contaminado pelo vício, mas permanece válido e eficaz até que um pronunciamento judicial decrete a nulidade – o outro momento. Nas palavras dos processualistas Grinover, Araújo Cintra e Dinamarco melhor se traduz a essência dessa distinção:

"Assim sendo, o estado de ineficaz é subsequente ao pronunciamento judicial (após a aplicação da sanção de ineficácia – diz-se, portanto, não sem alguma impropriedade verbal, que o ato nulo é anulado pelo juiz)".

Dall’Agnol também faz suas considerações a respeito, inserindo um trecho do julgado:

"No processo civil, a nulidade é efeito do vício. Ela não é contemporânea do ato. Porque é efeito de vício, deve ser um vício tal, que trouxe para as partes um prejuízo irreparável, que só se pode reparar pela repetição dos atos praticados. Por conseguinte é declarada em concreto" (RJTJRS-119/169)

Em conclusão, não podemos deixar de lembrar o mestre Pontes de Miranda:

          "a imagem mais própria para se diferenciar o anulo e o anulável é a de coleção de cubos (elementos), empilhados regularmente, formando o suporte fático, a que ou faltou alguns dos cubos, vendo-se o espaço vazio, e é a imagem do suporte fático do negócio nulo, ou a que alguns dos cubos menores não foi junto, mas é juntável pelo que o devia ter posto lá, o cubo complementar, ou, pelo tempo mesmo que decorreu, não pode mais ser visto o vazio." (16)


06. O Sistema das Nulidades Processuais

O sistema das nulidades processuais, concebido pelo ilustre Galeno Lacerda e acolhido pelo nosso ordenamento, foi fruto de insigne tese de concurso de cátedra elaborada pelo mestre em meados de 1953. Danilo Alejandro Mognoni Costalunga, expõe o tema com intelecção em sua "A Teoria Das Nulidades e o Sobredireito Processual": (17)

          "A elaboração dessa teoria deveu-se à inquietude do gênio de Galeno Lacerda em saber quando seria possível ou não sanar um vício ocorrente no processo. Iniciou com o exame daquela distinção já existente no nosso Código Civil. Aprofundando a análise no campo próprio do direito processual, que concebe a existência de nulidade relativa, diferentemente do direito civil, necessitaria o jurista saber a distinção entre nulidade absoluta e nulidade relativa, considerando cada um dos atos.

          Para tanto, valendo-se do método indutivo, a partir dos fatos, em determinado momento Galeno Lacerda viu que não era possível distinguir as nulidades examinando o ato em si mesmo, mas sim descobrindo o motivo pelo qual ele é viciado, ou seja, por que não obedece ao preceito legal. Isto é, se há, como existe, distinção entre esses atos, a distinção reside única e exclusivamente na lei violada, na sua natureza.

          Daí por que acentuar o mestre gaúcho que ‘o que caracteriza o sistema das nulidades processuais é que elas se distinguem em razão da natureza da norma violada , em seu aspecto teleológico’.

          Neste sistema das nulidades processuais, como alhures referido, pacificamente aceito e adotado pela doutrina brasileira, os defeitos dos atos processuais podem acarretar três categorias de vícios: nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade, sendo que, para COUTURE, a nulidade relativa é a regra geral das nulidades dos atos no processo civil."

Aliás, a título de observação, o sistema das nulidades proposto por Galeno Lacerda tem suas origens atreladas ao art. 687, do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, o qual dispunha que:

"As nulidades também se dividem em nulidades absolutas e relativas, para o efeito seguinte:

As nulidades absolutas podem ser propostas ou alegadas por todos aqueles a quem interessam ou prejudicam, como se determina no artigo antecedente, mas as nulidades relativas, fundadas na preterição de solenidades estabelecidas em favor de certas pessoas, como a mulher casada, menores, presos, réus e outros, só podem ser alegadas e propostas por essas pessoas, ou por seus herdeiros, salvo os casos previstos em leis. A nulidade relativa, sendo de pleno direito, não será pronunciada, provando-se que o contrato verteu em manifesta utilidade da pessoa e quem a mesma nulidade respeita."

Moniz De Aragão (18) distingui as invalidades desde a mais grave, a nulidade absoluta; a menos grave, a anulabilidade e, em posição intermediária, a nulidade relativa. Recorremos à Dall’Agnol – flagrantemente influenciado por Galeno Lacerda - para a exposição de um sistema moderno de invalidades processuais.

a) se, da interpretação da norma conclui-se que esta tutela interesse, predominantemente, público, a infringência da mesma configurar-se-á nulidade absoluta, sendo o ato insanável, devendo ser declarada ‘ex officio’, podendo quaisquer das partes a invocar;

b) a contrario sensu, se a norma visar proteger, preferencialmente, interesse da parte, o vício é sanável, ensejando a nulidade relativa ou a anulabilidade:

b.1) no tocante à nulidade relativa, esta será ocasionada pelo desrespeito à norma cogente, logo, ao juiz será facultado proceder de ofício, mandando sanear, repetir ou ratificar o ato ou suprir a omissão;

b.2) por sua vez, a anulabilidade diz com a violação de norma dispositiva, de modo que o ato mantêm-se à disposição da parte, sendo defeso ao juiz qualquer provisão de ofício e privativo da parte a anulação do ato.

Do exposto, infere-se que a ‘nota diferencial’ - a qual se refere Dall’Agnol – reside na natureza da norma jurídica tutelada, assim como na sua impositividade lógica. Quanto à primeira, é precípuo entender que o interesse mencionado não se manifesta, de modo algum, com caráter de exclusividade, trata-se, como intitula Dall’Agnol, de cogência, de tutela sobrepujante – pública ou privada. O professor Paulo Alberto Pasqualini, (19) ao manifestar-se sobre o tema, argumenta que a vida em sociedade enseja vários tipos de coesão social, de modo que, contíguo aos interesses individuais estariam os interesses coletivos. Estes últimos, para o jurista, não seriam decorrentes da soma dos interesses particulares, mas das necessidades da vida em comum. E complementa:

          "Para os primeiros, o indivíduo é colocado no primeiro plano e só indiretamente se o considera como componente de um grupo social; para os segundos a consideração é estabelecida em sentido oposto, sendo, o indivíduo, observado enquanto parte de um todo social" (‘A imunidade tributária do serviço público", in Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre, 1971, n.º 1, p. 152-153)

De outra banda, quanto à imperatividade lógica da norma, tem–se que estas dividem-se em:

a) normas cogentes – são impositivas, descrevendo a conduta a ser seguida, ou proibitivas. Nelas, é reprimido o auto-regramento da vontade em prol daquele interesse coletivo. Por conseguinte, se infringidas, constituem ato ilícito passível de sanções, tendo em vista a contrariedade ao direito.

b) normas não-cogentes, supletivas ou dispositivas – sua célula-máter é a autonomia da vontade, permitindo que a vontade individual sobreleve a coletiva, autorizando a parte a decidir-se entre seguir o prescrito ou simplesmente acatar norma de conteúdo diverso ou pactuar outra conduta, sem por isso dar azo a sanção.

Citam-se como exemplos presentes no Documento Processual o art. 94 como regra dispositiva e o art. 650 como cogente.


07. Nulidades absoluta, relativa e anulabilidade

1. Nulidade absoluta

Alguns doutrinadores preconizam a inexistência, no direito processual, de nulidades absolutas, ou seja, todas seriam relativas face aos princípios da finalidade e da não-prejudicialidade. A assertiva não é de todo incorreta, na medida em que o próprio legisferante mostra-se profundamente preocupado com a conservação do processo em busca de uma solução à lide, preterindo, muitas vezes, as formalidades processuais. Entretanto, a doutrina majoritária ainda conserva o conceito, atentando-se, sobretudo, para aqueles casos em que se mostra inadmissível sobrelevar a formalidade, como na incompetência absoluta ou no processo fraudulento.

Presente está a nulidade absoluta nos atos cuja "condição jurídica mostra-se gravemente afetada por defeito localizado em seus requisitos essenciais". (20) Ocorre nas hipóteses em que a inobservância de forma ferir lei em que prepondere o interesse público, ceifando-se, então, o ato de eficácia. (21 ) A nulidade absoluta é imprescritível, não sendo passível de preclusão, ou seja, pode ser decretada a qualquer momento, ex officio ou por iniciativa da parte, prescindindo de demonstração de interesse. É vício insanável. (22)

Extraímos da inteligência jurisprudencial:

JÚRI – SALA SECRETA – A CF/88 não aboliu a denominada "sala secreta", havendo mantido a votação no referido recinto, consoante o disposto no art. 5º, XXXVIII. A violação desse preceito constitucional importa nulidade absoluta, devendo, pois, ser anulado o julgamento para que o réu seja submetido a novo Júri, obedecidos aos preceitos dos arts. 476, 480 e 481, todos do CPP. Preliminar do MP acolhida. (TJRJ – Ap. 709/89 – 4ª C. – Rel. Des. Américo Canabarro – J. 14.11.89) (RT 658/321) (RJ 186/149)

E mais:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO – Nulidade absoluta decorrente de demência senil (CC, art. 5º, II e 145, I). Legitimação ativa. "Qualquer interessado", diz a Lei (CC, art. 146, caput), pode pleitear a declaração da nulidade absoluta, aliás decretável de ofício (CC, art. 146, § único), razão por que o filho e a nora do alegado demente são partes ativas legítimas na demanda. (TJRS – AC 593.006.281 – 5ª C. – Rel. Des. Araken de Assis – J. 25.02.93) (RJ 190/98)

2. Nulidade relativa

Está presente "quando o ato, embora viciado em sua formação, mostra-se capaz de produzir seus efeitos processuais, se a parte prejudicada não requerer sua invalidação", pondera Humberto Theodoro Jr. ( ) Infringem norma jurídica cogente, de interesse, predominantemente, das partes, tanto podendo o juiz decretá-la, ex officio, como a parte. De modo que os atos praticados sob esta guarda estão sujeitos à preclusão, ou seja, nos termos do art. 245, caput, do CPC: "A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão". O interessado, não alegando-a em tempo hábil, enseja a sanação tácita do vício. Ao contrário, se o vício contaminar uma condição ou pressuposto jurisdicional (como nos arts. 267 § 3º, 301 § 4º, 303, II), estando o juiz obrigado a decretar ex officio a nulidade, não ocorre preclusão, na medida em que o silêncio da parte não sana o vício.

É importante frisar, sobretudo, que as nulidades relativas, assim como as anulabilidades, estão flagrantemente informadas pelo princípio da não-prejudicialidade, de modo que, para decretá-las, o juiz terá de examinar a existência de prejuízo causado à parte, pressuposto para a desconstituição do ato e de seus efeitos.

É do entendimento de nossos Tribunais:

NORMAS SOBRE NULIDADE – INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA – PROTEÇÃO DO INCAPAZ – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – NULIDADE AFASTADA – CPC, ART. 249, § 1º – As normas processuais pertinentes a nulidades devem ser interpretadas, em se tratando de ato praticado por incapaz, teleologicamente. A outorga de mandato procuratório por pessoa supostamente incapaz, sendo-lhe favorável o resultado da demanda, afasta o vício na representação. Inteligência do art. 249, § 1º , do Código de Processo Civil. (STJ – REsp 25.496-0 – MG – 6ª T. – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 11.03.96)

3. Anulabilidade

Escassas em nosso Documento Processual, as anulabilidades são provenientes da infringência de normas dispositivas, de modo que o interessado pode, por sua inação, saná-lo. Enfim, o principal traço que as distinguem é a vedação ao juiz de decretá-la de ofício, por dizer com tutela de interesse, principalmente, da parte.


08. Argüição e Decretação das Invalidades

Nos termos do art. 243 do CPC, as nulidades só poderão ser decretadas a requerimento da parte prejudicada e nunca por aquela que foi a sua motivadora. Coaduna-se a jurisprudência:

"Não deve ser declarada nulidade quando a parte a quem possa favorecer para ela contribuiu, e se absteve de qualquer impugnação, no curso da demanda, relativamente ao devido processo legal" (RSTJ 12/366)

Ainda:

NULIDADES PROCESSUAIS – Arts. 244, 245, 249, § 1º, 250, § único do CPC. Não deve ser declarada nulidade quando a parte a quem possa favorecer por ela contribuiu, e se absteve de qualquer impugnação, no curso da demanda, relativamente ao devido processo legal. Junção de ação de busca e apreensão, convertida em depósito, e de ação indenizatória por rescisão de contrato. O descabimento da ação de depósito não prejudicou o andamento conjunto da demanda indenizatória, pois realizada audiência é propiciada oportunidade para provas e memoriais, sem que a parte ré haja agravado ou alegado prejuízo. Não deve o Tribunal substituir-se à parte na afirmação de prejuízos não invocados em tempo hábil. E a crítica à sentença, quando eventualmente haja o juiz errado in procedendo ou in judicando, deve ser feita com moderação. (STJ – REsp 2.232 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. Athos Carneiro – DJU 06.08.90)

Aduz Humberto Theodoro Jr. que, para fins de argüição, ao réu faculta-se o uso da contestação ou mera petição, esta podendo ser utilizada, igualmente, pelo autor. Do mesmo modo, pode acusá-la em razões de apelação ou em alegações orais de audiência, por qualquer das partes ou do Ministério Público.

No que tange ao momento em que deve ser invocada a nulidade, tem-se que:

a) se a nulidade for relativa, nos termos do art. 245 do CPC, deverá ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão, isto é, na hipótese da parte não invocá-la em tempo hábil, frusta-se a faculdade de ensejar a nulidade. Impede-se, então, que a parte fomente a anulação, haja vista sua inatividade. Entretanto, o parágrafo único do art. infra citado ordena que, provando a parte o legítimo impedimento, elimina-se a preclusão;

b) no tocante às nulidades absolutas, estas não são passíveis de preclusão, consoante o parágrafo único do art. 245, (‘são decretadas de ofício pelo juiz’), além disso, poderão ser alegadas, de um modo geral, em qualquer fase do processo, evidentemente, pelo seu caráter flagrantemente público.

É preciso ter em mente, aliás, que transitada em julgado a sentença, sana-se toda e qualquer invalidade, restando apenas a rescindibilidade por violação de literal disposição de lei (art. 485,V). Deste modo, somente através de uma ação rescisória é que poderá ser argüida a contrariedade à lei, causadora da nulidade. Atenta-se, todavia, para o Súmula 343 do STF:

"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais"

De outro lado, ordena a Súmula 134 do TRF:

"Não cabe ação rescisória por violação de literal disposição de lei se, ao tempo em que foi prolatada a sentença rescindenda, a interpretação era controvertida nos Tribunais, embora posteriormente se tenha fixado favoravelmente à pretensão do autor"

Agora, no que concerne à decretação de invalidade, observa Humberto Theodoro Jr., seja ela nulidade absoluta ou relativa, está adstrita à decretação judicial. Ou seja, como já fora afirmado anteriormente, não há que se falar em nulidade enquanto o provimento judicial não se der.

Nos termos do art. 249, caput, "o juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados." (23)

Humberto Theodoro Jr. ressalta que é através da sentença que o juiz anula todo o processo, enquanto a decisão interlocutória trata de invalidar determinado ato processual.


09. Nulidades Cominadas e Não-Cominadas

Reza o art. 243 do CPC:

"Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa."(grifo nosso)

De outra banda, prescreve o art. 244:

"Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade." (grifo nosso)

Da análise dos art. supra referidos, infere-se que o nosso Código Processual Civil adotou o sistema das chamadas nulidades cominadas e não-cominadas, ou seja, quando a lei prescrever determinada forma que, se infringida, acarretará a nulidade, estamos diante das ‘nulidades cominadas’, alhures, se a lei prescrever determinada forma, sem cominação explícita de nulidade, tratar-se-á de nulidade ‘não-cominada’.

Valendo-se do conceito proposto por Dall’Agnol, considera-se nulidade cominada "aquela decorrente de infração à regra, onde, expressamente, foi prevista como conseqüência," (Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p. 61) a contrario sensu, serão tidas como nulidades não-cominadas as que não se encontrarem expressas nas regras jurídicas processuais.

Cumpre lembrar, como o fez Dall’Agnol, que não se confundem nulidades cominadas com nulidades absolutas, na medida em que estas tratam da invalidade decorrente de violação de norma jurídica tutora de interesses, preponderantemente públicos; ao passo que aquelas são atinentes apenas a existência expressa de cominação de nulidade. Aliás, mesmo quando se trata de nulidade absoluta, decisões há que primam, primordialmente, pelo princípio da finalidade.

Do mesmo modo, distinguem-se nulidades cominadas de normas cogentes. Para este mister, recorremos às palavras de Toullier, citado por Dall’Agnol:

"Quando o legislador se limita a proibir pura e simplesmente, sem acrescentar cláusula irritante, entende-se que não quis anular o ato praticado contra a proibição"

Quanto ao tema, assim manifestam-se os Tribunais:

NULIDADES COMINADAS E NULIDADES NÃO COMINADAS – ATOS EIVADOS DE MERAS IRREGULARIDADES – 1. A teoria das nulidades processuais, em boa hora sistematizada no CPC de 1973, contempla como nulos apenas os atos processuais a que a lei fulmina expressamente com essa sanção. São as denominadas nulidades cominadas. Os demais atos do processo que se mostrarem eivados de vícios sanáveis são anuláveis, incluindo-se na classe das nulidades não cominadas. Porém, na maioria das vezes, o ato processual, embora padecendo de algum mal, de algum desvio, de alguma irregularidade, de alguma deficiência quanto às exigências legais, "não se repetirá nem se lhe suprirá a falta, quando não resultar prejuízo à parte" (art. 249, § 1º, do CPC). Dá-se o aproveitamento aos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à parte. 2. Não resultando do ato qualquer gravame ou prejuízo ao recorrente, nega-se provimento ao Agravo. (TRF 1ª R. – AI 89.01.20843-1 – 4ª T. – Rel. Juiz Gomes da Silva – DJU 11.12.89)


10. Efeitos da Decretação de Invalidade

Em excelente artigo do mestre Antônio Dall’Agnol Jr. intitulado "Invalidade Derivada e Invalidade Parcial", (24) encontramos excelente contribuição à interpretação do art. 248 do Código de Processo Civil vigente. Dispõe o aludido dispositivo:

´Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes´.

Insta ressaltar que o art. em epígrafe trata, em sua primeira parte, da invalidade derivada, ao passo que a segunda tange à invalidade parcial. E ambas não figuram como espécies de invalidades, mas dizem, tão somente, com o âmbito de extensão da invalidade que atinge o ato, ou melhor, cuidam dos efeitos da decretação da invalidade.

Quanto aos seus precedentes, a invalidade derivada os encontra no art. 674 do Regulamento 737 de 1850, que dispõe:

´As referidas nulidades podem ser alegadas em qualquer tempo e instância; anulam o processo desde o termo em que se elas deram, quanto aos atos relativos dependentes e conseqüentes; não podem ser supridas pelo Juiz, mas somente ratificadas pelas partes´(grifo nosso)

Do mesmo modo, é o que apreendemos do art. 278, caput do Decreto-Lei nº 1.608, de 18.09.39, que estabelece:

´A nulidade de qualquer ato não prejudicará senão os posteriores, que dele dependam ou sejam conseqüência´

No que concerne à segunda parte do art. 248 do CPC, atenta-se para o art. 153 do Código Civil pátrio:

´A nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável.´

Também é de se reparar para o Esboço Teixeira de Freitas, art. 372, que consigna:

´A nulidade pode ser completa ou parcial. A nulidade parcial de um ato ou disposição não prejudicará sua parte válida, sempre que esta for separável´.

Verificados os antecedentes, a título de observação, lembramos que o espírito do dispositivo também se faz presente no Código Processual Civil e Comercial da Argentina, que reza em seu art. 174:

          ´La nulidad de un acto non importará la de los anteriores ni la de los sucesivos que sean independientes de dicho acto. La nulidad de una parte del acto no afectará a las demás partes que sean independientes de aquélla´.

Dall’Agnol, no artigo supra referido, critica a imprecisão do texto legal, gerando uma sombra de dúvida por tratar indistintamente das espécies de invalidades, fazendo-nos supor que abrange tanto as nulidades, as nulidades relativas como as anulabilidades.

Ademais, cumpre salientar que o ato processual não se apresenta isolado, apartado dos demais, haja vista ser fração integrante do procedimento. Procedimento, elucida Liebman, ´cujos atos são coligados entre si por um vínculo mais ou menos estreito de dependência, de tal modo que a nulidade de um ato se comunica àqueles que necessariamente o pressupõe´. Ou, como ensina o douto Paulo d’Onofrio, citado por Dall’Agnol: ´o processo é constituído de uma série de atos ligados entre si como os anéis de uma corrente´.

Isto posto, cabe discriminar atos dependentes de atos independentes. Para tanto, é preciso ter em mente o preceito que dita que a invalidade de um ato anterior só eivará de vício os posteriores, se estes forem dependentes daquele De outro modo, a dependência é um liame que, de acordo com sua intensidade ensejará a difusão do vício. De um lado, se os atos mostram-se independentes, são realizados validamente com autonomia face aos demais, então é porque tal liame é desconsiderado, o que dá ensejo somente à invalidade parcial. Porém, se o laço entre os atos que compõem o procedimento são tão estreitos ao ponto de comunicar-se aos demais, seus antecedentes necessários, então há que se falar em invalidade derivada.

No tocante ao ato independente, levanta-se a questão do rigor da invalidade que alcançar o ato subsequente, Dall’Agnol sustenta, com base em Martinetto, que em caso de nulidade absoluta, o ato posterior deverá se repetir, assim como o antecedente. Enquanto às nulidades relativas e às anulabilidades bastaria o saneamento do ato posterior.

Na seara dos atos dependentes, assevera-se que a espécie de invalidade dos dois atos – anterior e posterior – será a mesma, isto é, considerado o ato antecedente absolutamente nulo, igualmente será o subsequente, acarretando a repetição de ambos os atos.

De outra banda, quanto à extensão da contaminação do ato posterior, em relação ao anterior, adota-se a lição de Pedro Baptista Martins, inspirado em Mortara e que Dall’Agnol nos traz: ‘a nulidade do ato posterior pode repercutir, de modo indireto, sobre os atos processuais anteriores’. E exemplifica com a hipótese da preclusão que obsta a repetição do ato nulo, de modo que os atos anteriores também estariam – indiretamente – afetados. Ressalta-se que o ato obliquamente atingido por invalidade de ato posterior não é considerado inválido, mas apenas alvejado(mais ou menos) em seus efeitos.

Em uma tentativa de elaborar uma regra para a invalidade derivada, Dall’Agnol preceitua:

"A invalidade de um ato não contagia os anteriores, nem os subsequentes que não o tenham por antecedente necessário; mas contamina os atos sucessivos que dele dependam"

Concernente à invalidade parcial, esta é informada pelo princípio da conservação dos atos jurídicos, partindo da premissa de que o ato se apresenta de forma isolada, seja por sua simplicidade, seja por sua independência frente aos demais.

Por fim, Dall’Agnol suscita o fenômeno da redução dos efeitos do ato, ou seja, por expressa disposição legal, admite-se a minimização da eficácia do ato, haja vista o defeito que o macula. Exemplifica o jurista com o art. 219, 2ª parte, o qual dispõe que a citação ‘ainda que ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição’. Do que se conclui que, os efeitos do ato são restringidos, não os privando de toda a eficácia, o que acata, de pronto, o princípio da finalidade.


11. Das Irregularidades Processuais

A farta doutrina que se formou a propósito das invalidades processuais parece não ter dedicado grande atenção a esse tema, muito embora alguns juristas a tenham incluído nas três espécies de vício dos atos processuais. Logo, abra-se exceção ao douto Antônio Janyr Dall’Agnol Jr., ( ) em um oportuno artigo intitulado "Para um Conceito de Irregularidade Processual". (25) Geralmente embasadas em exemplos ‘medíocres’, na linguagem do jurista, como a infringência ao art. 167 (exigência de numeração e rubrica das folhas dos autos) ou 189 (determinação de uso de tinta escura e indelével) do CPC, as irregularidades não almejam maiores referências, mas quando se tratar de mora na realização dos atos processuais (de qualquer dos operadores, mas sobretudo do juiz) ou erros materiais em resoluções judiciais, como bem advoga Dall’Agnol, o prisma deve ser modificado.

É terminologia própria do CPC que em seu art. 327 dispõe:

"Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de dez (10) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando a existência de irregularidades ou de nulidades sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a trinta (30) dias."(grifo nosso)

Primeiramente, levando em conta as inúmeras interpretações do sistema das nulidades processuais (Galeno Lacerda), reproduzindo Borges da Rosa, Dall’Agnol tem que:

"Hoje, pelo moderno sistema da finalidade da lei, distinguem-se também: 1) a nulidade, que se dá quando o prejuízo é visível ou evidente; 2) a anulabilidade, que ocorre quando o prejuízo é alegado e precisa ser demonstrado; e 3) a irregularidade, que se dá quando ocorre somente violação de forma do texto legal, e não violação de fundo."(grifo nosso)

É preciso ter em mente, ao se falar de irregularidades, a idéia do vício mínimo, ou seja, mesmo que um termo do processo apresente-se com rasura ou emenda, espaços em branco, ou entrelinhas não ressalvadas, a essência do ato, sua estrutura não estará afetada, sua forma não estará comprometida, não obstante um vício ali seja detectado. Aliás, Frederico Marques esposava que "ato processual irregular é aquele afetado por pequenos vícios de forma que em absoluto afetam sua validade"(in Dall’Agnol, art. cit.). Destarte, não se decreta a invalidade - posto que, em princípio, nenhuma conseqüência acarreta para o processo - e o défice, o vício, a mácula, mantêm-se, de modo que o ato é tido como meramente irregular.

Assevera-se que a irregularidade é um vício sem força suficiente para invalidar o ato, para lhe negar efeitos. É termo próprio para aqueles requisitos meramente úteis à técnica, na lição de Carnelutti.

É do magistério de Dall’Agnol:

"Irregularidade, portanto, é defeito que não diz respeito a requisito estrutural do ato, que não atinge a eficiência do suporte fático, mas tão-somente a conduta infringente de norma instituidora de dever ao sujeito agente."

De outra banda, quanto à supressão da irregularidade, atenta-se para as duas espécies: irregularidade corrigível e incorrigível. Como exemplo, tem-se que a primeira diz com a falta de rubrica ou numeração de folhas pelo escrivão, ao passo que a segunda refere-se ao descumprimento dos prazos impróprios (pelo juiz ou seus auxiliares).

No tocante aos prazos impróprios, prescrevem os arts. 194 e 198 do CPC que, apurada a falta do serventuário que excedeu, sem motivo legítimo, os prazos estabelecidos pelo Código, o juiz mandará instaurar procedimento administrativo; do mesmo modo, qualquer das partes ou o Ministério Público poderá representar ao Presidente do Tribunal de Justiça contra o juiz o descumpridor dos prazos impostos. Destarte, a irregularidade verificada, a princípio, poderá acarretar medidas de ordem disciplinar, mas por vezes poderá causar efeitos processuais, na medida em que o relator nomear outro juiz para decidir a causa.

Por fim, aqui não cabe a nós esgotar o tema, mas fazer menção a um tópico deveras esquecido. Dall’Agnol encerra assim sua exposição:

"De qualquer sorte, é esta uma tentativa de melhor apreensão de fenômeno conceituado como ato irregular ou irregularidade processual, a exigir análise mais demorada da doutrina, quanto mais não fosse para que se não desconstituam atos portadores de defeitos não-essenciais; ou, em outros termos, para que se não os confunda com os vícios essenciais, esses sim, e apenas eles, capazes de levarem (necessária mas não suficientemente, em nosso sistema) à invalidação."

Isto posto, faz-se mister ressaltar que, hodiernamente, inclina-se para a reputação de válido ou inválido, segundo os princípio da finalidade e da não prejudicialidade muito mais do que para os requisitos carnelutianos.


12. Do Ato Inexistente

Reza o parágrafo único do art. 37 do Código de Processo Civil:

"Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos"(grifo nosso)

Julga-se, no mínimo, desatenta a terminologia empregada pelo legisferante, na medida em que é cristalino o entendimento de que, se é inexistente, não entrou no mundo jurídico, posto que não supriu requisitos mínimos para ser admitido. "O ato inexistente não tem a mínima aptidão de produzir efeitos (jurídicos), justamente porque corresponde a um não-ato, e não a um ato processual viciado", como pondera Dall’Agnol. Oportunas as palavras de Ovídio A. Baptista da Silva, do qual extraímos o exemplo:

"Se o ato pode ser ratificado, é porque o ato processual na verdade existira. Se não for ratificado, a inexistência decorrerá, a rigor, da circunstância de não haver a parte (!), através de procurador praticado qualquer ato. Tem-se, portanto, de distinguir bem a inexistência do ato processual, como ocorre quando não tenha havido, por exemplo, citação alguma da inexistência que decorre de se haver citado pessoa diversa daquela demandada."

Alberto Luis Maurino, citado por Dall’Agnol, (26) assevera que "el acto inexistente está excluído del régimen de las nulidades procesales". E, ao nosso ver, esta é a opinião mais acertada, muito embora alguns doutrinadores o consideram como uma espécie de invalidade do ato processual. Humberto Theodoro Jr. inspirado pela lição de Couture, classifica os atos processuais em: a) atos inexistentes; 2) atos absolutamente nulos e 3) atos relativamente nulos. Assevera o jurista que "em relação ao ato juridicamente inexistente, não se pode sequer falar de ato jurídico viciado, pois o que há é um simples fato, de todo irrelevante para a ordem jurídica (...) por isso, o ato inexistente jamais poderá convalidar e nem tampouco precisa ser invalidado". (27)

Vejamos, também a inteligência jurisprudencial tangente ao art. em epígrafe:

"Extingue-se o processo se não for junta no prazo a procuração do autor ao advogado que subscreve a inicial" (RT 495/165, 503/175, 503/218)(grifo nosso)

MANDATO – SUPRIMENTO – OPORTUNIDADE – 1. – Em face da sistemática vigente (CPC, art. 13), o juiz não deve extinguir o processo por defeito de representação antes de ensejar à parte suprir a irregularidade. 2. O atual CPC prestigia o sistema que se orienta no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais, regularizando sempre que possível as nulidades sanáveis. (STJ – REsp 1.561 – RJ – 4ª T. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJU 05.02.90) (RJ 150/97) (grifo nosso)

CITAÇÃO – OMISSÃO NO MANDADO DO PRAZO DE DEFESA, EX VI DO ART. 225, VI DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE – Em tema de nulidades processuais predomina o princípio da finalidade e do prejuízo. Art. 244 do CPC. A omissão no mandado de citação do prazo de defesa é suprida se a petição inicial, que integrou o instrumento citatório, fala tal registro. (TJPR – AC1.282/89 – 2ª C. – Rel. Des. Negi Calixto – J. 30.11.89) (RJ 151/86)( grifo nosso)

"Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente"(STF-RT 735/203)

Como bem se observa, na seara dos Tribunais igualmente não se tem uma homogeneidade no tocante à aplicação do termo ‘inexistente’. Ora se fala em irregularidades, ora em nulidades, ora em inexistência, ora na própria extinção do processo.

Sustenta Celso Agrícola Barbi: (28)

"A falta de apresentação de instrumento de mandato no prazo faz com que os atos praticados pelo advogado, sejam considerados não ratificados e havidos por inexistentes juridicamente, isto é, sem valor jurídico."(grifo nosso)

Ora, se os atos foram praticados, como havê-los como inexistentes? A nosso ver, in casu, ajusta-se o preconizado por Fábio Gomes: (29)

"Em geral, os casos apontados como correspondendo a atos processuais inexistentes, têm natureza extremamente duvidosa, podendo a maioria deles ser incluídos na categoria dos atos absolutamente nulos, porém existentes."

Por fim, o ato inexistente, ao contrário do inválido, não pode ser desconstituído, não pode ser desfeito, posto que, na linguagem ponteana: o que não foi feito não pode ser desfeito. Como bem elucidou o mestre:

"Para afastá-lo do mundo jurídico, indispensável atividade de desfazimento: o ato inválido (nulo, absoluta ou relativamente, ou anulável) para ser ejetado do mundo jurídico deve ser desconstituído. Já o mesmo não ocorre com o inexistente."


13. Conclusão

Urge salientar a importância do tema sub examine. Sem dúvida apaixonante, as invalidades processuais suscitam inúmeras interpretações e, por vezes, muitos equívocos, que grandes processualistas empenham-se em dissipar.

Há que se salientar, também, o trabalho daqueles que elaboraram o Capítulo em apreço, aclamado internacionalmente pelo seu art. 244, como "la plus belle règle en droit judiciaire".

Como visto, as invalidades processuais – ou como na Carta Processual, nulidades – são precipuamente informadas pelos princípios da finalidade e da não-prejudicialidade, o que nos envaidece, na medida em que são, efetivamente, aplicados preceitos supremos do direito. De fato. Animados por estes princípios, os arts. concernentes às nulidades terminam por ser considerados, mesmo, normas de sobre-direito, ou seja, que estão acima das demais, que se elevam a ponto de governar todas as outras.

Do modo como é ordenada, as nulidades apresentam-se como mais um instrumento em prol da boa justiça, priorizando o aproveitamento dos atos processuais e o salvamento do processo, privilegiando a própria efetividade da Justiça.

Ademais, a feitura do trabalho em questão mostrou-se de grande benesse, posto que nos fez entrar em contato com brilhantes doutrinadores como o professor gaúcho Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior, o qual prestou imensa contribuição para o desenvolvimento do tema. Sobretudo, Dall’Agnol foi o responsável pelo tom crítico do trabalho, insurgindo contra velhos dogmas e propondo novas concepções. Isso é que reputo o mais importante.


NOTAS

1 "... esse dispositivo foi considerado, no IX Congresso Mundial de Direito Judiciário, la plus belle règle en droit judiciaire (Congresso, 1991, p. 437)" (Rui Portanova. Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997, p. 189)

2 Tratado de Direito Privado, Plano da Existência, vols. I, II e III, Ed. Borsoi, 1970, p. 28

3 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 2

4 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 40

5 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 41

6 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 18

7 Theotonio Negrão. Código de Processo Civil. Ed. Saraiva, 30ª ed., 1999

8 em palestra proferida em 15.07.83por ocasião do Congresso Brasileiro de Direito Processual Civil, em Porto Alegre

9 Desse modo, no estudo em apreço procuramos adotar a expressão reputada a melhor segundo cada autor consultado.

10 Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997, ps. 185/186.

11 Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997, p. 188

12 Theotonio Negrão. Código de Processo Civil. Ed. Saraiva, 30ª ed., 1999, p. 297

13 in Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior. Revista de Processo 60 p.p 15/30

14 Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil, vol. I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996, p. 176

15 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol. III, Ed. Forense, 1997, p. 258/259

16 Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior. Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p. 26

17 Texto publicado na Revista Forense, volume 344, outubro 1998, Rio de Janeiro, pp. 03/19

18 Antônio de Pádua Ribeiro. Das Nulidades. Revista Jurídica Ano XLII n.º 201/julho de 1994.

19 Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior. Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p. 48/49

20 Humberto Theodoro Jr. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Ed. Forense, 27ª ed., 1999, p. 282

21 Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover, Cândido R. Dinamarco. Teoria Geral do Processo. Malheiros Editores, 9ª ed., 1992, p. 288

22 Em tese. Como já visto anteriormente, hipóteses há, e não raras, em que o ato, mesmo considerado passível de nulificação absoluta, por atingir seu escopo, conserva sua eficácia

23 O assunto será melhor aprofundado, a posteriori

24 publicado na Revista Ajuris vol. 33 mar/85 p.p 123/132

25 Revista de Processo 60 p.p 15/30

26 Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p.21

27 Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 27ª ed., Ed. Revista Forense, 1999, p. 282

28 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 10ª ed., Ed. Forense, p. 176 I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996, p. 181

29 in Curso de Processo Civil. Ovídio A. Baptista da Silva, vol. I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996, p. 181


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CIOCCARI, Michele. Dos vícios dos atos processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/785. Acesso em: 26 abr. 2024.