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O porte de arma de fogo no Brasil: efeitos e requisitos especiais

O porte de arma de fogo no Brasil: efeitos e requisitos especiais

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O presente trabalho visa à problemática sobre quais seriam de fato, os requisitos específicos para obter o direito ao porte de arma de fogo, assim como os efeitos decorrentes tanto do porte e da posse, quanto do próprio disparo de arma de fogo.

Resumo: As armas de fogo estão presentes desde os primórdios da sociedade, e na medida em que passaram a conviver em conjunto, houve a necessidade de maior coesão social entre seus integrantes, mediante a criação de leis e normas para regular a vida em grupo, e com as leis armamentistas não foi diferente. O presente trabalho, acerca do Porte de arma, destacando seus requisitos e seus efeitos jurídicos, visa à problemática sobre quais seriam de fato, os requisitos específicos para obter o direito ao porte de arma de fogo, assim como os efeitos decorrentes tanto do porte e da posse, quanto do próprio disparo de arma de fogo, buscando uma análise mais detalhada da lei especial armamentista brasileira, assim como o vasto entendimento doutrinário. Tem como objetivo geral estudar todos os aspectos sobre as exigências para a obtenção do porte regular de arma de fogo, assim como uma análise sobre os seus diferentes efeitos jurídicos práticos. O procedimento a ser seguido se dará mediante aplicação dos objetivos específicos, sendo eles: a - pesquisar a história e evolução das leis armamentistas no país; b - identificar alguns dos principais testes de aptidão para esse direito; c - estudar as diferentes nuances e os principais efeitos jurídicos resultantes do porte, posse e a utilização de arma de fogo em face da coletividade. Tal estudo se justifica pela grande discussão a qual tem vivido esse tema nos últimos anos, além disso, maior domínio sobre o mesmo é muito importante para a coletividade, no entendimento de suas liberdades, restrições e direito, assim como a importância acadêmica, visto que, este tema possui grande controvérsia jurídica e é muito importante para futuros debates. Para estar apto a garantir este direito, o candidato deverá cumprir certos requisitos presentes na lei armamentista brasileira, aptidão essa, que será confirmada pela Polícia Federal, responsável pelos testes e pela manutenção deste direito. Além disso, a utilização de arma de fogo seja no porte, na posse, ou até mesmo no mero disparo de arma de fogo, proporciona diversos efeitos jurídicos a serem determinados pela conduta do agente no caso concreto, onde para se constituir como crime, deverá estar tipificado na legislação armamentista. Para a realização deste trabalho, foi utilizada, em especial, de pesquisas bibliográficas acerca do assunto, com um método de abordagem dedutivo, além da doutrina de renomados estudiosos da matéria e a própria legislação pertinente, para melhor compreensão do tema abordado.

Palavras-chave: Arma de fogo, porte de arma, posse de arma, Estatuto do Desarmamento.

Sumário 1. Introdução. 2. Considerações acerca da história e evolução das armas na sociedade brasileira. 2.1. Armas: análise e história. 2.1.1. O conceito “arma”. 2.1.2. O surgimento e modernização das armas. 2.1.3. O controle de armas na sociedade. 2.2. Modificações no porte de arma com a evolução das leis penais no Brasil. 2.3. A história da indústria de armas de fogo no Brasil. 3. Requisitos e testes legais para o porte de arma de fogo no Brasil. 3.1. Estudo em relação aos requisitos para o porte de arma no ordenamento brasileiro. 3.2. Avaliações nos testes técnicos e psicológicos para o porte de arma de fogo. 3.3. Posse e porte: disparidade formal. 3.3.1. O direito as armas de fogo a luz da Constituição brasileira. 4. Estudo acerca dos efeitos jurídicos dos crimes com arma de fogo. 4.1. Da posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. 4.2. Do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. 4.2.1. Disparo de arma de fogo. 4.3 Comentários acerca da posse e do porte de arma de fogo de uso proibido. 5. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa apresentar elementos para um melhor entendimento à luz do porte de arma de fogo no Brasil. Como se sabe, com o advento da nova lei sobre o controle do porte de arma de fogo no país, a Lei 10.826/03, ou Lei do Estatuto do Desarmamento, o controle sobre esse armamento se tornou extremamente rigoroso, existe uma burocracia muito maior para aquele que deseja adquirir a autorização, dessa forma, se remete a questão: quais as exigências para a obtenção do porte de arma de fogo no Brasil? E quais efeitos práticos recaem sobre a sua utilização?

A fim de solucionar esse problema, deve-se buscar amparo na legislação especial brasileira, em especial a Lei 10.826/03, lei específica a respeito das armas no Brasil, assim como nas doutrinas e trabalhos de grande valor acerca deste assunto, o qual se encontram diversas peculiaridades, que muitas das vezes são desconhecidas pela sociedade em geral.

Este trabalho possui como objetivo geral estudar todos os aspectos referentes às exigências para a obtenção do porte regular de arma de fogo, assim como uma análise sobre os seus diferentes efeitos práticos, para se chegar a um resultado satisfatório acera do conhecimento desta matéria. O procedimento a ser seguido se dará mediante aplicação dos objetivos específicos:

  • a – pesquisar a história e evolução das leis armamentistas no país;

  • b - identificar alguns dos principais testes de aptidão para esse direito;

  • c - estudar as suas diferentes nuances e os principais efeitos jurídicos resultantes do porte, posse e a utilização de arma de fogo em face da coletividade.

Como justificativa social, dada a grande notoriedade que cerca este assunto, um estudo teórico quanto ao mesmo parece bastante pertinente, visto que este tema gera grande debate em meio a sociedade, onde sempre se remete a discussão acerca dos limites da liberdade de legitima defesa, assim como, efeitos jurídicos resultantes desta concessão perante a sociedade. Como justificativa acadêmica, este tema é um tema bastante rico em sua bagagem histórica, com a evolução que resultou nas leis que possuímos atualmente, passando pela história das leis criminais no país, e os reflexos dessa evolução na legislação armamentista atual.

Como justificativa jurídica, este trabalho tem como principal material de pesquisa a própria legislação armamentista, sendo imprescindível um estudo em específico sobre o tema alvo de diversas deliberações no Poder Legislativo, e grande discussão dentro do poder judiciário e assim, com o escopo de se introduzir mais informações acerca do tema, suas principais nuances e particularidades, buscando enriquecer cada vez mais o debate sobre a legislação armamentista no país.

Em seu primeiro capítulo trata da história das armas através do tempo, pontuando importante marcos acerca das armas de fogo, e sua presença na história humana através dos tempos, assim como sua evolução a qual sempre acompanhou a evolução da própria sociedade em si, e em especial, as legislações responsáveis por sua manutenção no país, desde o Brasil-Império até a República, além de um estudo acerca da indústria armamentista no país.

No segundo capítulo, busca-se uma análise em relação aos procedimentos para adquirir uma arma de fogo em território brasileiro, onde se exige uma atuação bastante incisiva por parte da Polícia Federal, para capacitar o candidato a possuir essa autorização, que concede um direito, assim como uma gama de deveres, e traça um paralelo entre as diferentes atribuições resultantes do porte e da posse de arma de fogo.

Por fim, o terceiro capítulo trata em especial dos efeitos jurídicos resultantes dos crimes relacionados às armas de fogo, em especial dos efeitos jurídicos resultantes do disparo de arma de fogo, do porte e da posse ilegal, ambos de uso permitido, assim como no caso destas condutas com armamento de uso proibido, destacando suas principais nuances e aplicações criminais.

O presente trabalho fora formatado dentro das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), utilizando de diversas obras literárias e artigos de diversos teóricos do assunto, visa trabalhar o problema abordado, que consiste nas principais exigências para a obtenção do armamento no cenário brasileiro atual e quais efeitos jurídicos englobam o seu uso sem permissão, utilizando com forma de pesquisa a bibliográfica e a documental. Sua natureza de pesquisa é qualitativa, utilizando de documentos, leis, doutrinas e artigos de destaque, para sua realização. Seu setor de conhecimento é o interdisciplinar o qual reúne várias disciplinas em uma mesma área de conhecimento para um melhor estudo do problema definido, com um método de abordagem dedutivo o qual será criado um raciocínio a partir de diversas informações coletadas através de um estudo sobre o assunto, buscando chegar a uma conclusão satisfatória.

Trazer tal assunto ao centro das atenções parece bastante pertinente devido à polêmica que se instaurou em torno do mesmo, exemplificando e abordando de forma imparcial seus conceitos e peculiaridades de forma oportuna, buscando melhor compreensão acerca do tema.


2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DAS ARMAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O presente capítulo traz de forma sucinta um pouco da história das armas e do seu constante aprimoramento. Utilizadas desde os primórdios como instrumentos de caça, luta, tanto para ferir, quanto até mesmo para intimidar, as armas sempre tiveram papel significativo dentro da vida do homem, e na medida em que a humanidade ia evoluindo, as armas seguiam o mesmo caminho, e o que já teve o seu ápice em uma lança ou adaga, posteriormente se tornou instrumento de combustão de pólvora, denominada “arma de fogo”, chegando a níveis de modernidade, e consequente letalidade, como jamais visto antes.

Nessa constante evolução, é evidente que com a formação dos grandes centros urbanos, e a necessidade de convivência conjunta dos indivíduos, trouxe a obrigatoriedade de que fossem formuladas leis que regulassem essa convivência, de modo que se coibisse a barbárie. Dentre as principais normas reguladoras da sociedade, se destaca a com relação à utilização de armas de fogo, principalmente com relação ao porte de arma, que antes não possuía distinção à posse, mas hoje é definido como o contato direto com a arma, traze-la consigo. Sob a ótica da sociedade brasileira, a regulação e controle com as armas de fogo evoluíram à medida que também evoluíam as leis penais no país, de modo que o porte de armas passou a ser proibido e concedido apenas em casos excepcionais, como tratará o presente trabalho.

Por fim, é importante o estudo, a partir da sociedade brasileira, da história do setor industrial brasileiro na produção de armas de fogo e relacionados, como a própria produção de munição em si, observando-se que na medida em que a sociedade brasileira progredia, mais e mais recursos foram revertidos para essa área que sempre mostrou crescimento acentuadamente exponencial e notório, sendo um dos principais polos industriais do mundo nos dias de hoje.

2.1. Armas: análise e história

As armas sempre possuíram destaque na vida do ser humano, como finalidade de sobrevivência ou mesmo de conquista. No entanto, as armas enfrentaram todo um processo de aprimoramento, assim como a própria sociedade em geral, sendo fundamental um estudo com relação ao seu conceito básico. Sua evolução desde instrumentos rústicos de pau e pedra, até a utilização do aço e posteriormente a invenção da pólvora.

Outro ponto a ser estudado, é com relação à necessidade de que fosse estabelecido um controle quanto a sua utilização, na medida em que a sociedade foi evoluindo, certas normas foram elaboradas para organizar e habilitar esse convívio, algumas dessas foram a respeito das armas, principalmente em face do porte delas no convívio social.

2.1.1. O conceito “arma”

O conceito de arma é bastante diversificado, muitas das vezes utilizado para se referir as armas de fogo, pode também se referir a qualquer objeto que seja utilizado com intuito de atacar ou defender, além de outros possíveis significados, assim como versa o dicionário de Língua Portuguesa:

Instrumento que serve para atacar ou defender. Cada uma das divisões dos exércitos (infantaria, artilharia, cavalaria etc.). Arma branca, a que é feita de ferro ou aço polido e munida de ponta e gume. Arma de fogo, a que utiliza a força de um explosivo para o disparo. Arma de arremesso, a que se atira de longe, como a seta, a flecha, o dardo. Arma curta, a que serve para atacar de perto, como o punhal. (ARMA, 2009-2019).

Sendo assim, com base no artigo de Manoel Pedro Pimentel (2005, p. 04), o conceito de arma é muito abrangente, onde, o que de fato pode caracterizar uma arma é a sua potencialidade ofensiva, a circunstância a qual foi especialmente fabricada, para o proposito de servir como instrumento de ataque ou de defesa. Deste modo, pode ser oportuno se fazer uma distinção entre as armas próprias e impróprias, de modo que se possibilite uma análise mais criteriosa quanto ao seu conceito específico:

Armas próprias são os objetos, instrumentos, máquinas ou engenhos, com potencialidade ofensiva, fabricados para servirem como meios de ataque ou de defesa. Armas impróprias, tudo aquilo que, não sendo fabricado especialmente para servir como instrumento de ataque ou de defesa, pode eventualmente ser utilizado para esse fim. Tudo que sirva para matar ou ferir poderá ser utilizado como arma, embora não seja esse uso a principal destinação do objeto, como acontece com uma foice, um machado, um ancinho, instrumentos agrícolas que se podem converter em arma. (PIMENTEL, 2005, P.04).

Como se observa, as armas improprias não são objeto de discussão delituosa, pois não existe proibição para o que não foi feito com o propósito primário de ataque ou defesa, estas armas são potencialmente capazes de servir a esse fim, mas no seu ato de produção, esse não era o intuito original. Com base nessa divisão, as chamadas “armas brancas” não podem ser chamadas de armas próprias, como facas, facões e machados, com exceção, é claro, das que tenham sido produzidas justamente com o intuito de ferir a outrem, ou mesmo a título de intimidação, como espadas, lanças e punhais.

2.1.2. O surgimento e modernização das armas

As primeiras armas desenvolvidas pelo homem eram instrumentos de madeira e de pedra, com os quais eles utilizavam para atacar seus inimigos, ou mantê-los à distância. Posteriormente, à medida que as civilizações iam se desenvolvendo, as armas seguiam o mesmo caminho, surgiram então os dardos e as lanças de arremesso. No antigo Egito, iniciou-se o emprego do uso de cobre para reforçar as armas, dando inicio a utilização de ferro para sua fabricação, o que foi seguido também pelo exército assírio.

Na Grécia antiga, de acordo com o estudo apresentado por José Geraldo da Silva (2004, p.01) deu início à era das gruas, que hoje conhecemos como guindastes, das catapultas e até dos espelhos côncavos, que se dizia serem capazes de queimar os navios inimigos. Já o poderoso e avassalador Império Romano, continuou com as inovações gregas, acrescentando a balista, que se tornaria a percussora da artilharia moderna.

Somente mais tarde, se deu a principal descoberta na área, descoberta que trouxe o mais alto salto na inovação das armas, que foi a descoberta da pólvora. O que antes era utilizado na Índia e na China meramente como fogos de artifício, deu lugar a mais letal matéria prima como armamento. Introduzida pelos árabes para fins militares, a pólvora deu início a era das armas de fogo:

“Arma de fogo, geralmente, é um instrumento natural com o qual são disparados projéteis propelidos pela combustão da pólvora ou de outros explosivos.” (SILVA, 2004, p.02).

As primeiras armas de fogo desenvolvidas pelo homem eram, basicamente, versões em menor escala do canhão, e era denominada de arcabuz, desenvolvida no século XIV, e com o tempo foi sendo modificada, até a criação de armas mais curtas e leves, desenvolvidas para a cavalaria. À medida que os séculos foram passando mais e mais as armas eram aperfeiçoadas, se antes elas só podiam realizar um disparo por vez, a inovação trouxe as armas com cartuchos, que podiam realizar mais disparos, logo depois veio o revólver, que segundo definição:

Arma de fogo, de porte individual, de um só cano, com calibres variados, dotada de tambor ou cilindro giratório, com várias culatras, onde são colocados os cartuchos, e que pode disparar tantos tiros quantas sejam as culatras desse tambor. (FERREIRA apud SILVA, 2004, P. 04).

As armas portáteis surgiram no século XV, e seguindo com o estudo de Silva (2004 p.04), foram resultado da necessidade de armas mais práticas e que pudessem ser portadas de forma discreta no meio urbano, pois durante esse período, referente ao século XV a XVIII, com o surgimento dos grandes centros urbanos, houve a necessidade de que fossem estabelecidas novas regras para o convívio social, e passou a existir a visão de que um indivíduo que esteja portando uma arma no meio urbano não seria uma pessoa bem intencionada. As evoluções referentes aos recursos armamentistas foram sempre constantes, mas nenhum momento trouxe tanta inovação às armas em geral no mundo quanto na Primeira e principalmente na Segunda Guerra Mundial, as quais na medida em que iam se desenrolando, cada país buscava avançar ainda mais no campo armamentista para que se sobrepusesse ao seu adversário.

2.1.3. O controle de armas na sociedade

Com relação ao controle armamentista, ao se analisar a sociedade romana na antiguidade é nítido que mesmo naquela época o povo já tinha grande preocupação com relação ao controle de indivíduos portadores de armas em meio à sociedade, a permissão para que se pudessem portar punhais e espadas em meio à multidão era concedida apenas aos patrícios, e estritamente negada aos plebeus, que eram a classe mais baixa da sociedade, e tiveram que travar diversas lutas em meio aos costumes antigos, para que atingissem um mínimo de direitos entre os romanos.

Na própria Índia, que desde os tempos mais remotos era regida por diversas leis tradicionais, Pimentel (2005, p.02) explica que nas chamadas “leis de Manu”, era expressamente proibido a um guerreiro, mesmo que em batalha, utilizar de certas armas, a lei deixava clara proibição as chamadas “armas pérfidas”, isto é, armas consideradas desleais, como armas com emprego de veneno, ou inflamadas.

A mesma distinção romana entre patrícios e plebeus se estendeu através do tempo e fez parte da convivência das sociedades feudais, durante o período idade média, não escapando o Brasil, que colonizado por Portugal, se subordinava as ordenações de seus reis, as quais regulavam as normas vigentes em ambos os países, dentre elas, as a respeito das condutas criminosas e punições, e consequentemente dentre os quais consistia o porte de arma de forma delituosa, sem a observação das normas supramencionadas. (PIMENTEL, 2005, p.02).

2.2. Modificações no porte de arma com a evolução das leis penais no Brasil

Primordialmente, o Brasil, após o seu descobrimento, era regido por diversas ordenações, que vinham sucedendo umas as outras, as primeiras foram as Afonsinas, sucedidas pelas Manuelinas, e mais tarde pelo Código de D. Sebastião. Só em 1603, com o livro V das Ordenações do Rei Filipe II, que então surgiu o primeiro Código Penal no país, o chamado Código Filipino.

De acordo com o artigo do Dr. Maércio Falcão Duarte (1999), este código possuía grande influência da religião, onde o crime era confundido com o pecado e a ofensa à moralidade, deste modo, os que se equivalessem a hereges ou mesmo feiticeiros eram punidos penalmente, onde as penas eram extremamente severas e desumanas, basicamente como ocorriam na época, contra a integridade física como as mutilações ou queimaduras, as penas de prisão ou mesmo contra seus bens, resultando no confisco dos mesmos. Este mesmo código já dispunha a respeito da proibição de utilização de armas por alguns grupos de indivíduos ou em momentos inoportunos:

Concediam-se privilégios aos nobres, aos cavaleiros e a alguns servidores do Rei. Entre estes contavam-se os escrivães e meirinhos e outros oficiais, aos quais o Título LVII das Ordenações Filipinas concedia que tivessem armas e cavalos, consistindo aquelas em “couraças e capacetes, lança e adaga”. (PIMENTEL, 2005, P.02).

Entretanto, mesmos os que dispunham desse privilégio, não o detinham de forma absoluta, era necessário que respeitassem normas, que regulavam e proibiam portar armas em ocasiões distintas, principalmente após o toque de recolher, que era o horário limite ao qual a população deveria respeitar e cessar as atividades nas cidades ou feudos os quais residiam. O rei já dispunha de diversas normas a esse respeito, como o parágrafo 37 do título I do Código Filipino, mencionado no texto em questão:

Ao Regedor pertence prover e conservar os estilos e bons costumes acerca dos feitos, que sempre se costumaram e guardaram na dita Casa. E não consentirá que Desembargador algum entre, nem esteja na Relação com espada, punhal, adaga, ou outra qualquer arma. (PIMENTEL, 2005, p.02).

Com a Proclamação da república, a nova Constituição, de 1824, deixava clara a necessidade de elaboração de uma nova lei penal, e em 1830, o Imperador D. Pedro assinou pela criação do próprio Código Criminal do Império, que considerava crime utilizar armas consideradas “ofensivas” que fossem proibidas pelo mesmo, essa disposição se encontrava em seu artigo 297, que posteriormente veio a ser editado e complementado:

Uma lei de 26.10.1831, em seu art. 3º, alterou este artigo, dispondo: “O uso, sem licença, de pistola, bacamarte, faca de ponta, punhal, sovelas ou qualquer outro instrumento perfurante, será punido com a pena de prisão com trabalho por um a seis meses, duplicando-se na reincidência, e ficando em vigor a disposição do art. 297 do Código quanto às armas proibidas. ” (PIMENTEL, 2005, p. 02).

O artigo 298 dispunha a respeito dos indivíduos que possuíam o direito ao porte de arma em meio à sociedade, em especial a polícia, enquanto o artigo 299 deixava claro quem era competente para declarar quais armas eram consideradas ofensivas e em quais hipóteses sua licença poderia ser concedida ou não:

O art. 298 dispunha, em seus parágrafos, a respeito das pessoas que podiam usar armas: os oficiais de justiça, quando em diligência; os militares de primeira e segunda linha e ordenanças, quando em diligência ou exercício, na forma regulamentar; os que obtivessem licença dos juizes de paz. O art. 299 fixava a competência das câmaras municipais para declarar quais eram as armas ofensivas, cujo uso era permitido aos juizes de paz, bem como os casos em que podiam ser concedidas licenças para seu uso, e os casos em que o uso independia de licença. (PIMENTEL, 2005, p. 03).

À medida que os anos foram passando, com a gradativa evolução das leis no território brasileiro, mais e mais as leis brasileiras foram regulando a utilização de armas de fogo, e em 1890 veio à criação do Código Penal, que também dispunha sobre o uso das armas “ofensivas” sem a autorização da autoridade policial. Tratada no artigo 377, tal transgressão era considerada uma contravenção, e a pena era de prisão de 15 a 60 dias, ainda no mesmo artigo em questão, vinha a disposição a respeito da possibilidade de isenção de pena, que era concedida apenas aos agentes da autoridade pública, como a Polícia, o Exército e a Guarda Nacional de acordo com seus próprios regulamentos autônomos.

Esta disposição, mais tarde, foi integralmente transcrita e adaptada pelo artigo 377 da CLP, a chamada Consolidação das Leis Penais, criada pelo Desembargador Piragibe, em 1932, e possuía quatro livros e quatrocentos e dez artigos que passaram a ser o Estatuto Penal Brasileiro, e sua vigência se deu até 1940.

Em 1940, veio o chamado Projeto Alcântara Machado, que nas palavras de Duarte (1999) era o projeto para a criação da nova legislação penal, que embora tenha sido promulgada no final de 1940, só passou a vigorar no início de 1942, com a ideia de que a sua vigência fosse de acordo com a do Código de Processo Penal. Em seu artigo 233 a nova legislação penal versava sobre as armas de fogo:

O Projeto Alcântara, na sua nova redação, previa como crime, no art. 233, parágrafo único, incisos I a IV, as condutas hoje consideradas contravencionais, dizendo: “Na pena de multa de 200$000 a 2:000$000 incorrerá aquele que: I - tendo em seu poder arma ou munição, não fizer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determine; II - fora de sua casa ou dependências, trouxer consigo arma ofensiva, sem licença da autoridade ou justo motivo; III - permitir que a levem consigo alienado, ou menor de 14 anos, ou pessoa inexperiente em manejá-la; IV - omitir as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alguma das pessoas indicadas no inciso anterior.” (PIMENTEL, 2005, p. 3).

O artigo em questão figurava entre os crimes de perigo comum, posteriormente foi criada uma nova lei especial, referente às contravenções penais, sendo o artigo do Projeto Alcântara praticamente transcrito para a nova lei, constando em seu art. 19 e parágrafos a nova legislação referente às armas, nova lei essa denominada Lei das Contravenções penais, a qual passou a converter esse delito em infração referente à pessoa, mesmo que a sistemática utilizada pela nova lei não diferisse muito do que era utilizado no próprio Código Criminal do Império, vigorando a mesma tradição no Direito brasileiro.

Com o passar dos anos, houve a necessidade de que fossem criadas leis que regulassem de forma objetiva o controle armamentista no país, principalmente no que se refere aos civis. E assim, após diversos debates, o projeto de lei 64/1996, resultou na elaboração da Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, esta que criou o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), além disso, a lei também estabeleceu as condições para o registro e o porte de armas de fogo, e foram definidos quais seriam os crimes decorrentes de sua desobediência. “A primeira versão do Sinarm (software) foi desenvolvida internamente pelo Centro de Tecnologia da Informação (CTI) da Polícia Federal e entrou em operação ainda em 1997”. (FONSECA, et al. 2006, p.18).

Em resumo, o Sinarm tem como grande finalidade a existência do pleno controle de quem tem como propriedade uma arma, e a sua identificação, como proprietário. Tal identificação é primordial, pois, caso haja algum ato ilícito em que essa arma foi utilizada para o seu cometimento, a Polícia terá mais facilidade em localizar o proprietário da arma, por conta do cadastro que a mesma deve possuir no referido órgão.

De acordo com Aleixo e Behr (2015, p.14), a Lei 9.437/97, lei que desenvolveu o Sinarm, era bastante rasa, pois permitia que atos regulamentares condicionassem a aquisição dos armamentos, tratava-se de uma norma de eficácia limitada e bastante questionável. Para adquirir uma autorização para o porte de armas de fogo, o requerente devia comprovar idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de tal objeto. Além disso, essa norma dividia o porte de armas de fogo em dois grupos: o estadual, que restringia sua validade aos limites do Estado de domicílio do requerente, e o federal, que era válido em todo território nacional, mas expedida apenas em condições especiais.

A Lei 10.826/03, Lei do Estatuto do Desarmamento, criada posteriormente, é muito mais minuciosa, pois, em relação ao porte de armas, ela o proíbe expressamente em todo o território nacional, salvo as exceções, deixando a possibilidade para quem não se enquadre nas exceções, de obter o registro para apenas a posse de arma de fogo. Assim, fica o porte de armas exclusivo apenas precedido por devida formação profissional e por comprovada necessidade para o cumprimento de suas atividades profissionais:

Nesse sentido, ressalvadas as particularidades de cada caso, o direito de portar armas de fogo fica restrito aos membros de instituições que visam à soberania nacional (Forças Armadas) e a segurança pública e privada, de entidades desportivas legais que utilizam armas de fogo em suas modalidades, aos integrantes das carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria Fiscal do Trabalho, cargos Auditor Fiscal e Analista Tributário e, por fim, aos caçadores de subsistência. (ALEXIO, BEHR 2015, P.15).

Por outro lado, a nova lei deu um caráter muito mais restritivo à arma de fogo no país, seja na parte da posse ou do porte de armas ou em relação a sua comercialização. Restrição que foi considerada bastante polêmica, sendo alvo de inúmeras críticas por parte da população, e dividindo diversos especialistas do assunto, pois, alguns consideram uma incongruência absurda por parte do poder público restringir de forma brutal o controle armamentista no país quando o mesmo não pode proteger a população, como conclui Excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal Militar:

Se o governo não tem condições de assegurar à sociedade que todos os assaltantes assaltarão desarmados, não tem como impedir aos cidadãos o exercício do direito de defesa. O governo é apenas preposto do povo e não o contrário. As armas que o governo tem pertencem ao povo. É o povo que dá às Forças Armadas e à polícia as armas com que devem defendê-lo e proteger a Pátria. O povo é o mandante, o governo é o mandatário. O governo não tem o direito de tirar do povo às mesmas armas que o povo lhe deu. Trata-se da teoria do mandato, velha como o direito romano, que vale tanto para o direito privado quanto para o direito público. Enquanto um agente público tiver legitimidade para ter e portar armas, o cidadão comum também a terá. Desarmar as vítimas é apenas dar mais segurança aos facínoras. (BIERRENBACH, 2005, p.11).

Deste modo, tal polêmica dificilmente terá resolução visto que se parte dos especialistas defendem restrições severas as armas sempre enfatizando seu caráter mortífero, outro lado defende uma abertura maior da lei armamentista no país pensando em seu caráter protetivo, ressaltando ser impossível a segurança pública estar em todos os lugares e ao mesmo tempo.

Em outubro de 2005, houve um referendo com o objetivo de consultar a população a respeito da proibição do comércio de armas e munição no Brasil, e de acordo com Veiga e Santos (2008), foi à terceira vez em que houve um plebiscito popular no país, onde anteriormente teriam acorrido duas consultas a respeito do sistema de governo brasileiro, consultas essas que são raras se comparado com os Estados Unidos e a Europa.

No dia 23 de outubro de 2005, aproximadamente 122 milhões de eleitores foram submetidos à terceira consulta popular da história brasileira, sendo questionados em relação à pergunta:

“O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil? 1) NÃO; 2) SIM”.

(VEIGA, SANTOS, p.60, 2008).

Ainda conforme o estudo de Veiga e Santos (2008), apesar da expectativa de que a população votasse pelo sim da proibição, expectativa fomentada pela grande influencia que a chamada “Frente Parlamentar por um Brasil sem armas” vinha exercendo com diversas propagandas e passeatas, o resultado que se viu na votação foi totalmente diferente, 36,06% dos que votaram decidiram pela proibição da venda de armas e munições enquanto 63,94% votaram pela manutenção da comercialização.

2.3. A história da indústria de armas de fogo no Brasil

A fabricação de armas no Brasil deu início com à mudança da corte portuguesa para o Brasil, que com a chegada do príncipe regente D. João VI, em meados de 1808, quando foi fundada a Fábrica Real de Pólvora, que no início, trabalhava com a produção da chamada “pólvora negra”, que consistia em uma substância explosiva constituída pela junção de salitre (nitrato de potássio), carvão e enxofre, fabrica essa localizada as margens da Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro. (DELLAGNEZZE, 2008, p. 6-7).

No ano de 1824, a Fábrica Real de pólvora foi transferida para a cidade de Magé, também no Rio de Janeiro, com a denominação de Real Fábrica de Pólvora da Estrela, mediante decreto de D. Pedro II. Só a partir do ano de 1939 que a fábrica foi amplamente restruturada e passou a se chamar Fábrica da Estrela, trabalhando como Organização Militar do então Ministério do Exército, até o ano de 1975, data da fundação da Indústria de Material Bélico do Brasil, ou IMBEL, quando começou a funcionar como empresa estatal, existente até os dias de hoje, a Fábrica da Estrela IMBEL possui mais de 200 anos e tem função ativa na produção brasileira: (DELLAGNEZZE, 2008, p. 7-8).

Hoje, após várias evoluções a Fábrica da Estrela atua de forma dual, vale dizer, atua no mercado militar, com a produção de vários artefatos e explosivos, bem como no mercado civil, sendo que os seus principais produtos são: Cordel Detonante, Espoleta Comum n°8, Estopim Hidráulico, Dinamites Sismográficas, Minilites e Maxilite, Reforçadores (Booters), Pólvora Negra, Retardos para Cordel, RDX e outros produtos de fabricação sob encomenda. (DELLAGNEZZE, 2008, p. 8)

De acordo com Dellagnezze (2008, p.08-09), a IMBEL, sendo a indústria mais antiga de armas de fogo do Brasil, ao longo dos últimos anos se desenvolveu de forma impressionante, desenvolvendo não só armamento, mas gerando emprego em grande escala para o país, além disso, atingiu notoriedade não só no Brasil, mas de forma internacional, aumentado exponencialmente seu numero de fábricas, as quais hoje, se encontram espalhadas por todo o sudoeste do país:

...Compondo-se de 5 (cinco) Complexos Fabris, localizados nas cidades de Piquete, no Estado de São Paulo, Itajubá e Juiz de fora, no Estado de Minas Gerais e, Magé e Rio de Janeiro, no Estado do Rio de Janeiro, destinados a produção de diversificados produtos de emprego militar e civil. (DELLAGNEZZE, 2008, p.09).

Hoje, a IMBEL possui grande reconhecimento no mercado armamentista, onde seus produtos integram os equipamentos das Forças Armadas, Força Nacional de Segurança Pública, da Polícia Federal, da Polícia Militar, Civil e, além disso, tem realizado a produção de armamento destinado ao mercado africano, asiático e sul-americano e principalmente o norte-americano, o qual consiste em um dos mais disputados mercados de armas de fogo, armando inclusive a Federal Bureau of Investigation, ou FBI. (DELLAGNEZZE, 2008, p.10).

Além das fábricas estatais, em especial a IMBEL, no Brasil também se desenvolveram muitas empresas privadas no setor de armamentos e munições, principalmente após a proclamação da República. Assim, durante o início do período republicano, após a 1° Guerra Mundial, surgiram diversas fábricas como a Boito, a Rossi e a Fábrica Nacional de Cartuchos, hoje Companhia Brasileira de Cartuchos, ou CBC, esta ultima que se tornou a principal fabricante de munições do país. (ANDRADE, et al, 2016, p.11-12). No entanto, a instabilidade política qual o país vivia minava o crescimento dessas indústrias:

O interesse inicial no reequipamento do Exército, no entanto, sofreu uma redução devido à instabilidade política que dominou os anos seguintes. Conforme argumenta Amarante (2004), a preocupação dos governos com as turbulências internas fez com que, a partir do final da Primeira Guerra Mundial, as importações de equipamento militar cessassem, e o Exército tivesse seu reequipamento congelado. Esta tendência só seria revertida com o advento da Revolução de 1930, que colocou fim à chamada República Velha e levou Getúlio Vargas ao poder. (ANDRADE, et al, 2016 p.12)

Com o novo governo, os investimentos na área armamentista brasileira seriam redobrados, em especial na criação de diversos parques industriais voltados para materiais de defesa, marcando a década de 30 com a criação de diversas fábricas:

Assim, os anos 1930 seriam marcados pelo primeiro ciclo industrial militar, conforme argumenta Amarante (2004). O autor descreve que, no transcorrer da década, seriam criadas: i) a Fábrica do Andaraí (1932), produzindo morteiros e granadas de artilharia; ii) a Fábrica de Curitiba (1933), com produção de viaturas, cozinhas de campanha, entre outros; iii) a Fábrica de Itajubá (1933), para fabricação de armamento leve; iv) a Fábrica de Juiz de Fora (1933), para produção de munição de grosso calibre; v) a Fábrica de Bonsucesso (1933), produzindo máscaras contra gases e produtos químicos; vi) a Fábrica de Material de Comunicações (1939), atualmente Fábrica de Comunicações e Eletrônica da Imbel, produzindo telefones, rádios e outros materiais de comunicação; e vi) a Forjas Taurus, surgida em 1939, na cidade de Porto Alegre, com produção de armas curtas.(ANDRADE, et al, 2016 p.12)

Destacam-se dentre as empresas privadas que atuam nesse ramo no Brasil a Companhia Brasileira de Cartuchos, ou CBC e a Forjas Taurus. A Companhia Brasileira de Cartuchos, de acordo com o estudo apresentado por René Dellagnezze (2008, p.32), fundada em 1926, em São Paulo, obteve tamanho sucesso alcançado nos dias atuais, sendo hoje a maior fabrica de munição do Hemisfério Sul e única produtora brasileira de munições para o mercado civil, tal destaque é devido a sua principal logística de sempre buscar a evolução constante a seus métodos de fabricação, sempre acompanhando as inovações tecnológicas e buscando aprimorar a sua performance industrial, diversificando mais e mais a sua área de atuação, não se restringindo apenas a fabricação de munições, mas também na produção de rifles, inclusive hoje a empresa atua também na área de produção de coletes balísticos, além de sistemas de segurança publica, com o mais moderno aparato tecnológico. Como um dos principais expoentes desse sucesso, a empresa hoje possui subsidiarias em diversos pontos do país, que possuem uma linha de produção extremamente variada:

A CBC fabrica uma diversificada linha de produtos de uso civil, policial e militar, tais como munições para armas curtas e longas, componente de munições, espingardas e rifles com qualidade e desempenho reconhecidos internacionalmente. Esses produtos são destinados às Foças Armadas, instituições de Segurança Pública, empresas de segurança privada, praticantes do esporte do tiro e da caça, além de empresas do setor industrial. A qualidade e a diversidade de produtos fabricados pela CBC, são as principais razões da sua credibilidade e do fato de a empresa exportar cerca de 70% da sua produção para mais de 40 países. (DELLAGNEZZE, 2008, p. 33).

Já a Forjas Taurus, criada no ano de 1939, instalada no Rio Grande do Sul, com a finalidade de fabricação de armas leves como revólveres, pistolas, carabinas e metralhadoras, ainda de acordo com o estudo de Dellagnezze (2008, p.31-32), em sua origem, a empresa enfrentou muitas dificuldades, mas sempre as superou, no inicio da produção, devido à impossibilidade da chegada das maquinas especiais para a produção, vindas da Alemanha, impossibilidade devido ao inicio da Segunda Guerra Mundial, como não existia fornecedor em território brasileiro, a empresa passou a fabricar suas próprias maquinas, e na escassez do petróleo, utilizou fornos de gaseificação, na falta do aço, utilizou sucata de aço para a produção. Ao passo em que se tornou uma empresa de extremo sucesso, quando se fala em produção armamentista de pequeno porte, a empresa é hoje uma das principais do ramo não só do Brasil como do mundo:

Em seus mais de 60 anos, a inovação sempre foi a marca da Forjas Taurus. Hoje, exporta para mais de 70 países é uma das três maiores fabricantes mundiais de armas curtas. Atualmente fabrica revólveres, pistolas, carabinas, armas de pressão e armas policiais, para o mercado nacional e internacional, possuindo 1.700 funcionários. (DELLAGNEZZE, 2008, p. 32)

De acordo com o estudo apresentado por Dreyfus, Lessing e Purcena (2005, p.76), o Brasil é o principal produtor de armas de pequeno porte e equipamentos militares da América Latina, sua indústria de armas de pequeno porte, como já mencionado, é composta tanto por empresas privadas quanto por estatais, sendo que ambas tem demonstrado forte iniciativa para se expandir aos mercados externos, contratando licenças de produção e firmando acordos entre si, com objetivos comuns de cada vez mais se expandir no mercado. Deste modo, a produção industrial armamentista brasileira, está longe de ser voltada apenas para o mercado interno, as exportações ainda tem grande relevância nesse meio:

A importância das exportações de APPL por empresas brasileiras fica clara em suas próprias declarações financeiras que nos informam sobre a divisão das vendas entre os três principais mercados para os quais estas companhias vendem: mercado civil doméstico, poder público (forças armadas e polícias) e mercado externo (exportação). Apesar de não estarem disponíveis para todas as empresas em todos os anos, estes dados deixam muito claro que a indústria brasileira de armas está cada vez mais dependente das exportações. (DREYFUS, LESSING, PURCENA, 2005, p. 97).

Dentre as principais empresas privadas, já apresentadas neste capítulo, também são evidentes os altos números relacionados a exportação, em especial, da Forjas Taurus, com a sua enorme produção de armas, principalmente de pequeno porte, que abastecem não só o mercado interno, mas também o externo:

A Forjas Taurus, especialmente, parece ser um empreendimento essencialmente voltado para as exportações. Enquanto os mercados civil e público domésticos têm sido avidamente protegidos pelas políticas comerciais brasileiras, e certamente garantem uma importante base de clientes, uma parte cada vez maior da receita está vindo das exportações. A CBC, única produtora brasileira de munição de uso civil, também está confiante nas exportações, mas não com a mesma intensidade. A demanda civil e governamental por munições absorve uma parte significativamente maior de sua produção. (DREYFUS, LESSING, PURCENA, 2005, p. 97-98).

Em síntese, é nítida a importância e grande atuação da indústria brasileira no que concernem as armas de fogo, tanto por sua indústria estatal quanto pela privada, produção essa que contribui de forma imprescindível para a economia brasileira, com grande participação nas inovações e também, é claro, na geração de emprego.


3. REQUISITOS E TESTES LEGAIS PARA O PORTE DE ARMA DE FOGO NO BRASIL

Após uma análise acerca da história das armas de fogo, sua evolução histórica em paralelo com a também evolução das leis penais, e sobre a indústria bélica do país, o presente capítulo adentra a respeito das exigências do nosso ordenamento jurídico para que o cidadão brasileiro tenha acesso ao registro e até mesmo ao direito de portar uma arma de fogo, exigências que recaem tanto ao civil quanto para o agente de segurança, como para a própria polícia.

Em primeiro lugar, se apresenta os requisitos em sentido amplo, onde existe um comparativo com a lei armamentista anterior e a nova lei, destacando alguns aspectos que foram mantidos e outros que foram incorporados com a vigência da nova lei, além disso, apresenta uma perspectiva a respeito da atuação do SINARM (Sistema Nacional de Armas) no território brasileiro.

Por fim, exterioriza a respeito das diferenças do porte e da posse de arma de fogo, tanto no significado linguístico, quanto a respeito dos efeitos que gera ao indivíduo, realizando uma comparação da modificação de sua norma reguladora da lei anterior para a lei vigente.

3.1. Estudo em relação aos requisitos para o porte de arma no ordenamento brasileiro

Com a nova lei de armas, a Lei 10.826/03, a chamada Lei do Estatuto do Desarmamento, houve uma nova redação acerca do porte de armas de fogo no território brasileiro, e é claro que muita coisa foi incorporada da lei reguladora anterior, se mantendo o que vinha funcionando e apenas acrescentando novas atribuições visando um controle ainda mais satisfatório a fim de se evitar a existência e o uso irresponsável de armas de fogo no país.

A legislação anterior, a Lei 9.437/97, já havia trazido disposição a respeito do trabalho do SINARM (Sistema Nacional de Armas), atrelado ao Ministério da Justiça no âmbito da Polícia Federal e com ampla atuação em todo o território nacional, além disso, a lei também estabeleceu as condições para o registro e o porte de armas de fogo, e foram definidos quais seriam os crimes decorrentes de sua desobediência.

O SINARM consistia em uma forma de controle especializado das armas de fogo, criando bancos de dados a respeito das armas de fogo e usuários no país, em seu 2º artigo a referida lei dispunha das atribuições do sistema:

I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;

II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;

III – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores;

IV – identificar as modificações que alterem as características ou funcionamento de arma de fogo;

V – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;

VI – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais. (BRASIL, LEI 9.437/97).

Deste modo, nota-se o empenho do Governo Federal em instituir políticas publicas, com o objetivo de controlar as armas de fogo no país, e tornar mais seletivo a autorização para que se possa obtê-las dentro da legalidade:

Mas é importante ressaltar, por outro lado, os avanços e pontos positivos proporcionados pelo Sinarm, que, por si só, representa um passo importante no controle de armas no Brasil, o que, por seu turno, poderá contribuir para a reversão da própria “cultura impune de armas” no país: um dos fatores responsáveis pelo elevado número de assassinatos com armas de fogo. (FONSECA, et al. 2006, p.36).

A lei armamentista de 2003 manteve o sistema, o qual já vinha trazendo resultados satisfatórios, e deste modo, o legislador ainda optou por abranger ainda mais a sua área de atuação, acrescentando cinco novas atribuições voltadas principalmente a respeito de quem atua no comércio, manutenção e utilização de armas de fogo, reforçando sempre a necessidade do controle da expedição de novas autorizações e da participação da Polícia Federal em tal trabalho:

III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal;

VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade;

IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições;

X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante;

XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como o cadastro atualizado para consulta. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Com a referida lei, veio à necessidade do recadastramento de todos os proprietários de armas que ainda não tinham seu registro no Sinarm:

Tal medida aponta para o aumento progressivo de registros do número de proprietários, assim como da criação de um procedimento obrigatório quanto aos novos registros. Isso potencialmente implicará a revalorização do Sinarm, e também o aumento de suas responsabilidades: quanto maiores forem essas maiores cobranças ocorrerão dos usuários (cidadãos e autoridades). (FONSECA, et al. 2006, p.35).

Ao analisar as novas disposições vigentes a respeito do controle armamentista, sob a ótica de Aleixo e Behr (2005, p.15), ressalvadas algumas exceções diante da particularidade de alguns casos, como a comprovação da real necessidade, fica o porte de arma restrito aos membros pertencentes às instituições que visam à soberania nacional, sendo as Forças Armadas, e a segurança pública e privada, como da própria polícia e de certos cargos do poder públicos dotados de tal direito pelo exercício de suas funções, a membros de entidades desportivas que utilizam as armas em suas modalidades, e aos caçadores de subsistência.

Com relação á expedição de autorizações, tal atribuição fica vinculada ao SINARM e a Polícia Federal, estando o requerente apto aos requisitos pertinentes, apresentando a documentação necessária e demonstrando a real necessidade da autorização para o exercício de profissão de risco ou ameaça a sua integridade física que possa exercer. Tal autorização possui validade em todo o território brasileiro, além disso, a mesma poderá ser revogada a qualquer tempo, constatado certos casos que não comportem com tal direito, como no caso do detentor ser encontrado em estado de embriaguez ou mesmo sob efeito de alucinógenos, com a autorização perdendo sua validade instantaneamente.

Ainda de acordo com Aleixo e Behr (2005, p. 14), o Estatuto do Desarmamento traz como novidade um controle mais rigoroso a respeito da comercialização tanto das armas como da própria munição, tornando os responsáveis pelo seu comercio responsáveis por manter atualizado o banco de dados, comunicando tanto as vendas, como as características das armas repassadas, e é claro respondem por tais artefatos enquanto sob seu poder.

No ordenamento atual, duas são as possibilidades de requerimento do porte de arma para cidadão fora do âmbito da Polícia e das Forças Armadas, são elas, a condição de civil que comprove a real necessidade de possuir tal direito e ao caçador de subsistência. São requisitos necessários para obtenção do porte de arma:

Para obter o porte de arma de fogo o cidadão deve seguir os seguintes passos:

1) Preencher o requerimento de porte de arma de fogo no link disponibilizado, escolhendo a categoria CIDADÃO.

2) Imprimir e assinar o requerimento de porte de arma de fogo.

3) Comparecer a uma unidade da Polícia Federal para entrega da documentação necessária, conforme lista abaixo:

(a) requerimento assinado;

(b) ter idade mínima de 25 anos, exceto para os cargos definidos no artigo 28 da Lei 10.826/03;

(c) 1 (uma) foto 3x4 recente;

(d) original e cópia do RG e CPF;

(e) comprovante de residência (água, luz, telefone). Caso o imóvel esteja em nome do cônjuge ou companheiro (a), apresentar Certidão de Casamento ou de Comunhão Estável. Se o interessado não for o titular do comprovante de residência, nem seu cônjuge ou companheiro(a), deverá apresentar DECLARAÇÃO com firma reconhecida do titular da conta ou do proprietário do imóvel, sendo que a assinatura presencial do titular do comprovante de residência dispensará o reconhecimento de firma;

(f) apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita;

(g) comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual (incluindo Juizados Especiais Criminais), Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;

(h) comprovação de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, realizado em prazo não superior a 01 ano, que deverá ser atestado por psicólogo credenciado pela Polícia Federal;

(i) comprovação de capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo, realizado em prazo não superior a 01 ano, que deverá ser atestado por instrutor de armamento e tiro credenciado pela Polícia Federal;

(j) cópia do certificado de registro de arma de fogo válido;

(l) demonstrar a efetiva necessidade para o porte de arma de fogo. (BRASIL, POLÍCIA FEDERAL, [recurso eletrônico], 2019).

Já para o caso do caçador de subsistência, os requisitos são em sua maioria semelhantes, se diferenciando em alguns aspectos, em especial da desnecessária apresentação de comprovantes de capacitação como de teste de aptidão psicológico ou técnico. Dentre as principais diferenças destacam-se a própria ficha de requerimento que é voltada para tal destinação e ao argumento comprobatório, que nesse caso consiste na necessidade do emprego de arma de fogo para promover sua subsistência e de sua família.

O art. 6º da Lei 10.826/03 deixa expressa proibição ao porte de arma de fogo em todo o território brasileiro, salvo os casos excepcionais. Deste modo, é facultado à Polícia Federal verificar a constatação das exceções, onde o candidato comprove efetivamente a necessidade da obtenção do direito:

Art. 6º- É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

I – os integrantes das Forças Armadas;

II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);

III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;

V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;

VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;

VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;

VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;

IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental.

X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário;

XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Ao se deparar com o artigo destacado, é nítido que o porte de arma é voltado principalmente de segurança, pois atribui uma condição muito peculiar onde o indivíduo ficaria apto a transitar com uma arma em seu poder de forma direta, e assim, requerer uma responsabilidade muito mais significativa.

Ademais, para se obter o direito ao porte de arma, o candidato deverá, além de preencher os requisitos já mencionados, comprovar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou que possa causar-lhe ameaça à sua integridade física. Tal requisito encontra amparo legal no artigo 10, §1º da Lei 10.826/03:

Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.

§ 1º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente:

I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;

II – atender às exigências previstas no art. 4º desta Lei;

III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Após a realização de todos os procedimentos, e adquirida à autorização, o porte de arma tem natureza jurídica de autorização, não sendo definitivo, podendo ser revogado a qualquer momento, é ato unilateral concedido apenas pelo Poder Público, discricionário e precário, não dependendo da vontade da parte que o adquire para sua manutenção, mas sim de quem o concede.

No mês de abril do ano de 2019, a Polícia federal lançou o chamado SINARM II, o novo sistema de armas brasileiro, e de acordo com as próprias diretrizes da Polícia Federal (2019), o novo sistema traz a possibilidade de fazer requerimento, aquisição, transferência, emissão, renovação de registro de porte de arma e muito mais via internet pelo próprio portal, tendo o cidadão pleno acesso para acompanhar seu requerimento, seja no e-mail ou pela internet, além disso, ganhou a possibilidade de verificação de autenticidade na internet dos documentos gerados por parte do SINARM, no entanto ressalta-se que o sistema é novo e ainda é difícil ter por base se o mesmo teve resultado satisfatório ou não.

3.2 Avaliações nos testes técnicos e psicológicos para o porte de arma de fogo

Com relação à capacitação para o porte de arma, tanto o civil, quanto um agente de segurança pública ou privada, precisa apresentar documentos probatórios que comprovam que o mesmo teria realizado e sido aprovado nos testes tanto técnicos, quanto psicológicos, testes que são requisitos obrigatórios para que o mesmo possa adquirir uma arma de fogo, e sua condição está expressa na própria lei reguladora:

Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. (BRASIL, LEI 10.826/03).

A prova técnica aplicada pela Polícia Federal possui tanto a capacitação teórica quanto a prática, ambas vitais para ser aprovado. A prova teórica consiste em uma avaliação objetiva, contendo 20 questões, e de acordo com o regulamento da Polícia Federal (2017), possui quatro conteúdos cada um contendo suas questões, sendo 6 questões referentes as normas de segurança, 6 questões referentes ao funcionamento e a nomenclatura de peças, 3 questões sobre a conduta no estande e 5 sobre a própria legislação armamentista atual, a Lei 10.826/03. Obterá a aprovação àquele que tiver 60% de aproveitamento nesta avaliação.

A avaliação prática consiste basicamente no treinamento com o armamento em punho, e de acordo com as normas da Polícia Federal (2017), se divide no treinamento destinado ao registro, aquisição ou transferência de arma de fogo, e no treinamento destinado ao porte de arma de fogo. No primeiro treinamento mencionado, o candidato deverá realizar treinamento com arma de fogo curta, que se divide em lisa e raiada, ambos os conceitos referentes ao cano, este último dando maior poder de estabilidade ao projétil, com relação a sua aprovação:

Será aprovado o candidato que obtiver, no mínimo, 60% (sessenta por cento) da pontuação máxima do alvo, ou seja, 30 (trinta) pontos em cada distância, do total dos 50 (cinquenta) pontos possíveis. Para a prova teórica adotar-se-á o mesmo percentual de acertos (60%). Da reprovação: o candidato dará ciência de sua reprovação em campo próprio do formulário de aferição de habilidade de tiro real, podendo requerer nova avaliação após 30 (trinta) dias. (POLÍCIAL FEDERAL, [recurso eletrônico], 2017).

O candidato também deverá realizar o treinamento com a arma longa, a qual também deverá obter ao menos 60% de pontuação no alvo. Já a segunda modalidade de treinamento mencionado é destinada ao porte de arma, bem semelhante ao treinamento geral, no entanto, traz algumas especificações, como a divisão do treinamento para defesa pessoal, o qual o indivíduo porta a arma casualmente e o treinamento para o uso institucional, no qual o indivíduo, porta a arma devido ao cargo ou função que exerça, por exemplo, a própria polícia.

Em ambos os treinamentos, será auferida a capacidade do candidato por meio de aproveitamento na realização de disparos nas chamadas silhuetas humanoides, que são utilizados como alvos. A capacitação técnica é imprescindível, pois prepara o candidato para sua atuação na sociedade e o instrui com o conhecimento necessário para o manejo das armas de fogo.

Além da capacitação técnica, a capacitação psicológica também se tornou requisito para o manuseio de arma de fogo no Brasil, onde se passou a exigir o documento de comprovação de aptidão psicológica tanto para portar quanto para possuir uma arma de fogo, tendo validade apenas se atestado por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou credenciado por ela. A avaliação psicológica foi incorporada ao processo para a obtenção do porte de armas através do Decreto 5.123/04 que a reconheceu como necessário para a obtenção do porte de arma.

De acordo com o estudo apresentado por Caneda e Teodoro (2010) tal avaliação passou a fazer parte de diversos estudos pelos peritos da área, sobretudo pela preocupação com a falta de um perfil ideal para a análise, e dos instrumentos eficientes para essa aferição:

A Instrução Normativa 23/2005, que trata da aferição de avaliação psicológica para aquisição e porte de arma de fogo ampara o Sistema Nacional de Armas (Brasil, Lei Federal 9.437 de 1997). Este tem como finalidade estabelecer critérios para definição do perfil psicológico do candidato à aquisição e/ou porte de arma de fogo, assim como a avaliação psicológica e emissão de laudo para os candidatos. (CANEDA, TEODORO, 2010, [recurso eletrônico]).

Conforme Rafalski e Andrade (2015), a Avaliação Psicológica seria um processo de investigação por meio do qual o psicólogo busca adentrar ao íntimo do analisado, estabelecendo uma interação maior onde o mesmo possa transparecer um possível trauma ou desvio que possivelmente o impeça de exercer a função a qual esteja se candidatando.

No entanto, a Avaliação Psicológica é alvo de muitos debates dentre os especialistas da área de psicologia, pela sua necessidade de aprimoramento, pois se realizada de forma errônea, poderia trazer resultados infrutífero, principalmente, se considerando pela má utilização dos instrumentos psicológicos para sua realização, o que não atingiria sua finalidade primordial:

Foram descritos como exemplos de mau uso dos instrumentos a avaliação incorreta por parte do psicólogo, a falta de clareza na aplicação, o erro de aplicação e o erro de avaliação. Erros como os citados impactam não somente a atuação dos psicólogos, mas também sua credibilidade perante a sociedade, que desqualifica a utilização dos testes psicológicos com base nas ações de profissionais que por falta de conhecimento prejudicam a qualidade das informações obtidas. (RAFALSKI, ANDRADE, [recurso eletrônico], 2015).

Com o advento da Lei 10.826/03 que passou a legislar a respeito das armas de fogo no país, apesar de incluir a avaliação psicológica no rol necessário para a obtenção do direito, a referida lei não institui qual seria o aparato legislativo o qual deveria ser seguido na área preponderante à atuação do psicólogo nessa avaliação. Deste modo, houve a necessidade em que fosse delimitada a atuação do profissional na realização desse requisito:

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), diante da falta de legislações que normatizassem ou respaldassem a atuação do psicólogo, promulgou em 2008 a resolução no 18 (CFP, 018/2008), dispondo sobre o trabalho do profissional de Psicologia na Avaliação Psicológica para concessão de registro e/ou Porte de Arma de Fogo. Considera, ao promulgar a resolução, a necessidade de normatizar e qualificar os procedimentos relativos ao registro e porte de arma de fogo, adicionando em conta a importância da avaliação psicológica como processo obrigatório e eliminatório. Tal legislação visa prevenir que candidatos que possuam características incompatíveis com o porte de arma não obtenham esta autorização por meio da avaliação de traços de personalidade e atenção. (RAFALSKI, ANDRADE, [recurso eletrônico], 2015).

A partir da resolução, sob o estudo de Caneda e Teodoro (2010), o teste psicológico passou a ter um caráter determinante na concessão ou não do porte de arma, sendo sua palavra, se negativa, elemento já suficiente para negar tal direito. No entanto, a falta de instrumentos para esse trabalho ainda dificulta e muito essa aferição, pior ainda quando não se vislumbram muitos estudos nessa área, sobre esse aspecto, sobretudo a respeito da criação de um perfil ideal, tornando o trabalho do profissional responsável pelo teste mais penoso e com menor índice de eficácia.

Outro fator que requer destaque é a baixa quantidade de profissionais capacitados para aplicarem os testes psicológicos, e a concentração dos mesmos nas regiões mais populosas do país:

Atualmente estão cadastrados 1.088 profissionais Psicólogos Peritos em Avaliação para Concessão de Porte de Arma de Fogo, divididos de forma desigual entre os Estados de nossa Federação. Em divisão regional, estão cadastrados 82 profissionais na Região Norte, 166 na Região Nordeste, 200 na Região Centro-Oeste, 374 na Região Sudeste e 266 na Região Sul. (POLÍCIA FEDERAL apud RAFALSKI, ANDRADE, 2015).

Com relação às pesquisas brasileiras para o aprimoramento na área, apesar de em pequena escala considerando a importância do tema, ainda caminham, e tem se concentrado principalmente nos testes de personalidade. No já supracitado trabalho de Caneda e Teodoro (2010), destacam-se também o estudo de outros autores nessa área, a respeito da personalidade dos candidatos e os impactos que o porte de arma poderia trazer a mesma:

As autoras utilizaram a forma reduzida do Teste de Apercepção Temática (TAT) e encontraram que os traços agressivos das pessoas investigadas contribuem para a escolha da atividade de policial civil, além de confirmar que a arma de fogo permite que eles expressem de forma socialmente aceita sua agressividade. (SILVA, DUARTE, MARIUZA apudCANEDA, TEODORO, [recurso eletrônico], 2010).

Para auferir a capacitação psicológica dos candidatos ao direito de portar uma arma de fogo, existem alguns instrumentos que vem sendo utilizados pelos profissionais da área, e entre tais instrumentos destacam-se as chamadas “técnicas projetistas” que de acordo com o trabalho de Pellini (2006), seriam métodos mais produtivos para essa finalidade, buscando mapear a personalidade do candidato:

O termo “técnica projetista” foi proposto em 1939, por L.K Frank (apud Anzieu, 1978), que publicou um artigo intitulado: “Os métodos projetivos para estudo da personalidade”. Seu objetivo era caracterizar o elo existente entre um grupo de testes, a saber: o teste de Associação de Palavras de Jung (1904), o Teste de Rorschach (1921) e o Teste de Apercepção Temática – TAT (1935). Ele afirmava que estes métodos formavam o protótipo de uma investigação dinâmica e global de personalidade, sendo esta abordada como uma estrutura em evolução, cujos elementos constitutivos encontram-se em constante interação. (PELLINI, 2006, p.18).

Dentre os testes supracitados, com a finalidade da capacitação psicológica para o porte de armas, destaca-se o Teste de Rorschach, que de acordo com o trabalho apresentado por Pellini (2006), consiste no método mais adequado para testar a maturidade e o controle emocional de um indivíduo, atributos que são essenciais para portar uma arma de fogo, assim como possíveis tendências a um comportamento violento:

O Rorschach é um método de investigação da personalidade, sendo sua principal virtude fornecer um padrão integrado de personalidade global e, em seguida, articular esse padrão de maneira quantitativa específica, em numerosas dimensões da personalidade. (PELLINI, 2006, p.23).

Ainda sob a égide do estude de Pellini (2006), o Método de Rorschach aplica sobre o indivíduo diversos estímulos, sendo compostos por dez pranchas com borrões de tinta pouco estruturados, que basicamente pouco ou nada significam, e a partir da resolução desse estímulo, com a identificação de pessoas, cenas, objetos, animais, entre outros, para se examinar o paciente, e assim, com os dados colhidos de análises desse teste, e que se busca um diagnóstico sobre a condição psicológica do examinado.

3.3. Posse e porte de arma: disparidade formal

A Lei 9437/97 versava em seu capítulo II a respeito do registro de arma de fogo, que era obrigatório e devia ser realizado no órgão competente, que na mesma lei já instituía o SINARM, no âmbito da Polícia Federal, como detentor de tal controle. Em seu art. 4º, a referida lei trazia disposição a respeito da validade territorial do registro, que seria em todo o país, e em especial, dispunha sobre a esfera a qual o detentor poderia ter a arma a sua disposição, a qual seria apenas dentro de sua própria casa, ou local de trabalho, desde que o mesmo fosse o proprietário da empresa ou responsável legal. Claramente está disposição já trazia a modalidade de posse de arma de fogo.

Já em seu capítulo III, a referida lei trazia expressa disposição a respeito do porte de armas, o qual era facultada, a sua concessão, pela devida autorização do órgão competente, ressalvadas as exceções expressas em lei. Deste modo, o porte de arma era tacitamente liberado, desde que fosse autorizado, além disso, trazia disposição a respeito de sua autorização tanto em âmbito federal, para todo o país, quanto estadual, tendo sua validade territorial sujeita aos limites do estado:

Art. 6° O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.

Art. 7° A autorização para portar arma de fogo terá eficácia temporal limitada, nos termos de atos regulamentares e dependerá de o requerente comprovar idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

§ 1° O porte estadual de arma de fogo registrada restringir-se-á aos limites da unidade da federação na qual esteja domiciliado o requerente, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.

Art. 8° A autorização federal para o porte de arma de fogo, com validade em todo o território nacional, somente será expedida em condições especiais, a serem estabelecidas em regulamento. (BRASIL, LEI 9437/97).

Ao passo em que começou a vigorar a nova lei de armas, Lei 10.826/03, muitos preceitos da lei anterior foram mantidos, como a própria ampla atuação do SINARM, tendo inclusive recebido novas atribuições. No entanto, houve a alteração de alguns artigos, como a própria adição da necessidade de declarar a efetiva necessidade a qual será examinada sua validade pelo órgão competente, e que fossem atendidos diversos requisitos expressos na nova lei, requisitos esses já tratados no capítulo anterior, tais disposições sendo referentes à posse de arma, a qual ainda teve mantida a mesma esfera de permissão da lei anterior.

Destaca-se que o que mais sofreu alteração deva ser o porte de arma, que de acordo com a nova lei, se tornou proibido, sendo a sua concessão possível apenas às causas de exceção a este dispositivo, estando expresso no art. 6º da nova lei, onde o legislador elencou todas as exceções a esta proibição, em especial para as funções correspondentes aos agentes de segurança, deste modo, dando um caráter muito mais restritivo a esse direito em relação à lei anterior.

Apesar de ambos os conceitos serem extremamente diferentes, cada um identificando uma possível ação ou estado em que se encontra o indivíduo em relação ao armamento, a posse e o porte de arma ainda são extremamente confundidos, nas palavras de Ricardo Santolini:

...vislumbra-se que há uma grande diferença entre o porte e a posse, momento em que no primeiro a pessoa encontra-se em contato direto com o bem, enquanto no último a pessoa não possui contato direto com o objeto, mas possui o mesmo dentro de sua esfera de vigilância. (SANTOLINI, 2013 p.03).

Tais conceitos não podem ser de forma alguma confundidos, pois cada um traz um amparo legal pertinente, ambos encontrados na Lei 10.826/03. Ao se aprofundar na diferenciação de ambos, a própria nomenclatura pode servir como fonte, onde de acordo com definição destacada por Ricardo Santolini, no dicionário de língua portuguesa cada conceito significa:

Portar

1. Trazer consigo. = LEVAR, TRANSPORTAR

2. Estar vestido com. = TRAJAR, USAR, VESTIR

3. Ter determinado comportamento. = COMPORTAR-SE

Posse

1. Retenção ou fruição de uma coisa ou de um direito.

2. Estado de quem possui uma coisa, de quem a detém como sua ou tem o gozo dela.

3. [Jurídico, Jurisprudência] [Jurídico, Jurisprudência] Acção.Ação.Ação ou direito de possuir a título de propriedade.

(DICIONÁRIO PRIBERAM apud SANTOLINI, p. 3, 2013).

Em síntese, a posse diz respeito ao indivíduo ser possuidor da arma, não a trazendo diretamente consigo, o mesmo tem o direito de ter a arma dentro de sua casa ou empresa, não podendo exercer esse direito em local diverso, e para obter tal direito, deve além do registro, provar a efetiva necessidade de ter a arma e cumprir com os requisitos contidos na lei supracitada. Já no caso do porte, o indivíduo mantém a arma em seu poder direto, pode mantê-la consigo mesmo, e para isso, deve provar a necessidade por tal direito devido ao exercício da função q possa exercer e do perigo a sua integridade física, função muito comum principalmente aos agentes de segurança e aos membros do Ministério Público, elencados no mesmo capítulo já mencionado.

Observando a diferença de ambos, nota-se que o porte de arma oferece um direito muito mais explícito ao possuidor, podendo transitar com a arma, e deste modo, a pena para o exercício de tal direito sem a devida autorização é muito mais gravosa, visto que coloca em perigo diretamente a sociedade no caso em que possa fazer a utilização de forma indevida.

No ano de 2019, o novo governo brasileiro, buscando dar nova regulamentação ao art. 10. Parágrafo 1º, inciso I da Lei 10.826/03, que diz respeito ao rol dos possíveis candidatos a adquirir o direito ao porte de arma. Para esta alteração, foram expedidos os Decretos 9.785, 9.797 e 9.844, todos do mesmo ano, que pretendiam aumentar o rol de hipóteses de profissionais com a possiblidade de porte de armas.

No entanto, ocorre que tais decretos sofreram diversos questionamentos, a respeito de sua ilegalidade, dentro do Congresso Nacional, e do próprio Poder Judiciário, deste modo, o então Presidente da República acabou por revogar tais decretos.

Nestes novos decretos haveria uma dilatação do seu rol de possíveis detentores, e assim, mais profissões passíveis a concessão desse direito, como a do próprio advogado, além disso, traria uma flexibilidade muito maior aos moradores da zona rural para sua concessão. Por fim, foi apresentado o derradeiro decreto presidencial acerca deste tema, o Decreto 9.847/19, o qual não fez previsão ao rol de categorias as quais poderiam ter o direito ao porte de arma, no entanto, existe um projeto de lei de autoria do executivo o qual deixaria a cargo de regulamentação presidencial, as categorias as quais poderiam obter tal direito.

3.3.1. O direito as armas de fogo a luz da Constituição brasileira

Extremamente divergente, é o debate acerca do direito ao porte de arma como garantia fundamental, onde reside a discussão a respeito das armas como garantia de proteção do indivíduo, e a sua influência nas taxas de violência em território brasileiro. A Constituição de 1988 em seu artigo 5°, relativo aos direitos fundamentais resguardados pela lei maior brasileira, dispõe em seu caput a respeito da segurança como garantia inviolável, “... garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.

Deste modo, em tese, a segurança da população, inclusive em relação aos outros bens tutelados, como a vida, a liberdade, a igualdade, devam ser resguardadas pelo Estado, e para isso, determina no artigo 144 da Constituição Federal os agentes os quais serão responsáveis pela segurança da coletividade:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

No entanto, em um país tão grande e populoso, é notório que estes agentes não poderão resguardar toda a área tutelada, estes órgãos não podem ser onipresentes e deste modo, em certos casos o cidadão poderia se ver em situação de risco aos bens tutelados já supracitados e sem a proteção integral do Estado, sendo obrigado a defende-los, podendo caracterizar o instituto da legitima defesa, existente no ordenamento brasileiro, e pode ser definida como:

A legítima defesa constitui um dos aspectos do instinto de autoconservação. Ora, devemos preferir a nossa vida à do outro, pois cabe a cada um primeiro o dever para consigo. Contudo, o objeto da ação moral, isto é, o que se quer, não é a morte do indivíduo, mas sim a defesa da própria vida. O evento morte é tão somente um efeito indireto da ação de defesa, não querido, mas tolerado caso seja a única opção para salvar a própria vida pessoal ou comunidade, seja por um agressor interno, seja contra um agressor externo”. (MAGALHÃES apud COLEN, 2019, p.06)

Sendo assim, buscando a proteção de seus direitos fundamentais o cidadão tem o direito de zelar e lutar pessoalmente por eles, não podendo ser privado disso, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Em face da Lei Magna do País, o cidadão jamais poderá ser proibido de tentar defender sua vida, seu patrimônio, sua honra, sua dignidade ou a incolumidade física de sua mulher e filhos a fim de impedir que sejam atemorizados, agredidos, eventualmente vilipendiados e assassinados, desde que se valha de meios proporcionais aos utilizados por quem busque submetê-los a estes sofrimentos, humilhações ou eliminação de sua existência. (MELLO, 2005, p.01).

No entanto, a discussão que se arrasta há algum tempo é em relação à disposição das armas de fogo para a proteção de tais direitos, inclusive considerando o direito a arma de fogo como parte do direito fundamental a liberdade do individuo, e sempre reacendendo as comparações com outros países os quais o acesso às armas é menos enrijecido, onde parte da doutrina tem por base e considera modelo para a flexibilização no Brasil, enquanto outra mantém a cautela, considerando os aspectos culturais, econômicos e da própria ineficiência da justiça brasileira em algumas áreas como latentes para a manutenção da política proibitiva de armas de fogo no Brasil. Atualmente este tema tem ganhado cada vez mais amplitude, tanto para com a fundamentação favorável, quanto para contrária, enriquecendo cada vez mais o debate acerca do tema.


4. ESTUDO ACERCA DOS EFEITOS JURÍDICOS DOS CRIMES COM ARMA DE FOGO

Neste capítulo, busca-se a realização um panorama entre os principais delitos decorrentes do uso de arma de fogo, principalmente com relação a sua evolução diante da legislação armamentista anterior e a aprovação e vigência da nova lei, a Lei 10.826/03, lei do Estatuto do Desarmamento, que trouxe diversas alterações significativas a respeito dos crimes os quais possuem as armas de fogo como objeto material.

A nova lei constituiu novos dispositivos a partir do desmembramento de artigos decorrentes da norma anterior, além disso, desenvolveu novos preceitos sancionatórios e agravou ainda mais algumas condutas decorrentes dessa modalidade, considerando sempre a proteção da coletividade e do bem jurídico maior, que é a vida.

Diante disso, será abordada a distinção entre as condutas da posse e do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, principalmente com relação a suas características e seus efeitos jurídicos, assim como uma análise a respeito dos efeitos jurídicos acerca do crime de disparo de arma de fogo, e da posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, destacando suas principais atribuições.

4.1. Da posse ilegal de arma de fogo de uso permitido

Em meados de 1997, a Lei 9.437 foi incorporada ao ordenamento brasileiro, trazendo algumas inovações quanto às leis armamentistas do país, em especial com o Sinarm, sistema já supracitado e explanado neste trabalho, além disso, dispunha a respeito dos crimes de posse e porte ilegal de arma de fogo, ambos no mesmo dispositivo normativo:

Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena - detenção de um a dois anos e multa. (BRASIL, LEI 9.437/97).

Tal vinculação deixa claro como ambas as condutas típicas de possuir ou portar arma sem autorização eram atreladas e causavam certa confusão principalmente dentre os leigos desta sistemática. Posteriormente, com o advento da Lei 10.826 de 2003, se trouxe maior organização normativa, diferenciando ambas as condutas, principalmente pelo grau nocivo o qual proporcionam a sociedade. Quanto à posse irregular de arma de fogo, a nova lei dispõe:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Com a nova tipificação, o agente que na vigência da lei anterior mantinha em seu domicílio, arma de fogo sem registro, e a manteve de forma ilegal após a vigência da nova lei, responderá pelo crime considerado mais grave previsto na nova legislação, visto que, as condutas típicas de possuir e manter sob sua guarda podem ser contínuas, e se manterem no tempo, dando ensejo a aplicação da súmula 711 do STF, referente à aplicação da lei penal no tempo no caso de crime continuado ou permanente. (CAPEZ, 2014, p.220).

De acordo com o trabalho de Silva, Lavorenti e Genofre (2006, p.100), tal tipificação é referente a um crime comum, de mera conduta de possuir ou manter sob sua esfera de vigilância arma de fogo, além disso, a norma ainda deixa em aberto o que vem a ser arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, sendo passível de complementação de outras normas para melhor compreensão do ato delituoso.

Seu objeto material são os próprios objetos mencionados explicitamente no artigo supracitado, o seu sujeito ativo é universal podendo se tratar de qualquer pessoa, ao passo em que seu sujeito passivo é a coletividade como um todo. Ainda de acordo com Silva, Lavorenti e Genofre (2006, p.100), o elemento objetivo desta tipificação penal são as ações descritas em seu artigo como proibidas, cumulado com o elemento subjetivo do dolo, consistente na vontade consciente do agente em incorrer nas condutas expressas, e por fim, consumando o delito com a realização de tais condutas, sendo sua tentativa inadmissível.

Vale frisar que o local o qual se configuraria a conduta típica não precisa necessariamente em seu domicílio, o próprio artigo deixa isso claro, sendo evidente a falta de exigibilidade de se tratar do domicílio do agente, como versa Nucci, “É expressão equivalente a sua casa, vale dizer, o local onde habita o portador da arma com regularidade. Não há necessidade de ser domicílio, uma residência com ânimo definitivo. E também residência a casa de campo ou de praia, bem como a casa-sede da fazenda.” (NUCCI apud SOARES, 2014, p.07).

Destaca-se que, para configurar o ilícito, tanto da posse quanto para o porte ilegal, a arma precisa estar apta a efetuar disparos, caso contrário, não há de se falar em registro, e sem o mesmo, falar em violação dos ilícitos já mencionados. Para realizar essa constatação, é de prima importância à realização de prova pericial, para comprovar a potencial lesividade da arma, e na hipótese da arma ser inapta ao disparo, a mesma não se constitui a arma do ilícito tipificado na Lei 10.826/03, portanto, não é arma, sendo assim, se caracteriza a hipótese de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio empregado para a realização do crime. Sendo fato atípico, de acordo com o art.17 do Código Penal, não poderá ser instaurada nem mesmo a persecução penal, no entanto, é importante ter em mente que, a arma sendo eventualmente eficaz, haverá de ser crime, pois a ineficácia não punitiva nesse caso é apenas a absoluta, portanto, em casos como o qual a pistola costuma por vezes falhar, constitui ilícito penal, não podendo se configurar crime impossível com a possibilidade de converter o resultado. (CAPEZ, 2014, p.222).

Com relação aos elementos normativos do ilícito penal, com base na interpretação literal da norma se constituiria o delito em se tratando da posse sem a devida regulamentação pertinente ou sem o certificado de registro de arma de fogo expresso no capítulo II da Lei 10.826/03, que em especial, em seu artigo 5°, trata da regulamentação da posse de arma de fogo:

Art. 5º O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Deste modo, o agente sendo possuidor do certificado do registro de arma de fogo mencionado anteriormente, estará fora da tipicidade abordada no artigo 12, estando autorizado a possuir a arma de fogo nos locais indicados no artigo 5° supracitado, além disso, em se tratando da posse da arma de fogo, assessório ou munição de uso permitido em local não disposto pela norma, seja uma caverna ou matagal, o fato não se enquadra nesta disposição criminal, pois os locais a qual a se trata encontram-se explícitos nos artigos 5° e 12 da lei, que a depender do caso concreto, pode ser enquadrado no artigo 14, do crime de porte ilegal. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p.101).

Por fim, de acordo com a lei penal brasileira, este delito, com a pena prevista de detenção de 1 a 3 anos e multa, possui caráter cumulativo onde se podem cumular ambas as sanções de pena privativa de liberdade e a de multa, ademais, não se pode falar em crime de menor potencial ofensivo, visto que a pena máxima mencionada é superior a 2 anos, entretanto, com pena mínima de 1 ano, abre a possibilidade da suspensão do processo expressa no artigo 89 da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados especiais, além disso, nos termos do art. 322 do Código de Processo penal, sua pena sendo inferior a 4 anos é passível de arbitramento de fiança por parte da autoridade policial. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p.101).

4.2. Do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Enquanto no crime da posse ilegal o agente apenas mantém a arma, munição ou acessório dentro de seu domicílio, podendo corresponder a sua casa ou empresa, no porte, o agente possui o objeto material consigo mesmo, sem a autorização necessária, estando à arma nesse caso, de maneira a utiliza-la de imediato, de “pronto uso”, como exemplo, nos casos da arma estar no interior do veículo do agente, na cintura ou no bolso do mesmo. (CAPEZ apud SOARES, 2014, p.08).

A Lei 9.437/97 passa a tipificar o porte ilegal como crime, não mais contravenção penal, como era tratado na lei armamentista anterior, no entanto, se manteve como permitido e condicionado a critério da autoridade competente a concessão de sua autorização, possuindo um caráter pessoal, onde a autoridade interpretaria o caso em questão como necessário a obtenção deste direito e a aptidão do possível detentor, podendo ser tanto em âmbito Estadual, quanto Federal:

Art. 6° O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.

Art. 7° A autorização para portar arma de fogo terá eficácia temporal limitada, nos termos de atos regulamentares e dependerá de o requerente comprovar idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

§ 1° O porte estadual de arma de fogo registrada restringir-se-á aos limites da unidade da federação na qual esteja domiciliado o requerente, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.

Art. 8° A autorização federal para o porte de arma de fogo, com validade em todo o território nacional, somente será expedida em condições especiais, a serem estabelecidas em regulamento. (BRASIL, LEI 9.437/97).

Com a Lei 10.826/03, foram editadas diversas alterações, em especialmente para com o porte de arma, que por via de regra, passou a ser proibido em território brasileiro, ressalvado os casos expressos na própria lei, principalmente em se tratando da atividade profissional exercida pelo possuidor, contemplando principalmente os agentes de segurança pública.

Além disso, com o desmembramento das condutas da posse e do porte ilegal de arma de fogo, o mesmo passou a ser tipificado no artigo 14 da referida lei:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (BRASIL, LEI 10.826/03).

A nova lei de armas ampliou o leque de possíveis detentores do porte, no entanto, estes se mantêm na esfera de segurança pública, seja ela direta ou indireta, restando aos particulares à possibilidade de obter o porte apenas nos casos legais estabelecidos na forma da lei. Durante a tramitação do projeto da nova lei, foram apresentadas várias emendas que trariam novas categorias passivei do porte, inclusive a dos próprios parlamentares, a qual foi recusada, dessa forma, entende-se que se fosse concedida a liberdade do porte de arma para categorias inteiras, sem o interesse público de estrutura-las, resultaria em um grande risco dos requisitos legais não serem atendidos. (ROCHA, 2011, p.10)

Destaca-se que, na nova lei, diferente do crime de posse ilegal de arma de fogo, apesar de ter pena máxima não superior a 4 anos, como versa o art. 322 do Código de Processo Penal, o porte ilegal de arma de fogo, no seu parágrafo único da referida lei, determina o caráter inafiançável deste delito, ressalvados os casos em que o agente que incorreu no crime do artigo 14, detenha o registro da arma de fogo em seu nome.

De acordo com o estudo desenvolvido por Santolini (2013), apesar de a norma conter expressamente o caráter inafiançável deste delito, existe grande discussão acerca do tema, havendo inclusive uma ação direta de inconstitucionalidade, a ADIn 3.112, tramitada perante o no Supremo Tribunal Federal, buscando a inconstitucionalidade do parágrafo único dos artigos 14 e 15, que versam sobre a inafiançabilidade destes crimes, de porte ilegal de arma e disparo de arma de fogo. Em resumo, no dia 26 de outubro de 2007, foi publicado o acórdão onde julgaram procedente a declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos referidos artigos, e assim, permanecendo a norma ainda em vigor, deve ser aplicado o entendimento em que o porte ilegal de arma constitui um delito afiançável, apesar da previsão atual.

O delito do porte ilegal de arma de uso permitido, assim como no delito da posse, este tem como alvo a incolumidade pública, podendo ser exercido por qualquer pessoa, ademais, possui como elemento objetivo, treze ações, são elas:

I. Portar – trazer consigo a arma de fogo, acessório ou munição;

II. Deter – conservar em seu poder a arma de fogo, acessório ou munição;

III. Adquirir – obter a arma de fogo, acessório ou munição por meio de uma compra;

IV. Fornecer – abastecer o comércio clandestino de arma de fogo, acessório ou munição;

V. Receber – aceitar ou acolher arma de fogo, acessório ou munição;

VI. Ter em depósito – conversar a arma de fogo, acessório ou munição;

VII. Transportar – conduzir a arma de fogo, acessório ou munição, de um lugar para outro;

VIII. Ceder, ainda que gratuitamente – transferir a posse de arma de fogo, acessório ou munição, para outra pessoa, sem qualquer ônus para esta;

IX. Emprestar – confiar a alguém, gratuitamente ou não, o uso da arma de fogo, acessório ou munição, a qual será depois restituído ao seu possuidor;

X. Remeter – expedir ou enviar a arma de fogo, acessório ou munição;

XI. Empregar – fazer uso da arma de fogo, acessório ou munição;

XII. Manter sob guarda – conservar em seu poder a arma de fogo, acessório ou munição;

XIII. Ocultar – dissimular, esconder a arma de fogo, acessório ou munição;

(SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p.104).

Em síntese, se trata de um crime de caráter comum, de mera conduta, de múltiplas ações e de perigo abstrato, no entanto, diante da chance de ocorrer perigo concreto, o delito será formal. E condizente com a forma de norma penal em branco em sentido estrito, pois a expressão “em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, subentende-se a necessidade de ser complementado o que viria a ser arma de fogo de uso permitido. Neste delito não se admite a tentativa, ressalvados os casos, em tese, das condutas de fornecer, receber, emprestar ou ceder, já que o inicio de um ato executório destas condutas configuraria a consumação da outra. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p. 104).

De acordo com Fernando Capez (2014, p.230), em contraste com a lei anterior, o art. 14 da Lei 10.826/03, decidiu pelo uso dos verbos “fornecer” ou “ceder”, pensando no intuito de ser gratuito na prática, pois, quem pratica essas ações com finalidade onerosa, se enquadraria na verdade, no art.17 da referida lei, que se refere à venda ilegal, que sendo constatado o exercício de atividade comercial ou industrial, possui pena muito mais rigorosa para com o agente que incorrer nesta modalidade, além disso, a nova lei acrescentou dois novos objetos materiais do crime, que são as munições e assessórios de armas de fogo.

Por fim, a legislação do Estatuto do desarmamento prevê a possibilidade de cláusula de aumento de pena desde que o ilícito seja praticado por determinados agentes específicos:

Causa de aumento de pena: prevê o art. 20, in códex, que a pena é aumentada da metade, se o crime for praticado por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º, desta lei, ou seja: integrantes das Forças Armadas; da Polícia Federal; das Polícias Civil e Militar dos Estados e do Distrito Federal; das Guardas Municipais, dos agentes e guardas prisionais; das escoltas de presos e as guardas portuárias; das empresas de segurança privada e de transporte de valores; das entidades de desporto legalmente constituídas etc. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p. 105).

Para se consumar a tipificação penal abordada, assim como no crime da posse ilegal, o crime de porte ilegal de arma de fogo possui como elemento normativo jurídico, “Sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, deste modo, mesmo com a prática das ações abordadas no caput do artigo 14, se praticadas com o devido registro, respeitada a lei armamentista vigente, principalmente no que diz respeito à arma ser de uso permitido, não há de se falar em crime, constituindo-se apenas o exercício da concessão de um direito adquirido. (CAPEZ, 2014, p.231-232).

Por fim, destaca-se que no Estatuto do Desarmamento, assim como a norma anterior, Lei 9.437/97, existe lacuna ao preceito de “fora de casa ou de dependência desta”, presente no art. 19, já revogado, da Lei das Contravenções Penais, a qual regulava o crime do porte de ilegal de arma, e assim, é necessária interpretação a partir da posse ilegal, onde o agente a exerce adentro a sua residência ou nas dependências dessa, portanto, o porte ilegal será compreendido fora de tal esfera, e se na posse o agente necessita do registro de sua arma de fogo, no porte, é necessária a autorização especial para transitar com a arma fora do âmbito de seu domicílio, que se compreende, tanto como sua residência ou local de trabalho. (CAPEZ, 2014, p.232-233).

4.2.1. Disparo de arma de fogo

Na vigência da Lei 9.437/97 o crime de disparo de arma de fogo estava entranhado no dispositivo normativo a respeito da posse e do porte ilegal, partilhando inclusive da mesma pena base, que seria calculada diante da gravidade do caso concreto. Tal ilícito penal se encontrava disposto no inciso III do parágrafo 1° do artigo 10 da lei supracitada, “III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave.” (BRASIL, LEI 9437/97).

Com a alteração advinda da Lei 10.826/03, o crime de disparo de arma de fogo ganhou um artigo próprio, dispondo apartadamente do que se trata este delito em questão:

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Segundo Capez (2014, p.236), tal tipificação possui como objeto jurídico a ser protegido a incolumidade publica, tendo como escopo a preservação da segurança da mesma, para que seja mantida a tranquilidade de indeterminado número de pessoas que a simples realização da conduta tipificada poderia comprometer. Neste delito, não se enquadra apenas uma eventual situação, podendo abranger várias outras:

Haverá crime quando o agente: (a) disparar arma de fogo em lugar habitado; (b) disparar arma de fogo em adjacências de lugar habitado; (c) disparar arma de fogo em via pública; (d) disparar arma de fogo em direção a via pública; (e) acionar munição em qualquer desses lugares ou em direção a eles. (CAPEZ, 2014, p.236).

O crime de disparo de arma de fogo se consuma com o primeiro disparo de arma ou quando acionada a munição pelo agente, sendo a modalidade tentada válida, como por exemplo, em caso da arma falhar, ou o agente ser impedido no momento exato em que iria praticar o tipo penal. Este crime restará efetuado mesmo que o agente efetue um disparo para o alto, ou mesmo para o chão, só precisa que seja em local habitado, em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, como já destacado anteriormente, além disso, em concurso de normas, havendo o disparo de arma de fogo e o porte ilegal de arma, desde que de uso permitido, o disparo se sobressai e se torna a conduta típica. (SILVA, LAVORENTI, GENOFRE, 2006, p. 106).

Destaca-se, como elemento subjetivo deste ilícito, o dolo, a vontade livre do agente de praticar a conduta, não sendo punível nesta esfera a modalidade culposa, diante da falta de previsão legal, sendo assim, será considerado fato atípico o disparo acidental. Ressalta-se, que independentemente do número de disparos, haverá apenas um crime, e se executado conjuntamente com crime contra pessoa, este será absorvido em se tratando de crime de menor potencial lesivo, e em se tratando de posterior crime de dano, seja contra a vida, ou patrimonial, haverá concurso de crimes, o horário da infração é irrelevante, pois o perigo pode ser presumido, só não será fato típico, se o disparo for realizado em local ermo, diante da impossibilidade de trazer perigo ao bem jurídico protegido, a incolumidade pública. (CAPEZ, 2014, p.238-239).

Ponto de bastante crítica, a nova redação do dispositivo acerca do disparo de arma de fogo não leva em conta a gravidade da conduta, mas apenas a finalidade do autor. O agente que atira com arma de fogo em direção a uma vítima, com a finalidade clara de provocar lesões corporais de natureza leve, não responderá pelo disparo em si, infração mais grave, mas por lesão corporal, crime de menor potencial lesivo, se afastando o princípio da subsidiariedade, onde prevaleceria o crime de maior gravidade, e dando incidência ao da especialidade, onde o que se destaca é a vontade do agente, não o dano produzido. (CAPEZ, 2014, p.239-240).

A Lei trata com maior benevolência quem dispara arma de fogo em direção a uma pessoa específica, com a finalidade de feri-la ou de expô-la a risco, do que o que efetua disparos a esmo. É muito mais vantajoso para o agente apontar a arma de fogo em direção a uma região não letal da vítima e dispará-la com a nítida intenção de produzir ferimentos, caso em que responderá por lesão corporal leve (infração de menor potencial ofensivo), ou mesmo disparar a arma com a intenção de expor alguém a uma situação de risco concreto, efetivo e iminente, do que efetuar disparos para o alto, por exemplo, comemorando a vitória de seu time de futebol. Nas duas primeiras hipóteses, o atirador será levado ao Juizado Especial Criminal e se livrará do processo, aceitando uma pena alternativa; no caso de disparos para o alto, responderá por um crime, cuja pena máxima é a reclusão de 4 anos, mais multa. (CAPEZ, 2014, p.240).

Portanto, nota-se a crítica majoritária pela doutrina acerca da discrepância entre as punições de tais ilícitos, onde se aparenta ser mais gravoso para o agente realizar um disparo contra o céu, do que contra outro individuo diretamente, acarretando aparente desproporcionalidade entre as sanções penais, dada a condição do bem da vida maior resguardo jurídico, e neste caso, não parece ser o que acontece.

4.3. Comentários acerca da posse e do porte de arma de fogo de uso proibido

De acordo com o estudo de Rocha (2011, p.09), a legislação armamentista disposta na Lei 9.437/97 trouxe consigo os conceitos de arma de fogo de uso permitido e proibido ou restrito, deixando a cargo do Poder Executivo, a definição de ambos os conceitos, como versa o artigo 11 da referida lei: “A definição de armas, acessórios e artefatos de uso proibido ou restrito será disciplinada em ato do Chefe do Poder Executivo federal, mediante proposta do Ministério do Exército. ” (BRASIL, LEI 9.437/97).

Tal definição se deu pelo Poder Executivo mediante Decretos os quais caracterizariam o que viria a ser arma de fogo de uso proibido sob a égide da lei brasileira:

...se deu mediante sua regulamentação pelo Decreto n. 2.222, de 8 de maio de 1997, cujo art. 43 dispunha que “armas de fogo, acessórios e artefatos de uso restrito ou proibido são aqueles itens de maior poder ofensivo e cuja utilização requer habilitação especial, conforme prescreve o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) e sua legislação complementar”. Tal normativo já existia, pois o Decreto n. 9.998, de 23 de março de 1999, dispunha, em seu art. 3º, inciso XVIII, que arma de uso restrito era a “arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica”, relacionando-as no art. 16. O Decreto n. 2.222/1997 foi revogado pelo Decreto n. 3.665, de 20 de novembro de 2000, que manteve a redação do dispositivo. (ROCHA, 2011, p.09).

Hoje, a doutrina possui diferentes definições acerca da diferença entre arma de fogo de uso permitido e proibido, segundo Gabriel Habib:

Arma de uso permitido é aquela cuja atualização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do comando do Exército e nas condições previstas na Lei 10.826, de 2003 (art. 10 do Decreto 5.123/2004);

Arma de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo o comando do Exército, de acordo com a legislação específica. (HABIB apud SOARES, 2014, p.13).

No entanto, Fernando Capez traz uma interpretação diferente, dividindo os conceitos em três, são eles:

  • Arma de fogo de uso proibido: está mencionada no art. 16 da Lei n° 10.826/03, mas não pelo regulamento. Trata-se de uma arma que não pode ser utilizada em hipótese alguma, ou seja, aquela cuja posse ou porte não podem ser autorizadas nem mesmo pelas forças armadas.

  • Arma de uso restrito: é a arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas.

  • Arma de uso permitido: é a arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas. (CAPEZ apud SOARES, 2014, p.13).

Em detrimento das definições doutrinárias, quando da interpretação ao caso concreto se observa o convencionado em lei, onde não se estabelece distinção entre os tipos de uso proibido e restrito, consistindo um mesmo objeto material da conduta típica.

A Lei 9.437/97 dispunha em uma mesma norma penal, em seu artigo 10, os crimes de posse e porte ilegal de arma de uso permitido, assim como as de uso proibido e o comercio ilegal armamentista, sendo assim, caso o agente fosse frustrado com armas de fogo de uso permitido de forma ilegal em sua residência, sofria, em tese, a mesma punição que o agente que realizasse a importação, comércio, indústria ou fabricação de armas de uso restrito, apenas estipulando uma pena mais alta em seu parágrafo 2° para o caso de contrabando, desde que de arma de uso proibido, as munições não fazendo parte deste dispositivo. (CAPEZ, 2014, p.243-244).

Posteriormente, juntamente com a revogação desta lei, foi sancionada a Lei 10.826/03, Lei do Estatuto do Desarmamento, a qual apartou o delito de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito em um dispositivo próprio, trazendo o referido crime no caput do artigo 16, que versa:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (BRASIL, LEI 10.826/03).

O Estatuto do Desarmamento trouxe algumas alterações significativas a respeito do porte ou posse de arma de uso restrito. Além do aumento da pena de 2 a 4 anos para 3 a 6 anos, com a manutenção da multa, a nova lei incluiu as munições de uso restrito como objeto material deste delito, sendo assim, qualquer uma das condutas do caput, realizadas com munição de uso restrito também serão passiveis de punição, se constituindo uma novatio legis incriminadora, a qual não pode retroagir, podendo penalizar apenas as condutas durante a sua vigência. Ademais, a respeito dos acessórios de uso restrito, esses já se encontravam dispostos desde a lei anterior, ganhando apenas um caráter mais gravoso e tratamento mais severo com a vigência da nova lei, sendo vedada apenas sua aplicação mais severa aos crimes anteriores, de forma que prejudicaria o réu. (CAPEZ, 2014, p.243).

Quanto às características básicas deste ilícito, de acordo com Silva, Lavorenti e Genofre (2006, p.107), este muito se assemelha aos crimes da posse e do porte ilegal, onde todos buscam a manutenção da proteção à incolumidade pública, e que em todos os casos, as condutas não necessariamente precisam ser praticadas por um agente específico, estas podem ser exercidas por qualquer pessoa, necessitando apenas no dolo do agente em realizar as condutas típicas em sua vontade livre e consciente, e em se tratando de tentativa, assim como nos outros delitos já mencionados, é inadmissível na maioria das condutas, se configurando apenas em casos onde o agente seja frustrado quando dá início aos atos executórios.

Com relação à execução do referido crime, de acordo com Capez (2014, p.244), constitui-se um delito de tipo misto alternativo, onde, na execução de mais de uma conduta pelo infrator, este responderá por um único crime, com base no princípio da alternatividade, onde não haverá um conflito de normas, mas sim de condutas dentro de um mesmo tipo penal, onde o agente que pratica diversas condutas interligadas, responderá apenas por uma delas. Um exemplo para essa “ligação” entre as condutas é a hipótese em que o agente transporta a arma de uso proibido, a mantem em sua guarda e fornece o artefato a outrem, este será enquadrado apenas em um delito. No entanto, tal entendimento não poderá prevalecer nos casos em que entre as condutas típicas, não se guarde qualquer nexo causal, como no caso do agente ter em depósito arma de fogo proibida, mas empresta a outrem arma diversa da conduta anterior, nesse caso, não existe correlação entre as condutas e assim, torna-se difícil que ambas configurem um mesmo delito, não podendo falar-se em absorção de uma conduta pela outra:

Tratando-se de fatos completamente diversos, realizados em contextos fáticos distintos, como é o caso acima exposto, será juridicamente impossível falar em atos integrantes da mesma conduta, inexistindo qualquer conflito aparente de normas. Haverá, em suma, dois crimes distintos, devendo o agente ser responsabilizado por ambos, sob a forma de concurso material ou, quando presentes todas as circunstâncias do art. 71, caput, do Código Penal, de crime continuado. O mesmo sucede se o agente guarda um grande lote de acessórios de uso restrito em sua residência e transporta caixas de munições. Nessa hipótese, não há como afastar o concurso de crimes, dado que não existe qualquer nexo causal entre as condutas. (CAPEZ, 2014, p.245).

Por fim, no paragrafo único do referido artigo, comtemplam-se os delitos equiparados aos do caput, são eles:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. (BRASIL, LEI 10.826/03).

Tais tipificações são equiparadas às condutas previstas no caput do artigo 16 da lei supracitada, incorrendo na mesma pena proposta a posse ou o porte de arma de fogo de uso restrito, e são constituídas com o intuito de se apararem arrestas e preencher lacunas da lei anterior, com relação a algumas situações decorrentes da análise do caso concreto.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o exposto é notório como toda essa questão armamentista é antiga, desde os primórdios, tendo surgido com o intuito de se proteger, acabou sendo utilizado como instrumento de guerra em busca de dominação, onde quem possuía as mais avançadas era considerado o mais forte, ao passo da sua constante evolução, onde com a invenção da pólvora as armas ganharam um salto enorme em suas mais variadas formas e seu potencial lesivo.

Diante do surgimento da necessidade de convivência em grupo, surge a obrigatoriedade de que se fossem constituídas normas e regras, e assim se iniciaram as primeiras regulações a respeito da utilização de armas em face da coletividade. No Brasil não foi diferente, desde o período colonial, o período do Brasil império e com a república, na medida em que a sociedade brasileira evoluía, com ela evoluíam as leis e assim a regulação armamentista no país, assim como a própria indústria armamentista que ganha bastante força durante o império e principalmente no período da república que mais tarde, com o surgimento das fábricas, ganharia cada vez mais espaço no Brasil.

A evolução das leis armamentistas no Brasil sempre foi matéria de constantes debates através da história, se durante um período os crimes relacionados ao porte de arma no país eram tratados como contravenções penais, sendo inclusive, regulados pela Lei das Contravenções Penais, mais tarde nos anos 90 ela ganharia status de crime, recebendo maior atenção e controle legislativo, além disso, foram criadas novas condições para controlar os indivíduos os quais poderiam garantir o direito de portar uma arma de fogo.

Outra inovação foi à divisão entre as chamadas, “armas de fogo de uso permitido” as quais o indivíduo desde que regularmente apto na forma da lei pode adquirir o direito do porte ou da posse, e as “armas de fogo de uso restrito” as quais os particulares não podem dispor mesmo com o devido registro, além disso, foi instituído o SINARM, o novo sistema de controle armamentista no país.

Com o advento da última lei armamentista, a Lei 10.826/03, Lei do Estatuto do Desarmamento, o porte de arma de fogo se tornou proibido em todo o território nacional, sendo a sua concessão uma exceção, diferente da legislação anterior, além disso, dividiu as condutas típicas do porte e da posse ilegal, com uma sanção peculiar para cada uma, e estendeu ainda mais o poder de atuação do SINARM, tratando os crimes relacionados às armas de fogo com maior rigor.

De acordo com a nova lei, para a concessão da posse ou porte de arma de fogo o candidato deverá realizar um procedimento específico para cada uma dessas modalidades, onde na posse o mesmo estará apto a possuir a arma em seu domicílio que pode compreender tanto a sua casa quanto sua empresa, enquanto ao adquirir o porte, poderá manter a arma diretamente consigo, sendo passível via de regra, para os agentes de segurança, em especial a Polícia, Exército, as Forças Armadas etc.

Dentre os requisitos para a obtenção destes direitos, são imprescindíveis tanto os testes práticos, quantos os testes teóricos, e em especial o teste psicológico que deverá determinar se o candidato possui saúde psicológica para portar uma arma. Outro ponto de estudo é acerca do direito as armas a luz da Constituição, direito que tem sido extremamente debatido sobre os limites da legitima defesa entre os particulares e a sua relação com a segurança pública.

Importante destacar os efeitos jurídicos práticos com relação às principais condutas delitivas relacionado as armas de fogo, principalmente com relação a posse e o porte ilegal de arma de fogo, destacando os principais efeitos resultantes dessa conduta, assim como os efeitos que a posse e o porte ilegal desencadeariam em se tratando de armas de fogo de uso proibido, as quais consistiriam em condutas muito mais gravosas, sendo medidas de acordo com o possível grau lesivo que tais condutas poderiam implicar a coletividade.

Diversas são as nuances doutrinárias acerca das diferentes condutas delituosas envolvendo as armas de fogo, assim como os efeitos jurídicos resultantes de sua execução, como no caso de disparo de arma de fogo, que apenas se constituiria crime se fosse realizado de forma a resultar em risco para a sociedade, não se falando em tipicidade da conduta em caso de disparo em local ermo e com o devido registro da arma utilizada.

Por fim, é nítida a evolução com relação às sanções delituosas acerca dos crimes praticados com uso de arma de fogo, se antes tais condutas nem consistiam em delito, e depois eram reguladas por leis consideradas brandas ou omissas em alguns aspectos, o Estatuto do Desarmamento trouxe uma amplitude muito maior ao combate aos crimes de arma de fogo, principalmente com sansões mais severas, preenchendo lacunas da lei anterior e garantindo maior proteção ao bem mais importante tutelado, que é a vida.


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Abstract: Firearms have been present since the dawn of society, and as they came to live together, there was a need for greater social cohesion among its members, through the creation of laws and norms to regulate group life, and with The arms laws were no different. The present work, about the size of the weapon, highlighting its requirements and its legal effects, aims at the problematic about what would be, in fact, the specific requirements to obtain the right to the possession of firearms, as well as the effects resulting from the possession and possession, as well as firearm firing itself, seeking a more detailed analysis of the Brazilian special arms law, as well as the vast doctrinal understanding. Its general objective is to study all aspects of the requirements for obtaining regular firearm possession, as well as an analysis of its different practical legal effects. The procedure to be followed will be by applying the specific objectives, which are: a - to research the history and evolution of the arms laws in the country; b - identify some of the main aptitude tests for this right; c - study the different nuances and the main legal effects resulting from the possession, possession and use of firearms in the face of the community. Such study is justified by the great discussion that this theme has been living in the last years, besides, greater mastery over it is very important for the collectivity, in the understanding of its freedoms, restrictions and right, as well as the academic importance, since , this subject has great legal controversy and is very important for future debates. To be able to guarantee this right, the candidate must comply with certain requirements of Brazilian arms law, which will be confirmed by the Federal Police, responsible for testing and maintaining this right. In addition, the use of a firearm whether in possession, possession, or even the mere firing of a firearm provides a number of legal effects to be determined by the conduct of the agent in the particular case, where in order to constitute a criminal offense, be typified in arms legislation. For the accomplishment of this work, it was used, in particular, of bibliographical researches about the subject, with a deductive approach method, besides the doctrine of renowned scholars of the subject and the pertinent legislation itself, for a better comprehension of the approached subject.

Keywords: Firearm, weapon possession, weapon possession, Disarmament Statute.



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