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As qualificações profissionais para o exercício da medicina no Brasil à luz da Constituição Federal

As qualificações profissionais para o exercício da medicina no Brasil à luz da Constituição Federal

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I. A REALIDADE DO EXERCÍCIO DA MEDICINA NO BRASIL

A realidade da situação do ensino médico no Brasil e, consequentemente da qualidade do exercício profissional da medicina, tem se tornado uma preocupação cada vez mais crescente, principalmente porque o alvo ou destino desse exercício é a população brasileira acometida por doenças ou agravos a sua saúde, muitas vezes revestidas de gravidade e/ou de risco de vida, demandando do profissional médico a garantia de uma formação adequada, com conhecimentos e habilidades suficientes para permitir o restabelecimento da saúde dessa população.

Infelizmente, ao longo dos anos, a formação do profissional médico vem sofrendo um deterioro gradual e progressivo, decorrente da proliferação indiscriminada de escolas médicas e do aumento de vagas de forma desproporcional à demanda e necessidades reais do país.

O estudante de medicina, durante seu processo de formação na faculdade, é submetido a uma série de avaliações teóricas e práticas que visam testar os conhecimentos adquiridos. Afinal, após aprovação de todas essas provas estará apto a receber seu diploma de médico e, a seguir, a realizar sua inscrição no Conselho Regional de Medicina onde desenvolverá suas atividades obtendo a respectiva licença para o exercício profissional.

Num cenário ideal, essa formação baseada em conhecimentos e habilidades adquiridos e testados pela própria faculdade, presume-se suficiente para que o médico recém-formado atenda às necessidades básicas de saúde da população. Entretanto, não é isso o que se vê na realidade. Os sistemas de avaliação dos estudantes e dos cursos de medicina hoje existentes (ANASEM, SINAES), mostram uma realidade maioritariamente deficitária, revelando faculdades de má qualidade, que lançam ao mercado de trabalho médicos com formação insuficiente até para exercer a medicina nas suas áreas básicas com qualidade, como se esperaria ao final de um curso de graduação em medicina.  

Ainda, a principal porta de entrada para esse mercado de trabalho para o médico recém-formado e, piora ainda, para o malformado, são as emergências das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e Pronto Socorro (PS), justamente onde os pacientes são mais graves, correm risco de morte e necessitam de atendimento rápido e de qualidade. Estas unidades destinadas ao atendimento de urgência e emergência, admitem pacientes com quadros graves como infarto agudo de miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC), traumas decorrentes de acidentes graves, etc; e exigem dos médicos que prestam esses atendimentos de urgência/emergência, conhecimentos e habilidades mínimas indispensáveis para estabilizar o quadro desses pacientes e evitar o desfecho fatal (morte) ou a ocorrência de sequelas graves. Esses conhecimentos e habilidades mínimos incluem, fazer uma rápida e correta coleta de informações, um exame clínico acurado, acerto na solicitação de exames emergenciais laboratoriais e de imagem necessários, interpretação dos resultados desses exames, e finalmente a elaboração de hipóteses diagnósticas acuradas que permita iniciar um tratamento rápido e adequado visando a estabilização do quadro de urgência/emergência, que inclui muitas vezes, a realização de procedimentos que requerem habilidades especificas, como intubação endotraqueal, punção de acessos profundos, cardioversão elétrica, passagem de marcapasso provisório, drenagem de tórax, punção de derrame pericárdico, etc., para posteriormente decidir ou não pela sua transferência para um centro de referência. Evidentemente um médico recém-formado e ainda com formação deficiente, não terá esses conhecimentos e habilidades suficientes e, as consequências dessa deficiência representam um custo demasiado elevado, pois envolve a perda de vidas que poderiam ser salvas ou a ocorrência de sequelas graves que poderiam ser evitadas, caso o paciente tivesse sido atendido por um médico com formação e capacitação adequadas. Nesse sentido, veja-se a visão do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo em matéria publicada em 2004 na Revista Ser Médico, sob título “Urgência e Emergência: situação crítica no sistema público de saúde”[1]:

O atendimento de urgência e emergência funciona hoje como uma desvirtuada porta de entrada ao sistema de saúde. Além das urgências, acolhe pacientes desgarrados da atenção primária e está sobrecarregado pela falta de resolutividade nas outras instâncias da rede assistencial.

Paradoxalmente, o atendimento complexo e de risco é feito por profissionais recém-formados e residentes, em geral mal remunerados e não valorizados.

(...)

Falta qualificação profissional para atendimento complexo e de risco

É conhecido o fato de que os médicos que se propõem a trabalhar no setor de Urgência e Emergência são geralmente jovens recém graduados, às vezes acumulando a função com a formação em Residência Médica ou pós-graduação. “Muitas vezes esses jovens vão para o pronto-socorro por falta de outra opção de trabalho ou por não ter conseguido vaga nos programas de Residência Médica”, informou Renato Françoso. Segundo ele, para a maioria o atendimento na urgência é apenas a porta de entrada no mercado de trabalho, não se cultiva o vínculo com a instituição e não há motivação. Faltam programas de qualificação, cargos e carreiras compatíveis com a complexidade dessa atribuição. Veja a seguir as opiniões e propostas sobre esse tópico:

“O que fará diferença no atendimento será a formação do profissional. No momento, não temos preparação para que ele apareça, visto que da especialização decorreu um profissional mais capacitado para determinadas áreas. Além das características técnicas, ele deve ter capacitação administrativa, pois trabalhar na emergência não é só tratar de doentes.” Carlos Fujikawa, preceptor do pronto-socorro, do Hospital São Paulo/Unifesp-EPM

“Os profissionais precisam ser valorizados pela Academia e pelos colegas. Os Residentes do primeiro e do segundo ano passam pela urgência como uma exigência marginal da Comissão de Residência. Os mais avançados não querem passar por ela. Não é difícil defender uma especialização como a do modelo americano, visto que outras práticas foram introduzidas no cenário da urgência e emergência: regulação médica, sistema de atenção móvel avançada, pré-hospitalar móvel e pronto-atendimentos. As unidades hospitalares têm arquitetura e resolutividade próprias da urgência, nas quais cabe uma especialidade.” José Sebastião dos Santos, consultor do Ministério da Saúde

“O Cremesp deve trazer as universidades e autoridades da área para discutir a capacitação em três frentes:

1) graduação

2) residência médica

3) educação continuada

Em cada uma, as universidades e autoridades tem seus papéis. Na graduação, a universidade tem de adequar os currículos dando ênfase à urgência e emergência. Cabe às autoridades manter a proibição da abertura de novos cursos e a fiscalização dos já existentes. Na residência médica, a universidade tem de adequar o currículo, no sentido de privilegiar as áreas generalistas e aumentar o número de vagas. As autoridades devem melhorar a fiscalização das residências existentes. Na educação continuada, cabe às universidades incrementar cursos na área (ATLS/ACLS/PALS etc) e estabelecer os protocolos de diretrizes de urgência e emergência. As entidades médicas e autoridades devem fortalecer o título de especialista, a exigência de recertificação e a criação de um plano de carreira na área.” Gaspar de Jesus Lopes Filho

“O PS é considerado a cloaca do Hospital, o aluno e o professor não querem ficar ali. É preciso transformá-lo num lugar agradável e de intenso aprendizado, inclusive poderia servir para uma carreira de pesquisador. As entidades poderiam criar um sistema de acreditação para ser médico de urgência e emergência e para receber o CRM. Acho que a universidade pode criar uma especialidade de urgência, o ideal seria dividir em duas: urgência clínica e urgência cirúrgica. Temos de criar uma rede guideline de atendimento à urgência. Não tem sentido fazer um guideline para cada hospital. O modelo do Cohcrane poderia ser colocado na urgência.” Álvaro Atallah, coordenador do Centro Cochrane do Brasil

“Temos de pensar a longo prazo. Podemos fazer uma recomendação hoje para viger em dois ou três anos, dando tempo para que as instituições se preparem. Ao mesmo tempo, indicamos para o aparelho formador que precisamos de um médico com tal perfil para atender determinada necessidade do sistema de saúde. Dentro da esfera dos Conselhos de Medicina, estamos discutindo a criação de exames de acreditação, com questões específicas para cada área.” Renato Françoso Filho, conselheiro do Cremesp

“Para criarmos uma recomendação ou Resolução, temos de aprofundar o debate sobre a qualificação profissional, independente da formação básica, para não entrarmos no campo da disputa de mercado dos vendedores de cursos de pseudo-qualificação. Recomendar é importante. Nenhuma sociedade vai se opor a uma recomendação sobre a capacitação objetiva para lidar com paciente crítico.” Gilberto Luiz Scarazatti, conselheiro do Cremesp

“Embora existam máfias de cursos, a evolução da Residência Médica em emergência vai ter que existir. Vale lembrar que já existe no Brasil e está sendo extinta. É preciso fazer uma discussão numa esfera maior, com o Conselho, a AMB, a Comissão Nacional de Residência e as sociedades de especialidades. É preciso formar e valorizar esse profissional, porque é um excelente mercado, um dos melhores hoje. Só que cai qualquer um nesse mercado. Também é preciso criar estímulos para formar esse profissional. Se um concurso público exige dois anos de residência em Clínica ou Cirurgia, para que o profissional vai gastar seu tempo fazendo especialização em urgência e emergência, se isso não é exigido para que ele atue no setor?” Gustavo Pereira Fraga – plantonista UER do Hospital das Clínicas de Campinas

“Os Hospitais Universitários estão fechando a urgência e emergência. Isso não pode acontecer. Onde os alunos vão aprender? Começamos a discutir a formação do emergencista com o Ministério da Educação (MEC). A mudança da grade curricular também está sendo discutida, de forma que o residente possa escolher o que fazer. O Ministério vai repassar recursos aos Estados para a capacitação dos profissionais. Nesse Governo foi criada a Coordenação Nacional de Urgência. Temos que aproveitar este momento. (...) Tenho uma proposta de parceria com o CRM para verificar o cumprimento da Portaria 2.048 que estabeleceu módulos mínimos necessários para que os profissionais atuem na urgência. A Portaria deu dois anos de prazo para que o estabelecido fosse cumprido. Esse prazo acaba agora.” Irani Ribeiro de Moura, coordenadora geral de Urgência e Emergência do Ministério de Saúde

“Em São Paulo temos oito polos de qualificação de pessoal que trabalha com o Samu, vinculado à Coordenadoria de Recursos Humanos da Secretária Estadual de Saúde. [O Estado firma convênios com as prefeituras].” Adalgiza, B. Nogueira, coordenadora de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde do Estado de SP

“Também é preciso pensar na capacitação geral dos colegas que já atuam na emergência, inclusive daqueles que estão no setor privado.” Maria Fátima da Conceição, superintendente da Federação das Misericórdias

Apesar que a Medicina de Urgência foi reconhecida como uma Área de Atuação da especialidade de Clínica Médica apenas em 2003[2], a Medicina de Emergência foi reconhecida oficialmente como especialidade médica somente em agosto de 2016[3]. A Medicina de Urgência vinculada à especialidade de Clínica Médica continuou como Área de Atuação até 2018 em que foi incorporada à Medicina de Emergência[4]. Muito embora tenha havido mudanças no tocante ao reconhecimento de uma especialidade médica na área de urgência e emergência, a realidade das unidades de Pronto Atendimento e Ponto Socorro não tem mudando de forma significativa e continuam sendo a “porta de entrada ao mercado de trabalho” de médicos recém-formados, malformados e/ou desatualizados.

As definições de urgência e emergência foram estabelecidas pela Resolução CFM nº 1451/95, artigo 1º, Parágrafos I e II, a serem adotas na linguagem médica no Brasil[5]:

“Artigo 1º - Os estabelecimentos de Prontos Socorros Públicos e Privados deverão ser estruturados para prestar atendimento a situações de urgência-emergência, devendo garantir todas as manobras de sustentação da vida e com condições de dar continuidade à assistência no local ou em outro nível de atendimento referenciado.”

“Parágrafo Primeiro –

Define-se por URGÊNCIA a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.”

“Parágrafo Segundo –

Define-se por EMERGÊNCIA a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato.” (grifei)

Das definições acima elencadas, claramente pode se desprender que:

1) Ambas, envolvem agravo à saúde.

2) Ambas exigem assistência médica ou tratamento imediato. Nada diz respeito a se essa assistência médica ou o tratamento deva ser provisório ou definitivo, clínico ou cirúrgico, agressivo ou conservador, mas certamente deve ser iniciado imediatamente. Será a gravidade do quadro e a iminência do risco de morte que determinarão essas outras características.

3) A urgência poderia ou não se acompanhar de risco de vida, mas quando presente, esse risco é potencial. Ou seja, esse risco existe em estado latente; inativo, virtual, existente como possibilidade ou faculdade, não como realidade, demorando algum tempo para acontecer (será mediato). Na emergência o risco de vida é iminente, ou seja, ameaça se concretizar, está a ponto de acontecer; próximo, imediato.

4) Embora ambos termos exigem uma ação médica que seja iniciada imediatamente, a iminência de morte ou de sofrimento grave na emergência exige que o tratamento seja mais agressivo e rápido visando afastar o risco de morte num período de tempo menor que nos casos de urgência.

A Portaria GM/MS nº 2048/2002, que aprovou o Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, assim estabeleceu no seu Anexo, a respeito da UPA (Unidades de Atendimento Pré-hospitalar Fixo) e do Pronto Socorro (Unidades Hospitalares de Atendimento às Urgências e Emergenciais):

(...)

CAPÍTULO III

ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR FIXO

2 - UNIDADES NÃO-HOSPITALARES DE ATENDIMENTO ÀS URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS

Estas unidades, que devem funcionar nas 24 horas do dia, devem estar habilitadas a prestar assistência correspondente ao primeiro nível de assistência da média complexidade (M1). Pelas suas características e importância assistencial, os gestores devem desenvolver esforços no sentido de que cada município sede de módulo assistencial disponha de, pelo menos uma, destas Unidades, garantindo, assim, assistência às urgências com observação até 24 horas para sua própria população ou para um agrupamento de municípios para os quais seja referência.

2.1 - Atribuições

Estas Unidades, integrantes do Sistema Estadual de Urgências e Emergências e de sua respectiva rede assistencial, devem estar aptas a prestar atendimento resolutivo aos pacientes acometidos por quadros agudos ou crônicos agudizados.

São estruturas de complexidade intermediária entre as unidades básicas de saúde e unidades de saúde da família e as Unidades Hospitalares de Atendimento às Urgências e Emergências, com importante potencial de complacência da enorme demanda que hoje se dirige aos pronto socorros, além do papel ordenador dos fluxos da urgência.

CAPÍTULO V

ATENDIMENTO HOSPITALAR

UNIDADES HOSPITALARES DE ATENDIMENTO ÀS URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS

O presente Regulamento Técnico está definindo uma nova nomenclatura e classificação para a área de assistência hospitalar de urgência e emergência. Refletindo sobre a regionalização proposta pela NOAS e sobre a estrutura dos pronto socorros existentes no país, adota-se a seguinte classificação/estruturação, partindo da premissa que nenhum pronto socorro hospitalar poderá apresentar infra estrutura inferior à de uma unidade não hospitalar de atendimento às urgências e emergências, conforme descrito no Capítulo III - item 2 deste Regulamento:

(...)

2.1.1 – Recursos Humanos

Toda equipe da Unidade deve ser capacitada nos Núcleos de Educação em Urgências e treinada em serviço e, desta forma, capacitada para executar suas tarefas. No caso do treinamento em serviço, o Responsável Técnico pela Unidade será o coordenador do programa de treinamento dos membros da equipe. Uma cópia do programa de treinamento (conteúdo) ou as linhas gerais dos cursos de treinamento devem estar disponíveis para revisão; deve existir ainda uma escala de treinamento de novos funcionários.

(...)

CAPÍTULO VII

NÚCLEOS DE EDUCAÇÃO EM URGÊNCIAS

As urgências não se constituem em especialidade médica ou de enfermagem e nos cursos de graduação a atenção dada à área ainda é bastante insuficiente. No que diz respeito à capacitação, habilitação e educação continuada dos trabalhadores do setor, observa-se ainda a fragmentação e o baixo aproveitamento do processo educativo tradicional e a insuficiência dos conteúdos curriculares dos aparelhos formadores na qualificação de profissionais para as urgências, principalmente, em seu componente pré- hospitalar móvel. Também se constata a grande proliferação de cursos de iniciativa privada de capacitação de recursos humanos para a área, com grande diversidade de programas e conteúdos e cargas horárias, sem a adequada integração à realidade e às diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS.

Assim, considerando o ainda importante grau de desprofissionalização, falta de formação e educação continuada dos trabalhadores das urgências, resultando em comprometimento da qualidade na assistência e na gestão do setor; a necessidade de criar estruturas capazes de problematizar a realidade dos serviços e estabelecer o nexo entre trabalho e educação, de forma a resgatar o processo de capacitação e educação continuada para o desenvolvimento dos serviços e geração de impacto em saúde dentro de cada nível de atenção; a necessidade de estabelecimento de currículos mínimos de capacitação e habilitação para o atendimento às urgências, face aos inúmeros conteúdos programáticos e cargas horárias existentes no país e que não garantem a qualidade do aprendizado; o grande número de trabalhadores já atuando no setor e a necessidade de garantir-lhes habilitação formal, obrigatória e com renovação periódica para o exercício profissional e a intervenção nas urgências e ainda, considerando a escassez de docentes capazes de desenvolver um enfoque efetivamente problematizador na educação e a necessidade de capacitar instrutores e multiplicadores com certificação e capacitação pedagógica para atender a demanda existente é que este Regulamento Técnico propõe aos gestores do SUS a criação, organização e implantação de Núcleos de Educação em Urgências – NEU.

(...)

2 - Grades de Temas, Conteúdos, Habilidades, Cargas Horárias Mínimas para a Habilitação e Certificação dos Profissionais da Área de Atendimento às Urgências e Emergências:

B - 3 – Médicos[6] (...) (grifei)

Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência foram definidos pela Resolução CFM nº 2.077/14 como[7]:

Art. 1° Esta resolução se aplica aos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência, públicos e privados, civis e militares, em todos os campos de especialidade.

Parágrafo único. Entende-se por Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência os denominados prontos-socorros hospitalares, pronto-atendimentos hospitalares, emergências hospitalares, emergências de especialidades ou quaisquer outras denominações, excetuando-se os Serviços de Atenção às Urgências não Hospitalares, como as UPAs e congêneres. (grifei)

Esta mesma Resolução determinou no seu artigo 7:

Art. 7º Tornar necessária a qualificação mínima dos profissionais médicos para o trabalho em UPAs, mediante o disposto no Capítulo VII, item 2, alínea B-3 da Portaria nº 2.048/GM/MS, de 5 de novembro de 2002, capacitação essa de responsabilidade dos gestores, segundo preconizado pela portaria. (grifei)

Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) 24h e congêneres, foram definidos pela Resolução CFM nº 2.079/14 como[8]:

Art. 1° Esta resolução se aplica às UPAs 24h e a todas as unidades 24h não hospitalares congêneres de atendimento às urgências e emergências, doravante denominadas UPAs.

Art. 2º Define-se como UPA o estabelecimento de saúde de complexidade intermediária entre as unidades básicas de saúde/Saúde da Família e a rede hospitalar, devendo com essas compor uma rede organizada de atenção às urgências. (grifei)

No Anexo da Resolução supracitada, considera-se como parte da estrutura de uma UPA:

Define-se como Sala de Estabilização a área física da UPA onde são atendidos os pacientes com iminente risco de vida ou sofrimento intenso, necessitando de intervenção médica imediata.

Define-se como Sala de Observação de Pacientes com Potencial de Gravidade a área física da UPA onde são mantidos os pacientes que necessitem vigilância constante e possível intervenção imediata. (grifei)

Esta mesma Resolução determinou no seu artigo 7:

Art. 7º Tornar necessária a qualificação mínima dos profissionais médicos para o trabalho em UPAs, mediante o disposto no Capítulo VII, item 2, alínea B-3 da Portaria nº 2.048/GM/MS, de 5 de novembro de 2002, capacitação essa de responsabilidade dos gestores, segundo preconizado pela portaria. (grifei)

De forma análoga, as denominadas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) foram definidas pela Resolução do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) nº 170 de 06.11.2007, no seu Anexo I[9]:

Os Serviços de Tratamento Intensivo têm por objetivo prestar atendimento a pacientes graves ou de risco, potencialmente recuperáveis, que exijam assistência médica ininterrupta, com apoio de equipe de saúde multiprofissional, além de equipamento e recursos humanos especializados.

I - Paciente Grave - paciente que apresenta instabilidade de um ou mais sistemas orgânicos, com risco de morte.

II - Paciente de Risco - paciente que possui alguma condição potencialmente determinante de instabilidade. (grifei)

Nessa mesma linha, a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa nº 07 de 2010[10]:

Art. 4º Para efeito desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

(...)

XXVI - Unidade de Terapia Intensiva (UTI): área crítica destinada à internação de pacientes graves, que requerem atenção profissional especializada de forma contínua, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapia. (grifei).

Ainda a supracitada Resolução estabelece:

Art. 13 Deve ser formalmente designado um Responsável Técnico médico, um enfermeiro coordenador da equipe de enfermagem e um fisioterapeuta coordenador da equipe de fisioterapia, assim como seus respectivos substitutos.

§ 1º O Responsável Técnico deve ter título de especialista em Medicina Intensiva para responder por UTI Adulto; habilitação em Medicina Intensiva Pediátrica, para responder por UTI Pediátrica; título de especialista em Pediatria com área de atuação em Neonatologia, para responder por UTI Neonatal;

(...)

Art. 14. Além do disposto no Artigo 13 desta RDC, deve ser designada uma equipe multiprofissional, legalmente habilitada, a qual deve ser dimensionada, quantitativa e qualitativamente, de acordo com o perfil assistencial, a demanda da unidade e legislação vigente, contendo, para atuação exclusiva na unidade, no mínimo, os seguintes profissionais:

I - Médico diarista/rotineiro: 01 (um) para cada 10 (dez) leitos ou fração, nos turnos matutino e vespertino, com título de especialista em Medicina Intensiva para atuação em UTI Adulto; habilitação em Medicina Intensiva Pediátrica para atuação em UTI Pediátrica; título de especialista em Pediatria com área de atuação em Neonatologia para atuação em UTI Neonatal;

II - Médicos plantonistas: no mínimo 01 (um) para cada 10 (dez) leitos ou fração, em cada turno.

Estas definições foram reforçadas mais recentemente pela Portaria GM/MS nº 890 de 31 de março de 2017 cujo Capítulo II do Anexo define[11]:

2. O cuidado intensivo poderá ser realizado em Unidade de Terapia Intensiva - UTI ou Unidades de Cuidados Intermediários - UCI.

2.1 A Unidade de Terapia Intensiva - UTI é um serviço hospitalar destinado a usuários em situação clínica grave ou de risco, clínico ou cirúrgico, necessitando de cuidados intensivos, assistência médica, de enfermagem e fisioterapia, ininterruptos, monitorização contínua durante as 24 (vinte e quatro) horas do dia, além de equipamentos e equipe multidisciplinar especializada, classificadas como:

I - Unidade de Terapia Intensiva Adulto UTI-a;

II - Unidade de Terapia Intensiva Coronariana - UCO;

III - Unidade de Terapia Intensiva Queimados UTI-q;

IV - Unidade de Terapia Intensiva Pediátrico UTI-ped; e

V - Unidade de Terapia Intensiva Neonatal - UTIN.

2.2 A Unidade de Cuidado Intermediário - UCI é um serviço hospitalar destinado a usuários em situação clínica de risco moderado, que requerem monitorização e cuidados semi-intensivos, intermediários entre a unidade de internação e a unidade de terapia intensiva, necessitando de monitorização contínua durante as 24 (vinte e quatro) horas do dia, além de equipamentos e equipe multidisciplinar especializada, podendo ser classificada como:

I. Unidade de Cuidado Intermediário Adulto UCI-a;

II. Unidade de Cuidado Intermediário Pediátrico UCI-ped;

III. Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional - UCINCo;

IV. Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Canguru - UCINCa. (grifei)

Esta Portaria Ministerial determina que poder ser feita a habilitação da UTI-a Tipo II, a mesma deverá contar com a seguinte equipe multiprofissional mínima:

I - 01 (um) médico responsável técnico com jornada mínima de 4 horas diárias, podendo acumular o papel de médico rotineiro, com habilitação em Terapia Intensiva comprovada por título;

II - 01 (um) médico rotineiro, com jornada de 04 (quatro) horas diárias, para a unidade, com habilitação em Terapia Intensiva comprovada por título;

III - 01 (um) médico plantonista, para cada 10 (dez) leitos ou fração, em cada turno, com no mínimo três certificações entre as descritas a seguir:

a) Suporte avançado de vida em cardiologia;

b) Fundamentos em medicina intensiva;

c) Via aérea difícil;

d) Ventilação mecânica; e

e) Suporte do doente neurológico grave (grifei)

Como visto acima, idealmente as unidades de urgência e emergência (UPA e PS), considerando a complexidade do tipo de pacientes a que se destinam, deveriam funcionar apenas com médicos detentores de título de especialista em Medicina de Emergência ou com certificação em Medicina de Urgência; e as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) com médicos detentores de título de especialista em Medicina Intensiva. Entretanto, em razão da inexistência de número suficientes destes profissionais assim qualificados, o atendimento nessas unidades deveria ser feito por médicos detentores de qualificações técnicas mínimas, comprovadas por cursos de especialização, capacitação e aperfeiçoamento hoje existentes, como o Curso de Suporte avançado de vida em cardiologia (ACLS), Curso de Suporte Avançado de Vida no Trauma (ATLS), Curso de Fundamentos em medicina intensiva (FCCS), Curso de Via aérea difícil (VAD), Curso de Ventilação mecânica (VM), Curso de Suporte do doente neurológico grave, etc., tal como exigem algumas das normas citadas.

A exigência de qualificações especificas também se dá em outras áreas diferentes da Medicina de Emergência e de Medicina Intensiva. Como exemplo podemos citar a Resolução CFM nº 2.173/2017 que define os critérios do diagnóstico de morte encefálica no Brasil. Referida Resolução estabelece no seu artigo 3º:

Art. 3º O exame clínico deve demonstrar de forma inequívoca a existência das seguintes condições:

(...)

§ 1º Serão realizados dois exames clínicos, cada um deles por um médico diferente, especificamente capacitado a realizar esses procedimentos para a determinação de morte encefálica.

§ 2º Serão considerados especificamente capacitados médicos com no mínimo um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma e que tenham acompanhado ou realizado pelo menos dez determinações de ME ou curso de capacitação para determinação em ME, conforme anexo III desta Resolução.

§ 3º Um dos médicos especificamente capacitados deverá ser especialista em uma das seguintes especialidades: medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. Na indisponibilidade de qualquer um dos especialistas anteriormente citados, o procedimento deverá ser concluído por outro médico especificamente capacitado. (grifei)

Importante destacar que a necessidade de capacitação para o diagnóstico de morte encefálica, decorre de exigência estabelecida pelo art. 17, § 3º do Decreto nº 9.175 de 18 de outubro de 2017 (que regulamenta a Lei nº 9.434 de 4 de fevereiro de 1997), que assim estabelece:

§ 3º Os médicos participantes do processo de diagnóstico da morte encefálica deverão estar especificamente capacitados e não poderão ser integrantes das equipes de retirada e transplante. (grifei)

Entretanto, a própria Lei nº 9.175/97 não faz qualquer exigência de capacitação, bastando a condição apenas de “médico”:

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. (grifei)

Desta forma, os exemplos acima citados, mostram qualificações que embora plenamente justificadas e com clara pertinência lógica, não são exigidas por lei em sentido formal, mas por normas infralegais (decretos, portarias ministeriais e resoluções de órgãos colegiados), que correm o risco de ter sua eficácia suspensa judicialmente por não atender o disposto no art. 5º, XIII da Carta Magna.

As condições de vida e trabalho a que boa parte dos profissionais médicos têm se submetido demonstra uma evidente perda do status quo. Remuneração abaixo das expectativas e da média do mercado, redução significativa da clientela particular, redução relativa e absoluta da atividade em consultório, dependência econômico/financeira da atividade liberal à contratos e convênios com sistema empresarial de prestação de serviços, aumento absoluto da jornada de trabalho para garantir a manutenção de um padrão salarial, são algumas evidências que atestam o declínio social do médico. Nesse cenário, o médico que durante muitos anos se dedicou ao exercício de uma determinada especialidade (urologia, dermatologia, neurologia, etc.) se vê na necessidade de procurar outras fontes de renda e volta a ingressar no mercado de trabalho das urgências e emergências em Unidades de Pronto Atendimento e Pronto Socorro, sem contar evidentemente com conhecimentos e habilidades atualizadas para tanto, amparados na ampla permissão legal de que bastaria apenas o diploma de médico e a inscrição no Conselho Regional de Medicina para o exercício da medicina em qualquer área ou mesmo especialidade. Isso acarreta não apenas uma série de riscos éticos e legais para o médico, mas principalmente para os pacientes graves e com risco de vida, alvos do seu atendimento. O princípio da supremacia do interesse público e as normas constitucionais que protegem a vida e a saúde, assim como aquelas que tornam como dever do Estado sua proteção, obrigam a adoção de medidas de segurança dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Conforme o estudo “Demografia Médica 2018”, que traz dados sobre o número e a distribuição de médicos no Brasil, coordenado pelo professor da Faculdade de Medicina da USP, Mário Scheffer, com o apoio institucional do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), nunca houve um crescimento tão grande da população médica no Brasil num período tão curto de tempo. Em pouco menos de cinco décadas, o total de médicos aumentou num ritmo três vezes maior do que o de brasileiros. No entanto, esse salto não trouxe os benefícios que a sociedade espera. A pesquisa mostrou uma grande concentração de profissionais nas regiões mais desenvolvidas, nas capitais e no litoral. Por exemplo, o Sudeste é a região com maior razão de médicos por 1.000 habitantes (2,81) contra 1,16, no Norte, e 1,41, no Nordeste. Somente o Estado de São Paulo concentra 21,7% da população e 28% do total de médicos do País. Por sua vez, o Distrito Federal tem a razão mais alta, com 4,35 médicos por mil habitantes, seguido pelo Rio de Janeiro, com 3,55. Na outra ponta estão Estados do Norte e Nordeste. O Maranhão mantém a menor razão entre as unidades federativas, com 0,87 médico por mil habitantes, seguido pelo Pará, com razão de 0,97[12]. Em relação à quantidade de médicos nos 27 estados e nas cinco regiões do Brasil, foi reforçada a tendência já observada nas outras três edições da pesquisa: há desigualdades na distribuição de profissionais em todo país. No Brasil, considerando uma população de mais de 200 milhões de habitantes, a média é de 2,18 médicos para cada 1.000 pessoas, mas há capitais em que a proporção é de mais de 10 profissionais para a mesma população e regiões em que não há sequer um médico para atender o mesmo número de habitantes. O número de vagas ociosas na residência médica também é alarmante. São 58.077 vagas autorizadas pela CNMR e apenas 35.178 delas são preenchidas. Cerca de 40% das vagas não são ocupadas. Os motivos variam entre a falta de financiamento de bolsas, a infraestrutura insuficiente, a ausência de médicos orientadores e a desistência de residentes do primeiro ano[13].

Na opinião do Presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Dr. Lincoln Ferreira[14]:

“formar médicos custa caro. Formar maus médicos custa muito mais caro. E por um longo período. Médicos malformados são mais inseguros, solicitam exames desnecessários, não utilizam os tratamentos apropriados, não seguem os protocolos corretos, aumentando o tempo de internação dos pacientes e de intervenção médica sem real necessidade. Sobrecarregam o sistema de saúde, principalmente o público, que carece de mecanismos de gestão, precarizam a prevenção dos agravos e, pior, colocam em risco a vida dos brasileiros”.

A proliferação de estabelecimentos de ensino privados, sem um controle rigoroso, compromete a qualidade do ensino dos jovens estudantes, configurando-se como um risco à formação dos novos médicos. A abertura sem precedentes no número de cursos e escolas médicas levou ao aumento no tamanho da população médica, que, no entanto, carece de políticas públicas que estimulem a migração e a fixação de profissionais em áreas do interior e menos desenvolvidas. O crescimento do número de escolas médicas não tem sido acompanhado da ampliação do número de hospitais-escolas para o exercício prático do aprendizado e nem de vagas nas Residências Médicas.

Atualmente, estima-se que o Brasil conta com 341 escolas médicas. Nesse quesito, fica atrás apenas da Índia, que tem mais 1 bilhão de habitantes, e a frente de países como a China, Estados Unidos, indonésia e Paquistão – todos mais populosos. Desde 2011 passaram a funcionar 162 cursos de medicina, sendo 116 (71%) privados. No total, 42 dessas instituições estão em municípios com menos de 100 mil habitantes, com infraestrutura precária para o ensino médico (com déficit de leitos de internação, de equipes de saúde da família e sem hospitais adequados à formação dos profissionais).[15] Pelo quadro atual, em pouco tempo, o país ultrapassará a marca de 500 mil médicos em atividade, com média de 2,5 médicos por mil habitantes, índice próximo ao de nações como Japão e Canadá[16].

Após diversas manifestações públicas do Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e de outras instituições da área médica contra a abertura indiscriminada de escolas de Medicina, foi assinada a Portaria CNE/CES Nº 328, de 05 de abril de 2018 que impede a criação de novos cursos de Medicina no país, pertencentes ao sistema federal de ensino superior, durante cinco anos. A moratória é resultado de um esforço que visa a boa formação médica e o atendimento de excelência à população. Entretanto, o Ministério de Educação (MEC) vem sinalizando a intenção de revogar a Portaria CNE/CES nº 328/2018 e permitir novamente a abertura de escolas médicas[17].

Agrava-se a situação com a vinda de médicos formados no exterior, principalmente em faculdades das fronteiras de Bolívia e Paraguai que não contam com estrutura acadêmica e hospitais de treinamento que garantam uma adequada formação profissional. Tais profissionais devem se submeter, por lei, a um processo de revalidação do diploma de médico obtido no exterior.


II. DO LIVRE EXERCÍCIO DA MEDICINA

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, no seu artigo 5º, inciso XIII estabelece que:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (grifei)

O DECRETO Nº 20.931 DE 11 DE JANEIRO DE 1932 (Revogado pelo Decreto nº 99.678, de 1990 e Revigorado pelo Decreto de 12 de julho de 1991) estabelece:

Art. 1º O exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeiro ficam sujeito à fiscalização na forma deste decreto.

Art. 2º Só é permitido o exercício das profissões enumeradas no art. 1.°, em qualquer ponto do território nacional, a quem se achar habilitado nelas de acordo com as leis federais e tiver título registrado na forma do art. 5º deste decreto.

Art. 5º É obrigatório o registro do diploma dos médicos e demais profissionais a que se refere o art. 4.º, no Departamento Nacional de Saúde Pública e na repartição sanitária estadual competente. (grifei)    

A LEI FEDERAL No 3.268, DE 30 DE SETEMBRO DE 1957 (Dispõe sobre os Conselhos de Medicina, e dá outras providências) determina que:

Art . 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

Art . 18. Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será entregue uma carteira profissional que os habilitará ao exercício da medicina em todo o País. (grifei)

Da legislação supracitada, claramente se desprende que para exercer legalmente a medicina há que cumprir com as seguintes exigências legais (qualificações legais):

1.- Possuir Diploma conferido por Faculdade de Medicina oficial ou reconhecida no país ou revalidado conforme a legislação em vigor.

2.- Registro do Diploma de Médico no MEC.

3.- Registro (inscrição) no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde exercerá a medicina

Numa interpretação ampla do disposto no artigo 17 da Lei 3268/57, infere-se que os médicos podem exercer legalmente a medicina de forma ampla, em qualquer de seus ramos ou especialidades após cumpridas as exigências legais acima citadas. Isto poque a formação do médico na faculdade lhe fornece uma série de conhecimentos básicos nos diferentes ramos ou especialidades da medicina (cardiologia, pneumologia, dermatologia, neurologia, nefrologia, etc). Ainda, com treinamento especializado o médico poderia adquirir conhecimentos avançados e experiencia para a prática de atos médicos mais complexos relativos a cada ramo da medicina. Neste entendimento amplo do disposto no art. 17 supramencionado, o termo “especialidade” há que se entender como o ramo da medicina para a qual o médico adquire conhecimentos básicos, podendo entanto, aperfeiçoar tais conhecimentos através de cursos de especialização. Neste caso, em sentido amplo, especialidade refere-se à ciência médica para cujo exercício basta ser detentor do título de médico devidamente registrado no MEC e no Conselho Regional de Medicina correspondente e seu exercício faz parte do exercício da profissão da medicina em geral.

A desnecessidade de título de especialista para exercer a medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades é entendimento já sedimentado pelo próprio Conselho Federal de Medicina (CFM):

Parecer CFM n. 08/1996: “Nenhum especialista possui exclusividade na realização de qualquer ato médico. O título de especialista é apenas um presuntivo de ‘plus’ de conhecimento em uma determinada área da ciência médica”.

Parecer CFM n. 17/2004: “Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em sua plenitude nas mais diversas áreas, desde que se responsabilize por seus atos (…).”

Parecer CFM n. 21/2010: “O médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos; no entanto, só é lícito o anúncio de especialidade médica àquele que registrou seu título de especialista no Conselho.”

Parecer CFM n. 06/2016: “O médico regularmente inscrito no CRM está legalmente autorizado para exercer a medicina em sua plenitude, assumindo a responsabilidade dos atos médicos que pratica.”

Parecer CFM n. 09/2016: “O médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) da jurisdição na qual atua está apto a exercer a profissão em toda sua plenitude, sendo impedido apenas de anunciar especialidade sem o registro do respectivo título no CRM.”


III. DO EXERCICIO DA FUNÇÃO OU CARGO DE ESPECIALIDADE

A Lei nº 6.932/1981 (Dispõe sobre as atividades do médico residente e dá outras providencias), criou uma modalidade diferenciada de curso ou programa de pós-graduação, denominada de Residência Médica, destinada exclusivamente a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caraterizada por treinamento em serviço. A própria Lei estabeleceu que a Residência Médica constitui modalidade de certificação de Especialidades Médicas no Brasil, conferindo a seus habilitados o Título de Especialista na especialidade cursada, vedando o uso da expressão Residência Médica para designar qualquer programa de treinamento médico não aprovado pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).

Em 2015 com a publicação do Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015, para fins da regulamentação da formação do Cadastro Nacional de Especialistas, criou-se a  Comissão Mista de Especialidades (CME) composta por representantes da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB),  com atribuição de definir, por consenso, as especialidades médicas no País assim como as áreas de atuação. Desta forma se deu à CME, competência legal para definir as especialidades médicas existentes no Brasil. Ainda pela mesma Lei e Decreto supracitados, o título de especialista em determinada especialidade também pode ser concedido pelas sociedades de especialidades, por meio da AMB. Assim, legalmente o título de especialista em medicina, é apenas aquele obtido através dos Programas de Residência Médica ou concedido pelas sociedades de especialidades, através da AMB, após aprovar o respectivo exame de título. Nesse sentido, por exemplo, o cardiologista é o verdadeiro especialista em cardiologia, detentor da especialidade de cardiologia e que possui título de especialista em cardiologia. Quem fez curso de especialização lato sensu em cardiologia, não se deveria intitular “especialista em cardiologia”, mas apenas “pós-graduado lato sensu em cardiologia”.

Inicialmente cumpre salientar que remonta à década de 40 - mais precisamente a 1944 - o início de funcionamento, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, dos primeiros programas brasileiros de Residência Médica (RM) no Brasil, nas áreas de Cirurgia, Clínica Médica e no Serviço de Fisio-Biologia Aplicada. O Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro inicia, em 1948, o seu programa de RM. Até a década de 60, os programas de Residência se concentravam basicamente nos hospitais públicos tradicionais e nos hospitais universitários públicos. Entretanto, já no final dos anos 50, a repercussão na medicina do desenvolvimento tecnológico e científico, as pressões das indústrias de medicamentos e equipamentos sobre a organização do trabalho médico e os movimentos em favor da criação de novas escolas e do aumento de vagas para Medicina nas universidades impulsionam a multiplicação dos programas de Residência pelo Brasil, fundamentando a tendência da formação especializada. Foi o Decreto presidencial nº 80.281, de 5 de setembro de 1977 (Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências), que inicialmente formalizou a institucionalização do Programa de Residência Médica (RM) e cria a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), para regulamentar essa modalidade de ensino no país, definiu a residência médica como “modalidade do ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, em regime de dedicação exclusiva, funcionando em Instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”. Entretanto, o advento da Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981 (Dispõe sobre as atividades do médico residente e dá outras providências), redefiniu a Residência Médica como “modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”. Como visto, a lei excluiu a exigência de dedicação exclusiva e ainda estabeleceu uma série de direitos para o médico residente.

Desde 1996, o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB), e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), decidiram adotar condutas comuns relativas à criação e reconhecimento de especialidades médicas no país. À época, as três entidades, além de números distintos, apresentavam também diferença entre as especialidades reconhecidas. Enquanto a AMB reconhecia 56 especialidades, o CFM listava 66 e a CNRM 35. Decidiram unificar as especialidades, sentindo necessidade de promover a equidade entre as especialidades médicas nacionais, a fim de regulamentá-las e normalizá-las. Para tanto, as 3 entidades, firmaram um acordo formando a Comissão Mista de Especialidades (CME). O trabalho inicial, de harmonizar as especialidades reconhecidas pelas três entidades, acabou sendo interrompido em 1998 pela falta de uma diretriz que garantisse normas específicas a serem seguidas pelas entidades envolvidas. Em 2000, o processo foi retomado com o estabelecimento de um protocolo de intenções, que previa a realização de algumas metas no período de um ano: apresentação de um relatório consensual entre as entidades e factível de ser aplicado; transformação da Comissão em um órgão permanente, mantendo assim sua capacidade de regulamentar novas especialidades e áreas de atuação, inclusive as já aprovadas. O relatório final da Comissão Mista de Especialidades contemplou 50 especialidades e 64 áreas de atuação que, a partir de abril de 2002, passaram a ser reconhecidas pelas três entidades. Em 11.04.2002, firma-se o convênio que entre si celebraram o CFM, a AMB e a CNRM/MEC, para estabelecer critérios para o reconhecimento e denominação de especialidades e áreas de atuação na medicina, e forma de concessão e registro de títulos. No convênio assinado estabeleceram-se as competências precípuas de cada entidade. Ainda se criou formalmente (ainda que por convenio entre as partes) a Comissão Mista de Especialidades (CME) com atribuição de definir os critérios para criação e reconhecimento de especialidades e áreas de atuação médica, estabelecendo requisitos técnicos e atendendo a demandas sociais. O efeito prático do convênio firmado foi que a partir dessa data o reconhecimento de uma determinada especialidade ou área de atuação passava a ser função exclusiva da Comissão Mista, não sendo mais prerrogativa isolada da AMB, CFM ou CNRM. A Comissão Mista, de acordo com o convênio, passou a ter caráter permanente, e por isso continua se reunindo periodicamente e atualizando a lista de especialidade e áreas de atuação reconhecidas. Na mesma data 11.04.2002 a Plenária do CFM aprova a Resolução nº 1634/2002, que aprova por sua vez o Convênio firmado entre o Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira e a Comissão Nacional de Residência Médica, vedando ao médico à divulgação de especialidade ou área e atuação que não for reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina ou pela Comissão Mista de Especialidades e cuja certificação não seja registrada no respectivo Conselho Regional de Medicina. Em 14.05.2002 a CNRM aprova 3 Resoluções (001/002/003 de 2002), dispondo respectivamente, sobre os critérios básicos para credenciamento de programas de Residência Médica, sobre uma nova composição e novas funções as Comissões Estaduais de Residência Médica e sobre a unificação da data de início dos programas de Residência Médica. A exemplo da plenária do CFM, a diretoria Plena e o Conselho de Deliberativo da AMB, reunidos em dezembro de 2002, em São Paulo, aprovaram, com apenas uma abstenção, o relatório final apresentado pela Comissão Mista[18].

No Anexo I da Resolução CFM nº 1634/2002 (modificada ao longo do tempo por sucessivas Resoluções do CFM) encontramos as seguintes definições:

Especialidade: Núcleo de organização do trabalho médico que aprofunda verticalmente a abordagem teórica e prática de seguimentos da dimensão bio-psicossocial do indivíduo e da coletividade.

Área de atuação: Modalidade de organização do trabalho médico, exercida por profissionais capacitados para exercer ações médicas específicas, sendo derivada e relacionada com uma ou mais especialidades. (grifei)

No mesmo Anexo, foram também listadas as Especialidades e Áreas de Atuação reconhecidas à época, que foram sendo atualizadas ao longo do tempo por meio de Resoluções posteriores. Desde o início restou claro que Especialidade e Área de Atuação eram modalidades diferentes formação, embora relacionadas; sendo as Áreas de Atuação consideradas modalidades especificas vinculadas a uma ou mais especialidades. Ainda, restava claro que Especialidade Médica conferia título de especialista, enquanto Área de Atuação certificado de área de atuação.

A Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013 (Institui o Programa Mais Médicos) fez alterações à Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, acrescentando mediante novos dispositivos, que a Residência Médica constituía modalidade de certificação das especialidades médicas no Brasil, que certificações de especialidades médicas concedidas pelos Programas de Residência Médica ou pelas associações médicas deveriam se submeter às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Criou ainda o Cadastro Nacional de Especialistas, regulamentado pelo Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015. Este Decreto, criou legalmente à Comissão Mista de Especialidades (CME), dando-lhe competência para definir, por consenso, as especialidades médicas no País assim como as áreas de atuação. Assim, com base no disposto no Decreto nº 8.516/2015, a Comissão Mista de Especialidade (CME) publicou a  Portaria CME nº 01/2016, homologada pela Resolução CFM nº 2148/2016, regulamentando o funcionamento da Comissão Mista de Especialidades (CME), composta pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) e disciplinando o reconhecimento e o registro das especialidades médicas e respectivas áreas de atuação no âmbito dos Conselhos de Medicina.

No art. 1º da Portaria CME nº 01/2016, se reproduz a definição de Especialidade e Área de Atuação:

            Art. 1º....

§ 1ºEspecialidade: Núcleo de organização do trabalho médico que aprofunda verticalmente a abordagem teórica e prática de seguimentos da dimensão bio-psicossocial do indivíduo e da coletividade.

§ 2ºÁrea de atuação: Modalidade de organização do trabalho médico, exercida por profissionais capacitados para exercer ações médicas específicas, sendo derivada e relacionada com uma ou mais especialidades. (grifei)

Nessa esteira, a CME definiu os critérios específicos que definem especialidade e área de atuação, especialmente quanto ao tempo de duração de cada programa.

Assim, conforme a legislação em vigor, é a Lei nº 6.932, de 7 de julho de 1981, alterada pela Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013 e o Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015 que dão sustento legal à formação de especialista e de especialidades no Brasil.

LEI Nº 6.932, DE 7 DE JULHO DE 1981 (Lei da Residência Médica):

- Residência Médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização.

Art. 1º - A Residência Médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional.

- Somente designa-se “Residência Médica” os Programas aprovados pela CNRM:

                               Art. 1º -(...)

§ 2º - É vedado o uso da expressão residência médica para designar qualquer programa de treinamento médico que não tenha sido aprovado pela Comissão Nacional de Residência Médica.

- Residência Médica é modalidade de Certificação de Especialidade Médica (mas não de Área de Atuação).

§ 3o A Residência Médica constitui modalidade de certificação das especialidades médicas no Brasil. (Incluído pela Lei nº 12.871, de 2013) (grifei).

- Somente os Programas de Residência Médica e as Associações Médicas, podem conceder Certificações de Especialidades Médicas.

§ 4o As certificações de especialidades médicas concedidas pelos Programas de Residência Médica ou pelas associações médicas submetem-se às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). (Incluído pela Lei nº 12.871, de 2013)        (Regulamento) (Regulamento)

- A certificação de especialidade concedida pelo Programa de Residência Médica, confere o Título de Especialista:

Art. 6º - Os programas de Residência Médica credenciados na forma desta Lei conferirão títulos de especialistas em favor dos médicos residentes neles habilitados, os quais constituirão comprovante hábil para fins legais junto ao sistema federal de ensino e ao Conselho Federal de Medicina. (grifei)

DECRETO Nº 8.516, DE 10 DE SETEMBRO DE 2015:

As certificações concedidas pelas Associações Médicas, são dadas pelas Sociedades de Especialidades, por meio da Associação Médica Brasileira e também conferem Título de Especialista:

Art. 2º...

Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, o título de especialista de que tratam os § 3º e § 4º do art. 1º da Lei nº 6.932, de 1981, é aquele concedido pelas sociedades de especialidades, por meio da Associação Médica Brasileira - AMB, ou pelos programas de residência médica credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica - CNRM.(grifei)

Em medicina, como em qualquer outra profissão, existem também os cursos e programas de pós-graduação, instituídos pelo art. 44 da Lei nº 9.394/1996 (Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional), e regulamentados por normas especificas do Ministério de Educação (Resoluções CNE/CES). Nesse escopo temos os cursos lato sensu (denominados cursos ou programas de especialização), stricto sensu (denominados de cursos ou programas de mestrado e doutorado), aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação de medicina e que atendam às exigências das instituições de ensino. Estes cursos ou programas excluem os Programas de Residência Médica, não equivalem a certificados de especialidade e não conferem títulos de especialistas. Diferentemente, os cursos de especialização lato sensu concedem certificados de conclusão de curso de especialização e conferem títulos de pós-graduação lato sensu; já os cursos strictu sensu concedem diplomas e conferem títulos de mestre/doutor. Veja-se:

RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 1 DE 06 DE ABRIL DE 2018 (Estabelece diretrizes e normas para a oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu denominados cursos de especialização, no âmbito do Sistema Federal de Educação Superior, conforme prevê o Art. 39, § 3º, da Lei nº 9.394/1996, e dá outras providências):

Art. 1º Cursos de pós-graduação lato sensu denominados cursos de especialização são programas de nível superior, de educação continuada, com os objetivos de complementar a formação acadêmica, atualizar, incorporar competências técnicas e desenvolver novos perfis profissionais, com vistas ao aprimoramento da atuação no mundo do trabalho e ao atendimento de demandas por profissionais tecnicamente mais qualificados para o setor público, as empresas e as organizações do terceiro setor, tendo em vista o desenvolvimento do país.

Art. 8º Os certificados de conclusão de cursos de especialização devem ser acompanhados dos respectivos históricos escolares, nos quais devem constar, obrigatória e explicitamente:

(...)

§ 3º Os certificados previstos neste artigo, observados os dispositivos desta Resolução, terão validade nacional.

§ 4º Os certificados obtidos em cursos de especialização não equivalem a certificados de especialidade.

Art. 15. Excluem-se desta Resolução:

I - os programas de residência médica ou congêneres, em qualquer área profissional da saúde; (grifei)

RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 7 DE 11 DE DEZEMBRO DE 2017 (Estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu).

Art. 1º Constituem programas institucionais de pós-graduação stricto sensu os cursos de mestrado e doutorado regulares, pertencentes ao Sistema Nacional de Pós-Graduação, avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), submetidos à deliberação pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) e homologados pelo Ministro da Educação.

Art. 8º (...)

§ 2º Os diplomas de cursos de mestrado e doutorado regulares terão validade nacional.

Art. 10 Aos cursos de doutorado regulares é admitido, excepcionalmente, conceder título de doutor mediante defesa direta de tese. (grifei)

Desta feita, o disposto no artigo 17 da Lei 3268/57, no tocante à especialidade, no escopo da Lei nº 6.932/81 e do Decreto nº 8.516/2015, deve ser interpretado de forma diferente. Neste caso, especialidade se refere àquela cuja certificação é concedida apenas pelos Programas de Residência Médica e pelas Associações Médicas, e que somente poderá ser anunciada ou divulgada por quem detém o correspondente título de especialista, em obediência às seguintes normas:

DECRETO Nº 20.931 DE 11 DE JANEIRO DE 1932

Art. 15 São deveres dos médicos:

(...)

f) mencionar em seus anúncios somente os títulos científicos e a especialidade.

DECRETO-LEI Nº 4.113, DE 14 DE FEVEREIRO DE 1942 (Regula a propaganda de médicos, cirurgiões, dentistas, parteiras, massagistas, enfermeiros, de casas de saúde e de estabelecimentos congêneres, e a de preparados farmacêuticos).

Art. 1º É proibido aos médicos anunciar:

(...)

III - exercício de mais de duas especialidades, sendo facultada a enumeração de doenças, órgãos ou sistemas compreendidos na especialização;

(...)

V - especialidade ainda não admitida pelo ensino médico, ou que não tenha tido a sanção das sociedades médicas;

(...)

§ 2º Não se compreende nas proibições deste artigo anunciar o médico ou o cirurgião dentista seus títulos científicos, o preço da consulta, referências genéricas à aparelhagem (raio X, rádio, aparelhos de eletricidade médica, de fisioterapia e outros semelhantes) ; ou divulgar, pela imprensa ou pelo rádio, conselhos de higiene e assuntos de medicina ou de ordem doutrinária, sem caráter de terapêutica individual.

A LEI FEDERAL No 3.268, DE 30 DE SETEMBRO DE 1957

Art. 20. Todo aquele que mediante anúncios, placas, cartões ou outros meios quaisquer, se propuser ao exercício da medicina, em qualquer dos ramos ou especialidades, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado.

Recentemente em agosto de 2019, a Justiça Federal manteve proibição de divulgar pós-graduação lato sensu como se fosse título de especialista. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu efeitos de decisão liminar concedida à Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação, retirando-lhe a possibilidade de divulgar e anunciar titulações lato sensu na área da medicina, conforme pretendido em ação movida na Justiça contra o Conselho Federal de Medicina (CFM). Com isso, ficaram mantidas as regras previstas na Resolução CFM nº 1.974/2011. Essa Resolução, em seu artigo 3º, veda ao profissional o anúncio de pós-graduação realizada para a capacitação pedagógica em especialidades médicas e suas áreas de atuação, mesmo que em instituições oficiais ou por estas credenciadas, exceto quando estiver relacionado à especialidade e área de atuação registrada no Conselho de Medicina. Essa vedação está amparada no Código de Ética Médica que estabelece a proibição de anunciar títulos científicos que o médico não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM). No entendimento do CFM, o portador de títulos de pós-graduação lato sensu ao anunciá-los induz o paciente à confusão, fazendo-o acreditar que ele é um especialista. Para o CFM, conforme estabelece a legislação em vigor, podem ser considerados detentores de título de especialidade médica apenas aqueles que concluíram Programa de Residência Médica ou que foram aprovados em exames de títulos realizados por sociedades de especialidade. O desembargador Novély Vilanova da Silva Reis, relator da decisão, anunciada no dia 16.08.2019, reiterou que, ao contrário do que é questionado pela Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-graduação, o CFM tem competência legal para dispor sobre “ética médica”, caso em que essa autarquia federal pode definir preceitos e vedações a que os médicos estão sujeitos. “O CFM apenas editou a Resolução 1974/2011, que é um ato normativo, geral e abstrato, assim insuscetível de lesar direito. O ato que lesaria direito subjetivo seria a eventual penalidade aplicada pelos Conselhos Regionais de Medicina (autarquia federal com personalidade jurídica do CFM) a quem compete cumprir esse ato”, alertou o desembargador em sua decisão, que suspende todos os efeitos da liminar concedida anteriormente (TRF-1, AI nº 1026859-07-2019.4.01.0000; Processo Referência nº 1018010-31.2019.4.01.3400).


IV. DO CONFLITOS JUDICIAIS PELA EXIGENCIA DE QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS

O inciso XIII do artigo 5° da Constituição Federal é de norma de aplicação imediata e de eficácia contida, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF):

O art. 5º, XIII, da Constituição da República é norma de aplicação imediata e eficácia contida que pode ser restringida pela legislação infraconstitucional. Inexistindo lei regulamentando o exercício da atividade profissional dos substituídos, é livre o seu exercício. [MI 6.113 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22-5-2014, P, DJE de 13-6-2014.]

Desta forma, se não existisse uma norma legal infraconstitucional não teríamos nenhuma limitação para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. A necessidade de impor limitações ao exercício de algum trabalho, ofício ou profissão em particular, como no caso da medicina, mediante exigência de qualificações técnicas mínimas, justifica-se pelo risco que esse exercício possa vir a causar danos a terceiros.

O próprio Colendo Supremo Tribunal Federal assim recentemente assim exarou entendimento:

O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX, da CF).

As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. [ADPF 183, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 27-9-2019, P, DJE de 18-11-2019.] (grifei)

Da ADPF supracitada, mister salientar parte do Parecer da Procuradoria Geral da República:

Argumenta-se também que, segundo o inciso XIII do art. 5º da Constituição, o exercício de determinado ofício ou profissão somente poderia ser legitimamente limitado quando o risco de dano social dele decorrente for de tal ordem que justifique a exigência de qualificações técnicas mínimas, tal como ocorre com a medicina ou a engenharia. No caso da música, porém, não haveria qualquer risco social que pudesse justificar a restrição ao seu exercício a título profissional. (grifei)

O Senado Federal também se manifestou pela procedência do pedido da arguição, ponderando que:

(...) a restrição da atividade profissional de músico implicaria afronta (i) à liberdade de expressão artística, que remeteria, em última instância, às liberdades de opinião e de pensamento, e só encontraria restrições segundo as hipóteses do art. 220, § 3º, da CF; e (ii) também à liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, uma vez que, como ela estaria intimamente vinculada ao princípio da dignidade humana, a restrição ao exercício de uma profissão somente será legítima se relacionada a condições de capacidade, ou seja, à necessidade de conhecimentos técnicos específicos e indispensáveis ao seu exercício seguro e satisfatório. (grifei)

Entretanto, as exigências que devem limitar em determinados casos o exercício profissional, devem estar previstas em lei em sentido formal, conforme estabelece o art. 5º, XIII da CF.

Em 15 de setembro de 2014, uma decisão da Justiça Federal do DF (TRF-1), em sede de Mandado de Segurança Individual (Processo nº 40206-85.2014.4.01.3400), em que a impetrante insurge-se contra a obrigatoriedade da titulação em especialidade médica registrada no CRM para o exercício da função de Diretor Técnico/Clínico exigida com base na determinação da Resolução CFM nº 2007/2013, julgou procedente o pedido, concedendo a segurança pleiteada, a fim de determinar à autoridade impetrada que forneça à impetrante a autorização para que o cargo de diretor técnico/clínico possa ser exercido por seu sócio proprietário, independente da comprovação de especialização médica, devendo, entretanto, cumprir todas as demais exigências.

Na decisão, o douto juiz sentenciante adota Parecer do MPF como fundamento da sentença:

“(...)

A controvérsia posta em juízo versa acerca da pretensa impossibilidade de fixação, por vias infralegais (in casu, Resolução n° 2007/2013/CFM), da necessidade de titulação de especialização médica, para a ocupação de cargo de direção e de chefia de pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos.

Sabe-se que o livre de exercício de profissão compõe o rol das liberdades públicas constitucionais e, conforme redação do inciso XIII do artigo 5° do texto constitucional, admite conformações designadas pelo legislador ordinário. Inexistem, no entanto, referências à delegação direta à autoridade administrativa, da incumbência de edição de regramentos limitadores do exercício da medicina. Dessa feita, recorre-se, portanto, à lei 3268/57 para o deslinde da controvérsia posta a julgamento.

O artigo 17 da lei supracitada enuncia que "os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade". A interpretação literal do dispositivo aponta para possibilidade de exercício da medicina, em qualquer de suas especialidades, desde que validamente diplomados e inscritos nos correspondentes Conselhos Regionais. Efetivamente, a titulação de especialista não é condição para o exercício legal da atividade médica e, por via de consequência, não pode ser imposta, por ato normativo infralegal, a esse fim.

O enunciado supramencionado não impõe, ao exercício da medicina, qualquer requisito que exceda a diplomação do interessado e sua inscrição na entidade de fiscalização. Ademais, urge salientar que o mesmo dispositivo não autoriza a intervenção na autonomia organizacional de pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços médicos -como chancelado pelo ato normativo combatido, o que, ao fim e ao cabo, finda por obstaculizar o exercício da medicina.

Ademais, de relevar-se o despropósito e a desproporcionalidade da condicionante em julgamento. É que se exige, para a assunção de cargos diretivos em pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, especialidade médica, independente de sua espécie ou de seu ramo, aludindo-se unicamente ao seu reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como pressuposto de aceitação.

No caso, o Conselho referido não exige especialidade médica para a prática da medicina, mas o exige para a assunção de cargo administrativo em clínica médica (!). E tal, sem qualquer suporte legal.

De ver-se, então, que o administrador, sob a pretensão de exercício do poder normativo, atuou de modo a criar regras e a inovar no ordenamento, à revelia, por óbvio, de manifestação do legislador ordinário. Fê-lo, ainda, insta reiterar, de forma desproporcional, uma vez que a condição fixada, por sua genericidade, em nada se adéqua aos fins pretensamente colimados. isto posto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-se pela concessão da segurança. “(grifos originais)

O processo ainda tramita no TRF-1 em sede de recurso de apelação, aguardando o voto do Relator.

Mais recentemente, em 18.04.2018, Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3), em recurso de Apelação Cível nº 0000004-62.2016.4.03.6109/SP, contra decisão da Justiça Federal de Piracicaba – SP em sede de Mandado de Segurança Individual, entendeu que a Resolução nº 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina não poderia estabelecer a necessidade de titulação de especialização médica para ocupação de função de Diretor Técnico/Clínico. A norma do Conselho Federal de Medicina estabelece a exigência de título de especialista para ocupar o cargo de diretor técnico, supervisor, coordenador, chefe ou responsável médico dos serviços assistenciais especializados, o que inclui os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMTs). Segue parte da ementa do acordão abaixo:

"EMENTA DO ACÓRDÃO: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO Nº 2007/2013 DO CFM. EXIGÊNCIA DE TITULAÇÃO DE ESPECIALIZAÇÃO MÉDICA PARA OCUPAÇÃO DE FUNÇÃO DE DIRETOR TÉCNICO/CLÍNICO. IMPOSSIBILIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (…)

IV – No mérito, pertine salientar que o cerne da questão consiste em verificar se a Resolução nº 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina poderia estabelecer a necessidade de titulação de especialização médica para ocupação de função de Diretor Técnico/Clínico. Pela Resolução do CFM n. 2007/2013: o título de especialista é obrigatório para ocupar cargo de diretor técnico de serviços médicos de uma única especialidade. No entanto, a Lei 3.268/1957 afirma em seu art. 17 que “os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.”

V- Trata-se da chamada “permissão legal” que os médicos possuem para o exercício da medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades. No mesmo sentido, assim já se posicionou o próprio CFM em diversas oportunidades.

VI – Se a Lei 3.268/1957 e o próprio CFM entendem que qualquer médico devidamente registrado em seu CRM está apto para o exercício da medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades, não há razão para proibi-lo do exercício da direção técnica. A competência de alterar uma lei é do poder legislativo, e não dos conselhos profissionais. O art. 17 da Lei 3268/57, dispõe que qualquer médico (ainda que não tenha título de especialista) poder ser um diretor técnico de um serviço médico.

VII – Quando a resolução afronta a lei não há como considerá-la, uma vez que é uma norma inferior (resolução) querendo contrariar uma norma superior (lei).”

A decisão colegiada do TRF-3, veio confirmar decisão de primeira instancia que em sede de liminar de liminar de fevereiro de 2016 (confirmada em sentença de outubro de 2016) assim se manifestou:

Mandado de Segurança. Processo n. 0000004-62.2016.4.03.6109

[…]

O inciso XII do artigo 5° da Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais exigidas por lei.

Depreende-se do texto constitucional que as limitações ao exercício da medicina devem ser estabelecidas por lei, não existindo possibilidade de delegação direta à autoridade administrativa.

Dispõe o artigo 17 da Lei 3268/57 que: “ Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.”

Por sua vez, o artigo 18 da referida lei prevê que: “Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será entregue uma carteira profissional que os habitará ao exercício da medicina em todo País.”

Infere-se que a titulação de especialista não é condição para o exercício da atividade médica nos termos da lei e, portanto, à resolução do Conselho Federal de Medicina, por se tratar de norma inferior, incumbe apenas explicitá-la e complementá-la.

Nessa linha intelectiva, conclui-se que o administrador não pode criar regras e inovar no ordenamento, devendo cingir-se ao tratado na legislação ordinária vigente.

Posto isto, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR a fim de determinar às autoridades impetradas que autorizem que o cargo de Chefe/Coordenador/Diretor Técnico/Clínico do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho-SESMT ou de qualquer outra Unidade de Saúde do Poder Público Municipal possa ser exercido por um dos médicas regularmente inscritos junto ao Conselho Regional de Medicina, pertencentes à Municipalidade impetrante.

Notifiquem-se as autoridades impetradas para que prestem as informações no prazo legal.

Dê-se ciência ao Conselho Regional de Medicina e Conselho Federal de Medicina.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Piracicaba, 03/02/2016.”

A decisão do TRF-3 foi objeto de Recurso Especial no STJ (RESP nº 1.826.727 – SP, julgado em 10.09.2019) não conhecido, eis que, embora a parte recorrente alegue violação da legislação federal, o deslinde da controvérsia passa pela análise da Resolução 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina. Segundo a decisão prolatada, o STJ já firmou entendimento de que não lhe cabe, na via especial, a análise de contrariedade a ato normativo secundário, tais como Resoluções, Portarias, Regimentos, Instruções Normativas e Circulares, bem como a Súmulas dos Tribunais, por não se equipararem ao conceito de lei federal.

Muito comum, editais de concurso público incluírem exigências de títulos de especialidade e outras qualificações para a posse e o exercício efetivo do cargo, sem, no entanto, haver qualquer previsão destas exigências nas leis complementares das respectivas entidades, o que põe em dúvida a legalidade desta cobrança, chegando o Poder Judiciário a ser provocado através de ações mandamentais ou anulatórias.

Conforme dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:      

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (grifei)

Assim, a exigência de titulação de especialista deveria estar prevista em lei em sentido estrito para que pudesse ser incluído em edital de concurso, pois a própria Constituição Federal garante a todos a acessibilidade aos cargos públicos, desde que preenchidos os requisitos previstos em Lei.

No campo da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento firmado no sentido de que exigências previstas somente em edital de concurso importa em ofensa constitucional. Vejamos:

CONCURSO PÚBLICO. QUALIFICAÇÃO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL

A exigência de especificidade, no âmbito da qualificação, para a feitura de concurso público não contraria o disposto no inciso XIII do art. 5º da CF, desde que prevista em lei e consentânea com os diplomas regedores do exercício profissional. [MS 21.733, rel. min. Marco Aurélio, j. 9-2-1994, P, DJ de 8-4-1994.] (grifei)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA ESPECÍFICA PREVISTA APENAS EM EDITAL: IMPOSSIBILIDADE.

1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que é necessário lei formal para exigência específica para aprovação em concurso público. 2. Existência de fundamento inatacado suficiente, per se, para a manutenção da decisão agravada. Incidência da Súmula STF 283. Precedentes 3. Agravo regimental improvido. (STF, AI 704142 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/09/2010, DJe-200 DIVULG 21-10-2010 PUBLIC 22-10-2010 EMENT VOL-02420-07 PP-01363)

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PROFESSOR NÍVEL 3. PÓS-GRADUAÇÃO. EXIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL.

1. Trata-se de recurso ordinário em que se discute a ilegalidade do Edital nº 002/GDRH/SEAD/2010 ao exigir diploma de pós-graduação em área de tecnologias ou informática, para o cargo de Professor Nível 3 - Multimídias integradas - da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia, uma vez que a lei da educação estadual - Lei Complementar nº 420/2008 - prevê apenas a exigência de diploma em ensino superior.

[...]

4. Comparando-se o texto da Lei Complementar Estadual n° 420/2008 e o edital do certame, verifica-se que a exigência de Pós-Graduação não encontra previsão na legislação estadual, não podendo ser cobrada para a admissão no referido cargo.

5. Recurso ordinário provido. (STJ, RMS 33478/RO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 01/04/2013)

No campo dos Tribunais Regionais, o entendimento não é diferente, a exemplo do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 1ª REGIÃO, in verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APELAÇÃO. CARGO DE ENFERMEIRA - ESPECIALISTA EM CARDIOVASCULAR. NOMEAÇÃO E POSSE. APRESENTAÇÃO DE CERTIFICADO DE RESIDÊNCIA OU CERTIFICADO DE ESPECIALISTA. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. ILEGALIDADE.  1. Aduz a impetrante que dos 06 (seis) candidatos aprovados e classificados para o cargo de Enfermeiro - Especialista em Enfermagem cardiovascular, apenas dois tomaram posse no cargo, pois apresentaram os requisitos exigidos no subitem 2.1 do edital. 

2. Ademais, assevera a apelante que os requisitos constantes do subitem 2.1 do edital foram editados com base na autonomia constitucional das universidades (art. 207 da CF), em razão de necessidade em área específica do Hospital Universitário, para a qual o enfermeiro sem a especialização exigida não está apto.

3. De início, insta ressaltar que não estando prevista em lei, afigura-se indevida a inclusão de exigência de apresentação de comprovante de residência em enfermagem Cardiovascular em instituição credenciada ou título de especialista em enfermagem cardiovascular pela Sociedade Brasileira de Enfermagem Cardiovascular, como condição para o exercício do Cargo de Enfermeiro, mormente quando, in casu, o candidato comprovou que tem curso Superior em Enfermagem. 

4. Note-se que a Constituição Federal determina que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I, da CF).  5. Com efeito, cumpre observar que no Estado de Direito, só quem pode inovar criando direito e impondo obrigação é a lei, em virtude do princípio da legalidade.  6. Apelação não provida. (TRF-1, AMS 0003390-58.2006.4.01.3700 / MA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL AVIO MOZAR JOSE FERRAZ DE NOVAES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.171 de 07/11/2008)

Entretanto, em sentido oposto, também encontramos jurisprudência admitindo a exigência de titulação de especialista para o cargo médico:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO. TÍTULO DE ESPECIALISTA OU RESIDÊNCIA MÉDICA. REQUISITO PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. NÃO-COMPROVAÇÃO.

1. O edital é a lei do concurso, fixando normas garantidoras da isonomia de tratamento e igualdade de condições de ingresso no serviço público.

2. Em concurso para o cargo de Médico da Rede Pública de Saúde, existe pertinência lógica entre as atribuições do cargo pretendido e a exigência de que os candidatos optassem por uma área de especialização em que deveriam ter residência médica ou título de especialista, ambos no campo escolhido.

3. Tendo em vista que o candidato não demonstrou preencher os requisitos exigidos em edital, inviável a posse no cargo de Médico/Medicina Intensiva.

4. Recurso especial provido. (STJ, REsp Nº 1109505 / RJ, Min. JORGE MUSSI, 5ª. Turma, j. 21.05.2009).

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA MÉDICO ESPECIALISTA EM MEDICINA DO TRABALHO. EXIGÊNCIA DE ESPECIALIZAÇÃO NA ÁREA. AUSÊNCIA DE CERTIFICADO. REQUISITO NÃO CUMPRIDO.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado na origem contra atos dos Secretários de Estado de Saúde e de Planejamento e Gestão que negaram a posse a candidato em concurso público na Carreira Médica do Quadro do Distrito Federal, no cargo de Médico do Trabalho, uma vez que não detinha certificado de conclusão de curso de pós-graduação Latu Sensu em Medicina do Trabalho.

2. O item 3.1, letra "f", do Edital nº 03/2010 do concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro reserva para o cargo de médico, ao estabelecer os requisitos básicos para a investidura no cargo, exige "diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso de graduação de nível superior em medicina, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério de Educação, registro no Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Certificado de Residência Médica na especialidade de opção ou Certificado de Curso de Especialização na opção em que concorre".

3. No presente caso, à época da posse, embora o impetrante possuísse o diploma de graduação e o registro no Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, ainda não havia concluído o curso de especialização em Medicina do Trabalho, requisito exigido para a investidura no cargo pretendido. O impetrante exibiu documento emitido pela Sociedade Nacional de Educação, Ciência e Tecnologia de Maringá/PR declarando que ele estava matriculado e cursava a pós-graduação em Medicina do Trabalho, tendo cumprido 84,38% da carga horária total do curso e apresentado o artigo científico exigido para a sua aprovação, conforme as exigências da instituição de ensino, com nota 9,8.

4. A posse do candidato aprovado em concurso público está relacionada ao cumprimento dos requisitos necessários para o exercício do cargo. Portanto, sem a conclusão do curso e a apresentação do respectivo Certificado de conclusão da pós-graduação em Medicina do Trabalho, não se pode afirmar que o impetrante tenha cumprido com todas as exigências necessárias para a obtenção do título de especialista e, consequentemente, que tenha cumprido todos os requisitos previstos no edital do certame para o cargo de Médico da Carreira Médica do Quadro de Pessoal do Distrito Federal, especialidade Médico do Trabalho, não podendo se falar em abuso ou ilegalidade por parte das autoridades coatoras.

5. Recurso ordinário não provido. (STJ, RMS 38857 / DF; Min. MAURO CAMPBELL MARQUES; 2ª. Turma, j. 18.06.2013).

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DISPOSITIVO DA LEI DE LICITAÇÕES. IMPERTINÊNCIA TEMÁTICA. SÚMULA 284/STF. OFENSA AO ART. 30, I E II, DA CF/1988. ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. CARGO DE MÉDICO PERITO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EXIGÊNCIA DE RESIDÊNCIA MÉDICA E/OU TÍTULO DE ESPECIALIZAÇÃO. PREVISÃO EDITALÍCIA. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL E DA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NÃO VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1. Cinge-se a controvérsia à possibilidade da exigência, prevista no edital, de apresentação de certificado de residência médica e/ou título de especialista para posse no cargo de Perito Médico a Previdência Social.

(...)

4. O edital que rege concurso público poderá exigir do candidato formação específica para a área escolhida, porquanto a Administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que respeitada a igualdade entre os concorrentes, devendo selecionar profissionais adequados ao cargo público em questão, atendendo, assim, aos princípios da moralidade, eficiência e interesse público.

5. A exigência de especialidade feita no edital do certame está consentânea com as funções precípuas a serem exercidas pelo perito médico do INSS, com os ditames normativos e constitucionais, bem como com a realidade social.

6. Os concorrentes aceitaram as normas e exigências contidas no edital do certame quando se inscreveram no concurso público, não podendo agora, negada a sua posse por ausência de requisito expressamente exigido, requerer tratamento diferenciado, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.

7. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o edital é a lei do concurso, pois suas regras vinculam tanto a Administração quanto os candidatos. Assim, o procedimento do concurso público fica resguardado pelo princípio da vinculação ao edital.

8. Não demonstração de violação a direito líquido e certo.

9. Recurso Especial parcialmente provido. (STJ, REsp 1384439/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 16/12/2014)

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO - ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA.  EDITAL. OMISSÃO. ESPECIALIZAÇÃO. NECESSIDADE. ART. 17 DA LEI N. 3.268/1957. REQUISITO TÁCITO. LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. Verifica-se, pela leitura do edital do certame, que não se exigia, no ponto 2.1.2 do edital que trata dos requisitos para o concurso, à época da investidura no cargo, a apresentação do título, certidões ou comprovantes de especialidade para a área para qual concorreu o recorrente quando se apresentou este para tomar posse como Médico ortopedista e traumatologista da SES/DF, por ter sido aprovado no processo seletivo. Ocorre que a referida previsão editalícia refere-se ao cargo de "médico", exigindo-se, como requisito para provimento, a graduação em medicina e registro no Conselho de Classe. Porém, ao se referir às vagas especificamente ofertadas, o edital descreve as especialidades médicas a serem providas, sendo certo que a titulação é requisito imperativo para o exercício do cargo.

2. A especialização para a área para qual concorreu no certame trata-se de quesito óbvio, uma vez que a Secretaria de Saúde visava a contratação de especialistas para preencher as vagas ofertadas, pois, de outra forma, não teria feito distinção entre as especialidades e o número de vagas destinadas a cada uma delas, bastando ter colocado "MÉDICO", como já dito pelo Tribunal a quo.

3. O concurso em questão está sendo realizado para contratação de médicos públicos, com especialidade, dentre outras, de médico ortopedista e traumatologista, e o eventual reconhecimento, em juízo, do direito de um médico a exercer tal especialidade não pode ocorrer sem a segurança de que a população será atendida por profissional qualificado. A segurança no atendimento médico, no caso, decorre, consequentemente, de um título que comprove a especialidade exigida.

4. A vasta gama de especialidades médicas existentes e as diversas elencadas no edital do concurso, cada qual com número de vagas respectivo, só reforçam que a omissão editalícia ao descrever os requisitos exigidos (item 2.1.2 do edital), por si só, não assegura qualquer direito líquido e certo de um "médico" concorrer a áreas médicas que exigem especialização determinada, uma vez que as especialidades médicas exigem titulação para o exercício do cargo.

É o que prevê o art 17 da Lei nº 3.268/1957: "Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade".

5. Não é possível a posse de candidato, aprovado em concurso público, no cargo de médico ortopedista e traumatologista, quando não apresentado certificado de conclusão do curso de especialista, residência ou pós-graduação na referida área, visto que a exigência encontra respaldo na Lei 3.268/1957, recepcionada pela Constituição Federal, que atribui ao Conselho Federal de Medicina a função de julgar e disciplinar a classe médica, vinculando o exercício da medicina em seus ramos ou especialidades ao prévio registro dos títulos, diplomas, certificados ou cartas no MEC e da inscrição no conselho profissional, não se havendo falar em violação ao artigo 17 da lei mencionada.

6. Recurso especial não provido. (STJ, REsp Nº 1040039 / DF, Min. REYNALDO     SOARES DA FONSECA, 5ª. Turma, j. 30.06.2015).


V. DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Trata-se, da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. É um princípio implícito e embora não se encontre no texto constitucional, é decorrente das instituições adotadas no Brasil. Estabelece que toda atuação Estatal deve ser pautada pelo interesse público, cuja determinação deve ser extraída da constituição e das leis. Decorre dele a ideia de que, havendo qualquer conflito entre o interesse público e o particular, prevalece o público, sendo respeitado os direitos e garantias individuais expressos na CF, e os que dela são decorrentes.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é inerente a qualquer sociedade, sendo “a própria condição de sua existência” [19]. Deste modo, podemos inferir que o princípio em comento é um pressuposto lógico do convívio social.

Ainda, sua presença, conforme os dizeres de Maria Sylvia Di Pietro, está tanto no momento da elaboração da lei, quanto no momento de sua execução pela Administração Pública. Nas sabias palavras desta ilustre doutrinadora[20]:

“O princípio da supremacia do interesse público, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.”. (grifei)

Para Di Pietro, todas as normas de direito público têm a função específica de resguardar interesses públicos, mesmo que reflexamente protejam direitos individuais[21].Firme na premissa de que a Constituição da República de 1988 está em sintonia com as conquistas do Estado Social, Di Pietro entende que a defesa do interesse público corresponde ao próprio fim estatal. Por essa razão, o ordenamento constitucional contemplaria inúmeras hipóteses em que os direitos individuais cedem diante do interesse público[22].

Deste modo, constatamos que, por força deste princípio, existindo conflito entre interesse público e particular, deverá prevalecer o primeiro; todavia, devem ser respeitados os direitos e garantias individuais expressos ou decorrentes da Constituição. Nesse sentido, sendo o direito a exercício profissional um direito individual (art. 5º, XIII da CF), o mesmo está, como expresso na própria Lei Maior, sujeito às qualificações que a Lei estabelecer. Desta forma, o Poder Legislativo, ao estabelecer, por lei a possibilidade de exigir qualificações técnicas especiais quando assim demandar, estará o fazendo inspirado pelo Princípio da Supremacia do Interesse Público, e estará cumprindo fielmente o que determina a Constituição Federal.


VI. CONCLUSÕES

Considerando o anteriormente exposto, com fulcro no estabelecido na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional existente e, considerando o enorme risco que a saúde da população brasileira corre, diante de uma ausência de uma legislação formal que permita estabelecer exigências de qualificações técnicas mínimas para o correto exercício da medicina no Brasil, além do diploma de médico e da inscrição nos respectivo Conselho Regional de Medicina, urge uma mudança na Lei nº Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências, estabelecendo claramente que:

1. O exercício da medicina em cargos, empregos e funções, anunciados ou divulgados como sendo de especialidade devidamente reconhecida, somente será permitido ao médico detentor do correspondente diploma de especialidade, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

2. Será permitida a exigência de cursos de cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abrangidos pelo art. 44, III da Lei nº 9.394/1996, quando o exercício da medicina em cargos, empregos e funções demandar conhecimentos e habilidades específicos.

3. Será permitida a exigência de diploma de especialidade devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina da jurisdição do local da atividade, para o exercício de cargos ou funções de chefias, supervisão, coordenação e direção de serviços médicos especializados.


Notas

[1] https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=159

[2] Resolução CFM nº 1.666, de 7 de maio de 2003, que nova redação do Anexo II da Resolução CFM nº 1.634/2002.

[3] Resolução CFM nº 2.149 de 22.07.2016 publicada no DOU em 03.08.2016, que homologou a Portaria CME nº 02/2016 que aprova a relação de especialidades e áreas de atuação médicas.

[4] Resolução CFM nº 2.221, de 23 de novembro de 2018, que homologa a Portaria CME nº 1/2018, que atualiza a relação de especialidades e áreas de atuação médicas aprovadas pela Comissão Mista de Especialidades.

[5] Resolução CFM nº 1451 de 10 de março de 1995 [publicada no Diário Oficial da União em 17.03.95 - Seção I - Página 3666]

[6] Segue na Portaria em menção, quadro contendo a lista de matérias com carga horaria, teórica e prática que devem cumprir para habilitação e certificação obrigatória no atendimento das urgências e emergências.

[7] Resolução CFM nº 2.077/14. Dispõe sobre a normatização do funcionamento dos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência, bem como do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho. 

[8] Resolução CFM nº 2.079/14. Dispõe sobre a normatização do funcionamento das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) 24h e congêneres, bem como do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho nessas unidades.

[9] Resolução Cremesp nº 17 de 06 de novembro de 2007. Define a estrutura e funcionamento da Unidades de Terapia Intensiva.

[10] RDC Anvisa nº 07 de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências.

[11] Portaria GM/MS nº 890 de 31 de março de 2017. Institui o cuidado progressivo ao paciente crítico ou grave com os critérios de elegibilidade para admissão e alta, de classificação e de habilitação de leitos de Terapia Intensiva adulto, pediátrico, UCO, queimados e Cuidados Intermediários adulto e pediátrico no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

[12]https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27509:2018-03-21-19-29-36&catid=3

[13]https://digital.hospitalar.com/pt-br/mercado-neg%C3%B3cios/demografia-m%C3%A9dica-2018-veja-os-principais-resultados

[14] https://amb.org.br/noticias/moratoria-na-abertura-de-escolas-medicas-2/

[15]https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28522:2019-11-29-21-20-20&catid=3

[16]https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28295:2019-06-13-22-20-27&catid=3

[17] https://veja.abril.com.br/brasil/mec-estuda-rever-suspensao-para-criacao-de-novos-cursos-de-medicina/

[18] http://www.portalmedico.org.br/jornal/Jornais2002/Com_mista/fr_jornal.htm

[19] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p.99

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

[21] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 68-69.

[22] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da Supremacia do Interesse Público: Sobrevivência diante dos ideais do Neoliberalismo. In: PIETRO, Maria Sylvia Zanella di; RIBEIRO, Carlos Vinicius Alves (coords.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 95-97.


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