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O princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário e o requerimento administrativo do INSS.

A possibilidade de ações previdenciárias com requerimento administrativo diverso

O princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário e o requerimento administrativo do INSS. A possibilidade de ações previdenciárias com requerimento administrativo diverso

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O RE 631240 estabeleceu a necessidade de requerimento administrativo prévio ao INSS como requisito para ajuizamento das ações previdenciárias, não obstante não impõe a necessidade de vinculação do pedido administrativo ao objeto da demanda judicial.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL

Adentrando a discussão sobre a restrição do acesso à justiça em relação à problemática abordada no caso das demandas previdenciárias, é de fundamental importância para esse trabalho que se compreenda toda a lógica de construção normativa da seguridade social como premissa para a compreensão da hipótese levantada, tendo em vista a necessidade de situar a amplitude da natureza jurídica do direito previdenciário atual e esclarecer como essa relação obrigacional se configurou entre os cidadãos e o Estado ao longo do tempo. A exposição do panorama histórico do processo de conjuntura política, social e normativa de formação da ideia de previdência social serve como argumento para se estabelecer uma interpretação sistemática da legislação atual e do que foi definido no RE 631240, no intuito de viabilizar a possibilidade de ajuizamento de ações previdenciárias com requerimento administrativo diverso do estabelecido em processo concessório.

A perspectiva de proteção dos direitos sociais ainda é muito recente em termos normativos, mas foi com a necessidade do homem de agrupar-se para compartilhar os alimentos frutos da caça e pesca ou para defesa desde a pré- história, que já se demonstrava a importância de se instituir formas de proteção, seja na caça e coleta de alimentos, quando muito na estocagem de alimentos para o futuro, é possível notar que muito mais do que pura conjugação de esforços para melhoria das condições de vida ou por instinto de sobrevivência, a preocupação com o bem-estar é inerente ao ser humano, como afirma Fabio Zambitte:

A Seguridade Social não surgiu abruptamente, seja no mundo, seja no Brasil. Ela originou-se na necessidade social de se estabelecer métodos de proteção contra os variados riscos ao ser humano. Em verdade, a elaboração de medidas para reduzir os efeitos das adversidades da vida, como fome, doença, velhice, etc. pode ser considerada como parte da própria teoria evolutiva de Darwin, na parte em que refere à capacidade de adaptação da raça humana para sobreviver. Segundo Ibrahim, “não seria exagero rotular esse comportamento de algo instintivo, já que até os animais têm hábito de guardar alimentos para dias mais difíceis. O que talvez nos separe das demais espécies é o grau de complexidade de nosso sistema protetivo (IBRAHIM, Fábio Zambitte. 2010, p.1).

A seguridade social surgiu inicialmente como um alento para os despossuídos e que de toda sorte não tinham família, sendo acometidos por alguma contingência social (doenças, falta de trabalho e velhice), não contando com a proteção do grupo familiar, ficavam entregues a benevolência alheia, a chamada ajuda aos pobres e necessitados prestada pelos mais ricos, não se sabe se pelo conforto psicológico ou por medo de uma convulsão social, o certo é que essa lógica tornou-se prática religiosa e uma posterior preocupação estatal.

Neste ponto, convém fazer exposição aos primeiros mecanismos de proteção que apresentavam uma característica de organização semelhante ou próxima do que se tem hoje. Na idade média existiam instituições mutualistas, restritas a algumas organizações ou corporações profissionais, como os armadores de navios, que formavam caixas de socorros para a proteção dos seus participantes, mas foi somente no inicio do século XVI, na Inglaterra, com a criação da chamada lei dos pobres é que se pode considerar o surgimento da primeira legislação previdenciária, (Poor Law Act ou Act of the Relief of the Poor), editada pela rainha Isabel I que estabelecia uma contribuição obrigatória arrecadada da sociedade e administrada pela igreja, como meio de manutenção de um sistema de proteção em favor dos necessitados e das pessoas carentes, no tocante as crianças, velhos, inválidos e desempregados, o dinheiro arrecadado entre os que tinham condições de contribuir era destinado a viabilizar a obtenção de empregos para as crianças pobres por meio de formação de aprendizagem de ofícios e aos pobres que não tinham nenhuma formação profissional, bem como para o atendimento dos inválidos em geral.


A SEGUNDA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (PRESTAÇÃO POSITIVA DO ESTADO)

A Revolução Industrial não resultou somente no desenvolvimento de técnicas de produção em grande escala gerando um salto no crescimento econômico no século XIX, mas também intensificou as desigualdades sociais, na medida em que todo esse desenvolvimento ocorreu em detrimento da população pobre, sendo a classe trabalhadora formada por homens, mulheres e crianças, sem qualquer proteção ou regras trabalhistas, eram submetidos a produção de grande escala voltadas para o crescimento econômico e o aumento de riquezas de uma minoria, desencadeando enormes problemas sociais. Nesse cenário social e econômico é que os direitos fundamentais de segunda dimensão se fizeram necessários para viabilizar a proteção da dignidade do ser humano, tendo em vista que os de primeira dimensão tinham como preocupação a liberdade em relação ao poder do Estado, já os de segunda dimensão não visam apenas uma abstenção do Estado e sim uma prestação positiva, conforme afirma Paulo Bonavides:

[…] impõe ao Estado a obrigação de fazer, de prestar, de viabilizar os direitos às classes socioeconomicamente desprovidas de recursos para sua própria promoção e mesmo subsistência, cabendo aos agentes Estatais a função de efetivar tais direitos, buscando criar e aplicar as políticas e serviços públicos aos indivíduos que se encontram a beira de condições mínimas de existência, “mediante intervenções de retificação na ordem social a remover as mais profundas e perturbadoras injustiças sociais. (BONAVIDES, 2013, p. 343).

As ações do Estado exigidas pela população visavam à efetividade das liberdades apontadas na primeira dimensão, consoantes a proteção, qualidade de vida, educação, saúde e igualdade no plano fático, pois sem isso de nada valeria a liberdade se fosse para morrer a míngua.


A PREVIDÊNCIA ENQUANTO RESPONSABILIDADE DO ESTADO

O benefício da previdência social passa a se constituir em um direito público subjetivo do trabalhador com a obrigação compulsória das prestações tomadas pelo poder público, “[...] capaz de não só regular, mas também de impor determinadas obrigações, com a finalidade de amparar as pessoas, tendo por objetivo garantir a todos uma vida com dignidade [...]” (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 48), passou-se a ser exigível a responsabilidade civil do Estado enquanto gestor do sistema, sendo um marco da previdência como conhecemos hoje. Sob essa nova perspectiva de sistema previdenciário de responsabilidade estatal é que se deu o “workmen’s compensation”, criado na Inglaterra em 1897 como o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, gerando para o empregador uma responsabilidade civil objetiva e posteriormente o chamado “old age pensions act” que tinha o condão de conceder pensões aos maiores de 70 anos, independente de custeio, no entanto o ápice da evolução securitária se deu com a divulgação do relatório Beveridge, que previa uma ação concreta do Estado como garantidor do bem-estar social. Os danos sociais causados pela segunda guerra mundial, em todo mundo, foram de proporções catastróficas particularmente na Europa, em razão disso é que o governo composto por uma junção de partidos liderados pelo primeiro ministro conservador Winston Churchill encomendou a formação de uma comissão interministerial, que tinha como objetivo organizar e propor modificações no serviço de seguridade da época, com o intuito de promover um nível aceitável de condição social, além de antever políticas públicas e sociais como mecanismos de estabilidade macroeconômica para a manutenção da ordem social em períodos críticos.

Desenvolvido e organizado pelo economista liberal William Beveridge, com apoio técnico do governo teve ampla participação de entidades privadas e de economistas como John Maynard Keynes, o relatório fez um levantamento dos planos nacionais de seguridade e os comparou com os modelos adotados em cerca de trinta países, constatando-se um atraso da Grã-Bretanha em relação a esses países, ensejando modificações imprescindíveis ao bem-estar.

Neste sentido, a política de benefícios precisaria ser ajustada para compreender todas as necessidades básicas das famílias e indivíduos, constituindo-se em um plano conjunto de solidariedade e políticas publicas de preocupação com taxas de natalidade e mortalidade, melhoria nas condições de saúde com qualidade e gratuidade, reabilitação profissional, sobretudo a manutenção do emprego, elegendo o combate a doença, a ignorância, a miséria, a imundice e a desocupação com o intuito de proteção desde o nascimento até a morte.

O plano Beveridge se tornou uma referência em sua atuação não somente pelo alcance da sua cobertura, mas também pela atuação de políticas públicas que permearam toda a sociedade, de modo que por meio do ajuste dos setores periféricos ou indiretos à assistência e seguridade social possibilitou uma ação de forma preventiva e programada, lógica que foi capaz de perceber que o aumento dos gastos com a previdência é reflexo da desestruturação e falta de qualidade na atuação de todos os outros aspectos sociais.


A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL

A constituição mexicana de 1917 incluiu de forma pioneira em seu texto a previdência social, ainda que as normas tivessem caráter programático é importante ressaltar o valor do seu conteúdo com status constitucional. Tais direitos sociais também tiveram destaque na constituição Alemã de Wiemar, com destaque para os artigos 162 pelo seu protagonismo e visão de antecipação histórica em relação a preocupação com padrões mínimos de regulação internacional das relações de trabalho assalariado, e no artigo 163 que assenta o direito do trabalho, incumbindo ao Estado o dever de desenvolver políticas públicas de fomentação e de garantias a manutenção do pleno emprego. Quanto ao direito previdenciário, teve sua abordagem diretamente nos artigos 129 ao dispor sobre a aposentadoria do servidor público e da pensão para sua família, bem como no artigo 161 que dispõe sobre a manutenção da saúde e a capacidade para o trabalho, proteção à maternidade, e a diminuição das conseqüências econômicas da idade e doença protegendo contra as vicissitudes da vida.

A constituição brasileira de 1824, marcada por influência do liberalismo do século XVIII, tinha como característica principal restringir a atuação do Estado, a estrutura da sociedade brasileira a época era formada pela classe alta dos senhores de terra e comerciantes ligados ao comércio exterior, uma pequena classe média formada por servidores públicos e uma grande massa de trabalhadores em condições miseráveis. Deste modo a única referência que se faz sobre algum dispositivo com característica de previdência social eram os chamados “socorros públicos”, de caráter assistencial bastante impreciso e de escassa efetividade, não se constituindo em um dever estatal.

O direito previdenciário passou verdadeiramente a ser reconhecido na constituição de 1891, sob influência da constituição norte-americana, pela primeira vez reconhecia-se o direito a aposentadoria, muito embora restrita aos funcionários públicos nos casos de invalidez decorrente de serviços a nação. Porém na sua vigência se possibilitou o surgimento de dispositivos de caráter previdenciário restrito a grupos de trabalhadores e corporações específicas, tendo evoluído por meio da constituição de 1934 que assegurou efetivamente o conceito de seguridade social mais próximo do que conhecemos hoje, em seu artigo 121 instituía a previdência social assegurando direito para todos os trabalhadores mediante contribuição igual da união, do empregador e do empregado para custear benefício em favor da velhice, da invalidez, da maternidade e dos casos de acidentes de trabalho ou de morte, não ocorrendo modificações significativas na constituição de 1937, com destaque apenas para o conteúdo do seu artigo 177, que previa a aposentadoria compulsória dos funcionários públicos que de alguma forma fossem contrários ou inconvenientes ao sistema de governo, norma que notadamente marca o período de autoritarismo da época.

Entre a constituição de 1946 e 1988 ocorreram evoluções em relação à amplitude dos direitos sociais e a universalidade do sistema previdenciário, provocando um avanço na produção normativa infraconstitucional como reflexo da valorização da previdência social no âmbito constitucional, trazendo inovações em relação às formas de aposentadoria e a incorporação do acidente de trabalho na estrutura previdenciária, estabeleceu-se também a competência para legislar na seara previdenciária, instituiu-se exigência de prévia fonte de custeio para a instituição de novos benefícios ou para a majoração de benefícios já existentes.


A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) teve como ênfase à proteção do trabalho pautado pela nova perspectiva de atenção aos problemas sociais que marcaram o contexto do Tratado de Versales, neste sentido a OIT desempenhou um papel muito importante na uniformização e aperfeiçoamento das legislações de cada país, tendo em vista poder contar com sua influencia enquanto organismo das Nações Unidas em uma conjuntura de menor polaridade do poder político e econômico mundial. Desse modo estabeleceu proposições relativas a normas mínimas para a seguridade social, com particular importância sobre nove contingências sociais (idade avançada, invalidez, morte, enfermidade, maternidade, acidente de trabalho, encargos familiares, desemprego e tratamento médico) abarcadas na convenção de número 102.


A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL (HISTÓRICO E REGULAMENTAÇÃO INSS)

A consolidação da previdência social que conhecemos hoje no Brasil primeiramente passa por um momento relacionado ao sentimento de caridade cristã, com a fundação das Santas Casas de Misericórdia no século XVI, transição que se deu apenas com a primeira normativa de assistência social advinda pela constituição de 1824, conforme se extrai Art. 179.

Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: (…)

XXXI. A Constituição também garante os socorros públicos.

No Brasil o processo de evolução da previdência social acompanhou os moldes do sistema internacional, ao menos formalmente, iniciando-se de modo privado e voluntário, posteriormente mutualista, vindo a ter seu mais relevante impacto com a constituição republicana de 1891, que timidamente estabeleceu dois artigos sobre a proteção social, consoante aos artigos 5º que dispunha da obrigação da União prestar socorro aos Estados em caso de calamidade pública enquanto que no artigo 75 regulava a aposentadoria por invalidez no serviço público, de todo modo possibilitou no plano legislativo infraconstitucional avanços em matérias relacionadas ao plano social por meio de legislações esparsas que atendiam somente a determinados setores mais organizados da sociedade e ao funcionalismo público.

Em um contexto de processo de industrialização nacional e aumento dos riscos sociais inerentes as essas atividades sobreveio o decreto legislativo nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, buscando regulamentar a proteção aos acidentes de trabalho e em seguida a edição da lei nº 4.682, de 4 de janeiro de 1923, chamada Lei Eloy Chaves, criando as caixas de aposentadoria e pensões dos ferroviários, o mencionado dispositivo é considerado pela doutrina como o extremo inicial da história previdenciária no Brasil.

Com o tempo foram sendo criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s), formuladas e vinculadas por empresas de diversos ramos e atividades econômicas, pouco a pouco se abandonou a criação das CAP’s e em seu lugar foram surgindo os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s), tendo em seu principal diferencial a criação de institutos relacionados a atividade profissional e não mais restrito ao controle das empresas. Careciam, no entanto, de normas uniformes diante de regulamentações muitas vezes divergentes ou contraditórias, a constituição de 1934 criou o sistema tripartite de financiamento do sistema previdenciário social, os recursos eram provenientes da União dos empregadores e empregados, consagrando a ideia de um seguro de proteção social em que todos deveriam contribuir estabelecendo também obrigações e responsabilidades aos Estados pela execução de assistência pública, serviços de saúde e de previdência, concebendo direitos subjetivos públicos aos trabalhadores brasileiros.

A evolução da previdência social no Brasil desde então passou a ficar muito atrelada a regulação estatal, desbancando para uma política orçamentária de contenção de despesas, esvaziando pouco a pouco a importância da previdência social como instrumento de política pública.

Diante dessa nova conjuntura houve a fusão das CAP’s em uma única entidade por uma necessidade de unificação para uma melhor gestão legislativa e administrativa do sistema, ocorreu a criação do Serviço Social Rural destinado a proteção das atividades do meio rural, criou-se a chamada lei Orgânica da Previdência Social ( LOPS) unificando o sistema e instituíndo também o auxílio-reclusão e o auxílio-funeral. Em continuidade, criou-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) , composto pelo Instituto Nacional de Previdencia Social (INPS); Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS); Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA); Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM); Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV); Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) e a Central de Medicamentos (CEME).

A constituição de 1988 surge como um marco de restauração do Estado democrático de direito, com isso, instituiu-se um sistema nacional de seguridade social com a verdadeira finalidade de se estabelecer o bem-estar social, tendo como objetivo garantir o mínimo existencial dentro do princípio da dignidade do ser humano. Ainda que, a constituição traga preceitos ideais de atendimento aos contingentes sociais, o regime de seguridade social continua atrelado a um custeio prévio limitado a algumas espécies de benefícios, conforme a categoria de trabalhadores.

O caráter contributivo não deixa que seja afastado por completo o regime de seguro social, ademais a universalidade de cobertura e atendimento não se concretizou por completo, sendo um ideal ainda a ser alcançado.


GESTÃO DO INSS E SUAS RESPONSABILIDADES.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) foi criado em 1990 por meio do decreto 99.350, mas no decorrer do tempo a gestão dessa autarquia tem sofrido diversas mudanças por meio de modificações normativas pautadas sempre como indispensáveis a cada mudança de governo, essa tem sido a tônica por anos diante da visão equivocada que os administradores públicos têm sob o papel da previdência social, resultando no formato de gestão que se apresenta hoje.

Compete atualmente ao INSS prestar o atendimento aos beneficiários da previdência social por meio de processo administrativo e a operacionalização do reconhecimento dos seus direitos previdenciários, conforme o artigo 201 da constituição federal, sendo a assistência social regulamentada pelo artigo 203 da referida carta magna. O sistema de seguridade social é formado por um conjunto de legislações, com destaque para a lei orgânica da seguridade social lei 8212/91 responsável em maior relevância por regulamentar o plano de custeio, pela lei 8213/91 que dispõe sobre os planos e benefícios da previdência social, pela lei orgânica da assistência social número 8742/93 e no tocante ao processo administrativo federal pela lei 9784, bem como as instruções normativas, que neste caso se destaca a IN 77 por seu conteúdo estar em maior medida relacionado com o procedimento de atendimento do beneficiário, o que na prática serve de parâmetro para a operacionalização do serviço por meio de seus servidores.


RISCOS SOCIAIS ABARCADOS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O risco está atrelado a um fato futuro e incerto, nos casos dos riscos sociais de responsabilidade da previdência social não é diferente, tanto ocorrendo por meio de circunstancias laborais ou da própria vida, o benefício social tem o papel de amenizar a contingência social sofrida concedendo uma prestação, em regra financeira, correspondente ao fato gerador previamente determinado. No caso do Brasil, os riscos sociais foram estabelecidos no artigo 201 da Constituição Federal de 1988, como se pode observar:

"Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no§ 2º.

Desses contingentes sociais mencionados é importante que sejam destacados os eventos decorrentes de doença ou invalidez como consta no primeiro inciso do artigo 201 da Constituição federal, tendo em vista a necessidade de ilustrar o problema abordado e a hipótese levantada neste trabalho, no tocante a tal contingente social é possível se atribuir dois benefícios diferentes, O benefício assistencial de prestação continuada previsto no diploma legal 8742/93 intitulada de lei orgânica da assistência social (LOAS) e o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez instituído pela lei 8213/91, muito embora sejam regulados por legislações diferentes, suas concessões são de responsabilidade do INSS e mantém entre si uma relação de semelhança no que tange a condição de incapacidade, mas se opõem em relação as características de vinculo com a previdência social, vez que para a concessão do beneficio de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez existe a necessidade de comprovar além da incapacidade laboral, o vínculo com o INSS na qualidade de segurado, enquanto que no caso do benefício assistencial o postulante não necessita ser segurado da previdência social, devendo além da incapacidade de maior duração, semelhante ao que ocorre nos casos de aposentadoria por invalidez, também comprovar a sua situação de miserabilidade, conforme pode se observar nas legislações citadas abaixo:

Lei 8213/91

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.

§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.

Lei 8742/93

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.


O ERRO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO COMO PRETENSÃO RESISTIDA

O dever geral de prestação de serviço do INSS, conforme já exposto na Instrução Normativa 77, faz da sua inobservância fundamento para formação da lide, configurando a pretensão resistida. Nesse sentido mesmo o INSS conhecendo dos fatos, conforme o argumento sustentado pelo relator do julgamento do RE 631240, o eminente ministro Luiz Roberto Barroso, de que “é necessário dar oportunidade do INSS conhecer dos fatos”, neste caso, bastaria o servidor optar por avaliar o segurado em relação a um tipo de benefício em detrimento de outro que não satisfaça os critérios legais para que ocorra a pretensão resistida, já que o INSS tem o dever de dar continuidade ao processo de instrução e oferecer o melhor benefício. Nesse sentido, a avaliação da IN 77 é o recorte legislativo fundamental para viabilizar a discussão do problema levantado por esse trabalho, conforme os argumentos seguintes:

O indeferimento administrativo é incapaz de vincular o objeto da demanda judicial, por carecer de fundamentação sob quais condições seriam ou não concedido o benefício tutelado pelo INSS, preceito estabelecido no artigo 691 da IN 77, conforme se pode observar;

Art. 691. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações em matéria de sua competência, nos termos do art. 48 da Lei nº 9.784, de 1999.

§ 1º A decisão administrativa, em qualquer hipótese, deverá conter despacho sucinto do objeto do requerimento administrativo, fundamentação com análise das provas constantes nos autos, bem como conclusão deferindo ou indeferindo o pedido formulado, sendo insuficiente a mera justificativa do indeferimento constante no sistema corporativo da Previdência Social.

§ 2º A motivação deve ser clara e coerente, indicando quais os requisitos legais que foram ou não atendidos, podendo fundamentar-se em decisões anteriores, bem como notas técnicas e pareceres do órgão consultivo competente, os quais serão parte integrante do ato decisório.

§ 3º Todos os requisitos legais necessários à análise do requerimento devem ser apreciados no momento da decisão, registrando-se no processo administrativo a avaliação individualizada de cada requisito legal.

A fundamentação genérica é contrária ao disposto no artigo 691 da IN 77 mencionado anteriormente, sendo incapaz de cumprir com os requisitos exigidos por lei, mas ainda assim tem vinculado o objeto da demanda judicial.

Quanto à instrução do processo administrativo, se pode observar que há uma imposição ao servidor público para que persista na avaliação do requerente em relação a outro benefício que possa ter direito;

Em relação aos demais artigos citados abaixo, fica mais explícita a viabilidade da hipótese levantada por esse trabalho, uma vez que pesa sobre a autarquia o dever de ser oferecido o benefício mais vantajoso, o mais compatível com o fato gerador ou contingência social sofrida pelo beneficiário do sistema;

Da fase decisória

Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.

Art. 688. Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles.

§ 1º A opção deverá ser expressa e constar nos autos.

§ 2º Nos casos previstos no caput, deverá ser observada a seguinte disposição:

I - se os benefícios forem do mesmo grupo, conforme disposto no art. 669 , a DER será mantida; e

II - se os benefícios forem de grupos distintos, e o segurado optar por aquele que não requereu inicialmente, a DER será fixada na data da habilitação do benefício, conforme art. 669.

Art. 689. Se por ocasião do atendimento estiverem presentes as condições necessárias, será imediatamente proferida a decisão.

Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.


A POSSIBILIDADE DE AJUIZAR AÇÃO PREVIDENCIÁRIA COM REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DIVERSO DO PEDIDO FORMULADO NA VIA JUDICIAL

O Supremo Tribunal Federal (STF) em sessão plenária do dia 27 de agosto de 2014 entendeu pelo parcial provimento do recurso extraordinário (RE) 631240, em que o instituto nacional do seguro social (INSS) defendia a exigência de prévio requerimento administrativo antes de o segurado ajuizar ação para concessão de benefício previdenciário. Para o relator e para maioria do plenário, a exigência do requerimento administrativo não fere a garantia de livre acesso ao judiciário, com previsão no artigo 5º, inciso XXXV, da constituição, tendo em vista que diante da falta de pedido administrativo não se poderia caracterizar lesão ou ameaça a direito.

Para o ministro Barroso, relator do caso, não haveria interesse de agir do segurado que não tenha inicialmente protocolado seu requerimento administrativo junto à autarquia, fundamentando pela necessidade de oportunizar o INSS conhecer da necessidade do beneficiário, o Ministro Teori Zavascki acompanhou o voto do relator mencionando o fato do direito ao benefício previdenciário não poder ser concedido de ofício, por se tratar de um direito potestativo.

Todos os ministros que se pronunciaram em favor da tese do relator utilizaram como fundamento principal o contingente de demandas judiciais causado pela vulgarização das ações judiciais, posicionamento que revela a opção por uma jurisprudência defensiva. Com tudo, o RE 631240 trouxe alguns pontos positivos, aprimorando o procedimento administrativo do INSS, pois estabeleceu critérios e prazos que a autarquia se viu obrigada a cumprir, como o prazo de 45 dias para conclusão do processo administrativo sob pena de permitir o ajuizamento da ação sem a necessidade do requerimento administrativo, considerando o excesso de prazo como uma negativa tácita diante da má prestação do serviço público.

Vencidos o Ministro Marco Aurélio e a Ministra Carmen Lúcia que se posicionaram no sentido de desprover o recurso, por reconhecer o desrespeito ao princípio da inafastabilidade do poder judiciário, entendendo ser o requerimento administrativo barreira ao exercício do direito de ação, em seus votos mencionaram momentos históricos em que o ingresso ao judiciário era pautado por condições arbitrárias, até a evolução da constituição de 1988 que consagra atualmente não somente lesão bem como ameaça a lesão de direito.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu a necessidade de prévio requerimento administrativo para se ajuizar ações judiciais de natureza previdenciária não vincula o benefício analisado na esfera administrativa ao pedido pretendido na via judicial, constatação feita por meio da adoção de uma interpretação sistemática do acórdão proferido pela suprema corte no Re 631240, tendo em vista ser a forma mais apropriada dentre os mecanismos hermenêuticos disponíveis, já que sobre o tema recai uma perspectiva histórica em torno do Estado de bem estar social como fundamento de existência da seguridade social no Brasil e no mundo, prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao qual o Brasil é signatário e com previsão constitucional na carta magna de 1988, bem como na legislação infraconstitucional, de modo que a matéria previdenciária se constitui em um verdadeiro sistema jurídico, não fazendo sentido que seja examinada de forma apartada, lógica acertada na doutrina de Juarez Freitas:

Destarte, assumindo uma ótica ampliativa e alargada,a interpretação sistemática deve ser definida como uma operação que consiste em pretender atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da adequação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos. ( FREITAS, Juarez, 1994. p 53)

O que se pretende evidenciar é que a avaliação na via administrativa, consoante aos parâmetros que lastreiam o processo administrativo, deve-se observar que o segurado quando busca o órgão da previdência tem a intenção de adquirir um bem da vida, um benefício previdenciário como objeto de uma prestação devida numa relação obrigacional, cabendo a autarquia avaliar qual desses benefícios seja o mais adequado e mais vantajoso, conforme estabelecido na jurisprudência e na normativa interna do próprio INSS respectivamente, como se pode ver:

Ementa: constitucional. Previdenciário. § 2º do art. 18 da lei 8.213/91. Desaposentação. Renúncia a benefício de aposentadoria. Utilização do tempo de serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária. Obtenção de benefício mais vantajoso. Matéria em discussão no re 381.367, da relatoria Do Ministro Marco Aurélio. Presença da repercussão geral da questão constitucional discutida.

Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo se serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para a obtenção de benefício mais vantajoso.

(RE 661256 RG, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, julgado em 17/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012 )

IN 77/2015:

Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.

Art. 688. Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles.

§ 1º A opção deverá ser expressa e constar nos autos.

§ 2º Nos casos previstos no caput, deverá ser observada a seguinte disposição:

I - se os benefícios forem do mesmo grupo, conforme disposto no art. 669 , a DER será mantida; e

II - se os benefícios forem de grupos distintos, e o segurado optar por aquele que não requereu inicialmente, a DER será fixada na data da habilitação do benefício, conforme art. 669.

Art. 689. Se por ocasião do atendimento estiverem presentes as condições necessárias, será imediatamente proferida a decisão.

Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os programou em momento posterior,deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.

Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado.

Desse modo cabe ao servidor orientar e proceder com a avaliação da melhor escolha, sendo esse processo de avaliação passível de reavaliação judicial, pois não faz sentido que o segurado seja prejudicado por um duplo erro, vez que a vinculação dos parâmetros de avaliação administrativa no âmbito judicial acarretará em repetição de um erro que deveria ter sido alvo de rediscussão judicial, caso o servidor julgue que o benefício mais apropriado dentro da relação dos benefícios seja um em detrimento de outro esse erro seria repetido, condenando a parte autora a retornar por diversas vezes a autarquia federal, conforme ilustrado em anexo. Ocorrendo assim o desrespeito ao princípio da inafastabilidade do poder judiciário em face do objeto controverso, por um excesso de formalismo, ao vincular a pretensão resistida com o nome do benefício vinculado na seara administrativa, quando na verdade o que se busca é uma prestação do serviço público da autarquia gestora do sistema de previdência social, não importando para o segurado qual seja o benefício. Ademais o requerimento administrativo é incapaz de vincular o objeto da demanda judicial, posto não preencher os requisitos tanto de individualização de cada caso, quanto pela falta de motivação do ato público, explicito na instrução normativa 77 do próprio INSS em seu artigo 691, já mencionada na íntegra anteriormente e exigida também no artigo 50 da lei 9784/99 que regula o processo administrativo federal, como é possível observar:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos;

VI – decorram de reexame de ofício;

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

Ao contrariar requisitos previstos em lei em relação ao procedimento de avaliação do beneficiário, a administração pública pode ser passível de revisão dos seus atos por meio do poder judiciário, que tem o dever de atuar. No entanto, o que tem ocorrido é o esvaziamento do conteúdo da tutela jurisdicional, mitigando o princípio da inafastabilidade do poder judiciário sem ao menos existir nenhuma colisão com outro princípio, contrariando inclusive a lógica acertada pelo RE 631240, que impõem ao beneficiário apenas a necessidade de oportunizar ao INSS conhecer dos fatos para que possa se pronunciar. Na prática o referido acórdão aprimorou os mecanismos de atuação do INSS, que diante da oportunidade de conhecer a pretensão do segurado passou a ter a obrigação de se manifestar em prazo de 45, sob pena de ser conferido ao segurado poder de ajuizar ação sem o requerimento administrativo, o mesmo se estabeleceu em relação a justiça itinerante, tendo em vista a falta de agências do INSS capazes de abranger e oferecer o serviço público se constituírem em uma falha da gestão. A mesma lógica é aplicada em relação a possibilidade de revisão de benefícios, pois partem do pressuposto de uma má avaliação do serviço público, conforme o benefício mais favorável e adequado. Por fim também existe a possibilidade de ingresso na via judicial sem a necessidade de requerimento administrativo quando a autarquia de forma notória e reiterada negar o atendimento de determinado pedido, pressupondo posicionamento equivocado de avaliação da autarquia. Desse modo, a hipótese levantada por esse trabalho encontra coerência com todo o ordenamento que regulamenta a matéria previdenciária, mantendo o direito de acesso ao poder judiciário e a garantia de uma melhor prestação estatal administrativa, pois a necessidade de requerimento administrativo exigido pela decisão da suprema corte, como demonstração da pretensão resistida vincula o fato gerador de uma contingência social sofrida pelo beneficiário a má prestação do serviço público oferecido.

Conforme exposto ao longo do trabalho, o princípio da inafastabilidade do poder judiciário constantemente é mitigado em razão das relações de poder que envolvem determinados objetos e sujeitos no interesse de uma relação jurídica, tal realidade deveria ser estranha a concepção de Estado democrático de direito, vez que o princípio da inafastabilidade do poder judiciário, antes de tudo, decorre da satisfação do Estado em regular e interpretar as normas, substituindo as vontades individuais, portanto o posicionamento das instituições públicas em não oferecer as condições necessárias para uma boa prestação jurisdicional, pode significar romper pouco a pouco com o poder de decidir, tendo em vista que se para o Estado existe a prerrogativa de regular o sistema de normas, também recai sobre ele o ônus da efetividade dos mecanismos de cumprimento dessas normas.

Buscando viabilizar a hipótese discutida nesse trabalho, é que se propõe a ampliação da possibilidade do pedido judicial diante do tipo de benefício declarado em requerimento administrativo, respeitando o princípio da inafastabilidade do poder judiciário, sob o enfoque de uma interpretação sistemática sobre os desdobramentos do Re 631240, sendo necessário destacar que entre o INSS e seus beneficiários existe uma relação obrigacional em virtude de lei, que impõem à autarquia a prestação de um benefício, conforme o atendimento de critérios legais por parte do beneficiário, sendo garantido a este o mais adequado e mais vantajoso benefício, desse modo o objeto da pretensão do beneficiário é uma tutela do INSS feita sob a avaliação da autarquia. Com esse fundamento, a pretensão resistida se constituiria quando fosse oportunizado ao INSS conhecer dos fatos e este se mantivesse inerte ou quando oferecesse o serviço inadequado. Essa lógica deriva das exceções estabelecidas pelo STF em relação a exigência de requerimento administrativo, conforme seguem listadas, considerando suprido o interesse de agir.


Recurso extraordinário. Repercussão geral. Prévio requerimento administrativo e interesse em agir.

A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art.5º, XXXV, da Constituição. “Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo."

Conforme trecho abaixo, se permite a dispensa da necessidade de requerimento administrativo em razão da má prestação dos serviços públicos refletido na demora de atuação da autarquia;

A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.

Ocorre também a negativa tácita quando constatada a dificuldade de se requerer uma prestação da autarquia, por qualquer forma de obstáculo que preencha os requisitos da notoriedade e da prática reiterada da autarquia, inclusive a má prestação do serviço seria motivo suficiente para dispensar o requerimento administrativo, conforme se pode ver; “A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.”

No trecho abaixo a lógica do caso implica em situações em que o beneficiário passa pela avaliação administrativa sem ter sua demanda atendida, ficando mais evidente a possibilidade de ingresso na via judicial com qualquer requerimento, já que o erro de avaliação resultaria em pretensão resistida, o requerimento diverso seria prova de que a avaliação do INSS optou por enquadramento de um benefício diferente do esperado pelo beneficiário;

Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.

Contudo, o esforço em viabilizar o acesso à justiça diante da tese apresentada se mostra muito mais viável e condizente com a lógica processual consagrada na efetividade do direito, alinhada a perspectiva normativa e histórica da seguridade social, e ao posicionamento do STF em relação à falta de necessidade do requerimento administrativo, tendo em vista a má prestação do serviço público. Dessa forma, não parece razoável impedir o ingresso de ações judiciais com requerimento administrativo diverso do pedido judicial, uma vez que as condições excepcionais elencadas para ingresso na via judicial, se quer, exigem tal requerimento, por essa lógica pesa também a ideia de quem pode o mais pode o menos, desta forma o requerimento administrativo com negativa de benefício diferente do pedido de benefício na via judicial não pode ser um obstáculo para a resolução do mérito, é lamentável que diante de tais evidências os juízes continuem mantendo um esforço muito maior para negar acesso à justiça, dando interpretação restritiva ao disposto no Re 631240.


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