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O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental

O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental

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O que se pretende analisar objetivamente é o regime jurídico da ADPF: como a referida ação tem sido aplicada no espaço jurídico brasileiro, como o STF tem decidido.

1. Apresentação do tema.

            O título da presente monografia reflete o interesse em realizar um estudo de tema importante para os direitos fundamentais acerca de um dos meios judiciais – a ADPF - existentes para a defesa objetiva da Constituição, em processos nos quais inexistem partes com interesses subjetivos.

            Esse processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis deve ser entendido dentro de uma nova perspectiva de justiça: a justiça das massas. No atual estágio em que nos encontramos, das sociedades de massas, há pouco espaço para a justiça individual, do caso concreto. Em verdade, em face do princípio da segurança e certeza do direito e da imperiosa necessidade de respostas rápidas para os problemas sociais, uma demanda individual, que tradicionalmente demora um bom tempo para um termo final, é suplantada pelas demandas coletivas, cujos efeitos atingirão uma quantidade maior de pessoas.

            O pressuposto para o desenvolvimento do trabalho é a supremacia normativa da Constituição como alicerce do Estado Democrático de Direito a ser garantida pela jurisdição constitucional por meio do processo constitucional, ante as inconstitucionalidades perpetradas pelas instituições públicas ou privadas, seja por meio de atos ou de omissões.

            Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho (1984, p.75), "a jurisdição é a função de declarar o direito aplicável aos fatos bem como é a causa final e específica da atividade do judiciário. A jurisdição constitucional é tomada, assim, no sentido de atividade jurisdicional que tem como objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior, leis e atos administrativos, com a Constituição, desde que violaram as formas impostas pelo texto constitucional ou estão em contradição com o preceito da Constituição, pelo que os órgãos competentes devem declarar sua inconstitucionalidade e conseqüente inaplicabilidade".

            Entende Luís Carlos Martins Alves Jr. (2002, p. 30) que o processo constitucional é "o conjunto de atos preparatórios do provimento normativo estatal realizado em contraditório, com simétrica paridade, entre as partes interessadas porque, como destinatárias, sofrerão seus efeitos, no caso, a aplicação de uma norma constitucional na solução de uma controvérsia".

            A defesa da Constituição se distingue da defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos porque enquanto esta é realizada pelo processo subjetivo, ou seja, aquele no qual há interesses individuais ou coletivos dos sujeitos, aquela – defesa da Constituição – é realizada por meio do processo objetivo que é um processo sem sujeitos, destinado, pura e simplesmente, à defesa da Constituição, enquanto norma em si. Assemelham-se porque sempre que se defende subjetivamente (interesses) e se faz valer os direitos constitucionais dos cidadãos estar-se-á defendendo a própria Constituição.

            No sistema jurídico brasileiro, as ações constitucionais para a defesa dos direitos dos cidadãos, no processo subjetivo, segundo entendemos são: Habeas Corpus, Habeas Data, Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação de Impugnação do Mandato Eletivo e Ação de Improbidade Administrativa. No plano do processo objetivo, são as seguintes: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

            Nesse contexto, quando a Constituição é violada ou ameaçada diretamente (processo objetivo) ou indireta ou incidentalmente (processo subjetivo) o Judiciário – Poder do Estado - é o órgão legitimado constitucionalmente para a efetivação do texto constitucional, na manutenção de sua supremacia normativa.

            Essa supremacia normativa é viabilizada por meio da hermenêutica constitucional, uma vez que a maioria dos problemas jurídicos diz respeito a problemas de interpretação e, por conseqüência, de aplicação do direito, mormente o direito que brota da Constituição e que deve vicejar no solo comum dos brasileiros.

            O que se pretende analisar objetivamente é o regime jurídico da ADPF e de como a referida ação tem sido aplicadas no espaço jurídico brasileiro e como o Supremo Tribunal Federal tem decidido acerca dessa ação – Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.


2. Justificativas e objetivos da monografia.

            A importância do tema é palmar. A Constituição deve ser a norma jurídica suprema e vinculante de todas as condutas e comportamentos dentro de seu espaço de regulação. Em uma sociedade que se quer democrática onde atua um Estado que se quer de Direito, a Constituição deve ser o parâmetro maior para se aferir a validade ou invalidade do agir das pessoas ou das instituições. Por essa razão é o principal instrumento normativo para a afirmação e preservação das liberdades e da dignidade humana merecendo especial proteção.

            Na perspectiva de um Estado Democrático de Direito, analisar um dos mecanismos judiciais de proteção da Constituição é deral de uma controvérsia." de fundamental importância, posto que por meio da jurisdição constitucional também se realiza a Constituição, pois se protegem as normas constitucionais ante as inconstitucionalidades provocadas pelos poderes públicos ou pelas instituições privadas.

            O estudo da mencionada ação constitucional que faz o denominado processo constitucional brasileiro objetivo (abstrato e concentrado) a partir dos dispositivos constitucionais, da legislação infraconstitucional, da doutrina e especialmente da jurisprudência.

            Especificamente, pretende-se, uma análise pormenorizada de cada uma das Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental que foram ou que estão sendo apreciadas junto ao Supremo Tribunal Federal. Até o presente, 12.12.04, constam 61 ADPFs que foram ajuizadas perante o STF. Pretende-se analisar cada uma dessas ADPFs e criticar a decisão do STF, à luz de uma percepção democrática do direito.

            Ou seja, o problema proposto é o de se saber se essa ação constitucional vem sendo aplicada corretamente. De igual modo, se as leituras do texto constitucional feitas pelo STF e pela doutrina estão constitucionalmente adequadas, na perspectiva de um Estado Democrático de Direito, a ser forjado a partir de 1988.


3. Metodologia.

            O tripé sobre o qual se assentará o presente estudo será a análise da legislação (constitucional e infraconstitucional), da doutrina e da jurisprudência relativa à ADPF. Por essa razão, os métodos a serem adotados serão o descritivo da realidade normativa e o crítico-prescritivo para uma adequada aplicação do texto constitucional no concernente a essa aludida ação judicial de defesa da Constituição.

            O marco teórico a ser adotado é a perspectiva procedimentalista e pluralista que deve nortear as condutas em um Estado Democrático de Direito no tocante às ações judiciais em defesa da supremacia normativa da Constituição.


4. O texto constitucional (§ 1º do art. 102) e a legislação infraconstitucional (Lei 9.882/99).

            Reza o § 1º do artigo 102 da Constituição Federal: "A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei".

            A lei a que se refere o texto constitucional é a de nº 9.882, editada em 03.12.1999, que regula o processo e o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, perante o Supremo Tribunal Federal – STF.

            A mencionada lei prevê o cabimento de argüição para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público bem como nos casos de relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.


5. As hipóteses de cabimento da ADPF

            O artigo 1º dessa referida Lei enuncia que "a argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato Poder Público".

            No inciso primeiro do parágrafo único desse aludido artigo está previsto que "caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição". Aqui se cogita, segundo Luís Roberto Barroso [01], de argüição incidental. A argüição mencionada no caput do artigo 1º cuida-se de argüição autônoma. Surpreenderemos essas distinções em momento oportuno.

            O inciso segundo do parágrafo único do artigo 1º foi vetado pelo Presidente da República, cujo texto dispunha: "em face da interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas, ou regimento comum do Congresso Nacional, no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art. 59 da Constituição Federal".

            Nas razões de veto encaminhadas ao Presidente do Congresso Nacional (Mensagem 1.807, de 03.12.1999), sobre esse dispositivo embargado, a Presidência da República aduziu o que se segue:

            "(...)

            ‘Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à "interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional" prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1o. Tais questões constituem antes matéria interna corporis do Congresso Nacional. A intervenção autorizada ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas constitucionais. Essa orientação restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança no 22503-DF, Relator para o Acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ 06.06.97, p. 24872. Do mesmo modo, no julgamento do Mandado de Segurança no-22183-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal assentou: "3. Decisão fundada, exclusivamente, em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos (art. 8o). 3.1 O fundamento regimental, por ser matéria interna corporis, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário. 3.2 Inexistência de fundamento constitucional (art. 58, § 1o), caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário" (DJ 12-12-97, p. 65569). Dito isso, impõe-se o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do Supremo Tribunal Federal em matéria interna corporis do Congresso Nacional. No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do Supremo Tribunal Federal, seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão, em se tratando da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo."

            Pelas razões de veto apontadas na mensagem acima transcritas verifica-se o cuidado em resguardar o postulado da separação dos poderes. O veto ao dispositivo que permitia a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal das questões de índole eminentemente interna de cada Poder manteve inalterado o entendimento de que os atos interna corporis devem ficar adstritos à análise de estrutura política no qual foi praticado.

            Nessa linha, à luz do disposto na Lei 9.882/99, a ADPF será proposta em face de ato resultante do Poder Público lesionador ou ameaçador de preceito fundamental (ADPF autônoma) ou quando lei ou ato normativo público, inclusive anteriores à Constituição, suscitarem controvérsia constitucional de relevante fundamentação (ADPF incidental).

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, completa o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) podem ser objeto de exame no âmbito do novo procedimento.


6. O preceito fundamental

            A Lei silencia no tocante ao que seja um preceito fundamental. É preciso visitar a Constituição e a doutrina, bem como a jurisprudência, para se desvelar o sentido desse enunciado: preceito fundamental.

            O texto constitucional anuncia preceito fundamental decorrente da Constituição sem dizer o que é preceito fundamental ou quais são aqueles que decorrem dele. Em outra oportunidade, sobre o tema, dissemos:

            "A primeira questão que se coloca é saber a real extensão da expressão "preceitos fundamentais". A Constituição, embora não esclareça quais são os seus preceitos fundamentais, consagra como fundamentos da República a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. De igual modo, a Carta Magna elege dentre outros princípios a forma federativa do Estado, a independência e harmonia entre os poderes, os princípios da administração pública e os princípios constitucionais sensíveis bem como exemplifica os direitos e garantias fundamentais.

            A expressão "preceitos fundamentais" deve ser tomada em acepção ampla. Abrange os princípios fundamentais bem como outros preceitos consagrados no texto constitucional. Os preceitos fundamentais devem ser compreendidos como todos aqueles postulados constitucionais que viabilizam a máxima efetividade às previsões constitucionais." (MARTINS ALVES, Pollyanna, 2004, p. 2).

            Para Gilmar Ferreira Mendes [02], mentor intelectual da Lei nº 9.882/99, é muito difícil, a priori, indicar os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e o julgamento da ADPF, pois no texto constitucional, conquanto haja preceitos fundamentais explícitos (soberania popular, dignidade da pessoa humana, cidadania, os direitos e garantias fundamentais, as cláusulas pétreas, os princípios constitucionais sensíveis, dentre outros flagrantemente nucleados como normas fundamentais), é possível vislumbrar afronta a disposições constitucionais que confiram densidade normativa ou significações específicas a esses preceitos. Daí que, a depender das circunstâncias do contencioso constitucional, a violação a qualquer dispositivo da Constituição pode ensejar o cabimento da argüição de descumprimento, pois se pode demonstrar que se trata de um preceito fundamental lesado ou ameaçado.

            A jurisprudência do STF ainda não está plenamente pacificada na construção do significado normativo do que seja preceito fundamental. Nada obstante, no julgamento da ADPF 33, relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, o tribunal chancelou a decisão monocrática prolatada pelo Relator (25.11.2002), cujas idéias conduzem à compreensão de que a expressão preceito fundamental abrange, além dos direitos e garantias individuais, dos direitos fundamentais, princípios fundamentais, os valores que possam se mostrar caros à ordem jurídica no seu contexto global.

            Alguns doutrinadores, ao tratar da argüição de descumprimento de preceito fundamental, tentam forjar um conceito de preceito fundamental.

            Zeno Veloso aponta os princípios fundamentais, que tratam da forma federativa do Estado, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político, independência e harmonia entre os poderes), os direitos e garantias fundamentais, além dos princípios regentes da administração pública e os princípios constitucionais sensíveis (VELOSO, Zeno: 2000, 296).

            José Afonso da Silva, por sua vez, diferencia os preceitos fundamentais de princípios fundamentais e assinala " ‘Preceitos fundamentais’ não é expressão sinônima de ‘princípios fundamentais’ é mais ampla, abrange a estes e todas prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais"( SILVA, José Afonso da: 2000, 559).

            André Ramos Tavares, ao discorrer sobre o tema, aduz que os preceitos fundamentais são constituídos tanto por regras quanto por princípios. Esclarece, ainda, que as regras serão fundamentais quando estatuírem categorias particulares de direitos humanos, ou quando revelarem a estrutura do poder e os órgãos constitucionais.

            Afirma, também, que todos os preceitos fundamentais gozam de certo grau de indeterminação, apesar de alguns deles se revelarem como verdadeiras regras e não princípios propriamente ditos.

            O aludido autor entende que preceitos decorrentes da Constituição são todos aqueles preceitos expressos da Constituição e todos aqueles ligados à idéia central desta, embora não expressamente consignados (TAVARES, André Ramos: 2001,152).

            Em verdade, a construção do conceito de preceito fundamental é gradativa e deve ser perspectivada à luz do princípio da razoabilidade tendo em vista que se trata de uma expressão que contém certo grau de indeterminabilidade.


7. O ato do Poder Público

            O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental é o descumprimento de preceito decorrente da Constituição por ato do Poder Público.

            Cabe tecer algumas considerações sobre os atos do Poder Público sujeitos a controle mediante argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Diferentemente do que ocorre com a Ação Direta de Inconstitucionalidade e com a Ação Declaratória de Constitucionalidade, nas quais o ato impugnado deve ser ato normativo federal ou estadual, a lei que disciplina a ADPF não restringiu o alcance do instituto apenas aos atos normativos mas, referiu-se de maneira genérica aos atos praticados do Poder Público.

            Os atos normativos são aqueles atos estatais dotados de generalidade, abstração e obrigatoriedade destinados a reger a vida social. (BARROSO, Luís Roberto: 2004, 235)

            A partir de uma leitura literal e apressada do disposto no texto legal da ADPF seria possível afirmar-se que todos os atos praticados pelo Poder Público – Administração, normativos ou não, seriam, ao menos em tese, passível de serem alvo de ADPF.

            O Poder Público pratica uma série de atos tais como os atos administrativos propriamente ditos, atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor, contratos, atos normativos. Pratica, de igual modo, atos submetidos ao regime de direito privado, quando o Estado assume posição semelhante à dos particulares. O Poder Público executa, também, atos materiais que são atos de mera execução. Por fim, o Poder Público pratica atos políticos que são os atos discricionários de gestão do Estado diretamente vinculados à Constituição (DI PIETRO, Maria Sylvia: 1998:158).

            Da literalidade do texto legal, poder-se-ia dizer que todos esses atos, por serem passíveis de execução pelo Poder Público, assim como os atos praticados por particulares que desempenham funções delegadas do Poder Público [03] seriam atos sujeitos à apreciação do STF por intermédio da ADPF.

            Essa não parece ser a melhor interpretação para a abrangência do objeto da ADPF.

            Há que se ter em conta, a efetiva natureza do ato que se pretende impugnar.

            Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADPF nº 01 assentou que o ato do Poder Público objeto da argüição não pode ser ato de cunho eminentemente político.

            O STF, conquanto considere que a ADPF é instrumento constitucional apto a impugnar ato, normativo ou não, do Poder Público, assentou a necessidade de ser analisar a real natureza do ato a ser atacado.

            No caso em tela, tratava-se de veto parcial de Chefe do Poder Executivo Municipal a projeto de lei aprovado por Câmara Municipal. O Tribunal entendeu que o veto consiste em ato do Poder Executivo, em sentido próprio e não poderia ser enquadrado na expressão "ato do Poder Público" para fins de controle por ADPF, em razão de sua índole política.

            O Supremo Tribunal Federal entendeu que o conhecimento da argüição acarretaria desbordamento da prerrogativa de prestação jurisdicional do Poder Judiciário, ao qual não é dado substituir-se ao Poder Legislativo, sob pena de afronta ao princípio da separação dos Poderes.

            Concluindo o julgamento, assentou-se que o veto era insuscetível de apreciação via argüição de descumprimento de preceito fundamental por ser ato de livre de vontade política – conveniência política. Tal ato seria afeto, somente, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo em razão de outorga constitucional.

            Por ocasião da apreciação da ADPF nº 43, o Supremo Tribunal Federal assentou que também não é possível se ter como ato do Poder Público os atos ainda não ultimados no seu ciclo de formação passíveis de alterações materiais.

            A argüição impugnava proposta de emenda à Constituição. O STF, assentando a natureza de processo objetivo da ADPF, entendeu que a impugnação de ato com tramitação ainda em aberto acarretaria o reconhecimento de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental é, apenas, mais uma ação do controle de constitucionalidade existente, a menos que a Constituição, expressamente tivesse dado nova feição ao controle abstrato, não há como se permitir o controle abstrato preventivo de normas.

            Analisando os fundamentos da decisão do STF, percebe-se que os delineamentos dos contornos dos atos do Poder Público suscetíveis de controle via ADPF devem ser analisados de per si para que não haja intromissão indevida na esfera de atribuição de cada Poder.

            O modelo de separação de poderes desenhado no texto constitucional deve ser prestigiado nessa análise que não prende-se à literalidade da expressão "atos do Poder Público".


8.Controvérsia relevante: ADIN 2231

            O parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.882/99 prevê o cabimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

            Cuida-se da chamada argüição de descumprimento incidental ou por derivação (TAVARES, André Ramos: 2001, 284)..

            A mencionada argüição configura um incidente em ação em curso. Diferencia-se da argüição prevista no artigo 1º, caput, que é autônoma, independente de ação pré-existente, cabível para impugnar ato do Poder Público lesivo a preceito fundamental.

            A argüição incidental tem o condão de acionar a competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os pré-constitucionais.

            Contra o dispositivo legal que prevê a argüição incidental foi proposta ação direta de inconstitucionalidade pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados.

            A referida ação direta (ADIN 2231) tramita no STF desde 27/06/2000. O Relator à época, Ministro Néri da Silveira, em juízo de prelibação, deferiu o pedido de liminar deduzido na ação. Logo em seguida, o julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence.

            Por essa razão, ainda não há manifestação conclusiva do Supremo Tribunal Federal acerca da validade ou não do instituto atacado.

            A petição inicial da ADIN aponta a inconstitucionalidade do dispositivo ao argumento de que o mesmo teria ampliado o conceito constitucional de "argüição de descumprimento de preceito fundamental desta Constituição", acrescentando-lhe a relevância do fundamento da controvérsia constitucional relativa a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Extrapolando, dessa forma, os contornos constitucionais.

            Os autores da ADIN aduziram que a Lei 9.882/99 criou equiparação indevida entre o descumprimento de preceito da Constituição e relevância da controvérsia. Alargando, indevidamente, mediante lei ordinária, a competência do Supremo Tribunal Federal que é taxativamente prevista na Constituição Federal.

            Por fim, alegou-se ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal, já que a controvérsia seria atraída para a apreciação do Supremo Tribunal Federal sem previsão constitucional.

            O relator considerou plausível a tese de ofensa à Constituição em face da generalidade da formulação do parágrafo único do art. 1º que autorizaria, além da argüição autônoma de caráter abstrato, a argüição incidental em processos em curso, o que não poderia ser feito pelo legislador ordinário, imprescindível, para tanto, emenda constitucional.

            A decisão proferida foi no sentido de dar ao texto guerreado interpretação conforme à Constituição Federal para excluir do seu âmbito as controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo.

            Entrementes, a despeito desse primeiro pronunciamento, o dispositivo ainda não foi declarado inconstitucional, permanece valendo em sua inteireza uma vez que o julgamento da ação direta ainda não foi encerrado.

            Apenas quatro argüições incidentais foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal e estão sobrestadas aguardando o julgamento da aludida ADIN [04].

            Certamente, a questão terá o seu desfecho somente com o crivo final do Supremo Tribunal Federal que é o guardião e intérprete último da Constituição Federal.

            Contudo, não se pode olvidar que diante de eventuais controvérsias constitucionais que possam lesionar preceitos fundamentais não há como se entender vulnerados os marcos constitucionais da competência deferida ao Supremo Tribunal Federal para apreciar lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição.


9. Normas anteriores à Constituição

            Até a edição da Lei 9.882/99, o sistema de controle abstrato de normas em face da Constituição Federal limitava-se apenas às normas concomitantes e posteriores à Constituição Federal de 1988.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental, timbrada no inciso I do parágrafo único do artigo 1º, permite a veiculação de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal anteriores à promulgação da Constituição.

            Essa inovação legal ampliou o alcance das ações do controle de constitucionalidade objetivo para suprir a ausência de um instrumento de controle concentrado e abstrato apto à apreciação do direito pré-constitucional.

            Gilmar Ferreira Mendes assinala "essa solução vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam solvidas pelo Supremo Tribunal Federal, com eficácia geral e efeito vinculante."(TAVARES e ROTHENBURG (Organizadores) - MENDES, Gilmar F.: 2001, 142).

            Destarte, a ADPF possui parâmetro temporal mais amplo que a ADC e a ADI, pois tanto normas anteriores como posteriores à Constituição podem ser confrontadas na referida ação (TAVEIRA BERNARDES, Juliano: 2004,156).


10. Os legitimados para a propositura da ADPF

            10.1 Os mesmos da Adin

            O artigo 2º da Lei 9.882/99 estabeleceu que os legitimados para a propositura da ADPF são os mesmos legitimados para o manejo da ação direta de inconstitucionalidade.

            Dessa forma, os legitimados para a propositura da ADPF são o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

            A Emenda Constitucional nº 45/2004, publicada em 08/12/2004, também conhecida como a Reforma do Judiciário, acrescentou ao rol dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e para a ação declaratória de constitucionalidade, o Governador do Distrito Federal e a Mesa da Câmara Legislativa.

            A referida inclusão deve-se ao fato de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já havia consagrado a legitimidade do Governador do Distrito Federal e da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal para a ação direta de inconstitucionalidade em respeito ao princípio federativo.

            10.2 O veto ao inciso II do art. 2º

            O inciso II do artigo 2º da Lei em comento estabelecia que poderia propor argüição de descumprimento de preceito fundamental qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público.

            Ocorre que esse dispositivo foi vetado.

            Nas razões do veto (Mensagem 1.807/99), aduziu-se que a disposição inserira um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito seria incompatível com o controle concentrado de legitimidade do atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação acarretariam a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas.

            Considerou-se que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal que consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia deveriam zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais estaria comprometida.

            Além disso, nas razões, mencionou-se a existência de um amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas, inscrito no artigo 103 da Constituição Federal, o que asseguraria a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando com verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania.

            Sem contar a legitimação do Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, para a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes.

            Por fim, as razões de veto descansaram na constatação de que em face da existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – tornaria desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrente de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicariam os feitos a examinar sem que se assegurasse sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constituiria inequívoca ofensa ao interesse público.

            Muito embora o inciso II tenha sido objeto de veto, o parágrafo 1º do referido inciso foi sancionado e prevê a possibilidade de o interessado solicitar, mediante representação ao Procurador-Geral da República, a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            O Procurador-Geral da República, nesse caso, decidirá acerca do cabimento do seu ingresso em juízo a partir do exame dos fundamentos jurídicos do pedido.

            Aliás, não é demais ressaltar, que ao Procurador-Geral da República cabe a análise acerca da conveniência do manejo da argüição a partir de uma análise do ordenamento global e não a partir de interesses resultantes de situações particularizadas de cada indivíduo.

            10.3 O requisito da pertinência temática.

            O Supremo Tribunal Federal construiu a teoria da ação direta de inconstitucionalidade calcando-se na exigência de um requisito específico para determinados legitimados ativos.

            Em algumas oportunidades, o STF asseverou que pertinência temática é requisito implícito da legitimação, dentre outros, das Confederações e entidades de classe de âmbito nacional e, que esse requisito que não decorreu de disposição legal, mas da interpretação que esta Corte fez diretamente do texto constitucional. (ADI 1792, ADI 2482, ADI 1282).

            Em relação às entidades de classe, tradicionalmente, o Supremo não admitia a legitimidade das entidades de classe constituídas por associações de associações mas somente aquelas que tivessem como associados as pessoas físicas. O Tribunal superou esse entendimento para reconhecer às associações de associações legitimidade para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade em face de seu objetivo ser o de defender uma mesma categoria social assim como as entidades de classe formadas por associações formadas por pessoas físicas. (ADI 3153 AgR/DF – Informativo 361)

            Exige-se também dos Governadores de Estado e Distrito Federal, das Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa esse interesse de agir qualificado chamado de pertinência temática. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou-se no sentido de não exigir a pertinência temática da do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao entendimento de que a sua previsão no rol dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade deve ser interpretada não como as demais entidades de classe de âmbito nacional mas de forma a lhe permitir a propositura de ADIN contra qualquer ato normativo que possa ser objeto dessa ação, na defesa da ordem jurídica com o primado da constituição federal (ADI 03).

            O STF, por ocasião do julgamento da medida cautelar na ADI 1.096, assentou a inexigência de demonstração da pertinência temática para o exercício do controle abstrato para os partidos políticos ao entendimento de que os partidos políticos possuem legitimação ativa universal gozando da prerrogativa de impugnarem qualquer ato normativo do Poder Público qualquer que seja o seu conteúdo material.

            De acordo com o Supremo Tribunal Federal os partidos políticos têm o dever de zelar pela preservação da supremacia normativa da Constituição e pela defesa da integridade do ordenamento consubstanciado na Lei Fundamental. Essa compreensão deve ser considerada à luz dos fins institucionais dos partidos políticos de instrumentos de ação democrática.

            Considera-se que a pertinência temática dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional ocorre por antecipação.

            Ainda relativamente aos partidos políticos, recentemente, o Supremo Tribunal Federal superou entendimento pacífico no sentido de que a aferição da legitimidade deve ser feita no momento da propositura da ação e, portanto, a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional não o desqualifica como legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade (Agravo Regimental na ADI 2159 AgR/DF – Informativo 356).

            A decisão tem assento, basicamente, na concepção de um controle de constitucionalidade abstrato no qual se pretende a proteção da incolumidade do ordenamento e não a satisfação de interesses individuais.

            Se o processo objetivo tem por finalidade a retirada de normas do ordenamento jurídico que estejam em conflito com a Constituição Federal e, no caso específico da ADPF, a salvaguarda de preceito fundamental, a perda superveniente de representação no Congresso Nacional não torna incólume o ordenamento já maculado por ato ou lei inconstitucional.


11. A petição inicial

            A teor do artigo 3º da Lei 9.882/99, a petição inicial da ADPF deverá conter a indicação do preceito fundamental que se considera violado, a indicação do ato questionado, a prova da violação do preceito fundamental, o pedido, com suas especificações. E ainda, se o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

            A inicial da ADPF deve atender aos requisitos genéricos previsto no artigo 282 do Código de Processo Civil no que for compatível com o artigo 3º da Lei 9.882/99.

            O parágrafo único desse mencionado artigo dispõe que a petição inicial deverá ser apresentada em duas vias que deverão conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.


12. O recebimento e (in)deferimento da petição inicial

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental será liminarmente indeferida pelo relator quando não for o caso de argüição, quando faltar algum dos requisitos prescritos na Lei da ADPF ou quando for inepta. É o que dispõe o artigo 4º da Lei 9.882/99.

            Para a aferição de inépcia da petição inicial, é necessário recorrer-se ao parágrafo único do artigo 295 do Código de Processo Civil que estabelece as hipóteses de inépcia da inicial. A saber, a ausência de pedido ou causa de pedir, da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão, o pedido for juridicamente impossível, os pedidos forem incompatíveis entre si.

            A interpretação literal do dispositivo conduz à compreensão de que não há espaço para emenda à inicial da argüição, se ausentes os pressupostos de cabimento da ação ou se não atendidos os requisitos pertinentes, a inicial será indeferida liminarmente sem oportunidade de emenda da inicial.

            Esse é o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal [05].

            Assim como na ADIN, o recurso cabível da decisão de indeferimento da inicial é o recurso de agravo que deverá ser interposto no prazo de cinco dias (§ 2º, artigo 4º, Lei 9.882/99).


13. O caráter subsidiário da ADPF

            O caráter subsidiário da ADPF é aspecto de grande relevância no estudo desse instituto.

            O postulado da subsidiariedade é um requisito de procedibilidade, um pressuposto negativo de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Está expressamente previsto no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 9.882 ao dispor que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

            Conquanto o texto legal mencione "qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade", consoante adverte o Supremo Tribunal Federal, a mera possibilidade de utilização de outros meios processuais não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade. Para que esse postulado possa legitimamente incidir - impedindo, desse modo, o acesso imediato à argüição de descumprimento de preceito fundamental - revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento dessa ação constitucional.

            No julgamento das ADPFs nºs 03 e 12, o Supremo Tribunal Federal negou-lhes seguimento. O Tribunal considerou, sob o enfoque da argüição como ação própria do controle incidental/difuso de constitucionalidade, cabíveis, em tese, outros recursos como o agravo regimental e o recurso extraordinário para sanar a lesividade do ato atacado.

            Na ADPF nº 13, em uma primeira análise sob a perspectiva do controle de constitucionalidade objetivo, o Tribunal entendeu inviável a argüição de descumprimento de preceito fundamental em razão da existência de ação direta de inconstitucionalidade hábil a sanar a lesão.

            À medida que se avançava no julgamento das argüições, a compreensão do instituto como um instrumento do sistema de controle abstrato de constitucionalidade foi se fortalecendo.

            Essa progressão de entendimento pode ser verificada no julgamento da ADPF nº 17 em que o Ministro Celso de Mello destacou a impossibilidade de o princípio da subsidiriariedade ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional da ADPF uma vez que a referida ação estaria vocacionada a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais, e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República. Caso contrário, ocorreria grave comprometimento da própria efetividade da Constituição.

            Na referida ADPF, incidiu o veto do parágrafo 4º do artigo 5º em razão efetiva possibilidade do manejo da ação popular para reparar a lesão a preceito fundamental.

            Posteriormente, o entendimento esposado na ADPF nº 33 reforçou o caráter da argüição de descumprimento de preceito fundamental como ação de natureza de processo objetivo de controle de constitucionalidade e por essa razão a sua subsidiariedade há que ser sempre interpretada de acordo com o sistema objetivo de controle. Somente os instrumentos do controle objetivo servem de parâmetro para a análise do atendimento ao princípio da subsidiariedade. Caso contrário, sempre existiriam, em tese, meios de salvaguardar preceito fundamental afastando, dessa forma, a aplicação da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Por ocasião desse julgamento, assentou-se que uma leitura excessivamente literal da disposição contida no parágrafo 1º, do artigo 4º conduziria à retirada de qualquer significado prático do instituto da ADPF.

            O Supremo Tribunal Federal considerou que se a ação fosse apreciada apenas sob uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial.

            Em verdade, o Ministro Relator da referida ADPF 33 ressaltou a importância de uma leitura mais cuidadosa a revelar que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental no processo da ADPF deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva.

            O principio da subsidiariedade, inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, contido no §1º do art. 4º da Lei nº 9.882, de 1999, deveria ser compreendido no contexto da ordem constitucional global.

            Nesse contexto, em que se considera o caráter objetivo da ação, meio eficaz de sanar a lesão seria o apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.

            Dessa forma, se cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em contrapartida, se não for hipótese de cabimento de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, caberá a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Em princípio, dificilmente incidiria o obstáculo da subsidiariedade da argüição de descumprimento de preceito fundamental nas hipóteses de solução de questões relativas a normas anteriores à Constituição Federal de 1988 e questões de direito municipal em face da Constituição Federal. Isso porque nesses casos não se admite o ajuizamento de ADIN ou ADC.


14. As medidas liminares em ADPF

            É possível a concessão de medida cautelar na ADPF. O artigo 5º da Lei 9.882/99 prevê que o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            Conquanto o referido texto legal se refira à medida liminar, em verdade, a liminar é o veículo mediante o qual se concede as medidas cautelares. O que existe é a possibilidade de concessão de cautelares. Essa distinção não tem maiores conseqüências, quer no aspecto meramente processual quer no constitucional, restringe-se apenas ao aspecto da terminologia, não merecendo outros comentários. Entretanto, foi necessário tecer esse esclarecimento para que a terminologia adequada seja utilizada sem que seja causada qualquer perplexidade.

            Conforme o artigo 5º, a maioria absoluta dos membros do STF pode conceder medida cautelar na ADPF.

            Os requisitos para a concessão de cautelar nesse processo constitucional são os mesmos requisitos exigidos para a sua concessão no processo civil comum.

            Genericamente, o artigo 798 do Código de Processo Civil exige a plausibilidade da alegação (fumus boni iuris) bem como o perigo de lesão grave ou de difícil reparação (periculum in mora) para que sejam concedidas as medidas cautelares (GRECO FILHO, Vicente: 2003: 155).

            Mais adiante, o parágrafo 1º do aludido artigo 5º faculta ao relator a concessão de liminar ad referendum do Tribunal Pleno em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave.

            Nesse caso, o relator poderá, monocrática e liminarmente, conceder a medida cautelar desde que atendidos pressupostos de perigo na demora e plausibilidade.

            Ao que tudo indica, o legislador pretendeu conferir a faculdade de concessão monocrática de cautelar ao relator e não criar um requisito específico para essa concessão já que a extrema urgência ou perigo de lesão nada mais são que o perigo da demora (periculum in mora).

            O parágrafo 3º do artigo 5º esclarece que a liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

            Se o relator considerar necessário, antes de conceder a liminar, poderá ouvir os órgãos e autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo de cinco dias (§ 2º, artigo 5º).

            O parágrafo 4º do artigo 5º foi vetado. O dispositivo previa que o Supremo Tribunal Federal, para evitar lesão à ordem constitucional ou dano irreparável ao processo de produção da norma jurídica, poderia ordenar a suspensão do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira, ou ainda da promulgação ou publicação do ato legislativo dele decorrente.

            As razões de veto descansam no princípio da separação dos Poderes. Objetivou-se evitar ingerências do Poder Judiciário na atuação política do Poder Legislativo (Mensagem nº 1.807/99).


15. O julgamento da ADPF

            O procedimento do julgamento da ADPF está previsto nos artigos 6 a 12 da Lei 9.882/99.

            Após a apreciação de eventual pedido de liminar, o relator da ação deverá solicitar informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado. O prazo para a apresentação das informações é de dez dias.

            O parágrafo 1º do artigo 6º permite ao relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, bem como requisitar informações adicionais, designar perito ou comissões de peritos para que emitam parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

            Em harmonia com essa previsão, o parágrafo 2º prevê a sustentação oral e juntada de memoriais, por interessados no processo. Entretanto, o relator da ADPF poderá ou não, segundo juízo discricionário, permitir a participação desses interessados no julgamento da ação.

            Essas previsões prestigiam a idéia de sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Peter Härbele defende a interpretação plural da Constituição. Assevera que todos que de alguma forma puderem auxiliar na interpretação constitucional devem ter a oportunidade de participar desse processo, pois todo aquele que vive a Constituição deve ser o seu intérprete. Trata-se de uma verdadeira democratização do processo de interpretação constitucional. (HÄRBELE, Peter: 1997, 14)

            A participação do Ministério Público é obrigatória quando não for o autor da argüição de descumprimento de preceito fundamental. O parquet deverá manifestar-se após o decurso do prazo para informações no prazo de cinco dias (parágrafo único, artigo 7º).

            Esgotado o prazo das informações e, se o caso, apresentado o parecer pelo Ministério Público, o relator da argüição elaborará o relatório, encaminhará a todos os Ministros e pedirá dia para julgamento (artigo 7º).

            O quorum da sessão de julgamento da ADPF é qualificado. Exige-se a presença de pelo menos dois terços dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para que a decisão seja prolatada.

            Entretanto, não há exigência de que a decisão seja tomada por votos de dois terços dos Ministros. Nada obstante, merece destaque a previsão do artigo 97 da Constituição Federal de que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

            Sendo assim, se a decisão da argüição de preceito for no sentido da constitucionalidade do ato, poderá ser tomada pela maioria simples dos julgadores. Se a decisão for no sentido da inconstitucionalidade, a mesma deverá respeitar a reserva da maioria absoluta do Plenário (full bench).

            Dispõe o artigo 10 da Lei 9.882/99 que julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.

            A decisão do STF deverá ser cumprida de imediato, independentemente da lavratura de acórdão que será feita posteriormente (§ 1º, artigo 10).

            Após o trânsito em julgado da decisão, o dispositivo deverá ser publicado no Diário da Justiça e no Diário Oficial da União no prazo de dez dias (§ 2º do artigo 10).


16. Os vetos nos §§ 2º e 3º do art. 8º

            O parágrafo 1º do artigo 8º dispunha que seria considerada procedente ou improcedente a argüição se num ou noutro sentido se tivessem manifestado pelo menos dois terços dos Ministros.

            Já o parágrafo 2º previa que se não fosse alcançada a maioria necessária ao julgamento da argüição, estando ausentes Ministros em número que pudesse influir no julgamento, seria suspenso a fim de aguardar-se sessão plenária na qual se atingisse o quorum mínimo de votos".

            O veto aos aludidos parágrafos justificou-se a partir da constatação de que o quorum previsto seria superior ao necessário para o exame do mérito da própria ação direta de inconstitucionalidade. Essa exigência acarretaria uma restrição à celeridade, à capacidade decisória e à eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. Além do que o objetivo da Lei da ADPF era a ampliação do sistema de controle de constitucionalidade, incompatível com o excessivo quorum exigido (Mensagem nº 1.807/99).


17. O veto ao art. 9º

            O artigo 9º, também objeto de veto, previa que o Tribunal, julgando procedente a argüição, cassaria o ato ou decisão exorbitante e, conforme o caso, anularia os atos processuais legislativos subseqüentes, suspenderia os efeitos do ato ou da norma jurídica decorrente do processo legislativo impugnado, ou determinaria medida adequada à preservação do preceito fundamental decorrente da Constituição.

            Assim como não se admitiu a intervenção do Supremo Tribunal Federal em questões relacionadas à interpretação ou aplicação dos regimentos internos da Câmara, Senado e do Congresso Nacional, por ocasião dos vetos ao inciso II do parágrafo único do artigo 1º, ao parágrafo 4º do artigo 5º, o artigo 9º que, de modo similar, permitia ao Supremo a apreciação de questões eminentemente interna corporis esse dispositivo foi, igualmente, alvo de veto presidencial.


18. A decisão na ADPF

            Inicialmente, em relação aos efeitos da decisão proferida em sede de ADPF, a decisão produz efeitos gerais, vinculantes e forma a coisa julgada.

            É interessante destacar que em conformidade com o parágrafo 2º do artigo 10 da Lei 9.882/99, o dispositivo da decisão deverá ser publicado no Diário Oficial.

            Esse dispositivo é que formará a coisa julgada e produzirá os outros efeitos.

            De acordo com o artigo 469, apenas o dispositivo da decisão tem o condão de produzir a coisa julgada.

            Esse primeiro efeito, na verdade, não se trata, propriamente, de efeito da decisão mas um modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado. (LIEBMAN, Enrico Tullio: 1984, 178).

            A coisa julgada proferida na ADPF tem como limite objetivo o pedido mas não tem limites subjetivos pois a sua eficácia é contra todos

            Com efeito, a decisão proferida na ADPF tem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, é o que dispõe o parágrafo 3º do artigo 10 da Lei 9.882/99.

            Em relação ao efeito erga omnes, trata-se de um típico efeito das ações do controle objetivo de constitucionalidade que objetivam preservar a incolumidade do ordenamento jurídico constitucional.

            Quanto ao efeito vinculante da decisão, esse efeito tem a característica de impor a todos os órgãos do Poder Público a sua observância, impedindo, dessa forma, que decisões ou comportamentos que vulnerem o decisum do Supremo Tribunal Federal sejam adotados.


19. A juridicização das "Razões de Estado": o artigo 11

            O Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo na ADPF, em face de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, consoante firmado no artigo 11 da Lei 9.882/99.

            Esse dispositivo contém técnica de decisão de controle de constitucionalidade de grande utilidade para o julgador da argüição.

            O artigo 27 da Lei 9.868/99 (Lei que regula a ADIN e a ADC) prevê a mesma possibilidade de restrição de efeitos em razão da segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

            As referidas previsões legais cuidam de um típico caso de "Razões de Estado".

            A Razão de Estado é a exigência de segurança do Estado, que impõe aos governantes – leia-se julgadores - determinados modos de atuar. A segurança do Estado é uma exigência de tal importância que os governantes – julgadores, para a garantir são obrigados a violar normas jurídicas, morais, políticas e econômicas que consideram imperativas, quando essa necessidade não corre perigos (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINI, Gianfranco, 2002, 1.066).


20. A irrecorribilidade e o descabimento de ação rescisória

            O artigo 12 da Lei 9.882/99 dispõe que a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

            Mais uma vez, essa disposição é semelhante ao disposto no artigo 26 da Lei 9.868/99 que prevê o não cabimento de recurso da decisão proferida na ADC e na ADC ressalvada a hipótese de cabimento de embargos declaratórios.

            Embora a lei da ADPF não tenha feito ressalva em relação ao cabimento de embargos de declaração, por não se tratar de um recurso propriamente mas de um instrumento para esclarecimento ou integração de decisão, possivelmente, venha a ser admitido pelo Supremo Tribunal Federal.

            Até o presente momento, das decisões prolatadas em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental não foram interpostos embargos de declaração e por isso o STF ainda não feriu o tema.


21. A reclamação e a preservação da autoridade do STF.

            O respeito às decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas no julgamento da ADPF deve ser garantido mediante a interposição de reclamação em caso de descumprimento.

            A reclamação é instrumento processual que deve ser intentado perante o Supremo Tribunal Federal e destina-se à preservação da competência e da autoridade dos julgados do STF.

            Os artigos 156 do Regimento Interno do STF prevêem o procedimento para a interposição, processamento e julgamento das reclamações.

            A reclamação será interposta pelo Procurador-Geral da república ou pelo interessado na causa. Será instruída com prova documental.

            A autoridade a quem for imputada a prática do ato prestará informação.

            Há previsão de impugnação da reclamação por qualquer interessado. O PGR terá vista e em seguida o Plenário do Tribunal ou a Turma poderá avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência ou ordenar que lhe sejam remetidos , com urgência, os autos do recurso para ele interposto ou cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição.

            A decisão exarada no julgamento da reclamação será cumprida imediatamente e o acórdão será lavrado posteriormente.


CONCLUSÕES

            A ADPF será proposta perante o Supremo Tribunal Federal para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público – argüição autônoma - bem como nos casos de relevância do fundamento de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição – argüição incidental.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, completa o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no STF, uma vez que as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) podem ser objeto de exame no âmbito do novo procedimento.

            A expressão "preceito fundamental" não tem um conceito definitivo mas possui extensão ampla abrangendo os fundamentos da República - a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. De igual modo, a forma federativa do Estado, a independência e harmonia entre os poderes, os princípios da administração pública e os princípios constitucionais sensíveis. Bem assim, os direitos e garantias fundamentais.

            Sucintamente, os preceitos fundamentais devem ser compreendidos como todos aqueles postulados constitucionais que viabilizam a máxima efetividade às previsões constitucionais.

            O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental é o descumprimento de preceito decorrente da Constituição por ato do Poder Público.

            A lei da ADFP estendeu o instituto para abranger os atos normativos e não normativos do Poder Público. Contudo, a análise acerca da configuração do ato suscetível de controle via ADPF será exercida mediante a apreciação da real natureza do ato impugnado.

            O parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.882/99 que prevê o cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental incidental está sendo questionado na ADI 2231. Em face da presunção de constitucionalidade que milita em favor do ordenamento jurídico a referida argüição não pode ser considerada inconstitucional. Até mesmo porque não parece ter desbordado dos limites constitucionais.

            Com a edição da lei 9.882/99 ampliou-se o sistema de controle abstrato de normas em face da Constituição Federal para permitir a análise em abstrato de normas pré-constitucionais bem como do direito municipal.

            O artigo 2º da Lei 9.882/99 estabeleceu que os legitimados para a propositura da ADPF são os mesmos legitimados para o manejo da ação direta de inconstitucionalidade.

            Os legitimados para a propositura da ADPF os mesmos legitimados para a propositura da ADIN. São eles: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

            Exige-se a demonstração de pertinência temática da Confederações e entidades de classe de âmbito nacional, dos Governadores de Estado e Distrito Federal, das Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa.

            A petição inicial da ADPF deverá conter a indicação do preceito fundamental que se considera violado, a indicação do ato questionado, a prova da violação do preceito fundamental, o pedido, com suas especificações. E ainda, se o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

            A argüição de descumprimento de preceito fundamental será liminarmente indeferida pelo relator quando não for o caso de argüição, quando faltar algum dos requisitos prescritos na Lei da ADPF ou quando for inepta. É o que dispõe o artigo 4º da Lei 9.882/99.

            O princípio da subsidiariedade é um pressuposto negativo de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Está expressamente previsto no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 9.882 ao dispor que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

            A existência de outros meios eficazes de sanar a lesividade deve ser verificada em harmonia com o sistema objetivo de defesa da Constituição.

            É possível a concessão de medida cautelar na ADPF tanto pelo Supremo Tribunal Federal em colegiado como pelo relator monocraticamente ad referendum do Plenário.

            É possível a participação de interessados, embora não legitimados ativa ou passivamente, no julgamento da ADPF.

            Essas possibilidade consagra a idéia de democratização e interpretação plural do processo constitucional.

            A decisão de inconstitucionalidade na argüição de preceito requer maioria absoluta do Plenário. A decisão de constitucionalidade poderá ser tomada pela maioria simples dos julgadores.

            A decisão proferida em sede de argüição de descumprimento fundamental produz efeitos gerais, vinculantes e forma a coisa julgada.

            O Supremo Tribunal Federal poderá, em face de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

            As decisões tomadas no julgamento de ADPFs são irrecorríveis. De igual modo não se admite a interposição de ação rescisória.

            Para garantir a autoridade da decisão proferida pelo STF, o instrumento processual adequado é a reclamação.


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Notas

            01 "A doutrina, de maneira praticamente unânime, tem extraído da Lei nº 9.882/99 a existência de dois tipos de argüição de descumprimento de preceito fundamental: a) a argüição autônoma e b) a argüição incidental. A autônoma tem sua previsão no artigo 1º, caput: "A argüição prevista no § 1º do artigo 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público". E a incidental decorreria do mesmo art. 1º, parágrafo único, I: "Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição", combinado com o artigo 6º, § 1º, da mesma lei: "Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria." (BARROSO, Luís Roberto Barroso. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. Saraiva, São Paulo: 2004, p. 219-220).

            02 TAVARES, André Ramos e ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei nº 9.882/99. Atlas: São Paulo, 2001, p. 128-132).

            03 Artigo 1º da Lei 1.533/51.

            04 As argüições de descumprimento fundamental incidentais são as de número 06, 14, 16 e 36.

            05 ADPFs nºs 5, 11, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 38, 44, 48, 57.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins. O regime jurídico-constitucional da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8017. Acesso em: 26 abr. 2024.