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Os poderes instrutórios do juiz e a difícil tarefa de julgar

Os poderes instrutórios do juiz e a difícil tarefa de julgar

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Sumário: I. O objetivo do memorial analítico; II. A pretensão e os argumentos da contribuinte; III. Os precedentes citados: RREE 212.484, 350.446 e 353.668; IV. A pacificação da jurisprudência: RREE 353.657 e 370.682; V. O cabimento do regimental quanto ao creditamento; VI. O regimental quanto à correção monetária; VII. A jurisprudência pacificada no caso em julgamento; VIII. O presente caso concreto: breve histórico; IX. Conclusões.

Resumo: O presente artigo nasceu de Memorial Analítico de nossa lavra submetido à apreciação dos senhores Ministros do STF nos autos do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 363.777. Cuidava-se de Memorial fazendário em contraposição aos memoriais da empresa (BRASKEM S/A) que defendem a tese de que o agravo regimental fazendário não deve ser conhecido ou provido, visto que à época da decisão agravada a jurisprudência do STF era dominante no sentido da pretensão da empresa. Segundo a empresa agravada, a nova jurisprudência não pode ser aplicada aos feitos em curso, sobretudo em sede de agravo regimental.

Palavras-chave: Constitucional – Tributário – Processual – IPI – Creditamento – Revisão de Precedentes – "Nova" Jurisprudência – Agravo Regimental – Cabimento – Racionalidade Processual.


I. O OBJETIVO DO MEMORIAL ANALÍTICO

1. O objetivo específico do aludido Memorial Analítico foi o de rebater, indiscriminadamente, os argumentos deduzidos no Memorial e no Parecer ofertados pela contribuinte (Braskem S/A), juntados por linha nos autos do referido recurso, e demonstrar o pleno cabimento da pretensão da Fazenda Nacional.

2. Em peças lavradas por ilustres juristas cujos nomes dispensam quaisquer apresentações (Cândido Rangel Dinamarco, Ives Gandra Martins e José Francisco Rezek), a Empresa pretende, desesperadamente, convencer os senhores Ministros do STF do descabimento do agravo regimental manejado pela Fazenda, bem como da impossibilidade jurídica da pretensão fazendária.

3. Não assiste razão à Empresa, nem merecem o respaldo do Colendo STF os argumentos articulados, nada obstante a nomeada dos seus patrocinadores e os valores econômicos estratosféricos empolgados na controvérsia.


II. A PRETENSÃO E OS ARGUMENTOS DA CONTRIBUINTE

4. A todo custo pretende a Empresa convencer a Corte da inadequação do agravo regimental fazendário para modificar o conteúdo de decisão monocrática estribada no art. 557, do Código de Processo Civil.

5. Com todo o respeito e consideração que merecem os defensores dessa tese, basta descer os olhos nos subseqüentes parágrafos do mesmo artigo para perceber o erro processual, com a devida vênia, desse entendimento, senão vejamos:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º - A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

§ 1º. Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

6. Nada obstante o aludido entendimento equivocado da contribuinte, venia permissa, os argumentos deduzidos são muito bem articulados, como soe acontecer em praticamente todas as peças oferecidas por seus eminentes patrocinadores.

7. De efeito, segundo a Empresa, o agravo regimental da Fazenda Nacional limitou-se a entender mal aplicado o artigo 557 do CPC para rejeitar o recurso extraordinário apenas e tão somente quanto a insumos não tributados, sob o argumento principal da indefinição jurisprudencial do STF quanto ao tema.

8. Entende a Contribuinte que houve reconhecimento expresso por parte da Fazenda Nacional do acerto da decisão em relação a insumos isentos e tributados a alíquota zero. Daí porque, alega a Empresa, houve preclusão no tocante a esses dois temas (isentos e alíquota zero) e reconhecimento da existência de respectiva jurisprudência dominante, autorizadora da aplicação do referido art. 557 do CPC.

9. Aduz que à época da prolação da decisão monocrática nos autos do RE n. 363.777, objeto do referido agravo regimental, a jurisprudência acerca do tema (IPI – Creditamento – Insumos Isentos – Não-tributados – Tributados à Alíquota Zero) era dominante no seio do STF, por força dos RREE ns. 212.484, 350.446 e 353.668.

10. Informa que, a despeito da insurgência da Fazenda Nacional, a jurisprudência era dominante quanto ao tema objeto desse recurso e, por conseqüência, houve adequada aplicação do art. 557, CPC.

11. Defende que somente foi devolvida ao conhecimento do Tribunal os fundamentos da decisão recorrida e que houve, nessa linha, o trânsito em julgado dos capítulos decisórios não impugnados, mormente os relacionados aos insumos isentos ou tributados à alíquota zero.

12. Pugna pela aplicação da Súmula n. 283 do STF, porquanto na impugnação ao capítulo relativo à correção monetária, a Fazenda Nacional atacou apenas um dos fundamentos, deixando idene o outro (princípio da isonomia), suficiente e bastante para não conhecer do recurso fazendário.

13. Recorda que o Tribunal Federal da 4ª Região decidiu para a situação concreta que a alíquota aplicável é a da operação subseqüente. E, com todas as forças doutrinárias, pede que não apliquem a "nova" jurisprudência que se esboça a respeito do creditamento de IPI.


III. OS PRECEDENTES CITADOS: RREE 212.484, 350.446 e 353.668

14. O "leading case" do tema IPI – Creditamento foi o RE n. 212.484 – "caso Coca-Cola" (redator para acórdão Ministro Nelson Jobim, J. 05.03.1998; DJ de 27.11.1998), cuja ementa está vazada nos termos subseqüentes:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTES SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA.

Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. – Negritei.

Recurso não conhecido.

15. Tenha-se que nesse aludido RE cuidava-se apenas e tão-somente da hipótese de insumos isentos que albergava o direito do contribuinte do IPI ao creditamento do valor do tributo incidente. Nesse "leading case" não se cuidou de insumos não-tributados nem os tributados à alíquota-zero.

16. Nada obstante, decisões monocráticas dos Ministros do STF passaram a ser proferidas invocando o referido precedente, inclusive empolgando as hipóteses de não-tributados ou tributados à alíquota-zero, além dos insumos isentos.

17. A Fazenda Nacional insurgiu-se contra essa "jurisprudência dominante", visto que calçada em precedente inaplicável. Ou seja, o RE 212.484 surpreendeu apenas a questão dos insumos isentos. Não cuidou das outras duas situações: insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero.

18. Por isso que a Fazenda Nacional aviou dezenas de embargos declaratórios ou de agravos regimentais, como o caso sob enfoque: a jurisprudência só era dominante em sede de insumos isentos; em relação aos insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero não havia jurisprudência pacífica e dominante no STF.

19. Nada obstante, em sessão plenária de 12.12.2002, o STF iniciou o julgamento dos RREE ns. 350.446 e 353.668 (relator originário Ministro Nelson Jobim, DJs de 06.06.2003 e 13.06.2003), acórdãos ementados do seguinte modo e com o mesmo conteúdo:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO.

Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade.

A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito.

Recurso não conhecido.

20. Em face da referida decisão, a Fazenda Nacional opôs os competentes embargos declaratórios, em cada um dos respectivos recursos extraordinários, cujos acórdãos, redigidos pelo Ministro Marco Aurélio (julgados em 15.02.2007; DJs de 30.03.2007 e de 20.04.2007, respectivamente), têm a mesma subseqüente ementa:

EMENTA: EMBARGOS DECLARATÓRIOS.

Os embargos declaratórios não são meio para chegar-se à revisão de acórdão proferido. Pressupõem haver, no ato impugnado, omissão, contradição ou obscuridade.

Embargos rejeitados.

21. Nada obstante, a Fazenda Nacional manejou novos embargos declaratórios ante os aludidos entendimentos. Até o presente não houve manifestação da Corte quanto a esses novos embargos. Portanto, os RREE 350.446 e 353.668 não transitaram em julgado, nem constituíram jurisprudência dominante pacificada e assentada no seio do STF, como insinua a Empresa.


IV. A PACIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA: RREE 353.657 E 370.682

22. A prova cabal e irrefutável da inexistência de jurisprudência dominante e pacificada no STF em relação aos insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero, diversamente do que sucedido com os insumos isentos, deu-se com os julgamentos dos RREE 353.657 e 370.682.

23. Em 05.02.2003, o Ministro Maurício Corrêa, nos autos do RE 353.657, prolatou decisão monocrática negando seguimento ao mencionado, com esteio no art. 557 do CPC, haja vista a suposta jurisprudência "dominante e pacífica" da Corte.

24. A Fazenda Nacional aviou o competente agravo regimental. Em 21.05.2003, o relator, Ministro Maurício Corrêa, usou do sobranceiro juízo de retratação e determinou o sobrestamento do feito até a conclusão do julgamento do aludido RE 370.682.

25. Em 10.04.2003, teve início o julgamento do mencionado RE 370.682 (Relator Ministro Ilmar Galvão), cuja conclusão se deu em 15.02.2007, julgado, definitivamente, no que tange à ausência de direito do contribuinte do IPI nas hipóteses de insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero, em conjunto com o RE 353.657.

26. O Informativo de Jurisprudência n. 456 do STF assim noticiou o julgamento desses aludidos recursos extraordinários, que tiveram um longo caminho até a solução definitiva formulada pelo Plenário da Corte:

O Tribunal retomou julgamento conjunto de dois recursos extraordinários interpostos pela União contra acórdãos do TRF da 4ª Região que reconheceram o direito do contribuinte do IPI de creditar-se do valor do tributo na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero e pela não-tributação — v. Informativos 304, 361, 374 e 420.

Por maioria, deu-se provimento aos recursos, por se entender que a admissão do creditamento implica ofensa ao inciso II do § 3º do art. 153 da CF. Asseverou-se que a não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão contrária da própria Constituição Federal, tributo devido e recolhido anteriormente e que, na hipótese de não-tributação ou de alíquota zero, não existe parâmetro normativo para se definir a quantia a ser compensada. Ressaltou-se que tomar de empréstimo a alíquota final relativa a operação diversa resultaria em ato de criação normativa para o qual o Judiciário não tem competência. Aduziu-se que o reconhecimento desse creditamento ocasionaria inversão de valores com alteração das relações jurídicas tributárias, dada a natureza seletiva do tributo em questão, visto que o produto final mais supérfluo proporcionaria uma compensação maior, sendo este ônus indevidamente suportado pelo Estado. Além disso, importaria em extensão de benefício a operação diversa daquela a que o mesmo está vinculado e, ainda, em sobreposição incompatível com a ordem natural das coisas.

Por fim, esclareceu-se que a Lei 9.779/99 não confere direito a crédito na hipótese de alíquota zero ou de não-tributação e sim naquela em que as operações anteriores foram tributadas, mas a final não o foi, evitando-se, com isso, tornar inócuo o benefício fiscal.

Ficaram vencidos, em ambos os recursos, os Ministros Cezar Peluso, Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que lhes negavam provimento. O Min. Sepúlveda Pertence ressalvou a extensão, que alguns votos fizeram, da mesma equação jurídica à hipótese de não incidência do IPI.

Em seguida, suscitada questão de ordem pelo Min. Ricardo Lewandowski no sentido de dar efeitos prospectivos à decisão, o julgamento foi suspenso para aguardar os votos da Min. Ellen Gracie, presidente, e do Min. Eros Grau.

RE 353657/PR, rel. Min. Marco Aurélio e RE 370682/SC, rel. Min.Ilmar Galvão, 15.2.2007. (RE-353657) (RE-370682)

27. Estava àquela altura – como está presentemente – pacificada a jurisprudência do STF em relação ao creditamento de IPI nas hipóteses de insumos isentos (RE 212.484), não-tributados ou tributados à alíquota-zero (RREE 353.657 e 370.682). Restava apenas apreciar a questão de ordem suscitada pelo Ministro Ricardo Lewandowski quanto à possibilidade da aplicação de efeitos prospectivos nos aludidos recursos extraordinários.

28. O julgamento dessa questão específica (modulação dos efeitos) encerrou-se em 25.06.2007. Abaixo o extrato processual colhido diretamente da página virtual do STF, em relação aos casos paradigmáticos (RREE 353.657 e 370.682) e, em particular, à aplicação dos efeitos prospectivos:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e, por maioria, deu-lhe provimento, vencidos os Senhores Ministros Cezar Peluso, Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que lhe negavam provimento.

Na seqüência do julgamento, o Tribunal conheceu da questão de ordem suscitada pelo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de examinar a possibilidade de modular temporalmente a decisão, dando-lhe efeito prospectivo.

Decidiu o Tribunal, por maioria, em caráter excepcional, vencido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, renovar a oportunidade de sustentação oral, relativamente à questão nova. Falaram, pela recorrida, o Professor Luís Roberto Barroso e, pela recorrente, União, a Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. Luciana Moreira Gomes.

No mérito, o Tribunal, por maioria, vencido o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, rejeitou a questão de ordem. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Plenário, 25.06.2007.

29. Os Informativos de Jurisprudência ns. 363 e 373 do STF noticiaram, com precisão, o entendimento da Corte quanto a esse tema: efeitos prospectivos. Pede-se licença para lhes transcrever.

Informativo 463:

O Tribunal retomou julgamento conjunto de dois recursos extraordinários interpostos pela União contra acórdãos do TRF da 4ª Região que reconheceram o direito do contribuinte do IPI de creditar-se do valor do tributo na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero e pela não-tributação — v. Informativos 304, 361, 374, 420 e 456.

O Min. Ricardo Lewandowski que, na assentada anterior, tendo em conta a alteração, pela maioria de um voto apenas, na jurisprudência até agora assentada pela Corte sobre o direito ao crédito de IPI decorrente da aquisição de matéria-prima cuja entrada é isenta, não tributada ou sobre a qual incide alíquota zero, havia suscitado questão de ordem no sentido de se conceder efeitos prospectivos à decisão, concluiu, na primeira parte de seu voto acerca dessa questão, pela possibilidade de modulação dos efeitos nos processos de natureza subjetiva.

Salientou, inicialmente, que a necessidade de preservar-se a estabilidade de relações jurídicas preexistentes levou o legislador pátrio a permitir que o STF regulasse, ao seu prudente arbítrio, e tendo como balizas os conceitos indeterminados de segurança jurídica ou excepcional interesse social, os efeitos das decisões proferidas nas ADI, nas ADC, e nas ADPF (Lei 9.868/99, art 27; Lei 9.882/99, art. 11).

Asseverou que o efeito pro futuro, previsto nessas leis, encontra fundamento no princípio da razoabilidade, já que visa tanto reduzir o impacto das decisões do STF sobre as relações jurídicas já consolidadas quanto evitar a ocorrência de um vácuo legislativo, em tese, mais gravoso para o ordenamento legal do que a subsistência temporária da norma declarada inconstitucional.

Considerou, por outro lado, que essas normas, na medida em que simplesmente autorizam o STF a restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sem qualquer outra limitação expressa, a rigor não excluem a modulação da própria eficácia subjetiva da decisão, permitindo que se circunscreva o seu alcance, em geral erga omnes, a um universo determinado de pessoas, bem como não afastam a possibilidade de desconsiderar-se o efeito repristinatório da decisão de inconstitucionalidade sobre o ato revogado.

Aduziu que, não obstante esse poder conferido ao STF de regular os efeitos das decisões proferidas no bojo de ações de natureza objetiva não se encontre previsto em nenhum dispositivo do texto constitucional, por força do art. 102, caput, da CF, o STF exerce o papel de "guarda da Constituição", múnus de matiz político, cujo exercício admite considerável margem de discricionariedade exatamente para que ele possa dar efetividade ao princípio da supremacia constitucional.

Ressaltou que o STF, ao proceder, em casos excepcionais, à modulação dos efeitos de suas decisões, por motivos de segurança jurídica ou de relevante interesse social, realiza a ponderação de valores e de princípios abrigados na própria Constituição.

Tendo isso em conta, o Min. Ricardo Lewandowski afirmou que os fundamentos, que autorizam a modulação dos efeitos das decisões prolatadas nos processos de índole objetiva, se aplicam, mutatis mutandis, aos processos de índole subjetiva. No ponto, citando jurisprudência da Corte nesse sentido (RE 197917/SP, DJU de 7.5.2004), assentou que, embora se esteja tratando, no caso, de processos subjetivos, quando a matéria é afetada o Plenário, a decisão resultante, na prática, surtirá efeitos erga omnes.

Registrou, por fim, o fato de que, em duas ocasiões anteriores, o Plenário manifestara-se favoravelmente, por maioria, ao creditamento do IPI nas operações de que tratam os recursos sob exame, tendo sido tomadas, com base nessas decisões, várias outras, no STF, no STJ e nos Tribunais Regionais Federais.

Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Marco Aurélio. RE 370682/SC, rel. Min. Ilmar Galvão, 18.4.2007. (RE-370682)

Informativo 473:

O Tribunal concluiu julgamento de questão de ordem suscitada pelo Min. Ricardo Lewandowski em dois recursos extraordinários interpostos pela União contra acórdãos do TRF da 4ª Região que reconheceram o direito do contribuinte do IPI de creditar-se do valor do tributo na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero e pela não-tributação — v. Informativos 304, 361, 374, 420, 456 e 463.

Inicialmente, o Tribunal conheceu da questão de ordem, no sentido de examinar a possibilidade de modular temporalmente as decisões que proveram os recursos, dando-lhes efeito prospectivo.

Decidiu, também, por maioria, em caráter excepcional, renovar a oportunidade de sustentação oral, relativamente à questão nova. Vencido, neste ponto, o Min. Joaquim Barbosa que, por não haver previsão regimental para tanto, a indeferia. No mérito, o Tribunal, por maioria, rejeitou a questão de ordem, mantendo a eficácia das decisões tal como proferidas.

Asseverou-se, em relação ao RE 353657/PR, a inadequação da questão de ordem, tendo em conta que, ante o julgamento do recurso extraordinário, restara indeferido o mandado de segurança, cujo pedido se limitara ao período de janeiro de 1996 a agosto 1998.

Assim, a modulação implicaria indevido ganho de causa ao contribuinte, considerado o período transcorrido até 15 de fevereiro de 2007, data do provimento do recurso da União, e eficácia do pronunciamento a partir de então.

Quanto ao RE 370682/SC, entendeu-se que a situação concreta não seria favorável à observância, por analogia, do disposto no art. 27 da Lei 9.868/99, haja vista que, além de sua aplicação reclamar a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, o que não ocorrera na espécie, a fixação de um termo inicial de vigência do entendimento do Plenário resultaria em mitigação da Constituição Federal e injustiça, porquanto os contribuintes que ingressaram em juízo obteriam o direito ao crédito retroativamente aos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, enquanto que os que assim não procederam restariam prejudicados, considerada a incidência dos institutos da prescrição e da decadência.

Aduziu-se, ademais, no que tange à segurança jurídica, que o tema sobre o creditamento não chegara a ser pacificado no Tribunal, porquanto os acórdãos nos quais fora reconhecido o direito ao crédito ainda não teriam transitado em julgado, e que, nos casos em que o Plenário fixara como termo inicial da eficácia a data do julgamento, fora proclamada a inconstitucionalidade do diploma legal em causa.

Afirmou-se que a segurança jurídica estaria na proclamação do resultado dos julgamentos tal como formalizados, dando-se primazia à Constituição Federal e exercendo o Supremo o papel de preservar esta e os princípios que a ela são ínsitos, como o da razoabilidade e do terceiro excluído.

Os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, afirmando se tratar de virada jurisprudencial e não de aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99, admitiram a possibilidade teórica de se conferir prospectividade a decisões plenárias quando configurada a revisão substancial da jurisprudência, mediante decisão transitada em julgado, o que, entretanto, verificaram não ter se dado na hipótese. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que conferia efeitos ex nunc às decisões proferidas nos recursos em exame.

RE 353657/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 25.6.2007. (RE-353657)

RE 370682/SC, rel. Min. Ilmar Galvão, 25.6.2007. (RE-370682)

30. Assim, o STF rechaçou de modo insofismável a tese de que a "nova" jurisprudência da Corte, em sede de creditamento de IPI nas hipóteses de insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero, estabelecida e pacificada definitivamente nos RREE ns. 353.657 e 370.682, somente seria aplicável às novas demandas ou com efeitos prospectivos ou ex nunc.

31. Induvidosamente, a pretensão da Empresa no sentido do não cabimento do referido agravo regimental fazendário é na linha do que foi prontamente repelido pelo STF, o qual teve como principal fundamento a inexistência de jurisprudência dominante e pacificada quanto ao tema sob exame: insumos não-tributados ou tributados à alíquota zero e o creditamento de IPI.


V. O CABIMENTO DO REGIMENTAL QUANTO AO CREDITAMENTO

32. A Empresa defende o descabimento do agravo regimental fazendário. Concessa venia, carece de suporte jurídico essa pretensão da contribuinte.

33. Em 19.12.2002, ainda no calor dos julgamentos dos RREE ns. 350.446 e 357.668 ocorridos em 12.12.2002 (vide item 19 e subseqüentes deste Memorial), o Ministro Sydney Sanches, relator originário do feito objeto desta análise (RE 363.777), prolatou decisão negando seguimento ao referido RE fazendário, fundando-se nos recordados precedentes dos RREE 212.484, 350.446 e 357.668, entendendo de modo equivocado, data venia, estar pacificada a questão do IPI creditamento insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero.

34. A Fazenda Nacional aviou o competente agravo regimental, que ora está sob exame. Em 25.02.2003, a Primeira Turma do STF iniciou a apreciação do regimental fazendário. Após o voto do Ministro Sydney Sanches, relator, mantendo o seu entendimento, pediu vista para melhor exame o Ministro Ilmar Galvão.

35. Em despacho de 06.05.2003, o Ministro Ilmar Galvão determinou o sobrestamento do feito, em face do julgamento dos RREE ns. 353.657 e 370.682, cujo julgamento teve início em 10.04.2003, recorde-se. E, repita-se, finalizado quanto à questão tributária em 15.02.2007 (vide item 25 deste texto).

36. Somente a partir de 15.02.2007 pode-se falar em jurisprudência dominante e pacífica quanto ao creditamento de IPI nas hipóteses de insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero. Em 25.06.2007 o STF espancou definitiva e irremediavelmente a tese de efeitos prospectivos quanto a esse referido tema, por dez votos a um. Ou seja, o soberano Plenário entendeu aplicável a todos os processos em curso o entendimento consagrado nos RREE ns. 353.657 e 370.682.

37. Pois bem, em sua peça de recurso regimental, a Fazenda Nacional atacou, inicialmente, os precedentes usados pelo Ministro Sydney Sanches para fundamentar a sua decisão, no caso os RREE 212.484, 350.446 e 353.668, porquanto inservíveis no concernente ao tema dos não-tributados.

38. O regimental fazendário também atacou o entendimento relativo à alíquota zero, a despeito dos recentes – à época – julgamentos do STF nos RREE ns. 350.446 e 353.668, fundamentando a necessidade de apreciação de todas as demais questões merecedoras de análise e que certamente modificariam – como de fato modificaram – a jurisprudência, que ainda não era pacífica e, conseqüentemente, nem dominante, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

39. A Fazenda Nacional quedou-se vencida apenas no concernente ao direito do contribuinte do IPI creditar-se na hipótese de insumos isentos. Quanto aos insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero, a Fazenda Nacional sempre acreditou no acerto de suas teses, que restaram finalmente vencedoras nos aludidos RREE ns. 353.657 e 370.682.

40. É, portanto, no mínimo falacioso, com a devida vênia, o argumento de que a Fazenda Nacional deixou transitar em julgado a questão da alíquota-zero. A Fazenda, desde o RE 212.484 (insumos isentos), nunca desistiu dos não-tributados nem dos tributados à alíquota-zero.

41. Por essa razão, seja porque o tema (creditamento do IPI – insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero) não era, à época da decisão agravada, objeto de jurisprudência dominante e pacificada, seja porque foi objeto de impugnação regimental suficiente e bastante para a nova apreciação colegiada do aludido tema, inspira-se o provimento do regimental fazendário, para que seja finalmente aplicada a jurisprudência pacífica e dominante estabelecida a partir dos RREE ns. 353.657 e 370.682, repita-se, segundo o soberano pronunciamento do STF.

42. Esclareça-se, de uma vez por todas, que o Plenário entendeu que não se cuidava de uma "virada" jurisprudencial, mas tão-somente de uma "reversão" de precedentes. Por isso, reitere-se, espicaçou a tentativa de modulação dos efeitos desse novo e pacífico entendimento.


VI. O REGIMENTAL QUANTO À CORREÇÃO MONETÁRIA.

43. Igual destino se reserva ao tema da correção monetária dos créditos escriturais do IPI. Com efeito, a decisão recorrida se fiou no entendimento de que o acórdão recorrido enfrentou o tema sob o enfoque infraconstitucional, insuscetível, segundo seu entendimento, de conhecimento e apreciação do RE fazendário.

44. O regimental fazendário impugnou esse capítulo decisório e recordou as razões do apelo extremo aviado pela Fazenda Nacional que enfrentou a questão à luz jurisprudência do STF quanto ao tema correção monetária dos créditos escriturais tributários, mormente os AI n. 181.138 (Relator Ministro Moreira Alves), RE n. 205.453 (Relator Ministro Maurício Corrêa) e o RE n. 195.643 (Relator Ministro Ilmar Galvão).

45. Nesse contexto, descabido, data venia, o pleito da contribuinte da incidência da Súmula 283 do STF, sob o argumento de que não foi atacado o princípio da isonomia, mas tão-somente o princípio da não-cumulatividade.

46. Com todo o respeito, basta um singelo passar de olhos nos entretrechos dos aludidos recursos apreciados pelo STF que se verá que tanto o princípio da não-cumulatividade quanto o da isonomia foram ventilados para analisar o referido tema da correção monetária dos créditos escriturais tributários.

47. Assim, falece razão à Empresa o desejo de aplicação da mencionada Súmula 283 do STF, pois, repita-se, na petição de RE fazendário, a jurisprudência recordada especificamente quanto a esse tema (correção monetária dos créditos escriturais tributários) surpreendeu tanto o princípio da isonomia quanto o da não-cumulatividade.

48. Há, inclusive, quanto a esse específico tema, recente decisão do Ministro Eros Grau que se alinha a esse pacificado e dominante entendimento:

RE n. 495.789, Relator Ministro Eros Grau (DJ 21.11.2006):

DECISÃO: O TRF da 4ª Região entendeu que "[...] em que pese a falta de norma específica, impõe-se o reconhecimento do direito da autora de atualizar o crédito do IPI a que faz jus, desde o momento em que é contabilizado na sua escrita fiscal, até o seu efetivo aproveitamento ou ressarcimento, por aplicação analógica das Súmulas ns. 46 do ex-TFR e 126 do STJ" [fl. 84].

2. A recorrente sustenta que o provimento judicial violou o disposto no artigo 153, § 3º, II, da Constituição do Brasil.

3. O Supremo firmou o seguinte entendimento, ao julgar o RE n. 476.316, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 27.04.06: "Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão que decidiu pela possibilidade de incidência de correção monetária sobre créditos escriturais de IPI, desde o efetivo pagamento, nos termos da Súmula no 162 do Superior Tribunal de Justiça. Alega-se violação ao artigo 153, § 3º, II, da Carta Magna. Sustenta-se que não há previsão legal ou constitucional para a correção monetária dos créditos escriturais de IPI (fl. 215). Esta Corte firmou entendimento segundo o qual a correção monetária para efeito de atualização fiscal depende de lei que a preveja, não podendo o Poder Judiciário substituir-se ao legislador. Nesse sentido, o AgRRE 283.411, 1ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ 26.04.02; e o AgRRE 308.114, 2a T., Rel. Maurício Corrêa, DJ 03.05.02, assim ementados respectivamente: ´EMENTA:Recurso Extraordinário. Correção monetária dos créditos escriturais do ICMS. Decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal no julgamento de causas do Estado de São Paulo, no sentido de não haver ofensa aos princípios da não-cumulatividade e da isonomia no fato da legislação estadual não autorizá-la. Orientação que vale para outros Estados, inclusive para o Paraná, que só veio a permitir a correção com o Decreto estadual 3.001/94. Tendo sido postulada a correção monetária para créditos de janeiro a junho de 1.990, não merece acolhimento a pretensão da agravante. Agravo regimental desprovido.´ ´EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. LEGISLAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. CREDITAMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA DO CRÉDITO FISCAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E AO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. IMPROCEDÊNCIA. Correção monetária de créditos fiscais eventualmente verificados e comprovados. Direito que, por não estar previsto na legislação estadual, não pode ser deferido pelo Judiciário sob pena de substituir-se o legislador em matéria de sua estrita competência. Agravo regimental não provido.´ Ressalte-se que embora os precedentes citados sejam referentes à correção monetária de créditos escriturais do ICMS, também se aplicam aos créditos escriturais do IPI. Assim, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1o-A, do CPC) para declarar a inexistência de correção monetária sobre os créditos escriturais de IPI" [grifei]. Dou provimento ao recurso com fundamento no disposto no artigo 557, § 1º-A, do CPC, e determino a inversão dos ônus da sucumbência.

49. Nessa toada, também merece ser conhecido e provido o regimental fazendário no concernente à correção monetária dos créditos do IPI, visto que no seu RE pediu-se a aplicação da jurisprudência pacífica da Corte quanto ao tema e que o enfrentara sob o ângulo dos fundamentos invocados pelas agravadas: isonomia e não-cumulatividade.


VII. A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NO CASO EM JULGAMENTO

50. Em derradeiro suspiro, a contribuinte insiste na postulação de que a jurisprudência pacificada e dominante a partir dos RREE ns. 353.657 e 370.682 não se aplica ao feito sob exame, em linha em tudo similar à tese rechaçada pelo STF no julgamento da questão de ordem relativa aos efeitos prospectivos.

51. Sustenta a Empresa que o regimental fazendário tem de ser apreciado à luz da jurisprudência "dominante" (sic) da época. E que o agravo regimental do § 1º do art. 557, CPC, tem como finalidade, apenas, atacar a eventual má aplicação do art. 557, CPC, no tocante aos fundamentos da decisão monocrática. Ou seja, o regimental visa aferir se a jurisprudência coeva era dominante ou não, segundo a contribuinte.

52. Em princípio, a tese da contribuinte encontra eco na jurisprudência da Corte Suprema e, em aparente paradoxo, na linha de atuação da Fazenda Nacional.

53. Aparente paradoxo porque a Fazenda Nacional, como restou sobejamente demonstrado, nunca deixou que a questão dos insumos não-tributados ou tributados à alíquota-zero se tornasse jurisprudência dominante e pacífica no seio do STF. Esse tema somente veio a ser pacificado nos sempre recordados RREE ns. 353.657 e 370.682. Antes, não havia que se falar em jurisprudência dominante e pacífica.

54. Assim, nesse particular, o regimental fazendário encilha-se nas angustas finalidades desse recurso, segundo o professado pela Empresa, por isso o pleno cabimento do agravo regimental em debate.

55. Ainda que se entendesse como dominante e assentada a jurisprudência do aludido tema, o que se faz apenas para ilustrar a argumentação, seria o caso da aplicação do disposto nos arts. 101 e 103 do Regimento Interno do STF.

Art. 101. A declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciado por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário, salvo o disposto no art. 103.

Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.

56. Seria, só para argumentar, a hipótese da presente situação, porquanto houve o sobrestamento deste regimental, haja vista a nova apreciação encetada nos indefectíveis RREE ns. 353.657 e 370.682.

57. Por razão, independentemente da premissa que se acolha (existência ou não de jurisprudência dominante), o desfecho do julgamento do agravo regimental ora analisado será favorável à Fazenda Nacional, pois se se entender que inexistia a pacificação da jurisprudência – como demonstrado à saciedade – aplica-se o disposto no § 1º do art. 557, CPC. Se se entender existente a jurisprudência dominante, aplica-se o art. 103 do RISTF.

58. Recorde-se, todavia, que o Pretório Excelso, em outras oportunidades em que houve uma "virada" jurisprudencial, aplicou o novo entendimento aos processos em curso e que ainda não tivessem, por óbvio, transitados em julgado, como na presente questão.

59. À guisa de exemplo, tenha-se o sucedido com a "virada" jurisprudencial da questão do "depósito prévio administrativo". Até o julgamento do RE 388.359 (Marco Aurélio), a jurisprudência assentada do STF era no sentido de sua plena constitucionalidade. Nada obstante, após o novo entendimento da Corte, o Tribunal passou aplicá-lo aos processos em curso, mesmo aqueles que estavam em exame mediante agravo regimental.

Agravo de Instrumento n. 398.933 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 04.02.2007; DJ 29.06.2007):

EMENTA: Recurso administrativo: depósito prévio.

1. O Supremo Tribunal, revendo entendimento anterior, assentou que a exigência do depósito prévio do valor da multa questionada, como condição de admissibilidade de recurso administrativo, ofende o art. 5º, LV, da Constituição da República (RE 388.359, Pl, 28.03.07, M. Aurélio, Inf./STF 461).

2. Agravo regimental provido e convertido em recurso extraordinário, ao qual se dá provimento, conforme o precedente, com ressalva do voto vencido do Relator deste, para declarar a inconstitucionalidade do art. 250 do Dec-lei 5, de 15.3.1975, com as redações sucessivamente ditadas pela L. 3.188, de 22 fevereiro de 1999 e pela L. 3.344, de 29 de dezembro de 1999, todos do Estado do Rio de Janeiro.

Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 580.685 (Min. Rel. Cármen Lúcia, DJ 18.06.2007)

DECISÃO:

AGRAVO REGIMENTAL. DEPÓSITO PRÉVIO. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO.

Relatório.

1. Em 23 de março de 2006, a Ministra Ellen Gracie, então Relatora do presente recurso, negou seguimento ao agravo de instrumento interposto por Comércio de Tecidos Yale Ltda. contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o qual concluíra ser constitucional a exigência do depósito prévio como requisito de admissibilidade do recurso administrativo.

É a seguinte a decisão agravada:

"1. Trata-se de agravo de instrumento contra despacho denegatório de recurso extraordinário, que o inadmitiu por entender incabível o apelo extremo apresentado contra decisão que não seja de única ou última instância, com aplicação da Súmula STF nº 281.

2. Ainda que superado tal óbice, não merece prosperar a irresignação da agravante. Preliminarmente, a controvérsia relativa ao reexame do julgamento proferido em grau de embargos de declaração, para fins de nulidade, por negativa de prestação jurisdicional e ausência de fundamentação, reside no campo processual, inviabilizando o trânsito do apelo extremo, interposto a pretexto de contrariedade ao disposto nos arts. 5º, II, e 93, IX, da Constituição Federal. Nesse sentido, RE 195.884-ED, rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, unânime, DJ de 09.06.2000, e AI 320.562-AgR, rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, unânime, DJ de 26.10.2001.

3. Quanto ao mérito, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte que, no julgamento do RE 210.246, Plenário, por maioria, DJ de 17.03.2000, e do RE 235.038, 1ª Turma, unânime, DJ 16.10.1998, os quais tiveram como relatores, respectivamente, o Ministro Nelson Jobim e o Ministro Sepúlveda Pertence, firmou entendimento no sentido de ser constitucional a exigência de depósito prévio da multa como requisito necessário à admissibilidade do recurso administrativo, não havendo nessa exigência qualquer afronta à garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, inscritos no art. 5º, LV, da Constituição Federal. Essa orientação tem sido seguida neste Tribunal, tanto em decisões colegiadas, quanto em singulares: AI 534.180-AgR, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJ de 21.10.2005, AI 521.439-AgR, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 04.11.2005, RE 457.200, rel. Min. Eros Grau, DJ de 20.05.2005, e RE 445.322, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 06.04.2005.

4. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo" (fls. 265-266 - grifos no original).

2. Publicada essa decisão no DJ de 3.5.2006 (fl. 267), interpõe Comércio de Tecidos Yale Ltda., ora Agravante, em 8.5.2006, tempestivamente, Agravo Regimental (fls. 269-270; 276-277). Alega que, diferentemente do quanto decidido na decisão ora agravada, a matéria em questão ainda não estaria pacificada neste Supremo Tribunal Federal. Reitera os argumentos constantes do recurso extraordinário e assevera a inconstitucionalidade do depósito prévio discutido nos autos. Requer a reconsideração da decisão agravada ou o provimento do presente agravo regimental. Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO.

3. Razão jurídica assiste ao Agravante.

4. Preliminarmente e conforme consta dos autos, o recurso extraordinário interposto não teria sido admitido em razão da incidência da Súmula 281 deste Supremo Tribunal Federal (fl. 250). No entanto, o Agravante opôs embargos de declaração contra a decisão monocrática que teria negado seguimento ao seu recurso de apelação (fls. 177-179), os quais foram conhecidos e rejeitados. Dessa forma, foi superado o óbice alegado e autorizada, como conseqüência, a discussão da matéria pela via extraordinária.

5. Ademais, diferentemente do quanto assentado na decisão ora agravada, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da inconstitucionalidade da exigência do depósito prévio como requisito de admissibilidade do recurso administrativo.

Nesse sentido, o julgado seguinte:

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 32, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 33, § 2º, DO DECRETO 70.235/72 E ART. 33, AMBOS DA MP 1.699-41/1998. DISPOSITIVO NÃO REEDITADO NAS EDIÇÕES SUBSEQUENTES DA MEDIDA PROVISÓRIA TAMPOUCO NA LEI DE CONVERSÃO. ADITAMENTO E CONVERSÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA NA LEI 10.522/2002. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO CONTEÚDO DA NORMA IMPUGNADA. INOCORRÊNCIA. PRESSUPOSTOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. DEPÓSITO DE TRINTA PORCENTO DO DÉBITO EM DISCUSSÃO OU ARROLAMENTO PRÉVIO DE BENS E DIREITOS COMO CONDIÇÃO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DEFERIDO. Perda de objeto da ação direta em relação ao art. 33, caput e parágrafos, da MP 1.699-41/1998, em razão de o dispositivo ter sido suprimido das versões ulteriores da medida provisória e da lei de conversão. A requerente promoveu o devido aditamento após a conversão da medida provisória impugnada em lei. Rejeitada a preliminar que sustentava a prejudicialidade da ação direta em razão de, na lei de conversão, haver o depósito prévio sido substituído pelo arrolamento de bens e direitos como condição de admissibilidade do recurso administrativo. Decidiu-se que não houve, no caso, alteração substancial do conteúdo da norma, pois a nova exigência contida na lei de conversão, a exemplo do depósito, resulta em imobilização de bens. Superada a análise dos pressupostos de relevância e urgência da medida provisória com o advento da conversão desta em lei. A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, para consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 - posteriormente convertida na lei 10.522/2002 -, que deu nova redação ao art. 33, § 2º, do Decreto 70.235/72. " (ADI 1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.5.2007 - grifo nosso).

E ainda:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DEPÓSITO PRÉVIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou ser inconstitucional a exigência do depósito prévio de percentual do valor do tributo cobrado como pressuposto obrigatório para a interposição de recurso administrativo voluntário. 2. Agravo regimental a que se dá provimento. " (RE 379.244-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 25.5.2007).

6. Pelo exposto, reconsidero a decisão agravada e, com base no art. 544, § 4º, do Código de Processo Civil, conheço do agravo de instrumento e dou provimento a ele e, de pronto, também dou provimento ao recurso extraordinário, para conceder a segurança e julgar inconstitucional a exigência do depósito prévio como requisito necessário à admissibilidade do recurso administrativo. Ficam invertidos os ônus da sucumbência, sem condenação do Agravado aos honorários advocatícios, nos termos da Súmula 512 deste Supremo Tribunal Federal.

60. Situação similar se deu com a "virada" jurisprudencial do FINSOCIAL com relação às empresas exclusivamente prestadoras de serviços, estabelecida no RE 187.436 (Relator Min. Marco Aurélio, J. 25.07.1997, DJ 31.10.1997), em relação ao entendimento sufragado nos RREE ns. 150.755 e 150.764 (Relatores, respectivamente, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 20.08.1993; e Ministro Marco Aurélio, DJ 02.04.1993). Após o novo entendimento da Corte, o Tribunal julgou tanto os "antigos" e em curso, quanto os novos processos na linha da nova jurisprudência.

RE-EDv 198.604 (Relator Sydney Sanches, J. 17.06.1998, DJ 18.09.1998)

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. FINSOCIAL. ART. 28 DA LEI Nº 7.738, DE 09 DE MARÇO DE 1989. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTAS. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.

1. A divergência entre o acórdão embargado e o paradigma ficou satisfatoriamente demonstrada nos Embargos.

2. E o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento ocorrido a 25.06.1997, no R.E. nº 187.436, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, por maioria de votos, declarou a constitucionalidade do art. 7º da Lei nº 7.787, de 30.06.89, do art. 1º da Lei nº 7.894, de 24.11.89 e do art. 1º da Lei nº 8.147, de 28.12.90, com relação às empresas exclusivamente prestadoras de serviços.

3. Embargos conhecidos e recebidos, para não se conhecer do recurso extraordinário, restando, pois, indeferido o Mandado de Segurança.

4. Custas "ex-lege".

RE 163878 (Relator Ministro Octávio Gallotti, J. 14.10.1997; DJ 23.10.1998)

EMENTA:

FINSOCIAL. Contribuição. Empresas de venda de mercadorias e empresas prestadoras de serviços.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 7.689/88, que manteve a contribuição do Finsocial para as empresas comerciais e industriais, e das leis subseqüentes nºs. 7.787/89, 7.894/89 e 8.147/90, que modificaram a sua alíquota (RE 150.764, DJ. 02.04.93).

Considerou, porém, legítima a cobrança, inclusive no que se refere às alterações de alíquota, para as empresas que realizam exclusivamente prestação de serviços, nos termos em que fora mantida pelo art. 28, da Lei nº 7.738/89 (RREE 150755, RTJ. 149/259 e 187436, DJ. 01.08.97).

Recurso extraordinário conhecido e provido em parte.

61. Assim, o pleito da Empresa de que a "nova" jurisprudência é inaplicável aos "antigos" processos ou aos feitos em curso não encontrou ressonância nos procedimentos do STF em outras oportunidades, por uma razão de justiça, bom senso, razoabilidade e economia processual.

62. Se o STF encampasse essa tese de que a "nova" jurisprudência somente deveria valer para os novos feitos que ascendessem ao Tribunal, em vez de imediatamente solucionar todas as demandas com a jurisprudência que se pacificou e, por conseqüência, tornou-se dominante, estaria ensejando a uma futura avalanche de ações rescisórias. Não é essa a finalidade do sistema judicial.

63. Tanto não é esse o objetivo, que o Regimento Interno determina o sobrestamento do feito. Qual a razão desses sobrestamentos? Só pode ser a pacificação da questão constitucional para sua posterior aplicação nos feitos sobrestados. Do contrário, não teria sentido sobrestar os processos em andamento para não lhes aplicar o entendimento sufragado soberanamente pelo Plenário da Corte e de modo irrefutável.

64. Nessa toada, há várias decisões monocráticas aplicando a "processos antigos" ou que estavam em curso à época da pacificação jurisprudencial sob exame, inclusive de Ministros que foram "vencidos" nos julgamentos dos RREE ns. 353.657 e 370.682, mas que, em homenagem à soberania da maioria e supremacia do Plenário, e em atendimento aos princípios da celeridade e economicidade processual e de uma razoável duração do processo, passaram a decidir nos termos pleiteados pela Fazenda Nacional.

RE n. 371.964, Relator Ministro Carlos Britto:

DECISÃO: Vistos, etc. Cuida-se de recurso extraordinário em que se discute a legitimidade da utilização de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero e pela não-tributação.

2. Pois bem, o Plenário deste Supremo Tribunal, ao apreciar os REs 353.657 e 370.682, entendeu que a mencionada utilização de créditos afronta o inciso II do § 3º do art. 153 da Constituição Federal. Esta colenda Corte concluiu que a não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão expressa da própria Carta Magna, tributo devido e já recolhido e que, nos casos de alíquota zero e não-tributação, não há parâmetro normativo para se definir a quantia a compensar. O Tribunal ressaltou que, ao ser admitida a apropriação dos créditos, o produto menos essencial proporcionaria uma compensação maior, sendo o ônus decorrente dessa operação suportado indevidamente pelo Estado. Mais: ficou esclarecido que a Lei nº 9.779/99 não confere direito a crédito na hipótese de alíquota zero ou de não-tributação, mas, sim, nos casos em que as operações anteriores forem tributadas.

3. Por outra volta, o Plenário entendeu que não era de se aplicar aos casos a técnica da modulação de efeitos das decisões, dado que se cuidava de mera "reversão de precedente", e não propriamente de "virada jurisprudencial" (palavras do Ministro Sepúlveda Pertence).

Isso posto, aplico o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal e dou provimento ao recurso. O que faço com base no § 1º-A do art. 557 do CPC.

RE n. 352.424, Relator Ministro Cezar Peluso:

DECISÃO.   

1. Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendeu devida a compensação de créditos de IPI relativamente à aquisição de matérias primas e insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero. A recorrente, com fundamento no art. 102, III, a, alega ter havido violação ao disposto no art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal.

2. Consistente o recurso. É que o acórdão recorrido decidiu a causa em desacordo com a posição firmada pela Corte no julgamento dos REs nº 370.682 (Rel. Min. ILMAR GALVÃO), e 353.657 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO), concluído em 25.06.2007, e nos quais o Plenário decidiu ser indevida compensação de créditos de IPI decorrentes da aquisição de matérias-primas e insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero.

3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para negar a compensação de créditos de IPI decorrentes da aquisição de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero. Custas em proporção.

RE n. 459.553, Relator Ministro Eros Grau:

DECISÃO.

1. A controvérsia em torno da qual se debate nestes autos, foi recentemente apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

2. Esta Corte, no julgamento do RE n. 353.657, Relator o Ministro Marco Aurélio, e do RE n. 370.682, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Sessão do dia 25 de junho de 2.007, por unanimidade, conheceu do recurso e, por maioria, deu-lhe provimento, vencidos os Senhores Ministros Cezar Peluso, Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, no sentido da inexistência do direito do contribuinte do IPI --- Imposto sobre Produtos Industrializados --- de creditar-se do valor do tributo na aquisição de insumos sujeitos à alíquota zero ou não-tributados.

3. No que respeita à questão de ordem levantada pelo Ministro Ricardo Lewandowski --- modulação temporal dos efeitos da decisão --- este Tribunal decidiu que a União poderá reaver o IPI das empresas que compensaram tributos com créditos de matérias-primas em que incide alíquota zero ou naquelas não-tributadas.

4. No julgamento da questão de ordem afirmei, em meu voto, que nenhuma razão relacionada ao interesse social, menos ainda a "excepcional interesse social", prospera no sentido de aquinhoarem-se empresas que vieram a Juízo afirmando interpretação que esta Corte entendeu equivocada. Fizeram-no, essas empresas, por sua conta e risco. É seguramente inusitado: o empresário pretende beneficiar-se por créditos aos quais não faz jus; o Judiciário afirma que efetivamente o empresário não é titular de direito a esses mesmos créditos, mas o autoriza a fazer uso deles até certa data... Um "negócio da China" para os contribuintes, ao qual corresponde inimaginável afronta ao interesse social. Nego seguimento ao RE com esteio no disposto no artigo 21, § 1º, do RISTF.

RE n. 512.772, Relatora Ministra Cármen Lúcia:

DECISÃO

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI: IMPOSSIBILIDADE DE CRÉDITO DE VALOR DO TRIBUTO NAS HIPÓTESES DE AQUISIÇÃO DE INSUMOS OU MATÉRIAS-PRIMAS EM OPERAÇÕES NÃO TRIBUTADAS OU DE ALÍQUOTA ZERO. INSUMOS ISENTOS: DIREITO A CREDITAMENTO. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Relatório

1. Recurso extraordinário interposto por Azevedo Bento S/A Comércio e Indústria, com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República, contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

"IPI. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INSUMOS ISENTOS, NÃO TRIBUTADOS OU REDUZIDOS À ALÍQUOTA ZERO. CRÉDITO PRESUMIDO. INEXISTÊNCIA. EMPRESA FORNECEDORA DE INSUMO INTEGRANTE DO SIMPLES.

1. De acordo com a inteligência do art. 153, § 3º, inc. II, da Constituição Federal, somente os valores efetivamente recolhidos na operação anterior é que podem gerar créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, por ocasião da saída do produto final do estabelecimento industrial.

2. Assim, por não haver "cobrança" do imposto na operação de entrada, relativamente à aquisição de insumos isentos, não-tributados ou sujeitos à alíquota zero, é vedada a aquisição de crédito - presumido - relativamente a tais operações. Precedentes da Primeira Seção deste Tribunal Regional.

3. A orientação do Pretório Excelso segue no mesmo sentido, consoante se observa dos votos já proferidos no REXT 353.657/PR, ainda pendente de julgamento definitivo.

4. Negado provimento ao apelo." (fl. 1379)

2. A Recorrente alega que o acórdão recorrido teria contrariado os arts. 153, § 3º, e 155, § 2º, da Constituição da República.

Sustenta que "todo contribuinte tem direito ao crédito do IPI não cobrado em operação declarada isenta, não tributada ou ainda reduzida à alíquota zero. O não-aproveitamento deste crédito implica em tributar o valor integral do produto, tornando ineficaz a isenção e a não-incidência fiscal concedida" (fl. 1452).

Examinada a matéria trazida na espécie, DECIDO.

3. Razão jurídica assiste, em parte, à Recorrente.

4. É entendimento do Supremo Tribunal Federal que o direito de crédito de IPI em relação a insumos isentos de IPI não ofende o art. 153, § 3º, da Constituição da República. Confira-se o Recurso Extraordinário 212.484, Redator para acórdão Ministro Nelson Jobim, DJ 27.11.1998:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTE SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. Recurso não conhecido."

5. Quanto ao creditamento de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero, em 25 de junho de 2007, ao finalizar o julgamento dos Recursos Extraordinários n. 353.657, Relator Ministro Marco Aurélio, e 370.682, Relator Ministro Ilmar Galvão (Informativo STF 473), o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da impossibilidade de se conferir crédito tributário aos contribuintes adquirentes de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero, em razão da ausência de recolhimento do imposto, donde a incapacidade de gerar o crédito.

Ponderou-se, ainda, que o entendimento contrário ofenderia o princípio da seletividade, pela possibilidade de compensação maior para os produtos menos essenciais.

6. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.

7. Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário para autorizar o crédito de IPI apenas nas operações isentas (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), mantido no mais o acórdão recorrido. Invertidos, nesse ponto, os ônus da sucumbência.

65. A aludida jurisprudência colacionada é sinal eloqüente de que para os Ministros do STF a questão constitucional do creditamento do IPI (insumos isentos, não-tributados ou tributados à alíquota-zero) está definitivamente resolvida e que deve ser aplicada para todos os processos, sejam os "antigos", os "em curso" e os novos.

66. Nem poderia ser diferente. O STF é o "guardião-mor" da Constituição. Seu último intérprete, sua última "sentinela". Ao Tribunal Supremo cabe a delicada missão de uniformizar o direito constitucional vigente, velar por sua coerência narrativa e por sua unidade sistemática, servindo de farol para todos os outros órgãos judiciais, assim como para todos os demais Poderes Públicos e para a sociedade de modo geral.

67. O verdadeiro poder do STF advém de sua estrita obediência ao texto constitucional e da fiel observância de sua própria jurisprudência pacificada, em respeito à segurança jurídica e à igualdade. Por essa razão, raia à irrisão a proposta de que nos processos em curso o Tribunal não pudesse aplicar a "nova" jurisprudência assentada pela Corte.


VIII. O PRESENTE CASO CONCRETO: BREVE HISTÓRICO

68. Cuida-se de Mandado de Segurança preventivo no qual se postula "pelo aproveitamento de seus créditos acumulados de IPI decorrentes de todas as entradas de matérias-primas isentas, não-tributadas ou tributadas à alíquota zero nos últimos dez anos (ou seja, desde julho de 1990), como se tivesse havido tributação na sua entrada com alíquota idêntica à incidente na saída do produto final para cuja fabricação concorrem, atualizados pela inflação real do período", com esteio no art. 153, § 3º, II, Constituição da República.

69. A Sentença escoteira concedeu parcialmente a segurança requerida "para o efeito de reconhecer às impetrantes o direito de aproveitar os valores de aquisição de matérias primas isentas, não-tributadas, ou tributadas com alíquota zero de IPI como abatimento do valor de venda dos produtos que elaboram, para apuração do referido tributo. O aproveitamento mencionado fica limitado às operações de aquisição de insumos efetivadas dentro dos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, e sobre eles será computada correção monetária segundo a variação da UFIR, até 31.12.95, e daí até o efetivo aproveitamento segundo o § 4º, do art. 39, da L 9.250/1995".

70. Das apelações interpostas houve acórdão do Tribunal Federal da 4ª Região, cuja ementa está vazada nos seguintes termos:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. MATÉRIAS-PRIMAS E INSUMOS ISENTOS, NÃO-TRIBUTADOS OU TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO. PRODUTO FINAL TRIBUTADO. POSSIBILIDADE DE CREDITAMENTO. PRAZO DECADENCIAL. COMPENSAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.

1. O princípio da não-cumulatividade, insculpido no artigo 153, § 3º, II, da Constituição Federal, deve ser observado em todas as etapas do processo produtivo, inclusive se houver o emprego de matérias-primas ou insumos isentos, não-tributados ou tributados à alíquota zero no processo de industrialização do produto. Se for eliminada a possibilidade de aproveitamento do crédito de IPI referente a insumos adquiridos sem a incidência dessa exação, estar-se-á anulando o tratamento privilegiado, pois a alíquota do tributo recairá sobre a totalidade do valor do produto industrializado e não somente sobre o valor agregado.

2. A restrição imposta pelo art. 155, § 2º, II, da Constituição, está adstrita ao ICMS.

3. A distinção doutrinária entre isenção, não-tributação e tributação à alíquota zero não constitui óbice ao direito de crédito do IPI, visto que, na prática, todas são formas de desoneração tributária. Embora o art. 11 da Lei nº 9.779/99 não abarque a hipótese dos autos, reforça essa tese, porquanto o legislador avalizou a igualdade de tratamento às situações de isenção e tributação com alíquota zero, resguardando a regra constitucional da não-cumulatividade do IPI.

4. O fato de o IPI possuir uma forma diferenciada de apuração, mediante a aferição de créditos e débitos por intermédio de um "sistema conta-corrente", não afasta a aplicação das regras do CTN.

Embora os créditos em questão sejam escriturais, não há negar que o não-creditamento, vedado pelo Regulamento do IPI, constitui pagamento indevido, a justificar o direito do contribuinte ao ressarcimento do tributo.

5. Em sede de prazo decadencial, aplica-se o artigo 150, § 4º, combinado com o artigo 168 do CTN, ou seja, o contribuinte terá direito à escrituração de créditos do IPI nos 10 (dez) anos anteriores à propositura da ação.

6. Na forma do artigo 66 da Lei nº 8.383/91, é possível a compensação dos valores apurados a maior somente com prestações vincendas do próprio IPI, extinguindo-se o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação (art. 150, § 1º, do CTN). O artigo 11 da Lei nº 9.779/99 em nada alterou a sistemática de compensação, devendo o contribuinte, se pretender utilizar tais créditos na compensação com outros tributos ou contribuições administrados pela SRF, protocolar requerimento administrativo nesse sentido.

7. Aplicável, no particular, a correção monetária integral, consoante precedente da 1ª Seção deste Tribunal (EIAC 1999.71.11.003968-3), inclusive com a incidência da Taxa SELIC, a partir de 01/01/1996, afastado, no entanto, qualquer outro acréscimo porque composta de correção monetária e juros, na forma do artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, sob pena de malferimento do princípio da isonomia.

71. Contra essa decisão foi interposto Recurso Extraordinário no qual Fazenda Nacional pede para declarar a inviabilidade do reconhecimento de crédito na aquisição de insumos não-tributados ou sujeitos à alíquota zero, bem como ser declarada a invalidade da correção monetária dos créditos escriturais do IPI, nos termos dos arts. 150, § 6º e 153, § 3º, II, Constituição da República.

72. O Relator originário, Ministro Sydney Sanches, prolatou a seguinte decisão:

DECISÃO: 1. Trata-se de R.E. contra acórdão assim ementado a fls. 311/312:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. MATÉRIAS-PRIMAS E INSUMOS ISENTOS. NÃO-TRIBUTADOS OU TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO. PRODUTO FINAL TRIBUTADO. POSSIBILIDADE DE CREDITAMENTO. PRAZO DECADENCIAL. COMPENSAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.

1. O princípio da não-cumulatividade, insculpido no artigo 153, § 3º, II, da Constituição Federal, deve ser observado em todas as etapas do processo produtivo, inclusive se houver o emprego de matérias-primas ou insumos isentos, não-tributados ou tributados à alíquota zero no processo de industrialização do produto. Se for eliminada a possibilidade de aproveitamento do crédito de IPI referente a insumos adquiridos sem a incidência dessa exação, estar-se-á anulando o tratamento privilegiado, pois a alíquota do tributo recairá sobre a totalidade do valor do produto industrializado e não somente sobre o valor agregado.

2. A restrição imposta pelo art. 155, § 2º, II, da Constituição, está adstrita ao ICMS.

3. A distinção doutrinária entre isenção, não-tributação e tributação à alíquota zero não constitui óbice ao direito de crédito do IPI, visto que, na prática, todas são formas de desoneração tributária. Embora o art. 11 da Lei nº 9.779/99 não abarque a hipótese dos autos, reforça essa tese, porquanto o legislador avalizou a igualdade de tratamento às situações de isenção e tributação com alíquota zero, resguardando a regra constitucional da não-cumulatividade do IPI.

4. O fato de o IPI possuir uma forma diferenciada de apuração, mediante a aferição de créditos e débitos por intermédio de um "sistema contra-corrente", não afasta a aplicação das regras do CTN. Embora os créditos em questão sejam escriturais, não há negar que o não-creditamento, vedado pelo Regulamento do IPI, constitui pagamento indevido, a justificar o direito do contribuinte ao ressarcimento do tributo.

5. Em sede de prazo decadencial, aplica-se o artigo 150, § 4º, combinado com o artigo 168 do CTN, ou seja, o contribuinte terá direito à escrituração de créditos do IPI nos 10 (dez) anos anteriores à propositura da ação.

6. Na forma do artigo 66 da Lei nº 8.383/91, é possível a compensação dos valores apurados a maior somente com prestações vincendas do próprio IPI, extinguindo-se o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação (art. 150, § 1º, do CTN). O artigo 11 da Lei nº 9.779/99 em nada alterou a sistemática de compensação, devendo o contribuinte, se pretender utilizar tais créditos na compensação com outros tributos ou contribuições administrados pela SRF, protocolar requerimento administrativo nesse sentido.

7. Aplicável, no particular, a correção monetária integral, consoante precedente da 1ª Seção deste Tribunal (EIAC nº 1999.71.11.003968-3), inclusive com a incidência da Taxa SELIC, a partir de 01/01/1996, afastado, no entanto, qualquer outro acréscimo porque composta de correção monetária e juros, na forma do artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, sob pena de malferimento do princípio da isonomia."

2.  Quanto ao creditamento, o aresto está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, firmada nos RR.EE. 212.484, 350.446 e 353.668.

3.  E a questão relativa à correção monetária, no caso, é infraconstitucional, pois concedida com base em normas dessa natureza, o que inviabiliza o R.E. (art. 102, III, da C.F.).

4.  Isto posto, com base nos artigos 21, § 1º, do R.I.S.T.F., 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.1990, e 557 do C.P.Civil, nego seguimento ao R.E."

73. Contra esse referido despacho a Fazenda Nacional aviou Agravo Regimental. Em sessão da Egrégia Primeira Turma, de 25.02.2003, o Relator Ministro Sidney Sanches negou provimento ao Regimental fazendário. O Ministro Ilmar Galvão pediu vista dos autos para melhor exame.

74. Em 30.04.2003 (data de sua última atuação como magistrado do STF), o Ministro Ilmar Galvão exarou o subseqüente despacho:

"DESPACHO: Vistos, etc.

Ante a sugestão feita pela Primeira Turma, na assentada de 25.02.2003, de reexame da presente controvérsia pelo Plenário desta Corte, pedi vista dos autos.

Assim, mantenho sobrestado o julgamento deste agravo regimental até a final apreciação, pelo Pleno, do RE 370.682, atualmente com vista ao eminente Ministro Gilmar Mendes."

75. Em 25.05.2003, o Ministro Carlos Britto sucedeu o Ministro Ilmar Galvão na Suprema Corte e herdou o seu acervo, inclusive o "pedido de vista" feito pelo Ministro jubilado.

76. Em 03.08.2007, a Primeira Turma, resolvendo questão de ordem proposta pelo Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente, decidiu que os autos do presente recurso extraordinário, com pedido de vista do Ministro Ilmar Galvão, em face da quase total reformulação da Turma que se seguiu, devem ser encaminhados com vista ao Ministro Carlos Britto.


IX. CONCLUSÕES

77. Antes de formular as conclusões, é imperioso registrar a atuação davídica da PFN Luciana Moreira Gomes (que nunca se deixou intimidar – nem se intimidará - por goliardos da advocacia tributária com todo o seu poderio econômico), em demonstração comovente de defesa dos interesses públicos, em estrita obediência ao seu dever funcional e com paixão pela causa fazendária. A Fazenda Nacional tem uma dívida irresgatável com a procuradora Luciana Moreira Gomes. Ela é credora de nossa admiração profissional e depositária do nosso inarredável apoio institucional.

78. Ante o exaustivamente demonstrado, no tocante ao creditamento do IPI nas hipóteses de insumos não-tributados ou tributados à alíquota zero, o correto é a aplicação da jurisprudência timbrada nos RREE ns. 353.657 e 370.682. E quanto à correção monetária o decidido no RE n. 495.789


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Walber Siqueira. Os poderes instrutórios do juiz e a difícil tarefa de julgar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/811. Acesso em: 26 abr. 2024.