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Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo

Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo

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No caso dos acidentes em massa, a evolução do regime de responsabilidade civil possibilitou o reconhecimento do dano moral coletivo, haja vista que as tragédias trabalhistas agridem não somente os trabalhadores envolvidos, mas a sociedade como um todo.

RESUMO: As novas formas de organização do trabalho têm sido responsáveis pela massificação dos sinistros laborais. O acidente de trabalho não atinge apenas a vítima: projeta-se em sua família e tem reverberações emocionais e econômicas na sociedade como um todo. Nestes casos, doutrina e jurisprudência têm debatido qual das espécies de responsabilidade civil deveria ser aplicada ao empregador: a subjetivação da responsabilidade ou o enfoque dos sinistros laborais à luz da teoria do risco. No caso dos acidentes em massa, a evolução do regime de responsabilidade civil possibilitou o reconhecimento do dano moral coletivo, haja vista que as tragédias trabalhistas agridem não somente os trabalhadores envolvidos, mas o ordenamento jurídico como um todo, provocando revolta e consternação na sociedade. Desta forma, investigar os lastros legais e teóricos da responsabilidade civil é fundamental para descobrir quais soluções ela pode oferecer na perspectiva reparatória dos acidentes coletivos.

Palavras-chave: Acidentes coletivos. Dano Moral. Responsabilidade civil. Responsabilidade do empregador. Teoria do risco.


1 INTRODUÇÃO

Acidentes e tragédias sempre fizeram e farão parte da história da civilização. O saudoso ministro Mozart Russomano, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, costumava a dizer que “como a vida é mais inteligente que o homem, a lei e a técnica, por mais perfeita que sejam, não podem impedir que ocorram acidentes” (RUSSOMANO, 1961, p. 190).

É verdade que a Revolução Industrial marca uma importante virada histórica, aumentando a renda média, o padrão e a qualidade de vida da população em geral. Ao mesmo tempo, as novas formas de organização do trabalho que dela emergiram têm sido responsáveis, em grande medida, pela sinistralidade laboral massiva e sistemática que caracterizou o mundo do trabalho nos últimos dois séculos (PINTO, 1996).

Muitas vezes, o indelével dano sofrido em um acidente profissional não fica restrito ao trabalhador acidentado: atinge sua família e produz reverberações na esfera social. Acresça-se a isso o fato de que a queda de produtividade nos ambientes de trabalho em que ocorrem acidentes é evidente e inevitável, seja pelo afastamento do acidentado, seja pelas transformações no clima organizacional impactado pela ocorrência (MORAIS, 2018).

O fenômeno acidentário também acarreta, em escala nacional, consideráveis prejuízos previdenciários e econômicos (HASSON & LAVALLE, p. 3). De acordo com dados[1] do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, entre 2012 e 2019, a Previdência Social gastou cerca de 83 bilhões de reais com benefícios acidentários (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio-acidente). Neste mesmo período, foram registradas 4,7 milhões de ocorrências envolvendo trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, sendo que 17.443 foram fatais.

Na visão do ilustre Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, em sua formidável obra ‘Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional’, “a questão fica ainda mais incômoda quando já se sabe que a implementação de medidas preventivas — algumas bastante simples e de baixo custo — alcança reduções estatísticas significativas, ou seja, economiza vidas humanas” (OLIVEIRA, 2018, p. 31).

Sabemos que não se pode evitar todo e qualquer incidente trabalhista, pois, como lembrou recentemente o Professor Doutor João Areosa, no Seminário Internacional sobre Grandes Acidentes do Trabalho, “o risco zero não existe”[2]. Portanto, será necessário reparar o mal, nos casos em que o trabalhador acidentado não se recuperar inteiramente.

Assim, quando a vítima é incapaz de voltar a exercer sua profissão original, deve ser buscada a sua reabilitação profissional, à qual a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) dedicou vários dispositivos, notadamente os artigos 62[3] e 89[4]. Além de ter acesso aos tratamentos necessários, o acidentado, reabilitado ou não, também terá direito à percepção do auxílio-acidente (a título de indenização) previsto no artigo 86[5] da Lei 8.213/91, com fincas a compensar, ao menos teoricamente, os prejuízos sofridos em virtude do sinistro.

Todavia, é óbvio e ululante que a proteção previdenciária não é plena. Do ponto de vista da infortunística[6], o trabalhador ficaria, a priori, desguarnecido em aspectos como lucros cessantes e danos emergentes. Nesta linha, esclarecem CASTRO & LAZZARI (2017, p. 419):

“Por esta razão, o constituinte de 1988 manteve a responsabilidade civil do empregador, independentemente do seguro de acidentes de trabalho e a consequente proteção pelo regime previdenciário. Havendo culpa do empregador, no campo da responsabilidade civil, o indivíduo pode postular em Juízo uma reparação maior, com pretensão de restitutio in integrum – incluindo então as perdas e danos decorrentes da morte, lesão corporal ou perturbação funcional.”

Neste sentido, o ordenamento jurídico pátrio consagrou o entendimento de que a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa do empregador. Doutrina e jurisprudência analisam e debatem qual das espécies de responsabilidade civil deve ser aplicada ao empregador nos casos de acidentes de trabalho (SILVA, 2012, p. 8). Conforme veremos adiante, haverá a possibilidade de responsabilidade subjetiva, com fulcro no artigo 7º, inciso XXVIII, da Carta de 1988, ou a perspectiva de aplicação da responsabilidade objetiva, prevista artigo 927 do novo diploma civil e fundamentada na teoria do risco.

Nos últimos anos, a evolução jurisprudencial e doutrinária do regime da responsabilidade civil tem consolidado a devida tutela nos casos de acidentes de massa, viabilizando o reconhecimento do instituto do dano moral coletivo (MEDEIROS NETO, 2012, p. 303). Acidentes em massa, como as tragédias ocorridas em Mariana e Brumadinho, agridem não apenas os trabalhadores envolvidos e suas famílias, mas o ordenamento jurídico como um todo, provocando indignação e repulsa na sociedade. Portanto, é preciso considerar, na esfera reparatória dos acidentes coletivos, a ofensa a valores éticos fundamentais da coletividade.

Desta forma, deve-se examinar em que medida são aplicáveis os sistemas de responsabilidade previstos pelo Código Civil de 2002, harmonizando suas premissas com os preceitos constitucionais e com as leis ordinárias que garantem os direitos do trabalhador, sobretudo no âmbito da coletividade, cuja dignidade e padrão ético possuem, segundo a Ministra Nancy Andrighi[7] “natureza extrapatrimonial, pois seu valor econômico não é mensurável”.

Para proceder essa análise, desenvolveremos as noções necessárias para a compreensão do tema, notadamente o conceito e as modalidades de acidente do trabalho, de forma a delimitar suas características e fundamentos legais. Num segundo momento, faremos uma síntese da responsabilidade civil e de como ela tem sido aplicada no Direito Trabalhista para abordar a sinistralidade laboral, demonstrando a teoria do risco e os debates sobre sua aplicação. Por fim, analisaremos em que medida a violação a direitos difusos e coletivos pode ensejar a lesão de valores extrapatrimoniais de uma dada coletividade, bem como as perspectivas reparatórias nestes casos, especialmente à luz da teoria do risco.


2 ACIDENTE DE TRABALHO

De acordo com a Lei de Benefícios e Previdência Social (Lei nº 8.213 de 1991), o acidente do trabalho é um evento social de conteúdo genérico, que abrange o acidente típico, previsto no art. 19, as moléstias ocupacionais (descritas no art. 20) e as demais equiparações legais elencadas no art. 21 da mesma lei.

Acidente típico

O acidente típico é caracterizado pela lesão corporal ou psíquica resultante da ação súbita, fortuita e violenta de uma causa exterior ou de um esforço desenvolvido pelo próprio lesado quando em trabalho. Segundo o caput do artigo 19 da Lei nº 8.213/1991, com redação dada pela LC nº. 150/2015:

“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”

Na lição de Mozart Russomano, “o acidente de trabalho é um acontecimento externo, violento, súbito e fortuito, vinculado ao serviço prestado pela vítima” (RUSSOMANO, 1981, p. 186).

Assumir que o acidente é gerado por um fato externo implica dizer que o dano que atingiu o indivíduo não era congênito nem preexistente. Isso não significa a impossibilidade de o fato ser gerado pela própria vítima. Para CASTRO & LAZZARI (2017, p. 414) “a partir da inclusão das prestações por acidente de trabalho no âmbito da Previdência Social, está-se diante da teoria do risco social, segundo a qual é devido o benefício, independentemente da existência de dolo ou culpa da vítima”.

RUSSOMANO (1981, p. 187) também o concebe como um fato de natureza violenta, na medida em que o acidente laboral fere a integridade física ou psíquica do indivíduo, tendo como resultado a incapacidade ou morte. Assim, o incidente que não gera danos à integridade do indivíduo não integra, portanto, o conceito. No sentido estrito do termo, deve-se ressaltar que o acidente do trabalho se equipara ao caso fortuito ou força maior, constituindo acontecimento imprevisível, cujo resultado não era desejado por nenhum dos agentes. Além disso, o evento que gera o infortúnio é abrupto, ou seja, transcorre durante curto lapso temporal, embora seus efeitos possam repercutir tempos após (as chamadas sequelas). Por isso, diz-se que o acidente de trabalho decorre de um fato súbito.

Sabe-se, também, que a culpa exclusiva da vítima é uma das causas excludentes da responsabilidade, não havendo que se falar em ressarcimento nesses casos. Não há que se impor ao empregador a responsabilidade de indenizar quando, pelo conjunto de provas dos autos, conclui-se que foi a própria vítima que, agindo por conta e risco, causou a si mesma acidente (LEMOS, 2018).

Doenças ocupacionais

O artigo 20 da lei nº 8.213/91 considera como acidente do trabalho as chamadas doenças ou moléstias ocupacionais. Para STEPHANES (1998, p. 219), tais moléstias são aquelas que “resultam de constante exposição a agentes físicos, químicos e biológicos, ou mesmo do uso inadequado dos novos recursos tecnológicos, como os da informática”.

O texto legal faz distinção entre doenças profissionais e do trabalho. As doenças profissionais, segundo o art. 20, I da Lei 8.213/91, são aquelas produzidas ou desencadeadas pelo trabalho, comuns a profissionais de certa atividade. Por exemplo, o saturnismo (intoxicação provocada pelo chumbo) e a silicose (sílica), muito comuns em trabalhadores da mineração.

Já as doenças do trabalho, elencadas no art. 20, inciso II da Lei 8.213/91, não estão atreladas às atividades desempenhadas pelo trabalhador, mas às condições especiais sob as quais o trabalho é executado. É o caso de um segurança que exerce atividade em casa noturna cujo “som ambiente” supera os limites de tolerância. A atividade em si não gera doença ou incapacidade, mas, pelas condições em que exerce o seu trabalho, o empregado estará sujeito ao agente nocivo à sua saúde – ruído excessivo (CASTRO & LAZZARI, 2017, p. 415).

Acidente por equiparação

A Lei 8.213/91, em seu art. 21, tratou de equiparar alguns eventos a acidentes de trabalho, ainda que tais ocorrências não reunissem todos os elementos do acidente de trabalho típico. Como exemplo de eventos equiparados, podemos citar o acidente sofrido no local de trabalho, nos períodos destinados a descanso (Art. 21, § 1º). Neste caso, opera-se a equiparação no sentido de suprir a literalidade do termo “exercício do trabalho”. Ou seja, ainda que o funcionário, no momento do acidente, não estivesse literalmente exercendo a atividade laborativa, considerar-se-á o evento como acidente de trabalho.

Outros exemplos são aqueles danos sofridos em viagens a serviço da empresa (art. 21, IV, alínea a), ou os chamados “acidentes de trajeto”[8] (art. 21, IV, alínea d), ocorridos no percurso da residência do trabalhador até a empresa.

Como a lei traça normas gerais e abstratas, os casos concretos solucionados pelo Poder Judiciário ensejaram o desenvolvimento de um repertório jurisprudencial muito variado no que se refere aos acidentes por equiparação (CAIRO JR, p. 56).


3 DA INSUFICIÊNCIA DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Incumbe à União, através do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), gerir o sistema de seguros nos casos de incapacidade ou morte decorrentes de acidente de trabalho. Mensalmente, os empregadores recolhem, sobre a folha de pagamento, um determinado percentual, que varia[9] conforme o número de empregados da empresa. Em caso de incapacidade ou morte acidentária, INSS deve indenizar a vítima ou sua família com o pagamento de uma renda mensal de benefício. Neste caso, afirma José Cairo Júnior:

“Há uma simples transferência do risco do empreendimento para o segurador (INSS), através de uma determinação legal, que pode ser considerada como sendo representativa de um contrato de seguro obrigatório” (CAIRO JR, 2002, p. 80)

Desta forma, o empregador passou a ter a responsabilidade de resguardar a integridade física e emocional de seus empregados. RUSSOMANO (1961, pp. 191-192) entende que:

“A parte mais importante de nossa legislação sobre infortunística — do ponto de vista do empregado e da sociedade — se consubstancia naqueles dispositivos que visam a impedir que o acidente se desencadeie. O dano físico resultante do evento não é, apenas, um dano pessoal. Projeta-se na família da vítima e perturba a paz social, pois o grupo humano, para sobreviver e progredir, precisa do trabalho e da cooperação de seres válidos, capazes e sãos. Eis porque as normas sobre higiene e segurança do trabalho, que têm natureza preventiva, adquirem relevância social e caráter público.”

Todavia, a ausência de uma cultura de higiene e segurança do trabalho, associada à insuficiência de recursos financeiros e humanos nos órgãos fiscalizadores, tem feito com que a prevenção de acidentes não se dê nos níveis desejados. Para José Cairo Júnior:

“Como o prêmio do seguro transformou-se, através de um processo histórico-evolutivo, em um tributo do tipo contribuição social adicional, cobrado de forma impositiva, o responsável originário pela indenização decorrente do infortúnio laboral, qual seja, o empregador, por comodidade, deixou de adotar as medidas de segurança necessárias para evitar o sinistro.” (CAIRO JR, 2002, p. 80)

No mesmo sentido, Sebastião Geraldo de Oliveira explica que o entendimento que prevaleceu no século passado era de que a vítima ou seus dependentes faziam jus aos limitados benefícios garantidos pelas leis da previdência social:

“No entanto, as prestações decorrentes do seguro de acidente do trabalho são de caráter marcadamente alimentar, pois asseguram tão somente a sobrevivência da vítima ou da sua família. Não têm como objetivo a reparação do dano causado, de acordo com o princípio secular da restitutio in integrum, adotado reiteradamente no campo da responsabilidade civil.” (OLIVEIRA, 2018, p. 27)

Neste contexto de elevadas taxas de ocorrências acidentárias de insuficiência da legislação infortunística, o legislador constituinte[10] entendeu por bem não excluir a responsabilidade do empregador, nas hipóteses em que este agisse com culpa ou dolo. Nos últimos anos, essa possibilidade de reparação civil não apenas tem sido ratificada, como ampliada pelo direito pátrio, uma vez que setores da doutrina e da jurisprudência têm admitido a possibilidade de responsabilização objetiva do empregador.


4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

De acordo com GAGLIANO & STOLZE (2017, p. 59), o conceito de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).

Em relação à responsabilidade civil, SAVATIER a define como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.

O emérito Desembargador Sergio Cavalieri Filho ensina que a responsabilidade civil está atrelada à ideia de contraprestação, encargo e obrigação. Ainda assim, o eminente jurista ressalta a importância de distinguir a obrigação da responsabilidade: “obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 3).

Portanto, é certo que ao empregador, em caso de dolo ou culpa (grave, leve ou levíssima), cabe a reparação ao empregado, mediante indenização por perdas e danos, materiais e/ou morais (art. 186 do Código Civil atual).

No âmbito dos acidentes trabalhistas, a atitude dolosa é aquela em que a má-fé por parte do empregador pode acabar ensejando o incidente laboral. É o que NUCCI (2014, p. 184) chama de “vontade consciente”. Já em relação à culpa, NUCCI (2014, p. 189) explica ser “o comportamento voluntário desatencioso (...) que produz resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”.

As lesões acidentárias também podem ensejar danos patrimoniais, seja em razão do dano emergente (ex.: gastos dispendidos para custear seu tratamento médico), seja por causa dos lucros cessantes (por exemplo, redução ou perda da capacidade laborativa). Na lição do Ministro Maurício Godinho Delgado:

“Ressalte-se que tanto a higidez física, como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição Federal, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88).” (DELGADO, 2017, p. 706)

Convém ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça, em entendimento sedimentado na Súmula 37[11], determinou que as indenizações pelos danos morais e materiais – ainda que decorrentes do mesmo evento – são cumuláveis.

O Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, citado por CASTRO & LAZZARI (2017, p. 707) acrescenta que, nos casos em que a lesão “compromete a harmonia física da vítima”, há a possibilidade da indenização por dano estético. Arremata Maurício Godinho Delgado:

“A ordem jurídica acolhe a possibilidade de cumulação de indenizações por dano material, dano moral e dano estético, ainda que a lesão acidentária tenha sido a mesma. O fundamental é que as perdas a serem ressarcidas tenham sido, de fato, diferentes (perda patrimonial, perda moral e, além dessa, perda estética)” (DELGADO, 2017, p. 706)

O sistema geral do novo diploma civil é o da responsabilidade subjetiva (Art. 186[12] do Código Civil), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia; ou dolo) do agente.

Subsidiariamente, parte da doutrina e jurisprudência tem entendido que o diploma civil adotou a teoria da responsabilidade objetiva. Sob essa ótica, para que houvesse o dever de indenizar, seria irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência do dano e do nexo de causalidade entre o fato e o dano. O instituto da responsabilidade objetiva tem base no artigo 927 do Código Civil, e fundamenta-se na teoria do risco, que veremos a seguir.


5 TEORIA DO RISCO E RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA

Até 1988, a súmula 229[13], do Supremo Tribunal Federal determinava que a indenização acidentária devida pelo empregador ao empregado era somente obrigatória em caso de dolo ou culpa grave de quem havia cometido a falta (MAGALHÃES, 2012, p. 4). Todavia, com o advento da Constituição Federal, (art. 7º, XXVIII), passou-se a entender que a mera culpa, ainda que levíssima, era suficiente para atender ao pressuposto da responsabilidade civil. Senão vejamos:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”

Com a promulgação do novo diploma civil em 2002, o artigo 927, parágrafo único[14] foi além e passou a admitir também a obrigação de reparação do dano independente da culpa ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. O emérito Professor Paulo Nader registra que:

“Avanço significativo veio com o parágrafo único do art. 927, que adotou a teoria do risco criado, acompanhando uma tendência que já se manifestava na doutrina, a partir do último quartel do séc. XIX, provocada tanto pela mudança na esfera tecnológica quanto pelas novas ideias sociais” (NADER, 2016, p. 92)

Desta forma, ao posicionar a atitude do agente em segundo plano, o legislador inaugurou, no campo trabalhista, a possibilidade de se responsabilizar o empregador, sendo suficiente, para tanto, a existência do nexo causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente. É a chamada teoria do risco, conforme preleciona o memorável Sílvio Rodrigues:

“A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.” (RODRIGUES, 2002, p. 11)

SAVATIER (1951)[15] define o risco, enquanto princípio de responsabilidade, como aquele que obriga a reparar os danos causados mesmo sem culpa, em virtude de uma atividade que se exercita no interesse e sob a autoridade do agente:

“A responsabilidade nascida do risco criado é aquela que obriga à reparação dos danos produzidos, mesmo sem culpa, por uma atividade que se desenvolvia dentro do interesse do agente e sob a responsabilidade dele. Esta definição visa compreender todos os casos em que a lei ou a jurisprudência determinam a responsabilidade civil de uma pessoa não culpada” (SAVATIER, pp. 349-350, 1951, Tradução livre)

Tal interpretação fez com que notáveis juristas passassem a defender a responsabilidade objetiva do empregador, entre eles o insigne Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Brandão, em sua dissertação de mestrado:

“O trabalhador possui um direito de proteção à saúde, elevado ao patamar de norma constitucional com natureza jurídica de direito fundamental e que o empregador possui responsabilidade objetiva pelos danos a ele causados, em virtude de acidentes do trabalho ocorridos no desenvolvimento de atividades de risco acentuado, o que representa a consagração, no plano interno, da tendência internacional de priorizar o homem como centro da proteção dos sistemas jurídicos”

No mesmo sentido, CASTRO & LAZZARI (2017, p. 424) entendem que não se deve excluir a aplicação da regra do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, no caso das doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. Senão vejamos:

“Há que se ter em conta que a responsabilidade civil tem seu regramento na lei civil, e os parâmetros para a proteção da vítima de danos são elencados ali, indistintamente, para todas as hipóteses em que ocorra a lesão a direitos patrimoniais ou morais. Fere o bom senso, com a devida vênia, imaginar que num acidente causado, por exemplo, pelo uso de explosivos ou inflamáveis, o empregado vitimado pelo acidente seja menos protegido que o cidadão que, não tendo relação de trabalho, também seja atingido em algum de seus direitos.”

De acordo com CASTRO & LAZZARI (2017, p. 423), outra corrente doutrinária sustenta não aplicação do art. 927, em função da literalidade do dispositivo constitucional (art. 7º) que prevê a responsabilização do empregador “em caso de dolo ou culpa”, e que a responsabilidade objetiva, no caso, seria somente da Previdência Social (teoria do risco social). Senão vejamos:

ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA x OBJETIVA. TEORIA DO RISCO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. Quanto à indenização por danos material e moral provenientes de infortúnios do trabalho, o ordenamento jurídico adota a teoria da responsabilidade subjetiva do empregador. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional consignou que, conforme consignado na sentença, houve – culpa exclusiva do autor (ato inseguro), contra o que sequer se insurge o autor (alegar, à fl. 397v, que não teve intenção de se autoflagelar não é propriamente impugnação à sentença, já que esta reconheceu sua culpa – negligência, no evento, jamais referindo-se a dolo), limitando-se a invocar a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do empregador quanto aos acidentes do trabalho, a qual, data venia, não encontra amparo constitucional (fls. 509). Dessa forma, consoante o quadro expresso pelo Tribunal Regional, não tendo sido demonstrada a ocorrência de culpa da reclamada, a qual importaria no surgimento do dever de indenizar, não há falar em condenação da reclamada. Recurso de Revista de que se conhece e a que se nega provimento. (TST, RR 168400-24.2008.5.12.0038, Rel. João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 04.11.2011)

Ao nosso ver, o Enunciado 37[16] da I Jornada de Trabalho veio a contribuir para a solução da controvérsia, explicando que o dispositivo constitucional não impede a aplicação da norma civil, “visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores”. Neste sentido, Amauri Mascaro do Nascimento conclui que:

“Desde então, tem-se entendido que, regra geral, a responsabilidade do empregador pelo acidente do trabalho é subjetiva por imposição constitucional. Excepcionalmente, aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva do Código Civil fundada no risco advindo da execução do serviço em atividade perigosa ou de risco.” (NASCIMENTO, 2017, p. 881)

Desta forma, seria preciso esclarecer a responsabilidade do empregador pelos acidentes de trabalho, auferindo se ele agiu de forma errônea, facilitando ou causando o acidente.

Impende lembrar que o artigo 932[17] do novo diploma civil também estende a responsabilidade civil do empregador aos atos de terceiros, ou seja, “seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

Embora existam divergências em relação a aplicação dos sistemas de responsabilidades, tem se percebido a busca incessante das nossas Cortes Trabalhistas[18] por um equilíbrio entre a proteção do trabalhador e a garantia da livre iniciativa no exercício da atividade econômica.

Assim, é lapidar a lição dos magistrados Cássio e Luciana Mahuad (2015, p. 78): “Dentro desse contexto, diversos tipos de responsabilidade, com pressupostos ou requisitos próprios (decorrentes da necessidade de cada fato ou relação real), teriam espaço para conviver pacificamente e sem limitação da evolução necessária”.


6 DANO MORAL COLETIVO NOS ACIDENTES EM MASSA

Para MEDEIROS NETO (2012, p. 291), a ordem jurídica, sob as diretrizes da Carta Magna de 1988, “assegurou à coletividade a titularidade de direitos e interesses, cuja violação enseja reação eficaz consubstanciada na possibilidade de se obter uma reparação adequada, que se viabiliza por meio do sistema processual coletivo”.

Neste sentido, o princípio constitucional da reparação integral (art. 5º, V e X), associado às normas de interesses transindividuais (artigos 6º, 7º, 194, 196, 205, 215, 220, 225 e 227), vêm subsidiando a tese do cabimento da condenação em danos morais coletivos, sobretudo após algumas inovações legislativas infraconstitucionais ocorridas nas últimas décadas.

Uma dessas inovações é a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que tratou abertamente de direitos coletivos, notadamente nos artigos 2º, Parágrafo único[19] (“equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas...”), art. 81[20] (“A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo”) e artigo 110[21], que passou a admitir a formulação de Ação Civil Pública para a tutela dos direitos individuais homogêneos. Os incisos VI e VII do artigo 6º[22] também versam sobre a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Além disso, a Lei dos Interesses Difusos (7.347/1985), nos artigos 1º (inciso IV)[23] e art. 21 (caput)[24] e a Lei Antitruste (12.529/2011), em seu artigo 1º[25], passaram a franquear a concepção de danos morais e patrimoniais à coletividade.

Após esses relevantes avanços legislativos, parcela considerável da doutrina passou a admitir uma perspectiva atualizada de dano moral, capaz de abarcar também aquelas condutas danosas à sociedade, na medida em que ofendem direitos transindividuais. Na lição de Flávio Tartuce:

“Com supedâneo, assim, em todos os argumentos levantados, chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)” (TARTUCE, 2013, p. 430)

No palco jurisprudencial, o instituto tem ganhado força, sobremaneira após o histórico julgamento do REsp 866.636/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual admitiu-se indenização por danos morais coletivos, no famoso caso das “pílulas de farinha” (ação civil pública sobre dano consumerista). Nessa mesma linha, em 2009, ao julgar o REsp 1.057.274/RS, em ação civil pública sobre direito de idoso, decidiu a 2ª Turma do STJ, sob a relatoria da Ministra Eliana Calmon (MARINO & FERRAZ, 2019). Desde então, o Superior Tribunal de Justiça já proferiu vários acórdãos reconhecendo a possibilidade do dano moral coletivo. Senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo. 3. Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização. 4. As normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura. Recurso especial improvido.” (REsp 1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, publicado em 06/09/2013)

Na esfera trabalhista, decisão recente da 11ª Turma do TRT-MG, de relatoria do Desembargador Luiz Antônio de Paula Iennaco, entendeu como viável a condenação a título de danos morais coletivos, em demanda cujo objetivo era defender os direitos dos trabalhadores que foram dispensados pela empresa sob a alegação de “justa causa” em período da greve:

“DANO MORAL COLETIVO.  LESÃO A DIREITO IMATERIAIS DE UMA COLETIVIDADE DE TRABALHADORES. POSSIBILIDADE. A  violação  a  direitos  difusos  ou  coletivos  pode  dar ensejo à lesão de valores extrapatrimoniais de uma dada sociedade ou de uma  coletividade,  citando-se  como  exemplo  desta  hipótese  um  grupo  de trabalhadores de uma determinada categoria profissional, gerando o dever de  reparação  civil  pelo  ofensor,  segundo  expressamente  previsto  nos artigos  186  e  927  do  Código  Civil  c/c  o  que  dispõe  o  art.  6º, VI, da Lei 8.078/90 e art. art. 1º, e inc. IV da Lei nº 7.347/85” (RO-0010029-85.2016.5.03.0149, Rel. Des. LUIZ ANTÔNIO DE PAULA IENNACO, 11ª TURMA, publicado em 22/06/2018)

Assim, parte da jurisprudência tem admitido o reconhecimento e a reparação dos danos morais coletivos, em decorrência da ofensa aos valores e bens mais elevados do agrupamento social. Convém ressaltar que, para a concessão da referida indenização, vários julgados têm se fundamentado na constatação da ilicitude trabalhista a direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, bastando para tanto, saber se o infortúnio estava na esfera de previsibilidade do empregador.

Desta forma, há uma tendência jurisprudencial de aplicação da teoria do risco[26] na apreciação das demandas de dano moral coletivo, uma vez que, nestes casos, não será necessária a ocorrência e a verificação de fatores subjetivos (ex.: constrangimento, a angústia, humilhação, etc.), mas apenas da comprovação do dano e do nexo causal com as atividades laborativas. 


7 CONCLUSÃO

O desafio dos acidentes de trabalho deve ser enfrentado em duas trincheiras: a preventiva e a reparatória. No âmbito preventivo, o empregador deve investir na segurança do trabalho de modo a reduzir o risco das atividades ali exercidas. Às autoridades administrativas incumbe a fiscalização das atividades econômicas, empenhando os recursos técnicos e humanos necessários para garantir a efetividade das leis. Por derradeiro, compete ao Poder Judiciário adotar critérios rigorosos e equilibrados na apreciação de demandas acidentárias, de modo a inibir, de forma pedagógica, condutas negligentes por parte do empregador.

Todavia, nos casos em que o infortúnio se materializa, é necessária a reparação do dano causado ao trabalhador. Como demonstrado, a indenização recebida a título de auxílio acidentário é geralmente insuficiente, de tal forma que o legislador abriu espaço para a sua complementação através da ação fundada na responsabilidade civil do empregador.

A doutrina conceitua a responsabilidade civil como a obrigação de uma pessoa em reparar o prejuízo gerado a outra, ou seja, reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros. Esta ação é de direito comum e pode ser cumulada com o auxílio-acidente. No caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o Código Civil de 2002 instituiu a teoria do risco, ao passo que o art. 7º, inciso XXVIII da Constituição de 1988, correlaciona o dever de reparar com a culpa ou dolo do empregador. Desta forma, a modalidade de responsabilidade a ser aplicada tem sido objeto de controvérsias na Justiça Trabalhista.

Após inovações infraconstitucionais, notadamente em virtude do Código de Defesa do Consumidor e da Lei dos Interesses Difusos (Lei nº 7.347/1985), setores da doutrina e jurisprudência têm reconhecido a existência do instituto do dano moral coletivo e a incidência da teoria do risco nestes casos, sobretudo nos casos em que o empregador coloca em perigo a integridade de vários trabalhadores ao descumprir diretrizes de segurança. Nas atividades que não importarem em risco aos empregados, o entendimento jurisprudencial que vem prevalecendo é no sentido de que incumbe ao empregador demonstrar que teria agido eficazmente, sem espaço à culpa.

Independentemente da teoria aplicada, é importantíssimo analisar o caso concreto, auferir a extensão do dano e a conduta dos envolvidos em cada caso e mensurar o grau de periculosidade ao qual o empregado estava sujeito ao exercer as suas funções. Também será fundamental apurar se o empregador era capaz de estimar a possibilidade e as dimensões de um eventual sinistro laboral.

É evidente que a indenização civil não é devida em qualquer situação, sob pena de sacrificar o livre exercício da atividade econômica; tampouco os trabalhadores devem ser deixados à mercê da própria sorte. Esta é a lição de Humberto Theodoro Junior, no prefácio do livro do Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira:

“Os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva não podem ser enfrentados apenas com o achar alguém para indenizar o dano em qualquer situação em que ele ocorra, seguindo-se rigidamente a teoria da responsabilidade civil objetiva (...) Há de se ter em mente que nem sempre o agente dispõe de meios ou recursos para suportar toda a carga da responsabilidade objetiva generalizada sem sacrificar sua própria subsistência e a de sua família.” (THEODORO JUNIOR. Prefácio. In: OLIVEIRA, 2017, p. 24)

Trata-se, portanto, de alcançar um fino equilíbrio entre a necessidade de reparação civil dos ofendidos, de forma que esta não se dê a qualquer custo, não transbordando os limites da responsabilidade do empregador. Neste sentido, conforme Silvio Venosa, a teoria da responsabilidade objetiva “atende melhor à justiça social, mas não pode ser aplicada indiscriminadamente para que não se caia no outro extremo de injustiça”.


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Notas

[1] Dados do ‘Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho’. https://observatoriosst.mpt.mp.br/, mantido pelo Ministério Público do Trabalho em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho.

[2] Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES). Seminário Internacional sobre Grandes Acidentes do Trabalho. Belo Horizonte, 30/04/2019. Acessado em 01/06/2019. Disponível em: http://www.saude.gov.br/noticias/sgtes/45410-ministerio-da-saude-participa-do-seminario-internacional-sobre-grandes-acidentes-do-trabalho.

[3] “Art. 62.  O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade”

[4]  “Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive”.

[5]  “Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.”

[6] De acordo com o Desembargador Eros Piceli (2007, p. 9), “Entendido o acidente ou a doença do trabalho como um acontecimento negativo, a palavra infortúnio serve de sinônimo e daí Infortunística para representar a parte do Direito Previdenciário que estuda os benefícios acidentários”.

[7] Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial Nº 1.502.967 - RS (2014/0303402-4) - Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Publicado no DJe em 14/08/2018

[8] “ACIDENTE DE TRABALHO. MORTE DURANTE O TRAJETO EM VEÍCULO FORNECIDO PELO EMPREGADOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DECORRENTE DO CONTRATO DE TRANSPORTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. A responsabilidade do empregador nas hipóteses em que o acidente de trânsito ocorreu durante o transporte do empregado em veículo fornecido pela empresa é objetiva, com amparo nos artigos 734 e 735 do Código Civil. (...)” Acórdão TST – Rel. Cláudio Brandão. Publicado em 24/08/2018.

[9] “Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados: 2%; II - de 201 a 500 empregados 3%; III - de 501 a 1.000: 4%; IV - de 1.001 em diante: 5%”

[10] Art. 7º, inciso XXVIII

[11] Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

[12] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[13] Supremo Tribunal Federal. Súmula 229: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. Publicação em 13-12-1963.

[14] “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

[15] SAVATIER, R. p. 349-350: “la responsabilité née du risque créé est celle qui oblige à réparer des dommages produits, même sans faute, par une activité qui s’exerçait dans votre intérêt et sous votre autorité. Cette définition vise à comprendre tous les cas où la loi ou la jurisprudence retiennent la responsabilité civile d’une personne non fautive”.

[16] Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Jornada de direito material e processual na Justiça do Trabalho. “RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores.” Brasília, 23/11/2007 [acesso em 29/05/2019] Disponível: http://www.granadeiro.adv.br/arquivos_pdf/enunciados_jornadaTST.pdf

[17] “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”

[18] RO 2034707 01192-2006-020-03-00-3 - Rel. Maria Cecília Alves Pinto (TRT 3ª Região); RO no Proc. 01778 2009-141-18-00-8 - Rel. Des. Júlio César Cardoso de Brito (TRT 18ª região); RR-1176-96.2015.5.02.0037 - Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira (TST); ARR-1653-77.2012.5.01.0482 - Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi (TST)

[19] “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” (Código de Defesa do Consumidor)

[20] “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” (Código de Defesa do Consumidor)

[21] “Art. 110. Acrescente-se o seguinte inciso IV ao art. 1° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985: IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” (Código de Defesa do Consumidor)

[22] “Art. 6º. (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados” (Código de Defesa do Consumidor)

[23] “Art. 1º  Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...) IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” (Lei nº 7.347/1985)

[24] “Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” (Lei nº 7.347/1985)

[25] “Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei.” (Lei nº 12.529/2011)

[26] RO-1785007620055010029 – Rel. Des. Flávio Ernesto Rodrigues da Silva (TRT 1ª Região); Súmula nº 25 do TRT 1


Autor

  • Otavio Morato de Andrade

    Doutorando em Direito (UFMG). Possui mestrado em Direito (UFMG); pós-graduação em Direito Civil (PUC-MG); graduação em Direito (UFMG) e graduação em Administração (PUC-MG).

    Exerce a advocacia em Belo Horizonte, com ênfase em Direito Imobiliário, Direito Constitucional, Direito de Família e relações consumeristas.

    É autor do livro "Governamentalidade algorítmica: democracia em risco?", assim como de diversos artigos publicados nacional e internacionalmente, tratando das mais variadas áreas jurídicas. Ministrou aulas, palestras e conferências no campo do Direito Civil. É parecerista das Revistas Direito em Debate e E-Civitas.

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Artigo originalmente publicado na Revista do TRT3

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORATO, Otavio Morato de Andrade. Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6134, 17 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81215. Acesso em: 26 abr. 2024.