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Conceitos de filial, sucursal, agência e escritório comercial e as consequências tributárias.

Conceitos de filial, sucursal, agência e escritório comercial e as consequências tributárias.

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Neste trabalho propusemos trazer a discussão a respeito dos conceitos de filial, sucursal, agência e escritório comercial, estudando as consequências tributárias de cada um, frente a um caso concreto realizado em uma autuação fiscal municipal.

Introdução.

Este trabalho é a síntese do resultado de uma consulta realizada por cliente e de um trabalho jurídico de impugnação de um auto de infração e lançamento tributário emitido pela autoridade fiscal de um Município localizado no Estado do Rio Grande do Sul, onde está localizado um escritório comercial de uma empresa de ensino profissional presencial e à distância (EAD) cuja sede está localizada na Região do ABC Paulista, no Estado de São Paulo. Por óbvio, com o único intuito de preservar a identidade da parte, não serão informados os demais elementos de identificação do processo, nem o nome da cliente e os locais de seu funcionamento, limitando-se a explicar os fundamentos da discussão jurídica realizada, bem como a descrição dos conceitos jurídicos empresariais e tributários selecionados e estudados para a realização do exercício da defesa da mesma na esfera administrativa.

De início, deve-se apresentar as características de funcionamento das atividades da consulente, bem como os fundamentos da autoridade fiscal municipal quando da lavratura do auto de infração e lançamento tributário, com a imposição das sanções aplicadas.

A consulente, no caso, como antes registrado, é uma instituição educacional de ensino profissionalizante e de capacitação profissional, que produz e vende os cursos para os segmentos industrial, comercial e serviços, capacitando os profissionais internos de suas clientes, por meio de aulas presenciais dentro da empresa, as chamadas in company, ou mediante aulas do ensino à distância (EAD), gravadas ou transmitidas ao vivo, fornecendo certificados de capacitação aos alunos participantes. A sede da empresa, como também já mencionado está localizada no Estado de São Paulo, mas a mesma possui três escritórios comerciais próprios localizados em outros Estados, sendo um deles no Estado do Rio Grande do Sul. Este escritório comercial realiza a prospecção de clientes na região sul do país, sendo responsável pela apresentação da empresa e venda dos cursos nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Os agentes internos da empresa, após realizarem a venda dos cursos, repassam o contrato para a matriz localizada em São Paulo, que promove o deslocamento do instrutor ou professor responsável pelo curso vendido, que ministrará o mesmo na sede da empresa; ou ainda, passará as aulas no sistema de EAD da sua própria sede, sendo recebidas as imagens na sede da empresa adquirente para os funcionários beneficiados do curso, havendo a monitoria interna de um professor para tirar as dúvidas existentes. A nota fiscal de serviços é emitida com base na sede da matriz da empresa, sendo o Imposto sobre Serviços (ISS) declarado e pago nesta localidade.

Ao descobrir essa situação, o Município onde estava localizado o escritório comercial da região sul da empresa consulente abriu expediente de processo administrativo fiscal, solicitando documentos contábeis da empresa, em especial a prova de inscrição fiscal local como filial e dos respectivos pagamentos do ISS local. A consulente entregou os documentos societários e contábeis solicitados, mas, por óbvio, deixou de entregar a inscrição fiscal de filial e os comprovantes de pagamento do ISS local porque tais documentos não existiam.

Assim, em resumo conclusivo, a consulente foi autuada por não cumprimento de obrigação tributária acessória (inscrição fiscal da filial na sede do Município), bem como pelo não recolhimento do tributo municipal (ISS), que fora, então, arbitrado, adicionado das sanções legalmente previstas para as hipóteses em questão. Ciente desta autuação administrativa, procurou a consulente uma posição quanto à esta situação, buscando um entendimento jurídico compatível com o caso para realizar o exercício de sua impugnação.

O cerne da questão, portanto, foi descobrir o conceito jurídico de filial e se o escritório comercial da consulente poderia (ou deveria) ser considerado como uma, ou se enquadraria em outro instituto jurídico conexo, como a sucursal ou a agência, e quais seriam os impactos tributários dessa consideração.

Registra-se que este trabalho não objetiva consolidar um entendimento profundo sobre o tema, limitando-se, tão somente, a apresentar os elementos jurídicos e argumentos registrados tanto pelo Fisco Municipal para fundamentar sua atuação contra a consulente, bem como colocar em discussão os elementos da sua defesa realizada, sem adentrar nos detalhes técnicos e processuais, nem sobre a discussão jurídica sobre as sanções aplicadas, restringindo ponderações somente sobre o que tange ao plano de fundo jurídico colocado como objeto do estudo.

 

1. A interpretação tributária e a definição dos conceitos.

Traz-se um conceito de ALEXY para conduzir a importância da interpretação e da definição dos termos normativos destacados neste estudo. Para o autor,

“A interpretação jurídica distingue-se de outros tipos de interpretação por seu caráter prático e institucional. A interpretação jurídica tem um caráter prático, porque nela sempre se trata imediata ou mediatamente disto, o que, em um sistema jurídico, é ordenado, proibido e permitido e para o que ele autoriza. Em vez de caráter ‘prático’ pode, também, ser falado de um ‘normativo’”.[1]

Portanto, ao interpretar a lei, visando o seu caráter prático, ou normativo, o interprete sempre extrairá do texto legal, para a construção da norma jurídica, uma ordem, uma proibição ou uma permissão de condutas. No entanto, é necessário esclarecer os termos do texto legal para se chegar às definições normativas e seus alcances práticos para sua aplicação.

Em primeiro lugar, é importante realizar a definição dos conceitos dos elementos jurídicos colocados sob análise, para uma melhor observação das possíveis consequências tributárias. Esta tarefa é relevante por ocasião da leitura do art. 110, do Código Tributário Nacional (CTN), que enuncia que a norma tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas determinados pelo Direito Privado, quando os mesmos sejam utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Antes disso, o art. 109, também do CTN, expressa que “Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”

A leitura conjunta dessas normas tributárias e a interpretação possível é, de certa forma, intrigante, já que determina que as definições, conceitos, alcance e demais elementos realizados pelo legislador infraconstitucional quanto aos institutos do direito privado não têm o condão de alterar os efeitos tributários definidos na lei tributária, que, pasmem, são igualmente criados pelo mesmo legislador infraconstitucional, salvo quando a matéria vem expressamente determinada na Constituição Federal ou instrumentos constitucionais correlatos, cuja salvaguarda do art. 110, determina o limite interpretativo de aplicação das regras tributárias.

São intrigantes essas passagens de cunho interpretativas de texto do Código Tributário, pois, como ensinava BECKER, “não existe um legislador tributário distinto e contraponível a um legislador cível ou comercial”[2], pois todas essas matérias são partes de um único sistema jurídico, de modo que qualquer regra jurídica exprimirá sempre uma única regra (conceito, categoria ou instituto jurídico), válida para a totalidade daquele único sistema jurídico. Ora, o legislador da norma tributária é o mesmo legislador da norma civil, não havendo em nosso sistema hierarquia entre as regras e normas por ocasião do conteúdo de sua matéria.

Isso significa que institutos previstos nos Direitos Civil, Comercial, Penal, etc., devem ser os mesmos institutos regulamentados pelo Direito Tributário, já que a fonte do direito – a lei – tem a mesma origem e hierarquia, estando ou não expressamente previstas na Constituição Federal, tendo em vista que a própria Constituição Federal é o instrumento que regulamenta produção legislativa nacional, sendo ela a fonte ordenadora e principiológica de todo o sistema jurídico nacional.

Esse entendimento é necessário pois o legislador nacional - constitucional ou infraconstitucional - não definiu os conceitos de filial, sucursal ou agência, prevendo somente a sua existência e regulamentando situações jurídicas que as envolvam. Assim, como não há conceito desses elementos na lei – civil ou tributária – a questão é formar essas definições com o intuito de verificar os alcances e consequências legais para cada uma delas.

E esta importância vem reforçada pelo texto do art. 150, inc. I, da CF, que estabelece o princípio da legalidade, aduzindo que "é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". O princípio da legalidade tributária limita a atuação do poder tributante em prol da segurança jurídica dos contribuintes. Seria temerário permitir que a Administração Pública pudesse criar ou aumentar tributos sem a expressa previsão dos seus atos em lei competente para o mesmo.

Mas o princípio da legalidade tributária vai além, já que é uma reverberação do princípio enunciado no art. 5º, inc. II, da CF, que afirma que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Tal regra expressa duas faces: a submissão dos agentes públicos à lei, salvaguardando os direitos do cidadão, e o direito do cidadão realizar qualquer conduta que não seja expressamente prevista ou proibida em lei, de modo que só a lei pode determinar proibições, mandamentos ou exarar direitos.

Pois bem, como referido, o legislador não definiu os conceitos de matriz, filial, sucursal ou agência, mas os previu na legislação nacional. Vejamos suas previsões:

O Código Civil Brasileiro (CCB), em seu artigo 969, estabelece uma obrigação ao empresário quando constitui os estabelecimentos secundários:

Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.

Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede.

Essa disposição referente expressamente ao empresário, também é reprisada em relação às sociedades simples (art. 1.000), adaptado às exigências legais pertinentes a este tipo societário.

Depois, o art. 1.136, §2º, inc. II, estabelece que a sociedade legalmente estabelecida deve arquivar nos registros competentes (Junta Comercial ou Registro de Pessoas Jurídicas), as suas filiais, sucursais e agências.

Veja-se que a diferença entre as instituições é relevante para a lei, senão não teria a mesma realizado distinção quando da previsão da obrigação direcionada ao empresário ou à sociedade simples. É princípio basilar de hermenêutica jurídica o entendimento segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda, ou seja, as palavras devem ser compreendidas como tendo algum sentido. Portanto, esclarecer as diferenças e definir os conceitos é muito importante para se poder observar os devidos efeitos jurídicos que o restante da legislação nacional e local reserva para o caso.

 

2. O Estabelecimento comercial.

 

O art. 1.142, do CCB, enuncia o conceito de estabelecimento:

 

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

 

Tem-se que esse conjunto de bens, dispostos de maneira organizada pelo empresário, é o que possibilitará a exploração da atividade econômica, visto que a organização dos fatores de produção, aliada com o investimento de capital nesse complexo de bens é o que resulta no estabelecimento empresarial. Compreende-se como bens corpóreos, por exemplo, a sede da empresa, terrenos, máquinas, matérias-primas etc., bem como bens incorpóreos, por exemplo, o nome empresarial, a marca, a patente etc. O estabelecimento empresarial tem atribuído um valor econômico mais amplo do que todo o conglomerado de elementos que o compõe, devido a organização desses elementos, que resulta na capacitação do estabelecimento para a atividade empresarial[3].

Neste sentido, a filial e os outros institutos fazem parte do conceito de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades de forma mais dinâmica no competitivo mercado econômico.

Observe-se que a discriminação do patrimônio da empresa, mediante a criação de filiais, não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder com todo o ativo do patrimônio social por suas dívidas, à luz de regra de direito processual prevista no art. 798 do Código de Processo Civil, segundo a qual o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei, conceito repisado no art. 30, da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/1980).

No entanto, saber que esses institutos fazem parte do patrimônio da empresa, dado o conceito jurídico de estabelecimento, não os conceitua, permanecendo inócua a lei neste sentido. Como visto anteriormente, é necessário definir os conceitos para se chegar à regra e à construção da norma a ser aplicada no caso.

  1. Matriz.

Para definir os estabelecimentos secundário, primeiro devemos descrever o que é o estabelecimento primário de uma empresa. Dentro do conceito de estabelecimento antes descrito, tem-se que a matriz é a sede principal ou local de gestão da empresa, onde há a primazia da direção a qual estão subordinados todos os demais estabelecimentos da empresa, chamados de filiais, sucursais ou agências.

Assim, é a matriz que detém toda a responsabilidade gerencial e administrativa da empresa ou sociedade e, dado o princípio da universalidade do patrimônio do estabelecimento, é sempre a matriz quem responde pelas obrigações gerais da empresa.

  1. Filial.

A filial é um estabelecimento derivado da matriz, ele representa a direção principal, sem, contudo, ter poderes ou alçada deliberativa e/ou executiva. Ela pratica atos que tem validade jurídica e obrigam a organização como um todo, porque este estabelecimento possui poder de representação ou mandato da matriz e, por esta razão, a filial deve adotar a mesma firma ou denominação do estabelecimento principal. De forma genérica, tem-se chamado de filial também como agência ou sucursal; no entanto, cremos que, se fossem a mesma coisa, tivessem o mesmo conceito, a legislação não teria previsto formas diferentes de realização do objeto societário da empresa.

Não se pode confundir, no entanto, filial com o conceito de “empresa filha”, que é uma sociedade independente, autônoma, mas controlada pela “empresa mãe”. Esse tipo de empresa goza de autonomia jurídica, de personalidade, o que não ocorre com as filiais que são meras extensões da organização principal[4].

  1. Sucursal.

Pode ser o estabelecimento comercial ou industrial que opera na dependência da matriz, instituído em local diverso ao do estabelecimento principal, para realizar , com melhor eficiência, os negócios próprios que constituem o seu objetivo; no entanto, diferentemente da filial, à sucursal detém uma maior autonomia administrativa, possuindo uma direção própria atribuída à faculdades de operação independente, com maior liberdade de atuação, apesar de ligada às orientações e direção da matriz. Pode-se dizer, por isso, que a sucursal possui uma posição hierarquia mais elevada do que a filial, podendo, inclusive, que a sucursal tenha suas próprias filiais.

  1. Agência

Considera-se o estabelecimento comercial localizado fora da sede e a esta subordinado, com a finalidade de promover a intermediação de negócios. Também pode ser considerado um escritório comercial ou de gestão de parte dos negócios que não depende de uma matriz, como uma agência de leilões, corretagem, transporte, etc., relevando a outorga de uma representação técnica específica, através de um mandatário, que se diz agente ou preposto do estabelecimento principal, ou não, porquanto pode-se manter a agência como um negócio próprio, mas vinculado ao exercício do objeto societário.

Importa que a agência não realiza o negócio da matriz em si, mas opera sob sua responsabilidade e mando, devendo respeitar as diretrizes estabelecidas pelo estabelecimento principal.

Um exemplo claro do uso de agências é feito pelas instituições bancárias, que posicionam inúmeras agências bancárias por todo o Brasil, no claro intento de facilitar o acesso dos seus serviços ao grande público, “agenciando” para a matriz as suas funções básicas e administrando as contas dos clientes a estas vinculadas. Claro que tais agências são muito mais do que meros agentes de intermediação de negócios, até mesmo por ocasião de regulamentos administrativos nacionais de órgão de regulação.

  1. E o escritório comercial?

Como visto, a consulta que gerou este trabalho tinha por objeto a existência de um escritório de vendas localizado em local diverso do estabelecimento da matriz, cuja atuação profissional não estava registrada no órgão fiscal municipal local. E a questão é: esse escritório de vendas pode ser enquadrado dentro desses conceitos? Consoante os elementos do estabelecimento secundário, dentre os conceitos de filial, sucursal e agência, o mais certo é que se pode enquadrar o escritório comercial como uma agência, embora quase nunca nos tratados comerciais se trate do escritório comercial como uma espécie de agência.

Portanto, consoante disposto na legislação cível empresarial, o escritório comercial é uma agência, servindo como um posto avançado de vendas em nome e responsabilidade da matriz, devendo, por tal razão, ter sua existência registrada na Junta Comercial local.

Assim, a questão societária nos mostra que o registro da agência é medida impositiva quando da sua formalização pela empresa matriz; mas e os efeitos fiscais do estabelecimento secundário? Como se trata a tributação dessa atuação. Passemos à análise tributária da agência e demais estabelecimentos secundários.

 

3. Obrigações fiscais do estabelecimento secundário.

Analisada a questão societária, definindo conceitos e os elementos formadores do quadro jurídico em análise, pode-se construir o entendimento de que o escritório de vendas, o escritório comercial da empresa consulente, é, na realidade, uma agência, pois que sua atribuição é a exclusiva realização da representação comercial da matriz perante uma determinada região localizada fora da região da sede principal. Como ficam, então, as obrigações fiscais surgidas do exercício dos estabelecimentos secundários?

O art. 37, inc. XXII, da Constituição Federal expressa o poder de regulamentação de cadastros e informações fiscais compartilhadas entre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, de modo que a regulamentação fiscal nacional é determinada pela Receita Federal do Brasil, que fixou a obrigatoriedade da inscrição das empresas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Ao tempo dos fatos, a regulamentação de tal obrigação fiscal – o cadastro da pessoa jurídica – estava determinado pela Instrução Normativa RFB nº 1863/2018, que informa que “Todas as entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ e a cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades.” (art. 3º). Em diversos artigos (p. ex. art. 38 e 39) do Regulamento referido, há a menção genérica à “entidade” ou ao “estabelecimento filial”, dando a entender que tais expressões remetem à matriz e à filial.

Veja-se que, no caso, a legislação regulamentar infralegal do CNPJ só prevê a obrigação de cadastro fiscal da matriz e da filial, não havendo previsão expressa de inscrição no cadastro sobre sucursais e agências. Para não dizer que o regulamento do CNPJ não exclui a sua aplicação em relação à agências, o art. 6, da referida Portaria expressa que as agências das instituições bancárias podem requerer a unificação da inscrição de todos os seus estabelecimentos no mesmo CNPJ, desde que localizados no mesmo município. Veja-se que há uma evidente consideração de que as agências fazem parte do estabelecimento empresarial, mas confunde-as com o conceito de filiais; concebe-se então, que a Portaria – norma tributária, muda o conceito de uma instituição jurídica prevista na legislação civil, como se cada agência bancária seja encarada como filial, em evidente confusão conceitual.

A questão é: diante da aplicação do princípio da legalidade estrita das obrigações tributárias e da atuação da administração pública, é exigível o cadastro das sucursais e das agências perante as autoridades fiscais? A autoridade fiscal pode exigir a inscrição da sucursal e da agência como uma obrigação tributária?

Como visto, a sucursal possui uma concepção ainda mais abrangente do que a filial, podendo ter uma atuação econômica superior à da filial, ela mesma tendo suas filiais; diferentemente das agências, a sucursal realiza a atividade econômica e todas as demais finalidades empresariais da matriz, de forma autônoma, com administração própria inclusive. De tal modo, como realiza as atividades empresariais da matriz, cremos que uma sucursal deveria, sim, ser obrigada a realizar a sua inscrição no Cadastro de contribuintes. No entanto, a normativa fiscal não prevê expressamente tal hipótese, pois, como visto, limita-se a exigir da matriz e da filial a inscrição.

Em sentido diferente corre a agência, pois, pelo conceito esposado, esta instituição jurídica sequer realiza os atos próprios da atividade econômica da empresa. Pelo conceito exposto, a agência é mero escritório comercial, tendo absoluta vinculação ao exercício da atividade empresarial realizado pela matriz. A agência não detém capacidade administrativa decisória, sendo um mero “braço” operacional da empresa.

Como um simples escritório comercial, a agência não tem personalidade jurídica própria, o que significa que toda a produção mercantil realizada pela agência é realizada em nome e por conta da matriz, sendo esta a única responsável por toda as obrigações e direitos negociados pelo agente comercial. A agência, no caso, exerce a atividade como um gerente, ou seja, como um preposto ou representante para realização de uma atividade exclusiva, tal como a venda de produtos em nome daquela matriz a que está vinculado juridicamente.

No caso estudado, objeto da consulta e da defesa administrativa realizada, o escritório comercial da consulente nada mais fazia do que vender os cursos promovidos pela matriz da empresa. Os professores e instrutores responsáveis pela realização dos cursos eram todos vinculados à empresa, sem qualquer vinculação com o escritório comercial da mesma. Logo, não havendo sequer obrigação de inscrição da agência no CNPJ, não há, por igual motivo, razão para exigir-se a inscrição municipal, pois não há prestação de serviços desta agência para a matriz, sendo ambas a mesma empresa.

Isso significa, no caso prático, que todos os pedidos e faturamentos eram realizados junto à matriz, não havendo nenhum lançamento tributário realizado na sede da agência local responsável pela região a ela estabelecida.

Mas o que isso implica? Implica na observação da cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS), já que a municipalidade local entendeu que o tributo municipal deveria ser recolhido localmente e não junto ao município da sede da empresa no Estado de São Paulo, já que há um estabelecimento físico da mesma instalado localmente.

Por isso, demonstrado que a estrutura física do escritório comercial, embora faça parte do estabelecimento, mas não possui função operacional, já que mera agência, passamos à análise das competências tributárias para verificação da legalidade, lato sensu, da cobrança do tributo municipal contra a empresa.

 

4. O ISS como tributo constitucional.

 

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu diversas regras e princípios na esfera tributária, podendo-se afirmar, como ensina ÁVILA que o direito tributário brasileiro é essencialmente um direito constitucional[5], já que as diretrizes e limitações para todo o sistema estão previstos na própria Constituição. Neste ensejo, é sempre imperiosa a leitura da Constituição Federal como guia fundamental do entendimento e da aplicação das regras tributárias.

O art. 156, inc. III, da Constituição Federal, estabeleceu competir aos Municípios a instituição de imposto sobre serviços de qualquer natureza, dentre aqueles não compreendidos no art. 155, II, que são da competência estadual, definidos em lei complementar. A Constituição, então, determinou que o tributo incidente sobre os serviços, de qualquer natureza, excluídos aqueles da competência estadual, devem ser cobrados pelos Municípios, exigindo, para isso, a sua definição em lei complementar.

Como o Brasil possui – em 2019 – 5.570 Municípios, cada um com sua própria competência para instituir e cobrar esse tributo sobre serviços, podendo gerar conflitos tributários de competência entre si, coube à União estabelecer uma regra geral, valendo-se do disposto no art. 146, inc. I, por meio da edição da Lei Complementar n. 116/2003, que dispôs sobre o Imposto sobre Serviços de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Da leitura do art. 1º desta LC 116/2003, verifica-se, primeiramente, o descortinamento da hipótese de incidência da regra tributária do imposto sobre serviços: a prestação de um serviço. Mas esse serviço deve ser prestado, fornecido, ou seja, realizado de uma pessoa para outra, de forma onerosa e sem a caracterização de um vínculo empregatício entre as partes. BARRETO ensina que o “serviço é um esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial”[6].

De cara, já temos um ponto de exclusão de uma eventual consideração acerca das atividades do escritório comercial para com a matriz da empresa. Como já antecipado, não há se falar em prestação de serviços de uma para a outra, pois, juridicamente, embora em locais diferentes, a agência, como mero escritório de vendas, exerce atividades exclusivamente para a matriz, não se falando em prestação de serviços de uma para a outra, já que são a mesma pessoa. Como não cabe a prestação de serviços para si mesma, não há incidência da regra tributária à questão por esta situação.

E os serviços educacionais vendidos pelo braço comercial local em nome da matriz? A prestação desses serviços pela matriz, vendidos pelo escritório comercial local, prestados ou não no Município em questão, podem ou não ser tributados pelo ISS deste mesmo local?

Para responder essa questão, devemos estudar, primeiramente, a questão do domicílio tributário: o Código Civil expressa que, para pessoas jurídicas, o domicilio considera-se o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde for eleito domicilio especial no estatuto ou contrato social; na hipótese de haver diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados (art. 75, IV e §1º, do CCB). Por sua vez, o Código Tributário Nacional, no art. 127, expressa que o domicilio da pessoa jurídica de direito privado é o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento, podendo ser também o do responsável pela obrigação.

Esta regra, como ensina COSTA, abriga situações supletivas para a determinação do domicílio tributário[7], aduzindo uma regra geral, a de que o domicilio tributário é o da sede da empresa, exceto em situações vinculadas à prática de determinados atos tributários: o IPTU será devido na sede de cada estabelecimento, o ICMS será devido na sede de cada local onde houver realizada a operação da circulação de mercadorias e assim por diante, tudo conforme as previsões das regras constitucionais de competência tributária.

Entender a questão do domicilio tributário é muito importante, pois os elementos de sua formação podem gerar consequências na esfera tributária. No caso, o Município local entendeu que todos os serviços educacionais vendidos pelo escritório comercial nele localizados, independentemente do local de sua realização, são tributáveis pelo ISS local, pouco importando tenha sido pago o ISS no local da sede da matriz.

O art. 3º, da LC 116/2003, expressa o seguinte:

 

Art. 3o  O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016).

 

A regra tributária de competência territorial é clara ao expressar que a prestação do serviço é considerada como realizada no local do estabelecimento do prestador, só havendo o deslocamento dessa competência quando o prestador não tiver estabelecimento, no local do seu domicílio, exceto nas hipóteses previstas no rol dos vinte e cinco incisos descritos na sequência. Portanto, como nenhuma das hipóteses do rol de exceções da lei nacional prevê o deslocamento da competência tributária para o caso estudado, a competência para a instituição e cobrança do ISS pertence ao do local da sede da empresa.

A pretensão tributária do Município autuante, no entanto, passou por duas situações: (a) a ideia de que o escritório comercial presta serviços à matriz de representação comercial, incidindo no serviço constante no item 10.09 da lista de serviços; (b) e o inc. XX, do art. 3º, que excepciona a regra geral da competência territorial, afirma que serviços de terceirização de mão-de-obra, de qualquer forma (item 17.05 da lista anexa- inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço), são tributados no local do tomador de serviços.

De tal modo, pela interpretação da autoridade fiscal municipal, todos os serviços “prestados” pelo escritório comercial, realizando a venda de “terceirização de serviços” educacionais deveriam ser tributados no local onde ocorreu a venda, ou seja, onde houve a representação comercial da empresa “tomadora” de serviços. E, havendo fornecimento de mão-de-obra técnica, pouco importando a característica da mesma, a tributação deve ocorrer no local do tomador de serviços.

A primeira hipótese já foi preliminarmente discutida, já que não é possível que uma pessoa preste serviço para si mesma, sendo este argumento contrário até mesmo ao conceito de prestação de serviço, sendo inconstitucional a sua tentativa de consubstanciação para a hipótese analisada.

A segunda hipótese da intepretação do Fisco local é ainda mais frágil, uma vez que, como foi referido, não necessariamente os serviços educacionais foram prestados no mesmo local da venda, já que o escritório representava toda a região sul, envolvendo os seus três Estados; assim, caso procedente sua interpretação, aquele Município só poderia, então, tributar os cursos efetivamente realizados dentro da circunscrição municipal, nenhum outro. No entanto, a interpretação está equivocada, já que o serviço educacional é expressamente previsto no rol de atividades da LC 116/2003 no item 8, como serviços de educação e ensino; logo, não há enquadramento do serviço à hipótese legal de exceção da regra de competência.

Um último escorço interpretativo foi apontado pela autoridade fiscal municipal nos autos do processo administrativo, na clara tentativa de forçar a aplicação da regra de competência do art. 3º da LC 116/2003: na hipótese, estava evidente que a empresa não tinha qualquer registro administrativo de seu estabelecimento no local das vendas, uma vez que não cumprira com a obrigação de inscrição tributária; logo, sem ter cumprido as obrigações as quais lhe eram exigidas, não se pode considerar a existência lícita do estabelecimento, aplicando-se, daí, a regra subsidiária do próprio caput do art. 3º, que remete a competência para o local onde estiver domiciliada a empresa. Ora, autoridade fiscal, então, trouxe à tona as já citadas regras dos art. 75, IV e §1º, do CCB e 127, do CTN quanto ao domicilio da pessoa jurídica. Destacou que, havendo mais de um domicilio, considera-se todos como tal, e tendo em vista que o ato foi realizado localmente, deve este local ser considerado como competente para a aplicação da regra tributário, já que a regra subsidiária do art. 3º, da LC 116/2003, afirma o deslocamento para o domicilio do prestador, considerando como tal o do local de onde partiram as vendas dos serviços educacionais.

No entanto, embora razoável esta interpretação, não se pode esquecer que o objeto social da empresa é a prestação de serviços educacionais, não a sua venda em si. A venda realizada pelo escritório comercial é mera operação intermediária para a finalidade última, que é, sim, a realização dos cursos de capacitação educacional. Portanto, não se pode considerar como realizado o objeto da hipótese de incidência no local da venda, pois esse não é o objeto em si da operação da empresa: só a efetiva realização do curso educacional é que pode ser considerada a consolidação da hipótese tributária e esta é realizada pela matriz da empresa, gerida toda a operação na sua sede administrativa.

Assim, os argumentos da autoridade fiscal, na modesta opinião deste estudioso, mostraram-se insubsistentes para a manutenção da autuação fiscal e imposição da regra tributária de exigibilidade do tributo municipal, circunstância que justificou, de tal modo, a busca pela anulação do ato administrativo em questão.

 

Conclusão.

 

O escopo da presente resenha acerca do caso sob estudo não é – e nunca foi - o esgotamento teórico e conceitual da matéria, mas mera a apresentação das linhas argumentativas técnicas utilizadas em um caso concreto; apresentou-se os argumentos da fiscalização tributária municipal, visando estabelecer uma relação de obrigação tributária para com um prestador de serviços localizado em outro Estado federativo, pelo fato de o mesmo possuir um escritório de vendas estabelecido no Município autuante. De outro lado, podemos esclarecer os conceitos de matriz, filial, sucursal e agente, trazendo a lume a discussão a respeito dos efeitos tributários de cada um, bem como a interpretação normativa pertinente a cada um dos casos analisados.

Contrapondo os argumentos da autoridade fiscal, pode-se revelar que o escritório de vendas, dado os elementos constantes nas regras cíveis e tributárias existentes, enquadra-se no conceito de “agente” – por se tratar de um “braço” meramente de gestão de determinada atividade específica da empresa - e que a legislação tributária não exige expressamente o registro administrativo desse tipo de instituto jurídico, tanto para os fins empresariais, quanto para os fins tributários.

Assim, diante do fato de que a sede/matriz da empresa está localizada em outro Estado da federação, e que os serviços educacionais prestados pela consulente não são realizados ou prestados na sede da autoridade fiscal em questão, não há, salvo melhor juízo, como proceder o auto de infração e de consolidação da obrigação tributária municipal.

Para o registro das conclusões realizadas, empregou-se a utilização de conceitos doutrinários fundamentais a respeito do tema, já que o mesmo é pouco discutido em sede Judicial, dada a especificidade do tema, subsistindo parca ou nenhuma jurisprudência específica a disposição de pesquisa para fins de exposição ou mesmo comparação. Reitere-se que o tema aqui proposto possui um viés mais prático – de consulta jurídica – do que teórico, mas tem o condão de auxiliar a realização de discussões teóricas acerca da incidência do tributo municipal sobre serviços, bem como sobre as obrigações acessórias vinculadas a tal medida, tais como a obrigação de comunicação ou de registro de atividades da agência de vendas perante as autoridades locais.

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

ALEXY, Robert. Direito, Razão, Discurso: Estudos para a filosofia do direito. Trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010.

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 3ª ed. São Paulo : Saraiva, 2012, versão ebook.

BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 3ª ed. São Paulo : Dialética, 2009.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed., São Paulo : Saraiva, 1972.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 1: Direito de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2012.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo : Saraiva, 2016.

VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações, Rio de Janeiro: Forense, 1953.

 


[1] ALEXY, Robert. Direito, Razão, Discurso: Estudos para a filosofia do direito. Trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2010, p. 63.

[2] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed., São Paulo : Saraiva, 1972, p. 110.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 1: Direito de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 341.

[4] VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações, Rio de Janeiro: Forense, 1953, 2.ª edição, Vol. I, pág. 399.

[5] ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 3ª ed. São Paulo : Saraiva, 2012, versão ebook.

[6] BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 3ª ed. São Paulo : Dialética, 2009, p. 64.

[7] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo : Saraiva, 2016, p. 222.


Autor

  • Santiago Fernando do Nascimento

    Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET/INEJE, Direito Processual Civil pela PUCRS e Direito Empresarial pela Faculdade IDC. Consultor jurídico na área empresarial e tributária. Diretor Jurídico da empresa Valor Fiscal Inteligência Tributária e ex-diretor jurídico da AGPS (Associação de Gerenciamento de Projetos Sociais).

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