Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/8279
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O uso dos mecanismos de tutela específica na implementação de deveres contratuais anexos

O uso dos mecanismos de tutela específica na implementação de deveres contratuais anexos

Publicado em . Elaborado em .

Sumário:INTRODUÇÃO.1. NASCIMENTO DE DEVERES CONTRATUAIS ANEXOS.1.1. Concepção atual de contrato.1.2. Deveres originados da boa fé objetiva.1.2.1. Boa fé enquanto norma de conduta.1.2.2. Demais funções da boa fé.1.3. Deveres originados do equilíbrio contratual.2. TUTELA ESPECÍFICA DE DIREITOS E DEVERES.2.1. Tutela jurisdicional e tutela específica.2.2. Tipos de tutela específica.2.2.1. Tutela inibitória.2.2.2. Tutela preventiva executiva.2.2.3. Tutela reintegratória.2.2.4. Tutela das obrigações contratuais de fazer e não fazer.2.2.5. Tutela ressarcitória.2.3. Técnicas de tutela específica.2.3.1. Eficácias sentenciais.2.3.2. Meios de execução.3. TUTELA ESPECÍFICA DE DEVERES ANEXOS.3.1. Atividade lógico-cognitiva em relação aos deveres contratuais anexos e sua tutela específica: noções gerais.3.2. Fixação do tema: casuística.3.3. Limites à atividade jurisdicional.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

O presente estudo visa realizar a interação entre duas matérias que vêm conquistando espaço na seara jurídica brasileira atual.

De um lado, tem-se a relação obrigacional, em uma nova concepção, de norte mais solidarista que a anterior. Em função disso, criam-se uma série de deveres, a ela vinculados, provindo de fontes como a boa fé objetiva e o equilíbrio contratual. Sendo o contrato um notável instrumento de construção da sociedade e envolvendo, para sua realização, tal sorte de deveres a serem mantidos constantemente – os quais, volta e meia, restam descumpridos pelos contratantes – necessário definir os meios mais eficazes para consecução de tais elementos.

Em outra banda, subiu à tona a importância da proteção aos direitos em si, antes que a lesão aos mesmos se transmude em dano – tutela específica –, em contraface à indenização pecuniária que se entendia como único – ou principal – consectário à tal violação do direito, e que tão-somente conseguia corrigir o dano resultante.

Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de mecanismos de tutela jurisdicional relativos a deveres de fazer e de não fazer e de entrega de coisa. Seu uso é direcionado tanto ao bojo do processo de conhecimento – seja sob rito comum, previsto nos artigos 461 e seguintes do Código de Processo Civil, seja quanto aos processos que amparam direitos do consumidor, consagrados no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, seja nos demais procedimentos especiais – quanto ao processo de execução clássico.

De igual forma, foi acentuado o caráter de tutela dentro da mesma relação processual em que é lavrada a sentença. Para tanto, possibilitou-se ao magistrado imprimir certa eficácia à sentença que profere (mandamental e executiva lato sensu) e operacionalizar vasto cabedal de medidas para que o resultado desejado seja alcançado o mais breve e aproximadamente possível do direito material.

Pela novidade do tema estima-se que certa parcela dos operadores do Direito demonstre ainda um entendimento meramente superficial da matéria, o que realça a importância deste trabalho, o qual visa indicar formas de atingir o objetivo mencionado.

Assim, deseja-se fornecer alguns subsídios sobre cada uma das áreas referidas e demonstrar – mediante fixação de alguns parâmetros e demonstração casuística – a sistemática de implantação dos citados direitos materiais através dos mecanismos processuais referidos.

Faz-se a ressalva de que o presente estudo não almeja, utopicamente, expor com exacerbada profundidade o tema, mesmo porque depara-se com objeto complexo, alvo de inúmeros tratados onde restam dissecadas suas nuances.

Objetiva-se, tão-somente, colocar à mostra instrumentos para que seja entendida a da relação obrigacional através do foco escolhido e tomado conhecimento do cabedal de meios existentes para satisfazer as pretensões originadas nesse campo, no Direito hodierno.

À medida que a matéria vem servindo de base a inúmeras decisões judiciais e comportamentos contratuais cotidianos, ressalta-se novamente a importância do estudo.

Utilizou-se, como método de procedimento, a pesquisa legal, bibliográfica e jurisprudencial e a interpretação e concatenação dessa base de conhecimento.

O trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, é analisada a nova concepção do instituto contrato e da relação obrigacional dele derivada, bem como os elementos – boa fé objetiva e equilíbrio contratual – que passaram a ser tomados em conta quando do exame desse campo e os deveres que se originam de tais fontes, com suas peculiaridades.

Na segunda divisão, considera-se a noção de tutela específica – dentro da tutela jurisdicional do Estado – e os métodos de implantação desse instrumental postos no Direito brasileiro atual – com a caracterização de cada espécie de tutela em sentido estrito, das eficácias dos provimentos que veiculam tais tutelas e dos meios de execução desses julgados.

Por fim, no terceiro capítulo são correlacionadas as duas espécies de conhecimento, mediante análise de algumas hipóteses, no fito de melhor demonstrar a sistemática de implementação da tutela específica dos deveres contratuais anexos e estabelecidos limites à atividade jurisdicional nesse campo.

Feita breve análise acerca daquilo a que o trabalho se propõe, passa-se ao estudo do tema.


1. NASCIMENTO DE DEVERES CONTRATUAIS ANEXOS

1.1. Concepção atual de contrato

O termo contrato denota o acordo de vontades entre pessoas – físicas ou jurídicas – que objetiva constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e eficácia obrigacional. Trata-se da concepção tradicional desse ato jurídico, conforme lição de GOMES [01]. No dizer de MONTEIRO [02], seria "o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito."

Há até pouco tempo, fruto das idéias do Liberalismo, o ato jurídico contrato era a pura concretização individualista da autonomia da vontade, baseada numa concepção de que, em existindo igualdade formal [03] entre os contratantes, haveria plena liberdade de manifestação volitiva, com estabelecimento quase ilimitado do conteúdo contratual. A legislação que regulasse a matéria teria papel meramente interpretador ou supletivo, para proteger a vontade criadora e assegurar os efeitos desejados pelos contratantes.

Ocorre que, por pensamento originado principalmente após o advento do Código Civil italiano de 1942 [04], o homem passou a ser considerado no âmbito social, incluso em diversas relações jurídicas. O Estado, ao invés de se limitar a assistir à movimentação social, começou a intervir, nessa seara, para garantir o cumprimento dos postulados que fixou objetivando a construção da sociedade desejada, seja no tocante ao livre desenvolvimento da personalidade de seus cidadãos, seja para consecução de uma suficiente e regulada base produtiva.

O contrato, frente a esse novo pensamento, expressamente positivado em nossa Constituição Federal [05], é entendido não mais como mero instrumento motor da circulação de riquezas, mas como instrumento de convivência social. Impõe-se, assim, nesse campo, condutas que tomem por base a chamada solidariedade contratual [06], originada da co-relação entre a solidariedade social – objetivo de nosso Estado – e a, hoje relativa, liberdade contratual. É um mecanismo posto a serviço não mais do indivíduo, mas das necessidades sociais – expressa principalmente nos conceitos éticos de paz social e de bem comum –, que se tornaram elemento do contrato. Estamos diante da chamada funcionalização do direito, em que o exercício de certo poder somente é legítimo se tiver em vista determinada finalidade.

Importante ressaltar, porém, que a vontade dos indivíduos não foi relegada a segundo plano; ocupa ainda lugar de relevo. Ocorre que foram jurisdicizados interesses outros, a que o ordenamento confere relevância, para que a liberdade das pessoas em estabelecer vinculações mútuas não os confrontassem.

Dessa forma, as normas privatistas devem ser avaliadas sob o prisma dos princípios constitucionais, e as condutas realizadas ao longo do contrato devem obedecer a uma ética que objetive a boa realização de tais programas. O novo Código Civil positivou o entendimento, em alguns de seus aspectos.

Tenha-se em mente o artigo 421 [07], por exemplo, que vem a ser projeção daquilo que, de modo mais genérico, está programado na Carta Maior (artigos 3º e 5º, inciso XXIII, v. g.). Essa cláusula geral da função social do contrato desempenha duplo papel, como condicionante à liberdade contratual (conceito negativo) e como elemento integrante do conceito de contrato (conceito positivo), servindo na interpretação e na concretização das normas contratuais específicas. Tem a função, aqui, além de norte aos executantes da avença, de modelo para o julgador, ao construir o sentido das imposições contratualmente feitas, quando da avaliação processual de tal situação jurídica [08].

Mudou o instituto contrato, como ato jurídico vinculante entre as partes, e mudou também a relação obrigacional, que vem a ser o conteúdo material do contrato.

Pelo sistema anterior, centrado na análise externa dos elementos constitutivos do contrato, a relação obrigacional era compreendida como vínculo estruturado sobre dois pólos – credor e devedor –, ligados pelos co-respectivos direitos e deveres. Não eram analisados os diversos graus de intensidade de tais direitos e deveres, tampouco o desenvolvimento e mudança deles ao longo do tempo, até porque as relações eram mais estáveis, refletindo a sociedade em que se aconteciam.

Já no modelo preceituado para adoção nos dias de hoje, qual seja a análise interna da relação, de inspiração finalista, fulcrada no adimplemento como objetivo-mor do contrato, é considerado o contrato em concreto, como um todo dinâmico de direitos, deveres, faculdades, ônus e expectativas dos contratantes, que surgem a cada momento, mesmo após a satisfação da obrigação principal. Leva-se em conta as peculiaridades dos contratantes e o contexto do pacto; em outras palavras, passa a ter valor jurídico a mudança que a chamada base objetiva sofre ao longo do desenvolvimento da relação [09].

Trata-se de uma visão transindividual, em que se observa os interesses de outros sujeitos, senão do Estado como um todo, além dos interesses dos titulares das prestações principais.

Nessa mudança de visão, de externa para interna, a relação obrigacional deixa de ser entendida como algo estático, para ser compreendida como um encadeamento de atos, em forma processual, que tendem ao adimplemento do dever [10].

Hoje, o fulcro não é mais o vínculo obrigacional existente entre os sujeitos da relação, mas os efeitos que tal liame gera e as necessidades existentes para que o contrato chegue ao seu fim maior, que é o cumprimento.

Justamente por essa análise de norte mais subjetivo, faz-se necessário a consideração de alguns conceitos flexíveis ou fórmulas ordenadoras. Daí deriva a força que os postulados da boa fé objetiva e do equilíbrio contratual ganharam nos últimos tempos em nosso ordenamento.

1.2. Deveres originados da boa fé objetiva

Quando da concepção antiga de contrato, examinava-se a boa fé subjetiva, ou seja, havia proteção daquele que tem a consciência de estar agindo conforme o direito, ao contratar, embora não esteja. A teoria da aparência representa a cláusula geral a abrigar tal instituto, e são vários os exemplos de previsão nos códigos como, por exemplo, a proteção da posse de boa fé [11].

Atualmente, contudo, por ser avaliado o contrato e as obrigações enquanto conceito dinâmico, não se considera mais o momento da criação do pacto, apenas, mas a relação jurídica em sua integralidade.

Nessa senda, por ser o contrato colaboração intersubjetiva, baseada na confiança, tendo por fim alcançar certos interesses principais, deve tal confiança restar assegurada por conjunto de princípios e regras que permitam a observância do pactuado, através cumprimento de deveres que exsurgem ao longo da relação.

Não basta, desse modo, os contratantes estarem de boa fé – ou seja, acreditarem que venham agindo regularmente, sem lesar direito alheio – mas devem proceder de boa fé, para não criar falsas expectativas e satisfazer as expectativas criadas – conceitos negativo e positivo.

Essa espécie de boa fé, chamada objetiva, exige um plus, uma manifestação exterior – além da crença interna do contratante em estar agindo corretamente – que norteia a colaboração intersubjetiva. Em síntese da lavra do mestre AGUIAR JÚNIOR [12], segundo os ditames da boa fé objetiva, "a inter-relação humana deve pautar-se por um padrão ético de confiança [13] e lealdade" [14].

No dizer de MARTINS-COSTA [15], a boa fé, na acepção objetiva [16], teria três funções, quais sejam (1) de "norma de conduta que impõe aos participantes da relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela colaboração intersubjetiva (...), pela consideração dos interesses da contraparte", (2) de critério de interpretação dos negócios jurídicos e (3) de parâmetro limitador ao exercício dos direitos subjetivos [17].

Veja-se cada uma delas mais detalhadamente.

1.2.1. Boa fé enquanto norma de conduta

Como norma de conduta, a boa fé objetiva engloba todas as pessoas que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre elas, um elo de cooperação, em face do objetivo a que visam [18].

Avalia-se não mais apenas o adimplemento dos interesses vinculados direta ou indiretamente à prestação principal – advindos da vontade –, mas também o cumprimento de certos deveres comportamentais, ligados à manutenção do estado pessoal e patrimonial dos integrantes da relação e à manutenção da própria relação – advindos do liame de confiança que ela envolve.

Essa necessidade cria os chamados deveres secundários, anexos, ou instrumentais, que englobam a relação obrigacional desde antes do seu nascimento, até mesmo depois do adimplemento da prestação principal [19].

Consistem em [20]:

(a) atos de esclarecimento, com caráter meramente declaratório. Este dever de informar significa tornar clara certa circunstância que o outro ignora, tem conhecimento imperfeito ou errôneo. Isso porque tais informações são fundamentais para a tomada de decisão do outro parceiro. Exemplo é a prestação de contas ou a manifestação, pelo locatário ao locador, acerca de situação que possa vir a afetar o imóvel locado; ou a necessidade de redação clara, objetiva e destacada das cláusulas contratuais em um contrato de adesão. Por óbvio somente se exige que uma parte indique certa situação para o co-contratante, quando dessa situação tenha ciência.

Visualiza-se tal dever já na fase pré-contratual; persiste ele ao longo da relação e, mesmo na fase pós-contratual continua subsistindo [21].

Importante ressaltar ainda que, hoje, principalmente em face do Código de Defesa do Consumidor, foi invertida a regra que ordenava ao aceitante uma atitude ativa, em busca de informações – sendo a ele atribuídas as conseqüências da não tomada desta postura – para a regra que manda o proponente fornecer todas as informações necessárias, sob pena de a ele serem atribuídos os riscos da falta de informação [22].

(b) atos de cooperação para obtenção da finalidade da avença. Tal dever significa colaborar antes, durante e depois [23] da execução do contrato, para que seja atingido o adimplemento de forma total, agindo como lealdade, sem obstruir – por ação ou omissão – o cumprimento dos deveres principais.

Estes atos têm caráter material, primordialmente. Por exemplo, não deve o credor dificultar o pagamento, impondo local especial e horas difíceis ou criando procedimentos burocráticos.

Do mesmo modo que o dever de informar, o dever de cooperar reflete-se na redação das cláusulas contratuais, como no destaque de regras que limitem ou excluam os direitos do consumidor, para que a avença não venha a ser dissolvida pela falta de condições de uma das partes.

A doutrina alemã considera incluído, no dever de cooperar de modo positivo, o dever de renegociar o contrato quando haja modificação substancial das condições objetivas que levaram ao fechamento do pacto, com o fito de promover, mesmo nesse momento de dificuldade, a manutenção do vínculo, em função do seu preponderante papel social [24]. No microssistema consumerista brasileiro (Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90), tal dever encontra-se positivado, a regular casos específicos, nos artigos 6º, inciso V e 53 e uma das faces do dever de renegociação – sua argüição em juízo (revisão judicial) – é consagrada doutrinária e jurisprudencialmente [25].

MARQUES [26] acrescenta mais uma espécie de dever anexo, (c) o de cuidado, que significa preservar o co-contratante de danos à sua integridade pessoal e patrimonial. São condutas compatíveis a ele precipuamente, entre outras: agir com precaução ao divulgar informações cujo conhecimento se tomou em função da relação contratual; utilizar um meio técnico seguro na prestação do serviço (principalmente em transportes); assumir a parte hipersuficiente os riscos da atividade econômica; não levar o nome do autor a cadastros de inadimplentes, causando dano moral.

Os deveres anexos podem ser divididos, ainda, em independentes – quando tenham finalidade diversa da obrigação principal e possam ser acionados independentemente da prestação–eixo, sem com isso acarretar o desfazimento dela – e dependentes – em que seu descumprimento acarreta inarredavelmente o inadimplemento da prestação principal [27]. Exemplo dos primeiros é o do sócio que, saindo de sociedade, cede informações que venham a prejudicar aquela pessoa jurídica que outrora compunha.

Anteriormente, havia previsão da imposição de conduta baseada na boa fé apenas em disposições esparsas do Código Civil, como a exigência de declarações sinceras emitidas pelo contratante de seguro (artigos 1443 e 1444).

Hoje vem especificadamente prevista no artigo 422 do novo Código Civil [28], cláusula geral que impõe o dever de conduta segundo a boa fé a todas as relações contratuais. No Código de Defesa do Consumidor encontra-se tal disposição, entre outros, nos artigos 51, inciso IV, como cláusula geral [29], no artigo 42, como hipótese de dever de proteção [30] e no artigo 8º, como hipótese de dever de proteção e informação [31].

Necessário repisar, por fim, que os deveres secundários não surgem somente durante a execução do contrato, mas antes mesmo de sua formação, bem como subsistem após o adimplemento da prestação principal.

A teoria do contato social serve para justificar o nascimento de direitos e obrigações quando não existe, a rigor, o instituto contrato. Pode ser entendido como a atenção ao princípio da boa fé objetiva antes de manifestação formal da vontade de contratar, ocasião em que nascem expectativas legítimas das partes, mesmo que não venham a se concretizar em pacto, posteriormente. Apesar de COUTO E SILVA [32], em meados da década de 70, mostrar-se pessimista quanto à adoção de tal tese, o Código de Defesa do Consumidor positivou uma série de deveres pré-contratuais oriundos da boa fé objetiva [33], implicitamente dando crédito a tal construção jurídica.

Já o tratamento da relação pré-contratual, frente às novas normas civis, de outra banda, leva em conta a hodierna concepção da relação obrigacional, a conjunção entre o artigo 187 e o 927 do Código Civil e a norma de interpretação dos negócios jurídicos (artigo 113 do mesmo diploma).

Frise-se o papel preponderante que o dever de informar tem nessa fase, pois as informações prestadas passam a ser juridicamente relevantes, mesmo que não se considere a teoria do contato, a partir do momento que integram a relação contratual futura, já que deverão ser cumpridas na fase de execução do contrato.

Como bem expõe MARTINS-COSTA [34], para sintetizar o tema:

A fase do nascimento dos deveres, por sua vez, nem sempre nasce ex abrupto e nem termina sem deixar rastros, pois pode ser antecedida por tratativas, negociações preparatórias, nas quais se alocam deveres jurídicos, e pode ser seguida por um período ainda marcado por deveres, ditos pós-contratuais. Por sua vez, a fase do desenvolvimento pode sofrer as mais diversas vicissitudes, decorrentes do tempo e das circunstancias, por forma a gerar direitos, deveres, poderes formativos, modificativos e extintivos, sujeições e ônus não originalmente previstos, sem que a relação, mesmo modificada, perca a sua unidade substancial e finalística. Assim, a compreensão da relação em sua complexidade, evidencia, ao lado dos deveres de prestação (principais e secundários), os já aludidos deveres de proteção, laterais, "anexos" ou "instrumentais", além de direitos potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas, todos coligados, como diz Almeida Costa, "em atenção a um identidade de fim", constituindo o conteúdo de uma relação de caráter unitário e funcional, isto é, justamente a relação obrigacional complexa.

1.2.2. Demais funções da boa fé

O princípio da boa fé como norma de interpretação já vinha previsto no artigo 131 do Código Comercial. Hoje, encontra-se presente no artigo 113 do Código Civil [35] e, aplicável ao microssistema consumerista, no artigo 4º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor [36].

Já o uso da construção referida como limitação ao exercício dos direitos está positivada precipuamente no artigo 187 do Código Civil [37]. Enorme importância tem essa disposição, pois foi criada (ou, em outro entendimento, meramente positivada) modalidade de responsabilidade civil pelos atos ilícitos advindos do agir em desobediência ao preceito da boa fé objetiva, quando a violação ao direito cause danos (artigo 927 do Código Civil).

Dessa forma, importante é a análise do princípio que veda venire contra factum proprium, manifesto no referido artigo 187, que incide na fase de execução, mas também no período pré-contratual – negociações preliminares. Tal princípio faz ilícito o aproveitamento de situações prejudiciais ao outro, ocasionadas pelo titular do direito.

Agiria assim quem, estabelecendo critérios ou agindo de maneira a atingir certos fins, modifica tais critérios ou altera o modo de agir, em prejuízo de outrem. Exemplo é a omissão em informar ao parceiro pré-contratual acerca de certo requisito de forma e, depois, por tal motivo, requerer a nulidade do pacto ou suspender as tratativas. Dessa forma, pode ser responsabilizado civilmente, hoje, sujeito que atue em contrariedade à boa fé, mesmo que não chegue a se concretizar negócio jurídico [38].

No uso da boa fé objetiva como limitador ao exercício dos direitos, surgiu ainda, na jurisprudência [39], a teoria do adimplemento substancial, a significar que, uma vez tendo havido cumprimento próximo do resultado final esperado, fica excluído o direito à resolução do contrato, restando facultado apenas o pedido de adimplemento e de perdas e danos [40].

1.3. Deveres originados do equilíbrio contratual

Outra idéia, incrustada no conceito de contrato – por tratar-se de instrumento que envolve basicamente permuta de direitos –, correlata à boa fé objetiva – mais especificamente ao dever de cooperar para o adimplemento – e advinda da confiança – que hoje representa um dos elementos do contrato – é a exigência de um equilíbrio mínimo das prestações e contraprestações.

Era corrente, até pouco tempo atrás, o pensamento, de inspiração liberal, de que o contrato traria em si uma natural equidade. Hoje se sabe que assim não o é, e que o contrato deve ter, então, uma regulamentação sensata, com razoável distribuição de riscos e preservação das expectativas das partes.

Caso contrário, desde o nascimento ou durante a execução, cabe ao Estado, através de sua função legislativa e judicial, manter o equilíbrio, para que a avença atinja o seu fim social. Isso porque a falta de equilíbrio traz a abusividade, ou descompasso entre direitos e obrigações, que impede a realização total do objetivo contratual, frustrando os interesses básicos das partes e gerando males sociais como a exclusão e o superendividamento.

A hipóteses em que ocorra tal disfunção se aplica a teoria da lesão [41], quando a desproporção se dê desde o momento da formação do pacto e a teoria da quebra da base objetiva do negócio jurídico, quando o desequilíbrio se dê durante a execução do contrato.

Por base do negócio jurídico temos [42] "o conjunto daquelas circunstâncias, sem cuja existência, manutenção ou verificação futura, o escopo, perseguido pelo negócio e determinado de acordo com o seu conteúdo, não pode ser obtido através do negócio, apesar dele ter sido devidamente concluído".

Já nos dizeres do mestre gaúcho COUTO E SILVA [43]:

A "base objetiva do negócio jurídico" decorre de uma" tensão" ou "polaridade" entre os aspectos voluntaristas do contrato – aspecto subjetivo – e o seu meio econômico – aspecto institucional – o que relativisa (sic), nas situações mais dramáticas, a aludida vontade, para permitir a adaptação do contrato à realidade subjacente.

Note-se que a teoria da quebra da base objetiva do negócio tem maior abrangência do que a hipótese de resolução positivada no artigo 478 do Código Civil, porque aqui somente é admitida a resolução do pacto quando haja, além da onerosidade excessiva a uma das partes ocasionada por evento extraordinário, vantagem desmensurada para a outra. Fica muito limitada a abrangência do dispositivo, assim, ao recordar-se que a maioria dos eventos imprevisíveis (guerras, revoluções, etc) não trazem vantagem a nenhuma das partes. Além disso, a teoria da quebra da base objetiva permite uma readaptação do negócio com a manutenção da relação, enquanto o citado artigo somente prevê a dissolução do vínculo.

Importante salientar que, uma vez ocorrendo o desequilíbrio severo, além do surgimento do dever de readaptação, aparece o dever do devedor em informar o seu parceiro negocial acerca da situação.

Portanto, também em tais situações de desequilíbrio, nascem deveres jurídicos "anexos", a serem operacionalizados judicialmente [44].

Pois bem. Finalizada essa exposição acerca do nascimento e configuração dos deveres anexos, passa-se à abordagem do método utilizado hodiernamente para garantir o cumprimento dos deveres.


2. TUTELA ESPECÍFICA DE DIREITOS E DEVERES

2.1. Tutela jurisdicional e tutela específica

Por tutela jurídica entende-se, no dizer de DINAMARCO [45] "a proteção que o Estado confere ao homem para consecução de situações consideradas eticamente desejáveis segundo os valores vigentes na sociedade – seja em relação aos bens, seja em relação aos outros membros do convívio."

Nos casos em que tal amparo objetivo não é respeitado por outrem, no caso concreto, surge o direito à tutela jurisdicional [46]. Assim, a diferença entre as duas expressões é que, no dizer de BELLINETTI [47], a "tutela jurídica significa proteção do Direito para os direitos subjetivos e qualquer forma de atuar lícita, enquanto que a tutela jurisdicional significa a proteção do Estado, com base no Direito, para esses direitos e atividades lícitas, quando envolvidos em um conflito jurídico de interesses [48]."

Dispõe o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Tal é o alicerce da garantia de tutela jurisdicional no Estado de Direito brasileiro.

Esse é também o fundamento da imposição feita ao legislador hoje, em nosso ordenamento, para que forneça ao cidadão meios de proteger o direito subjetivo em si, precipuamente – e o dever correlato a esse direito, por conseqüência –, sendo que, somente em casos de não possibilidade de tutelar especificamente tal direito, recorrer-se-á ao ressarcimento do dano correspondente, por um equivalente pecuniário.

Em outras eras – pensamento pós Revolução Francesa – tendo em vista uma compreensão mais individualista da função do Direito, encontrava-se positivada a noção de que o sistema judicial somente tinha por função reparar danos, mediante indenização em dinheiro.

Admitia-se tal concepção com fulcro na idéia de que, pela liberdade extreme, defendida naquela época, não seria possível constranger o indivíduo a praticar ou não praticar certa ação – princípio nemo ad factum praecise cogi potest – e, havendo uma igualdade formal entre os homens, o dinheiro tinha o mesmo valor para qualquer indivíduo, recompondo perfeitamente a invasão da esfera jurídica individual perpetrada pelo ofensor. Ocorre ainda que, após a citada Revolução, pela desconfiança existente nos juízes, oriunda da corrupção do Antigo Regime, foi retirado do magistrado a maior parte do seu poder de imperium – realização fática das decisões –, limitando tal prerrogativa tão-somente aos direitos patrimoniais, sendo mantida apenas a iurisdictium – faculdade de dizer o direito –, que nenhuma restrição aos direitos pessoais do cidadão poderia trazer, no mundo dos fatos.

O transpasse desse conceito à esfera processual reflete-se na concepção trinária das espécies de ações, já que nenhuma das previstas pela classificação – sejam declaratória, constitutiva ou condenatória – presta-se a impedir a violação do direito (ocorrência do ilícito) ou mesmo a barrar o conseqüente acontecimento de dano. Permite-se, assim, a qualquer sujeito atentar contra quase todo tipo de direitos, desde que tenha numerário suficiente para ressarcir economicamente o dano.

A execução clássica, por sua vez, ligada à sentença de condenação – de fito unicamente processual –, vem sendo vinculada quase que exclusivamente a métodos de busca de valores pecuniários no patrimônio do devedor, para compor danos, tutelando o direito em si somente em casos excepcionais. Tem por desvantagem, ainda, a injustificada solução de continuidade para com o procedimento de conhecimento.

Ocorre, como bem frisa MARINONI [49], que entre ilícito e dano grande diferença existe. Com efeito, ao passo que o ilícito ocupa posição principal, como ação ou omissão contrária ao Direito, o dano localiza-se em nível subsidiário, somente existindo em decorrência do ilícito, por ser seu resultado fático. Em virtude de tal situação, necessário reavaliar as formas de tutela, para incluir aí provimentos que inibam o ilícito – o que significa proteger o direito em si – e, caso sejam chamados a atuar em momento posterior, a ocorrência de dano.

A positivação do conteúdo do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor [50] e, posteriormente, do artigo 461 do Código de Processo Civil [51] representa, então, uma conciliação da legislação ordinária com o preceito constitucional da tutela específica de direitos [52].

Importante salientar que o "resultado prático equivalente" de que fala o artigo 461 é a consecução do direito em si através da conduta de terceiros, ao contrário da "tutela específica", em seu sentido estrito, que visa, além de alcançar o direito em si, obtê-lo através da conduta do próprio devedor. Portanto a "tutela específica" se coaduna mais com a sentença de eficácia mandamental e a produção do "resultado prático equivalente" se ajusta com maior perfeição à sentença executiva.

Tais provimentos destinam-se ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer e, mais recentemente, com a inclusão, no Código de Processo Civil, do artigo 461-A [53], de entrega de coisa.

O conceito de obrigações, todavia, segundo a hermenêutica, foi ampliado para o de deveres. Dever jurídico é a imposição de certo comportamento ou omissão, que interesse a outrem – no que difere do ônus, em que o interesse é relativo ao próprio agente. Já obrigação é apenas categoria de dever, originado de negócio jurídico, responsabilidade civil ou princípio do não-enriquecimento sem causa.

Como bem menciona TALAMINI [54], acerca das situações abrangidas pelo sistema do artigo 461,

As regras em exame, portanto, disciplinam a consecução do resultado de deveres derivados de direitos relativos (obrigacionais ou não) e absolutos (reais, da personalidade, etc.), públicos e privados – com as evidentes ressalvas acerca da eventual existência de vias especiais de tutela. O sentido larguíssimo de "obrigações" alcança até mesmo os interesses difusos – para os quais, porém, há via específica, equiparável à do art. 461.

Trouxeram tais disposições à seara jurídica, nesse sentido, vias novas ou mais bem aparelhadas de tutela – classificadas, na teoria de MARINONI [55], segundo os resultados que causam no plano do direito material, como inibitória, preventiva executiva, reintegratória e de adimplemento contratual, além da já existente ressarcitória – marcadas por eficácias sentenciais – mandamental e executiva – distintas das já clássicas e insuficiente outras três, a serem aplicadas por ampla gama de meios de execução, dos mais variados e eficazes possíveis.

Passa-se à análise mais detida de tais elementos.

2.2. Tipos de tutela específica [56]

2.2.1. Tutela inibitória

A tutela inibitória visa conservar o direito em si, evitando a prática, a continuação ou a repetição do ilícito.

Não são pressupostos dela a existência de dano, nem mesmo a sua probabilidade, já que serve para impedir a violação ao direito, e não o seu resultado. Também desimporta, aqui, perquirir o elemento culpa, que é componente apenas da responsabilidade civil por dano. O único requisito para sua implementação é a probabilidade da prática, continuação ou repetição de um ato contrário ao direito.

É instrumentalizada, via de regra, através da técnica mandamental, com a imposição do meio de execução multa, para coagir a um fazer ou a um abster-se. Podem, contudo, serem utilizados pelo magistrado outras técnicas e meios de execução, conforme os ditames da necessidade e efetividade, desde que atendido o princípio do "meio mais idôneo", ou seja o menos gravoso para o devedor dentre os existentes para alcançar o fim colimado em sua plenitude. Nesse sentido, o juiz não está adstrito ao pedido do autor, pois a limitação da sentença, no caso de mecanismos de tutela específica, somente se dá no que diz respeito a questões relativas ao bem da vida buscado, não aos métodos utilizados para obter o resultado.

2.2.2. Tutela preventiva executiva

A tutela preventiva executiva difere da inibitória apenas pela técnica de tutela – já que usa de meios executivos independentemente da vontade do réu – e quanto a uma de suas finalidades – pois serve para evitar a prática ou a repetição do ilícito, mas não a sua continuação.

Enquanto a inibitória deixa o devedor voluntariamente "não-praticar" o ilícito – seja por ação ou omissão –, a tutela preventiva executiva o impede de praticar o ilícito, mediante interferência direta em sua esfera jurídica. No mais, segue os parâmetros da tutela inibitória.

Tem utilidade ao passo que o juiz percebe que a coerção mediante multa não surtirá efeito, por não ter o réu patrimônio, ou nos casos em que não haja tempo de notificar o devedor a respeito de mandamento proferido.

2.2.3. Tutela reintegratória

Esta tutela tem por função eliminar ilícito em continuação, isto é, que vem ocorrendo no momento. Difere da tutela inibitória porque a remoção do ilícito, aqui, se dá independentemente da vontade do réu, já que são utilizados meios sub-rogatórios.

Não cabe seu uso, por óbvio, nos casos em que ilícito já findou pois, como as tutelas antes mencionadas, não leva em conta o dano. No mais, se baseia nos mesmos parâmetros que a tutela inibitória.

2.2.4. Tutela das obrigações contratuais de fazer e não fazer

Esta tutela visa evitar o inadimplemento, antes de sua ocorrência, ou fazê-lo cessar, quando já aconteceu.

Impende registrar que o inadimplemento contratual encontra-se em situação semelhante à do ilícito, eis que, enquanto neste há violação de dever provindo de fonte legal, aquele outro caracteriza-se pela violação a dever contratualmente originado.

Uma vez que a questão do inadimplemento contratual tem a ver com a mora, no caso de já ter ocorrido tal incumprimento de dever contratual, a culpa é levada em consideração.

O item, por consistir em cerne do presente trabalho, será melhor analisado no terceiro capítulo.

2.2.5. Tutela ressarcitória

Resta analisar, para construção do conhecimento, a forma de tutela que era, como visto acima, senão a única existente, aquela a que o ordenamento, baseado em princípios hoje arcaicos, dava maior relevância.

A tutela ressarcitória visa compor o dano, objetivando uma volta a situação que guarde relação de semelhança com a anterior à ocorrência do mesmo, já que fática e logicamente impossível o retorno integral ao status quo ante. Além do aspecto reparatório, tem ainda o aspecto sancionatório, porque às vezes, pela extensão do dano, se torna impossível a reparação, e outras vezes ela é insuficiente, já que ilícito trouxe como resultado, além do dano (negativo), benefícios para o réu (positivo).

A orientação contemporânea, a diferir da antiga doutrina de ressarcimento é, como visto antes, que seja reparado o dano, preferencialmente, de forma específica. A indenização pelo equivalente em dinheiro, em substituição à tutela específica, somente se faz cabível nos casos em que haja impossibilidade da recomposição do bem da vida prejudicado por violação a direito, ou que o lesado expressamente a requerer.

Aqui, o elemento culpa é levado em conta, eis que a ocorrência de resultado se deveu a alguma causa, e a fixação dessa causa é importante para definir a responsabilidade civil em indenizar.

Podem ser utilizadas, para obtenção da tutela, as técnicas mandamental e executiva e os diversos meios de execução, a critério do juiz, atendendo aos princípios acima mencionados. O artigo 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor servem, como visto, apenas para instrumentalizar deveres de realizar conduta, no intuito de reparar o dano. A entrega de coisa e de valor pecuniário são regulados por outros mecanismos processuais (artigos 461-A e 646 e ss. do Código de Processo Civil, respectivamente).

Definidas as espécies de tutela existentes, passa-se ao estudo das técnicas aptas a implementá-las.

2.3. Técnicas de tutela específica

2.3.1. Eficácias sentenciais

A doutrina clássica prevê três espécies de eficácias sentenciais [57]. A primeira limita-se a declarar a existência do direito (declaratória); a segunda, além da declaração de existência de um direito potestativo, o faz atuar (constitutiva); a última, por sua vez, declara o direito a uma prestação e autoriza o desenvolvimento de atividades práticas para satisfazê-lo (condenatória).

À parte as duas primeiras, que não exigem ato posterior para implementação do preceito judicial, resta analisar os provimentos que necessitam ser complementados.

A sentença condenatória, nessa seara, não contém uma ordem de prestar, que já está expressa na lei; tem apenas uma função processual, criando um estado de sujeição, ao constituir o título executivo, que dará ensejo a uma posterior execução forçada (mediante sujeitação, termo equivalente a sub-rogação). Do fato de ser mera etapa para a posterior execução, decorre sua insuficiência.

Por outro lado, no processo de execução, não temos propriamente uma sentença executiva, já que a prática de atos materiais retira sua força da sentença condenatória anterior, tanto que "ação executiva", na visão de ARAKEN DE ASSIS [58] é aquela em que os atos materiais se praticam no mesmo processo em que foi proferida a condenação ou expedido o mandamento, dispensada a propositura da "ação de execução", processo autônomo que não produz, a rigor, uma sentença [59].

Em função disso, necessária a existência de sentença denominada "executiva lato sensu", em que sejam atuadas medidas de sujeitação de imediato, independentemente de outro processo. Frise-se que não há, na legislação positivada, em si, qualquer definição que exija o seguimento do iter condenação-execução forçada. Esta foi uma construção derivada dos fatores já expostos acima [60]. Nos dias atuais, o caminho é o sincretismo entre conhecimento (iurisdictio) e atos materiais de execução do direito (imperium [61]).

Assim, somente ensejará subseqüente e autônomo processo executivo a conversão em perdas e danos; a cobrança das verbas de sucumbência; a cobrança do crédito decorrente do descumprimento de multa pecuniária; a cobrança das despesas adiantadas pelo credor no custeio de atividades de concretização do "resultado prático equivalente" [62].

Além disso, pelo rito do artigo 632 e seguintes do Código de Processo Civil não se prestar à imposição de ordens ao devedor, não abrangendo, assim, com perfeição, a tutela dos deveres de fazer e não fazer [63], mister o uso de provimento com eficácia mandamental, isto é, que contenha uma ordem para o réu, geralmente acompanhada de medida de natureza coercitiva (indução), cuja efetivação se dá no bojo do próprio processo onde foi proferida [64]. Não se olvide que, o só fato de ser auxiliado por uma medida coercitiva não transforma o provimento em mandamental; o que imprime tal eficácia é "a previsão de que seu descumprimento caracterizará afronta à autoridade, juridicamente censurável" [65].

Dessa forma, ficam à disposição do jurista duas novas eficácias sentenciais, aptas a buscar a realização do direito declarado ou constituído em sentença: a executiva e a mandamental.

2.3.2. Meios de execução

Meios de execução são os procedimentos materiais que levam à implementação fática do disposto nas sentenças antes mencionadas [66].

TALAMINI [67] nomeia os meios de execução de sanções, dividindo-as em sanção em sentido lato (o mecanismo, instrumental, usado pra reforçar a observância das normas ou remediar os efeitos da inobservância) e em sanção em sentido estrito (o comando, substancial, contido pelo mecanismo). Tome-se por exemplo a prisão civil que, sendo considerada sanção lato sensu, gera a restrição de liberdade – sanção stricto sensu.

Os mecanismos, de um lado, seriam de sujeitação (sub-rogatórios), atingindo o resultado sem a participação do sancionado e de indução (coercitivos), influenciando psicologicamente para que o devedor mesmo faça ou não a conduta a que está obrigado, mediante ameaça de mal ou promessa de bem [68]. Os comandos sancionatórios, por sua vez, se dividem, conforme momento de aplicação e funções, em preventivos, simultâneos, retributivos, restituitórios e ressarcitórios.

Conjugando essas duas idéias de sanção (instrumental e material), TALAMINI formula uma classificação geral, dividindo as espécies de sanção em:

(1) preventivas – ou seja, atuadas antes do comportamento que o sujeito deva ou não tomar. São acionadas com a ameaça concreta de violação do dever; antes do ilícito, portanto, sendo ideais para uso em tutela inibitória e tutela preventiva executiva.

Subdividem-se em (a) de controle – atos de vigilância e fiscalização (sub-rogatórios) na busca de dificultar a transgressão –, (b) psicológicas – atos (de indução) que visam encorajar o cumprimento ou intimidar o devedor para não descumprir o dever em caso – e (c) preclusivas – qual seja o emprego de meios (sub-rogatórios) que tornem materialmente impossível a transgressão. São exemplos, respectivamente, a nomeação de interventor para atuar em empresas; o fornecimento de incentivos fiscais e cominação de multa diária; e a apreensão de arma e remoção de equipamento potencialmente poluidor.

(2) simultâneas – ou seja, atuadas no momento mesmo da exigência do fazer ou não fazer. Servem para impedir que o ilícito (descumprimento do dever), tão logo perpetrado pelo devedor, venha a acarretar dano. Identificam-se, portanto, com as tutela inibitória de ilícito continuado e com a tutela reintegratória, principalmente no que tange a deveres de fazer fungíveis.

Subdividem-se em (a) sub-rogatórias – qual seja a prática do ato por outrem – e (b) repressivas diretas – qual seja o impedimento físico à conduta.

(3) sucessivas, que vêm a atuar depois da conduta (seja ação ou omissão) ilícita ter sido praticada, no sentido de reparar a transgressão ou retribuir. Identificam-se com as tutelas reintegratória e ressarcitória, primordialmente.

Subdividem-se em (a) reparatórias – visando a consecução da situação anterior à violação do direito – e (b) retributivas – atos que visam demonstrar a reprovação do ordenamento no tocante à violação do direito e, por meio de indução genérica, educar o transgressor no sentido de impedir que novo ilícitos venham a ocorrer futuramente.

As sanções reparatórias subdividem-se em (a1) restituitórias – que visam a obtenção de resultado equivalente ao que seria atingido com a realização do direito, por meio da realização tardia da conduta pelo próprio devedor ou cessação da conduta indevida (indução) e pela obtenção, através da conduta de outrem de tais efeitos materiais (sub-rogação) – e (a2) ressarcitórias – que atuam nos casos em que é impossível ou desinteressante obter o resultado igual ao pretendido com a realização do direito violado, através da volta ao status quo ante ou composição dos danos de modo pecuniário.

O uso de tais meios de execução está garantido pelo §5º do artigo 461 do Código de Processo Civil (bem como pelo §5º do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor), e serão eles aplicados no mesmo processo em que foi proferida a decisão, seja interlocutória (no caso de antecipação do provimento – §3º do artigo 461), seja sentencial [69].

Ressalte-se, por fim, que o §5º do artigo 461 Código de Processo Civil e do 84 Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis subsidiariamente ao processo de "execução de obrigação de fazer e não fazer", por trazer maior rol de mecanismos de "execução" do que os previstos para esse rito [70]. Não cabe utilização nesse procedimento, contudo – por atentado à sua ontologia – de medidas coercitivas/provimento mandamental.

Traçado em linhas gerais o perfil atual da tutela de direitos e dos seus correlatos deveres, resta analisar mais detidamente como tal amparo se dá em relação aos deveres contratuais anexos.


3. TUTELA ESPECÍFICA DE DEVERES ANEXOS

3.1. Atividade lógico-cognitiva em relação aos deveres contratuais anexos e sua tutela específica: noções gerais

Ofertadas noções básicas acerca da seara contratual e da tutela específica, passa-se ao estudo da inter-relação de tais elementos.

Os deveres de cooperar, informar e cuidar implicam, via de regra, em atos materiais – fazer e não fazer, excepcionalmente se relacionando a um entregar. Igualmente o dever de readaptação do contrato e os deveres oriundo da necessidade de equilíbrio da avença.

O direito de ação [71] visando o cumprimento de obrigação contratual surge nos casos em que a prestação não tenha sido adimplida – seja por demora (sem culpa), por mora (com culpa) ou por cumprimento imperfeito – e em que ainda é possível e útil ao credor obtê-la [72].

Os deveres anexos seguem orientação semelhante. Ocorre que, ao contrário da prestação principal, não há termo ou interpelação para que sejam devidos. Por existirem ao longo do contrato – deveres de observância contínua –, sua exigibilidade decorre da violação a preceito genérico, por determinada atitude no caso concreto. Assim, por não vir expressamente definida qual a conduta que gerou o descumprimento, na situação-problema, cabe ao julgador esclarecer tal ponto e impor o cumprimento.

Tomam-se emprestadas as palavras do mestre AGUIAR JÚNIOR [73]:

A regra da boa fé é uma cláusula geral, como tantas outras do nosso ordenamento (...) é um fato operacional de importância considerável para a flexibilização do direito normado. O conteúdo da norma de dever, derivada do princípio da boa fé, não está na lei, devendo ser composto caso a caso pelo juiz; exige atividade judicante que, sem mediações normativas, deixa face a face o sistema global e o caso a resolver. O procedimento para solução do caso pressupõe o trabalho preliminar para definir qual a regra de conduta que – de acordo com a boa fé (isto é, de acordo com o princípio ético-jurídico de lealdade e confiança, inerente ao sistema) – deveria ter sido obedecida pelas partes, nas circunstancias do caso.

Cabe analisar, primeiramente, em que medida a ação ou omissão do contratante implica em atentado à boa fé objetiva, ou seja, possa fazer com que o contrato não chegue ao adimplemento ou venha a lesar o outro contratante.

Chega-se, então, à conduta que o contratante deveria ter tomado – ou deixado de tomar – para atender aos deveres de cooperação, informação e proteção.

Uma vez definida essa conduta, mister levar o outro contratante a realizar um fazer que satisfaça tal dever e sane o contrato, para que possa continuar atendendo a seus fins.

Aqui entra a importância da tutela específica. Caso esteja-se diante de uma relação contratual civil, e o dever em questão seja de fazer ou não fazer, aplicar-se-á primordialmente o artigo 461 do Código de Processo Civil. Sendo uma relação de consumo, o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, caso estejamos diante de um dever de entregar coisa, aplicar-se-á o artigo 461-A do Código de Processo Civil.

Devem ser examinadas, agora, as particularidades de cada situação.

Por exemplo, trate-se de violação ao dever de proteção, como no caso em que o nome da pessoa é levado a inscrição em cadastro de inadimplentes, sem que antes seja concedida oportunidade dela regularizar sua situação. Trata-se de descumprimento de dever de não fazer.

Aqui, inicialmente, analisa-se qual o tipo de tutela adequada [74] – dentro do campo das tutelas específicas. No caso, trata-se de tutela de "obrigação" contratual de fazer ou não fazer – correlata à tutela reintegratória, já que se visa a eliminação do ilícito em continuação – derivada do princípio da boa fé objetiva.

A seguir, questiona-se se o mais acertado é (a) fazer com que o próprio violador do direito desfaça a ação errônea ou produza a esperada ou (b) que terceiro realize a conduta desejada ou faça com que a situação se normalize [75]. No caso concreto, muito mais prático será que outrem – diverso do devedor – faça cessar a violação, já que o dever é fungível [76], tendo o provimento eficácia executiva lato sensu, a ser atuado no mesmo processo em que se deu a atividade cognitiva.

Quanto ao meio de execução, deve ser utilizado um que corresponda a sanção sucessiva – eis que a situação ilícita já se iniciou – reparatória restituitória – com a realização tardia do dever de não fazer, para alcance de situação semelhante à anterior à violação do direito –, nos termos da orientação doutrinária antes exposta [77].

Assim, o próprio magistrado deverá proferir comunicado ao órgão cadastral, para que seja excluído o nome antes inscrito, já que, nas situações em que se obtém mais imediata e facilmente o resultado equivalente através da sub-rogação – meio executivo, em seu sentido estrito – deve-se adotar de pronto tal via.

Com efeito, seria muito menos eficiente, e sem razão de ser, a expedição de ordem (eficácia mandamental) para que o próprio sujeito que levou o nome a cadastro procure o órgão registral e requeira a exclusão. Tal iter demandaria muito mais tempo – pela necessidade de intimação do violador, por exemplo – e teria muito mais riscos de não obter êxito – já que poderia haver negação à realização da conduta, num primeiro momento.

Podem ser utilizados simultaneamente, todavia, mecanismos de sub-rogação e de coerção, no intuito de cercar de maiores garantias a efetividade do provimento [78].

Anote-se que um importante meio de implantação da tutela específica é a nomeação, pelo magistrado, de pessoa de sua confiança para exercer o papel de interventor judicial, fiscalizando o atendimento às decisões tomadas, inclusive vindo a atuar para proteger o direito, quando necessário [79].

Essa intervenção, todavia, deve ser adotada somente quando outra medida menos drástica não servir ao fim colimado e deve ser restringida ao necessário para efetivar a decisão, sendo imperioso que o interventor forneça informações periódicas sobre a atividade.

Imperioso frisar, ainda, que, quando necessário, o custeio das medidas de implantação da tutela específica deve ser, na medida do possível, arcado pelo réu [80]. À obtenção de recursos junto a este, mesmo em se tratando de quantia pecuniária, cabe o uso de provimentos idênticos aos utilizados na implementação do direito em si [81].

Nessa hipótese é possível o bloqueio de valores depositados em bancos em nome do demandado e a apreensão de receitas por ele geradas, por exemplo. Em alguns casos, contudo, o juiz pode vincular tais providências à apresentação de caução, pelo autor. Somente será adotado o procedimento de execução por quantia certa quando não houver dinheiro liquidamente disponível no patrimônio do réu ou quando a apreensão desse numerário lhe causar grave e inexigível gravame.

3.2. Fixação do tema: casuística

Vejamos, para melhor entendimento do assunto, outros exemplos de conhecimento e tutela de deveres anexos.

Imagine-se o caso de um posto de combustíveis que realize um contrato "de bandeira" com certa distribuidora do produto. Desse modo, fica implícito – e muitas vezes mesmo expresso – o dever de cooperação traduzido na vedação a adquirir combustível de outro fornecedor – dever de não fazer.

Constatado pelo julgador tal dever, procede-se ao exame da tutela adequada, qual seja – segundo os parâmetros adotados no trabalho – a de obrigações contratual de não fazer – que reflete em termos mais específicos as tutelas inibitória e preventiva executiva [82].

Analisa-se então a opção entre provimento com eficácia executiva lato sensu, que impeça materialmente o devedor de praticar a conduta vedada, ou provimento mandamental, que coaja o sujeito a abster-se da prática [83]. No caso em tela, tanto um quanto outro são eficientes, e podem ser fixados simultaneamente, se necessário, como visto acima.

No tocante ao meio de execução [84], pode ser adotado um ou mais que corresponda(m) a sanção preventiva de controle, psicológica ou preclusiva, ou simultânea repressiva direta, se a violação está ocorrendo no momento atual.

Desse modo, podem ser efetuada a nomeação de interventor para fiscalizar a não-aquisição de combustíveis de outra distribuidora, a cominação de multa diária para caso de descumprimento do dever, ou mesmo a instalação de equipamento que impeça tal operação [85].

Dê-se o exemplo da tutela de um dever anexo de informação, agora. Vide o caso de empresa de transporte aéreo que deixa seus passageiros exacerbado tempo em espera, entre conexões, não informando a eles que havia outros vôos, da mesma companhia – dever de fazer.

Cabe, nesse caso, tutela que vise evitar a continuação ou repetição do ilícito – tutela de obrigação de fazer nos moldes da inibitória, preventiva executiva e reintegratória.

Analisando-se a eficácia do provimento que o julgador adotará, percebe-se que pode vir a ser emitida pelo juízo ordem para que a empresa informe a existência de outros vôos no ínterim entre os que havia programado (mandamental) ou mesmo determinação para que outrem preste tal informação (executiva lato sensu).

Quanto aos meios hábeis a executar os provimentos, destaca-se que caberiam, entre outras, dependendo das circunstâncias, sanção preventiva psicológica – quando se quer evitar que a empresa reitere a violação de tal dever; sanção simultânea sub-rogatória – quando se determina que outrem venha a prestar a informação, antes que o ilícito possa acarretar dano aos passageiros; sanção sucessiva reparatória – quando, por exemplo, se ilide a situação ilícita obrigando a empresa a custear transporte, mesmo que arcando com custos extras, quando a si deveu-se a demora e não foi a possibilidade de ocorrência da mesma informada aos passageiros [86].

Uma vez fixada detalhadamente a sistemática de tutela específica dos deveres contratuais anexos cabe, por fim, referir alguns parâmetros a serem seguidos pelo jurista, nessa atividade.

3.3. Limites à atividade jurisdicional

A atividade de cognição do dever anexo e implementação dele mediante sua tutela específica fica sujeita a algumas balizas.

No tocante a identificação do que seja dever anexo, em sua derivação da cláusula geral de atuação conforme a boa fé, já advertia LEHMANN [87], referindo-se ao Código Civil alemão, que "não se pode remover os males do mundo com o §242". Deve ser avaliada, assim, detidamente a existência de tais elementos genéricos – boa fé objetiva e equilíbrio contratual – no caso concreto, sob pena de cometer injustiças.

Referentemente à seara processual, e retomando tema já abordado no capítulo 2, observa-se que não está o magistrado adstrito, na escolha dos meios de execução, àquele(s) pleiteado(s) pelo autor e tampouco jungido estritamente, durante o desenrolar da implantação da decisão, à medida adotada na sentença. A vinculação, na decisão definitiva do processo, se dá somente quanto à tutela do direito, não quanto ao modo de efetivá-la. Uma vez publicada a sentença, continua o juiz investido de poder jurisdicional, no sentido de dar cumprimento ao decisum, podendo utilizar-se dos meios mais eficazes para tanto.

Contudo, necessário não olvidar que o juiz, ao escolher a tutela e a técnica (eficácia sentencial, sanções) a ser utilizada, deve sopesar detidamente a necessidade e a adequação daquele meio frente ao prejuízo que pode vir a causar ao demandado. Deve, assim, ter preferência o meio mais idôneo, dentre os disponíveis, para alcançar o resultado desejável em seu máximo – máxima efetividade –, sem causar gravame maior do que o exigível, ao réu [88].

Assim, a eleição dos meios não fica ao puro arbítrio do magistrado, mas à sua escolha fundamentada, tendo por base, dentro do universo de medidas em tese admissíveis – que não ofendam direitos fundamentais, como seria o caso da prisão civil indiscriminada ou da proibição de exercício de atividade, vedada pela Súmula 70 do STJ –, aquelas que atendam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, visando provocar o menor sacrifício possível ao devedor, dentro da maior eficácia ao credor. O meio, nesse sentido, não pode inviabilizar o cumprimento do dever de fazer ou não fazer, tampouco sacrificar bem jurídico substancialmente mais relevante.

Imprescindível ressaltar ainda que, antes da fixação de quaisquer medidas, sempre que possível o juiz deve ouvir as partes. Tal contraditório somente pode ser afastado nos casos de providências tomadas antecipadamente à sentença, e mesmo assim quando a situação for de extrema urgência, em que não haja tempo disponível para tanto [89].

Ademais, sempre que houver relativa desconfiança de que possa haver irreversibilidade do provimento e de que o direito venha a ser constatado inexistente, cabe a estipulação de caução, no intuito de garantir tal situação.

Em síntese, observa-se que, ao se livrar o Direito das impregnadas concepções liberais de mundo, veio o magistrado a angariar novos e abrangentes poderes, seja com a positivação da boa fé, enquanto cláusula geral, seja pela previsão indeterminada de meios de efetivação de suas decisões, na tutela do direito em si.

Ao mesmo passo, por conseqüência, ascendeu no horizonte do Direito a importância dos princípios gerais que norteiam a seara jurídica [90], como forma de limitar a atividade judicante aos ditames da ética e do bom senso, para que não se fuja à solução justa, mesmo que tal conceito – Justiça – tenha ganhado em abrangência, abarcando maior quantidade de fatores sociais, econômicos, ambientais, etc..

Nesse sentido, e para finalizar o trabalho, ficam as palavras do renomado jurista AGUIAR JÚNIOR [91]:

o arbítrio deve ser rigorosamente controlado, tanto mais quanto maiores as facilidades de seu uso pela reunião de uma cláusula geral a conceitos indeterminados; o afastamento da discricionariedade e do psicologismo se garante pela necessidade de fundamentação da decisão e de sua conformidade com o ordenamento jurídico global.


CONCLUSÃO

Chegado a termo o trabalho, imperioso gizar alguns dos resultados obtidos no seu decorrer.

Inicialmente, cristaliza-se o entendimento de que o contrato, e a relação obrigacional dele derivada, devem ser entendidos hoje com base em novos parâmetros, que levem em conta a sua eminente função social.

Assim, ganha notável importância o atendimento, pelos contratantes, aos ditames da boa fé objetiva e do equilíbrio do pacto, no sentido de fazer com que se produzam os efeitos desejados – o adimplemento satisfatório das obrigações, a concretização das expectativas dos sujeitos da relação e a manutenção de sua condição patrimonial e pessoal.

Essa postura, por sua vez, traz à tona a existência, ao lado das prestações principais, de uma série de deveres de conduta, informação, cuidado e readaptação, a serem adimplidos antes, ao longo, e mesmo após a vinculação contratual propriamente dita.

Vislumbra-se então que, na hipótese de não serem tais deveres satisfeitos pelos próprios contratantes, cabe à jurisdição dar guarida à pretensão, cumprindo seu papel de pacificadora social.

Nessa seara, resta exposto o entendimento de que a tutela a atender de modo mais satisfatório tais anseios é a específica, a qual tende a realizar, no mundo dos fatos, o direito declarado em juízo.

Face ao imperativo da efetividade, a tutela específica deve ser implementada precipuamente com base em provimentos dotados de eficácia executiva lato sensu e mandamental, a serem atuados no mesmo processo em que se deu o conhecimento das questões, fugindo do tradicional esquema condenação-execução forçada. Essa orientação é trazida pelo ordenamento jurídico brasileiro, mais notadamente nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil e no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor.

Os provimentos contidos em decisões com tal força podem ser operacionalizados mediante uma série de mecanismos colocados à disposição do operador jurídico e assegurados positivamente – como no §5º do referido artigo 461 –, a serem determinados segundo necessidade e adequação à situação concreta.

Ocorre, então, que devem ser estabelecidos certos critérios para a implementação dos referidos deveres contratuais anexos mediante a sistemática de tutela específica comentada. Atendendo a esse balizamento, pode ser seguido pelo julgador, destarte, certo iter, em sua atividade de cognição do dever a ser satisfeito e do mecanismo material que melhor realize tal direito.

Analisados alguns exemplos de uso da tutela específica aos deveres anexos, fica demonstrada mais claramente a maneira de compatibilizar as duas sortes de conhecimento – quais sejam material e processual.

Por fim, necessário referir que a atividade jurisdicional, ao manipular os mecanismos analisados no trabalho, deve encontrar certos limites, sob pena de quebra da segurança jurídica.

Resta o trabalho, assim, como um veículo de aprendizado – superficial, por óbvio, face à complexidade do tema – aos juristas em geral – principalmente aos operadores imediatos do Direito (advogados, membros do Ministério Público e magistrados) –, para que no futuro sejam melhor aplicados tais conhecimentos, com vistas à satisfação do primordial fim do Direito, que é a construção de uma sociedade justa, no máximo grau alcançável de tal conceito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (Resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991.

ALVIM, Arruda. Obrigações de fazer e não fazer – Direito material e processo. Revista de Processo, São Paulo, v. 99, p. 27-39, jul./set. 2000.

AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Tutela antecipatória. São Paulo: Saraiva, 2001.

ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8.ed. São Paulo: RT, 2002.

______. Sobre a execução civil (Réplica a Tesheiner). Revista de Processo, São Paulo, v. 102, p. 09-23, abr./jun. 2001.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A "principialização" da jurisprudência através da Constituição. Revista de Processo, São Paulo, v. 98, p. 83-89, abr./jun. 2000.

COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976.

______. A teoria das ações em Pontes de Miranda. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 43, p. 69-78.

______. A teoria da base do negócio jurídico no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 655, maio 1990.

GOMES, Orlando. Contratos. 24.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1998.

LAKATOS, Eva Maria, & MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. São Paulo: RT, 2001.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002.

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999.

______. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código Civil e o seu sentido ético e solidarista. In: FRANCIULLI NETTO, Domingos et al. O novo Código Civil. São Paulo: LTr, 2003. p. 331-359.

MARTINS-COSTA, Judith & BRANCO, Gérson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Execução Civil: princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2002.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações. 2ª parte. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

NALIN, Paulo R. Ribeiro. Ética e boa fé no adimplemento contratual. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do Direito Civil Brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 173-207.

NETTO, Nélson Rodrigues. Notas sobre as tutelas mandamental e executiva lato sensu nas leis 10.358/2001 e 10.444/2002. Revista de Processo, São Paulo, v. 110, p. 196-224, abr./jun. 2003.

SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2003.

TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. São Paulo: RT, 2001.

TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de Direito Civil–Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TESHEINER, José Maria. Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de Araken de Assis). Revista de Processo, São Paulo, v. 102, p. 25-54, abr./jun. 2001.

UFSM. Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. Estrutura e apresentação de Monografias, Dissertações e Teses – MDT. 5.ed. Santa Maria: 2000.

VENTURA, Deisy. Monografia Jurídica: uma visão prática. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

ZAVASCKI, Teori Albino. Título executivo e liquidação. 2. ed. São Paulo: RT, 2001.


Notas

01 GOMES, Orlando,. Contratos. 24.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 12.

02 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações, 2ª parte. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 05.

03 "Daí que a ‘pessoa de carne e osso’, desigual em sua concretude, vinha recoberta pela idéia de sujeito entendido como ‘elemento’ da relação jurídica, isto é, por um esquálido sujeito sempre igual" (MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código Civil e o seu sentido ético e solidarista. In: FRANCIULLI NETTO, Domingos et al. O novo Código Civil. São Paulo: LTr, 2003. p. 333).

04 Conforme NALIN, Paulo R. Ribeiro. Ética e boa fé no adimplemento contratual. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do Direito Civil Brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 192-193.

05 Vide artigo 3º, incisos I e III da Carta Maior.

06 MARTINS-COSTA (Op. cit.. p. 347) utiliza-se da expressão autonomia solidária.

07 "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."

08 MARTINS-COSTA, Judith & BRANCO, Gérson Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 159-160.

09 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit.. p. 339 e ss..

10 COUTO E SILVA (COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo.São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 13) já trazia a lume essa inovação em meados da década de 70.

11 Artigo 1.201 do novo Código Civil.

12 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (Resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 239.

13 Sobre "confiança", vide MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 232.

14 Mister notar que a adequação da manifestação exteriorizada à exigida será avaliada levando-se em conta parâmetros objetivos, patamares gerais de atuação, standards, tal como a conduta que homem médio ou do bom pai de família teria frente a situação semelhante.

15 MARTINS-COSTA et al. Op. cit.. p. 134.

16 Segundo MARTINS-COSTA (MARTINS-COSTA et al.. Op. cit.. p. 198), em doutrina com base em ensinamentos de Miguel Reale, um dos idealizadores do novo Código Civil, a boa-fé se constitui em um modelo jurídico, pois sua aplicação depende da articulação coordenada de outras normas integrantes do ordenamento - como regras de mora, de resolução contratual, de responsabilidade civil, de adimplemento - ou a outros princípios, expressos ou implícitos, como o da moralidade, razoabilidade e solidariedade social.

17 MARQUES (Op. cit.. p. 180) vai no mesmo sentido.

18 COUTO E SILVA. Op. cit.. p. 30.

19 "Estes deveres de conduta gerais existem sempre, mas quando integram uma relação contratual vão receber um novo nome especial, uma vez que seu descumprimento dará razão a uma sanção com regime especial, uma sanção contratual." (MARQUES. Op. cit.. p. 185)

20 COUTO E SILVA. Op. cit.. p. 111 e ss..

21 Tome-se, por exemplo, a necessidade de alerta quando haja vício no objeto do contrato, caso em que várias empresas de automóveis vêm realizando o chamado recall, para sanar tais imperfeições antes que possam ocasionar dano.

22 Vide, por outros, os artigos 6º, inciso III, 9º e 14, da Lei nº 8.078/90.

23 Para demonstrar que existem deveres contratuais anexos mesmo após a satisfação da prestação principal, cito o seguinte arresto, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação Cível nº 70004790044, 6ª Câmara Cível, j. 27.11.2002, Rel. Des. Antônio Guilherme Tanger Jardim):

"DIREITO DO CONSUMIDOR. VEÍCULO IMPORTADO. DEMORA NO CONSERTO. FALTA DE PEÇA".

Descumprem a regra do art. 32 do CDC fabricante de veículo estrangeiro e seu concessionário local que demoram 54 dias para substituir caixa de câmbio avariada, ante a falta da peça em estoque. Violação da boa-fé objetiva e descumprimento de dever anexo legalmente previsto.

Evidência do dano moral sofrido pelo proprietário do veículo, que se viu injustamente privado dele por largo período de tempo. Transtorno, incômodos e frustrações acarretadas ao consumidor e a sua família. Critérios para a fixação do "quantum" reparatório.

Apelo provido."

No voto condutor, ficou assentada a seguinte tese:

"Aquelas empresas multinacionais, que produzem e põem no mercado mundial seus produtos, devem concorrer nos mercados internos com igualdade de responsabilidade em face das empresas nacionais. (...) A aludida regra do art. 32 do CDC também deve ser interpretada com boa-fé. O fornecedor que põem produto no mercado, não só está obrigado a manter assistência técnica e peças de reposição, como também a fazê-lo em tempo razoável, sob pena de violação da proteção estipulada pela regra."

24 MARQUES. Op. cit.. p. 85, 186, 198 e 245, entre outras. Um exemplo seria, em seu transpasse ao sistema brasileiro, os acordos realizados entre montadoras e metalúrgicos, com o auxílio do governo, mediante redução do Imposto sobre Produtos Industrializados.

25 Tome-se como exemplo o seguinte arresto, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação Cível nº 70006233787, 12ª Câmara Cível, j. 22.05.2003, Rel. Des. Naele Ochoa Piazzeta):

"AÇÃO REVISIONAL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA.

1. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. CONTINUIDADE NEGOCIAL. NOVAÇÃO DESCONFIGURADA. A lesividade como fator de desequilíbrio negocial possibilita a modificabilidade das obrigações contratuais, visando o alcance da justiça social.

2. CLÁUSULAS ABUSIVAS. CONTROLE DA EQÜITATIVA DISTRIBUIÇÃO DOS RISCOS JURÍDICOS E ECONÔMICOS DO CONTRATO. INTERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS E DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL E MICROSSISTEMA DO CODECON (LEI Nº 8.078/90).

3. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CONTRATO CATIVO DE DURAÇÃO PROLONGADA. CONTINUIDADE NEGOCIAL. A lesividade como fator de desequilíbrio negocial possibilita a modificabilidade das obrigações contratuais, visando o alcance da justiça social. O limite da revisão judicial, no caso concreto, tem como paradigma a estabilidade da economia brasileira, com o advento do Plano Real.

(...)

APELO DESPROVIDO."

26 Op. cit.. p. 198.

27 COUTO E SILVA. Op. cit.. p. 119 e AGUIAR JÚNIOR. Op. cit.. p. 247.

28 "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé"

29 " São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;"

30 "Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça."

31 "Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, excetos os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a respeito."

32 Op. cit.. p. 88-91.

33 Vide o artigo 40 daquele diploma, por exemplo.

34 Op. cit.. p. 354.

35 "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração."

36 "A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores."

37 " Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

38 Assim concluiu MARTINS-COSTA (MARTINS-COSTA et. al.. Op. cit.. p. 137). Vide o seguinte julgado, como referência:

"RESPONSABILIDADE PRE-CONTRATUAL OU CULPA IN CONTRAHENDO.

Tendo havido tratativas sérias referentes a locação de imóvel rompida pela requerida sem justificativa e sem observância dos deveres anexos decorrentes do principio da boa-fé objetiva, cabe indenização. Lições doutrinarias. Apelo provido em parte." (Apelação Cível nº 598209179, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, julgado em 19/08/1998)

39 Como exemplo o julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, através de sua 4ª Turma, no REsp nº 272729/MG, em 01.03.2001, tendo por Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr.:

"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. FALTA DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.

O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso.

Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela.

Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse.

Recurso não conhecido".

40 Para aprofundamento do tema, consulte-se MARTINS-COSTA et al. Op. cit.. p. 216.

41 Hoje positivada no artigo 157 do Código Civil: "Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.".

42 Conforme LOCHER, apud MENEZES CORDEIRO, apud AGUIAR JÚNIOR. Op. cit.. p. 145.

43 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A teoria da base do negócio jurídico no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 655, maio 1990. p. 10.

44 Tome-se por exemplo do dever de readaptação do contrato a mudança de índice de correção (IPCA por IGPD-I) de tarifas da telefonia fixa, que vem sendo pleiteada judicialmente, no Brasil, ao longo do últimos meses.

45 Apud AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Tutela antecipatória. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 31.

46 Conforme TALAMINI (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer. São Paulo: RT, 2001. p. 165), tal expressão representa a atuação da jurisdição sobre a situação conflituosa levada ao juiz. Como disse CALAMANDREI (apud ZAVASCKI, Teori Albino. Título executivo e liquidação. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 17) "o Estado defende com a jurisdição sua autoridade de legislador".

47 Apud AMARAL. Op. cit.. p. 31.

48 Atualmente o conceito ganhou nova extensão; como bem expõe ZAVASCKI (Op. cit.. p. 18) " a função jurisdicional tem, hoje, também a finalidade de dar proteção ao próprio ordenamento jurídico, independentemente da consideração de um específico fenômeno de incidência e surgimento de norma jurídica concreta. (...) Trata-se de atuação objetivando dar efetividade à ordem jurídica abstratamente considerada, em processo em que não há lide e nem, conseqüentemente, partes, no sentido com que tal terminologia é adotada pelo Código."

49 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. São Paulo: RT, 2001. p. 15-30.

50 "Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (artigo 287 do Código de Processo Civil).

§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial."

51 "Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (artigo 287).

§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

§6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva."

52 Fundamental gizar que existiam – e persistem - mecanismos de tutela específica no campo dos provimentos especiais – veja-se a ação de despejo e o mandado de segurança, por exemplo -, mas faltavam ainda regras gerais que representassem a quebra definitiva com a concepção liberal-burguesa de tutela, levando proteção específica e célere a todos os direitos, não somente aos reais ou relativos à cidadania.

53 "Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

§1º. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

§2º. Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.

§3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§1º a 6º do art. 461."

54 Op. cit.. p. 128.

55 Op. cit.. p. 81 e ss..

56 Conforme a doutrina de MARINONI (Ibidem).

57 Vide TALAMINI. Op. cit.. p. 187 e ss..

58 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8.ed. São Paulo: RT, 2002. p. 104.

59 Abro parêntese para citar a lição do mestre gaúcho (Ibidem. p. 94-95 e 104): "... a necessidade de transformação do mundo físico é a matriz da função jurisdicional executiva. (...) Tal tutela pode ser alcançada através de processo único, em que preponderem as eficácias executiva e mandamental, e quando cognição e execução se combinam, para vantagem desta última. E, outrossim, a tutela executiva pode ser postergada para relação processual subseqüente, o que se verifica na condenação. Nesta linha de pensamento, presidida pelas eficácias da sentença, função e estrutura restam distintas, preservadas de contágio recíproco, nada importando a natureza preventiva ou repressiva da tutela. (...) As eficácias (da ação material) são cinco e o processo executivo é criado a partir da pretensão (pré-processual) a executar, a que respeita ação (processual), provocadora da respectiva tutela jurisdicional. ‘A ‘execução’, no sentido que o Livro II emprega a palavra, pouco mais significa que o ‘efeito executivo’ das sentenças de condenação, que leva à ação’, diz Pontes de Miranda. Na base de todo o Livro II do Código de Processo Civil se encontra a pretensão a executar. Talvez seja útil, a fim de escapar à armadilha terminológica, designar de executória a ação aludida, regulada no Livro II, e objeto deste livro, diferenciado-a, destarte, de outras ações de carga executiva."

60 Denota isso o apego a formas relativamente fixas, com o intuito de – de certo modo – "amarrar as mãos" do julgador, para que não comprometa a segurança jurídica, nos moldes como era entendida segundo aquela concepção. Os provimentos com força executiva lato sensu, por outro lado, desapegando-se a tais "tipos" rígidos, demonstram o novo papel que o legislador vem atribuindo ao magistrado em nossa sociedade.

61 "Em verdade, a natureza jurisdicional da execução deriva do imperium, que constitui o núcleo dos atos executivos, exercido pelos magistrados." (ARAKEN DE ASSIS. Op. cit.. p. 111).

62 Para Ada Pellegrini Grinover (vide TALAMINI. Op. cit.. p. 422 e ss.), em que pese a existência do comando do artigo 461 do Código de Processo Civil, o rito da "execução das obrigações de fazer e não fazer" (arts. 632 e ss CPC) permanece aplicável às pretensões fundadas em títulos executivos extrajudiciais e a cominação de multa (quando omissa a sentença), bem como sua modificação. Segundo a visão de TALAMINI, no qual baseamos fundamentalmente essa análise preliminar, em relação ao primeiro aspecto a jurista estaria correta: o procedimento do artigo 632 realmente se aplica ainda à execução baseada em títulos executivos extrajudiciais. Quanto à estipulação de multa e sua modificação, podem se dar tranqüilamente no mesmo processo, já que pelo próprio espírito do instituto da tutela específica seria ilógico pensar que, adiando o uso de meios de coerção/execução, a eficiência pretendida pelo legislador seria alcançada.

TALAMINI (Op. cit.. p. 428) entende ainda que mesmo o credor com título executivo extrajudicial tem a possibilidade de optar entre executá-lo pela via do processo executivo ou buscar a via do processo do conhecimento baseado em tutela específica, recheado de mecanismos aptos a satisfazer a pretensão com muito mais celeridade.

63 Já que há casos em que a obrigação não pode ser satisfeita por outrem - por ser natural ou juridicamente infungível (vide, infra, nota nº ), - por se tratar de obrigação de não fazer, ou por ser mais desejável ou adequado seu cumprimento pelo próprio devedor.

64 Paradigmática a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, através de sua 5ª Turma, no REsp nº 219241/RS, em 16.12.1999, tendo por Relator o Ministro Felix Fisher:

" PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. INSS. CÁLCULO. ART. 604 DO CPC. APRESENTAÇÃO DE DADOS PELO EXECUTADO. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DO DISPOSTO NA DECISÃO CONDENATÓRIA. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. REVISÃO DO BENEFÍCIO. DECISÃO MANDAMENTAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 632 DO CPC.

I - Nas execuções promovidas por segurados contra o INSS, não obstante o que reza o art. 604 do CPC, com a nova redação da Lei 8.898/94, não viola o conteúdo deste dispositivo a exigência imposta à autarquia previdenciária para que apresente elementos informativos necessários à elaboração da memória do cálculo.

II - Em regra, é vedado alterar o disposto na sentença condenatória na fase de execução, sob pena de ofensa à coisa julgada.

III - A decisão que condena a autarquia previdenciária a proceder à revisão do benefício do segurado tem natureza mandamental, e por isso não comporta a execução segundo o rito previsto nos arts. 632 e seguintes do CPC, devendo ser cumprida diretamente pelo destinatário da ordem.

Recurso parcialmente provido."

65 Segundo palavras de TALAMINI (Op. cit.. p. 191).

66 Nada impede, portanto, que um provimento de natureza mandamental seja realizado materialmente com a ajuda de tais elementos (como no caso da multa diária por descumprimento de ordem judicial, por exemplo – §4º do artigo 461 do Código de Processo Civil), pois o termo "de execução" não se refere a tal eficácia sentencial..

67 Op. cit.. p. 165 e ss..

68 Necessário frisar que, para a maior parte da doutrina brasileira, principalmente a influenciada por Liebman, a execução verdadeira somente se daria com os meios de sujeitação. Assim em Humberto Theodoro Jr., Cândido Rangel Dinamarco, Ovídio Baptista e Barbosa Moreira. Já para Chiovenda e, entre nós gaúchos, para Araken de Assis, mesmo havendo uso de mecanismos de indução haveria "execução" (conforme discorre TALAMINI. Op. cit.. p. 165 e ss).

69 GUERRA (GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1998. n. 2.10. p. 64-69) discorda: "Como já se demonstrou, ao comentar a insuficiência de um sistema típico de tutela executiva, é inquestionável a insuficiência dos meios executivos tradicionais, como aqueles elencados no CPC, principalmente quanto à tutela das obrigações de fazer e não fazer. Daí a extrema conveniência da inserção de uma norma de encerramento como a do §5º do art. 461, conferindo poderes (indeterminados) ao juiz para fixar a medida executiva mais adequada à situação concreta. No entanto, em nome do princípio da legalidade, esses poderes só podem ser exercidos em caráter complementar e subsidiário à lei, ou seja, quando verificar o juiz a insuficiência dos meios executivos predispostos no CPC. Por essa mesma razão, não é correto afirmar que a utilização do (sic) poderes conferidos ao juiz pelo art. 461 apenas no processo de execução, em caráter complementar ao dispostos nos arts. 632 a 638, 644 e 645, consistiria em ‘negar aplicação’ ao mesmo art. 461, como sustenta a Profa. Ada Pellegrini. Pelo contrário, essa interpretação confere a máxima eficácia a esse dispositivo, fazendo-o um instrumento de concretização da máxima coincidência possível no processo de execução, que renova essa modalidade de processo, sem, contudo, esquecer e deixar desprotegidos os direitos fundamentais do devedor. (...) Diante disso, afigura-se absolutamente injustificável a supressão do processo executivo para o emprego pelo juiz – autorizado no §5º do art. 461 – de medidas executivas inominadas, destinadas a fazer cumprir coativamente sentença condenatória impondo obrigação de fazer ou de não fazer. Como se pode facilmente compreender, só o processo de execução regularmente instaurado oferece uma estrutura dialética adequada que permite o controle efetivo, pelo juiz e pelas partes, da implementação das referidas medidas executivas inominadas, as quais tendem a ser dotadas de grande complexidade, principalmente quando voltadas a satisfazer obrigações de fazer ou não fazer de trato sucessivo. " TALAMINI rebate tal posição (2001, p. 264 e ss.), argumentando que, para limitar o uso das medidas previstas no §5º do artigo 461 ao processo de execução subseqüente ao conhecimento, haveria necessidade do ordenamento expressamente prever tal restrição, o que não acontece, já que o artigo citado se aplica ao processo de conhecimento e o parágrafo está inserido em tal contexto. Além disso, a previsão do magistrado poder adotar tais medidas ex officio, reforçaria a idéia, no entender do jurista, de que devem ser adotadas no próprio processo em curso.

70 TALAMINI. Op. cit.. p. 431.

71 Entendida "ação" não no seu sentido processual, enquanto direito público sempre existente, oriundo do artigo 5º, inciso XXXV, mas num sentido mais específico, relacionado à existência de ação material, conforme a doutrina de OVÍDIO BAPTISTA (SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 82-84): "A ação de direito material (...) surge depois do exercício infrutífero da pretensão e corresponde, como dissemos, à faculdade, inerente a todo direito, que tem seu titular de agir para sua realização. A todo direito exigível (pretensão) há de corresponder uma ação. (...) a atividade jurisdicional do Estado não se limita à ‘certificação’ da existência do direito, senão que deve igualmente realizá-lo, praticando rigorosamente a mesma atividade que proibira ao particular, o que significa que a ação de direito material, longe de desaparecer ou ser substituída pela ‘ação’ processual, simplesmente, verificado o monopólio da jurisdição, passou a ser exercida pelos órgãos estatais. "

72 AGUIAR JÚNIOR. Op. cit.. p. 95.

73 Op. cit.. p. 242.

74 Vide item 2.2.

75 Vide item 2.3.1.

76 A contrario sensu, o termo infungível é entendido como o dever em que o cumprimento por terceiro não alcança o resultado semelhante ao que se teria com a conduta do próprio devedor – infungibilidade natural – ou em que houver se estabelecido, no negócio jurídico que criou a obrigação, a necessidade de cumprimento pelo próprio devedor – infungibilidade convencional. Vide, para maior aprofundamento, MEDINA (MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Execução Civil: princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2002. p. 311).

77 Vide item 2.3.2.

78 TALAMINI. Op. cit.., p. 280.

79 Vide, entre outros, MARINONI (Op. cit.. p. 132) e TALAMINI (Op. cit.. p. 270 e ss.).

80 TALAMINI. Op. cit.. p. 290 e ss..

81 Mesmo porque interpretação diferente tornaria, por via transversa, ineficazes os mecanismos de tutela específica postos.

82 Vide item 2.2.

83 Vide item 2.3.1.

84 Vide item 2.3.2.

85 Cite-se exemplo em que foi adotada a sanção preventiva preclusiva:

CONTRATO DE FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS – REVENDEDOR – FORNECIMENTO COM EXCLUSIVIDADE – AQUISIÇÃO DO PRODUTO DE OUTRAS FORNECEDORAS – QUEBRA DE CONTRATO – TUTELA ESPECÍFICA, VEDANDO AO DISTRIBUIDOR AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS DE OUTRAS FORNECEDORAS – INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE ENTRADA DOS PRODUTOS NO POSTO REVENDEDOR – AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO – 1. Tratando-se de relação contratual entre distribuidora de combustíveis (a qual se encontra impedida, por Lei, de comercializar diretamente com o consumidor) e posto revendedor, cumpre a este observar o critério da exclusividade para manutenção da parceria. 2. A instalação, no posto revendedor, de equipamento que permita controlar a entrada de produtos combustíveis, nenhum prejuízo trará ao Agravante, se é que age de boa-fé, tal como convém a contratantes cujos atos são (ou deveriam ser) regidos pelos princípios da lealdade e da confiança. (TJPR – Ag Instr 0113442-5 – (21487) – Arapongas – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Antonio Prado Filho – DJPR 29.04.2002)

86 Tem-se exemplo de tal situação - apesar de, no caso, ter se optado pela tutela ressarcitória -, no seguinte arresto, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de sua 5ª Câmara Cível, na Apelação Cível nº 70004820015, de 05.06.2003, que teve por Relator o Desembargador Clarindo Favretto:

"INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E MATERIAL. PACOTE DE VIAGEM. TROCA DE HORÁRIOS E COMPRA DE NOVO BILHETE. ACOMODAÇÕES DIVERSAS DA OFERECIDA. QUEBRA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.

O fato de deixar uma larga margem de tempo entre as conexões, quando havia vôos neste lapso de tempo, é no mínimo desidioso de parte da companhia e, sem qualquer sombra de dúvida, oneroso às partes que compraram o pacote. Assim, se o turista tem que pagar uma taxa pela troca do vôo, para evitar uma espera desnecessária, tal ônus é da agência de turismo, pois foi ela quem deu margem para este fato, quando lhe competia evitar estes dissabores.

Quebra do princípio da boa-fé, em especial do dever anexo de informação.

Os problemas do pacote não podem ser vistos apenas como meros contratempos de qualquer viagem, mas como absoluta frustração de expectativas."

87 Apud COUTO E SILVA. A obrigação como processo. p. 41.

88 TALAMINI. Op. cit.. p. 265.

89 TALAMINI. Op. cit.. p. 267.

90 Isso explica a mudança de foco das discussões jurídicas, da regra específica positivada para os princípios gerais com base nos quais foram criadas tais normas.

91 Op. cit.. p. 243.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIVA, Ângelo Madar. O uso dos mecanismos de tutela específica na implementação de deveres contratuais anexos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1023, 20 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8279. Acesso em: 26 abr. 2024.