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Convivências homoafetivas

Convivências homoafetivas

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1- Introdução

            "Ser ou não ser, eis a questão! Que é mais nobre para alma: sofrer os dardos e setas de um destino cruel, ou pegar em armas contra um mar de calamidades para pôr-lhes fim, resistindo? Morrer... dormir; nada mais! E com sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os inúmeros naturais conflitos que constituem a herança da carne!(...)" 1

            A famosa inquietação Shakespeariana não diz respeito, apenas, aos conflitos fictícios vividos pelo personagem Hamlet. Com efeito, associando o texto às situações conflitantes do mundo real, percebe-se que a referida indagação alcança à realidade das convivências interpessoais, uma vez que a diversidade e complexidade humana têm produzido diversas altercações na sociedade, principalmente no âmbito familiar, que buscam soluções pacíficas através da jurisdição.

            O judiciário, ao longo dos anos, tem recebido mais e mais demandas fundamentadas em uniões homossexuais. Alguns pedidos, como o de pensão previdenciária por morte de companheiro(a), felizmente, têm sido deferidos, com base em uma interpretação concorde à extensão dos artigos 3o, inciso III e 5o da Constituição Federal. Outros, a exemplo da qualificação de união estável entre pessoas do mesmo sexo, são dados como improcedentes.

            Assim, para falar sobre as questões polêmicas, no cotidiano dos Tribunais, dentro do objeto da ética da convivência familiar, se faz necessário discorrer sobre as convivências familiares homoafetivas e os direitos e deveres que advieram dessas relações.

            Aliás, são as decisões e os acórdãos dos Tribunais os elementos decisivos para dirimir controvérsias, no tocante à possibilidade de revelar direitos oriundos dessas relações familiares, tendo em vista que a interposição, ou não, de recursos está diretamente ligada ao trânsito em julgado das sentenças.

            É bem verdade que o Direito de Família, dotado de raízes antiqüíssimas e fortemente influenciado por ideologias conservadoras, ainda não dispõe de comandos que contemplem fatos como a união civil de homossexuais. Todavia, é certo que essas formas de convivências familiares vêm se estabelecendo de modo informal, tornando-se cada vez mais corriqueiras na sociedade.

            Com singular sapiência, o professor Caio Mário da Silva Pereira já assinalava que "Houve sensível mudança, nos conceitos básicos. A família modifica-se profundamente. Está-se transformando sob os nossos olhos. Ainda não se pode definir as suas linhas de contornos precisas, dentro do conflito de aspirações. Não se deve, porém, falar em segregação, nem proclamar-se verdadeiramente uma crise. Como organismo natural, a família não acaba. Como organismo jurídico, elabora-se a sua nova organização."2

            Nessa ordem, as pessoas batem ao judiciário, em busca de soluções para os seus problemas, procurando por uma prestação justa, atrelada à isonomia, efetividade e instrumentalidade, que são formas de assegurar as garantias individuais proclamadas pela Constituição.

            Na esfera do Direito de Família, se lida, diariamente, com situações que imprescindem de um tratamento diferenciado pela sensibilidade, haja vista que as decisões, nas causas de família, não atingem apenas o patrimônio, mas, principalmente, provocam conseqüências psicológicas. Por isso, nada melhor que soluções práticas, pautadas à luz do princípio da liberdade, do não preconceito e da dignidade da pessoa humana, caminhando além de discriminações, intolerâncias ou xenofobias, uma vez que, "A eliminação de litígios sem o critério de Justiça equivaleria a uma sucessão de brutalidades arbitrárias que, em vez de apagar os estados anímicos de insatisfação, acabaria por acumular decepções definitivas no seio da sociedade".3

            Logo, nada mais oportuno que analisar a questão das convivências homoafetivas e seus efeitos jurídicos, pois, sem dúvida, quando observadas pela existência durável da afetividade e do respeito, trazem todo valor moral e ético que qualquer outra convivência familiar.


2- Fundamentação

            O referencial teórico desta reflexão persegue o caminho definido nos princípios constitucionais da igualdade, fraternidade e dignidade da pessoa humana, portanto isso exige um certo grau de tolerância epistemológica, uma vez que os princípios são regras dotadas de alto grau de abstração teórica.

            Aponta, dentre os princípios da República Federativa do Brasil, o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), determinando constituir um de seus objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, de raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). Por fim, em seu art. 5º, inaugurando o título "Dos direitos e garantias fundamentais", dispõe que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade (...)"

            Tendo em vista que a Constituição brasileira é a égide de todo ordenamento jurídico, "todos os direitos nela consagrados serão oponíveis, em maior ou menor medida, mas de forma indefectível, ao Estado. (...) Assim, consagrando o dever do Estado ou contemplando o direito do homem, alcançará a Constituição efeitos axiológicos paritários. A positivação simultânea de ambos, no entanto, longe de ser uma superfetação de termos, realça o compromisso ético jurídico do Estado em velar pela dignidade humana."4

            Contudo, é extremamente controvertido o enfoque dado à convivência entre pessoas do mesmo sexo.

            Sabe-se que, atualmente, "o arcabouço do Direito de Família no novo Código Civil conta, no total - desde o artigo 1.511 até o artigo 1.783 – com 273 artigos que regulam as relações familiares, em suas diversas vertentes. Foi neste Livro que a Comissão mais esteve distanciada de seu original empenho de preservar a estrutura do Código de 1916, tendo em vista, primeiramente, a decisão de dividir a normativa em dois distintos planos relacionais: o plano pessoas e o plano patrimonial. Mas teve em vista também, como não podia deixar de ser, a surpreendente alteração do fenômeno social da família, nas dobras do século XX".5

            Destarte, não se pode olvidar que o atual século explicita a união de pessoas do mesmo sexo e como fatos sociais e relevantes que são, já deram ensejo à elaboração do Projeto de Lei nº 1.151/95, de autoria da então Deputada Marta Suplicy, que poderá vir a cristalizar a proteção à "parceria civil registrada" a partir das seguintes justificativas:

            "a ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única forma de expressão da sexualidade da pessoa humana. (...) Este Projeto pretende fazer valer o direito à orientação sexual, hetero, bi, ou homossexual, enquanto expressão de direitos inerentes à pessoa humana. Se os indivíduos têm direito à busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito natural a todas as civilizações, não há por que continuar negando ou querendo desconhecer que muitas pessoas só são felizes se ligadas a outra do mesmo sexo. Essas pessoas só buscam o respeito às suas uniões enquanto parceiros, respeito e consideração que lhes são devidos pela sociedade e pelo Estado. (...) O Projeto de Lei que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo vem regulamentar, através do Direito, uma situação que, há muito, já existe de fato. E, o que de fato existe, de direito não pode ser negado."

            Apesar de pendente a sua materialização, essa tentativa de normatizar a matéria deve ser entendida como decorrência lógica da consciência, cada vez maior, do direito à liberdade garantido constitucionalmente, que, em síntese, representa a faculdade de cada um decidir ou agir segundo sua própria determinação moral, e que, por si só, já impede que se distancie da proteção jurídica as relações duradouras, estabelecidas entre pessoas do mesmo sexo.

            Examinando o tema, em artigo de sua autoria, a Exma. Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, salientou com propriedade:

            "Os grandes pilares que servem de base à Constituição são os princípios da liberdade e da igualdade. Tais enunciados não podem se projetar no vazio, não se concebendo como normas programáticas sendo necessário reconhecer sua eficácia jurídica no Direito de Família, que recebe seu influxo.

            O inciso I do art. 5º estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e o inciso IV do art. 2º consagra a promoção do bem de todos sem preconceito de sexo.

            A proibição da discriminação sexual, eleita como cânone fundamental, alcança a vedação à discriminação da homossexualidade, pois diz com a conduta da pessoa e o direito de opção sexual." (http://www.cuadernos.bioetica.org/doctrina17.htm) Acesso em 20/03/2005.

            Para tanto, a prerrogativa de tolher qualquer opção de vida sob o prisma do preconceito, intolerância ou xenofobias não é dada à sociedade. A busca da realização pessoal não pode ser negada, sob pena de gerar prejuízo aos princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, todos valores supremos em nossa democracia.

            Logo, é preciso que a leitura dos dispositivos e princípios constitucionais reste inspirada numa visão de todo o sistema, e mais, que seja desprovida da influência de rótulos que implicam em silogismos falhos, calcados numa apreensão literal provocadora de antinomias na Lei Maior.

            Na busca da isonomia, efetividade e instrumentalidade processual, os princípios constitucionais iluminam toda a Legislação com raios direcionados à Justiça. As respostas para os problemas que versam acerca da relação de companheirismo estão, muitas vezes, nos princípios constitucionais. "O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da constituição, seus postulados básicos e seus fins".6

            Porém, o intérprete, ou aplicador da norma, em alguns momentos não examina constantemente tais fundamentos, dando interpretações, ou aplicando normas, em contraposição aos elementos lógicos, acarretando no desvirtuamento do sistema de princípios, colocando em risco a harmonia do sistema jurídico e produzindo ilegalidades e inconstitucionalidades.

            Destarte, verificamos que os princípios vistos na forma de idéias fundamentais apresentam uma forma pura, ou seja, modelos perfeitos a serem seguidos. No entanto, ao transportá-los para o mundo concreto eles, em alguns momentos, se corroem, se desintegram com a ação do homem, que os modifica e interpreta conforme as circunstâncias e convicções pessoais, tornando-os cópias imperfeitas do modelo ideal.

            Nestes casos, a função deles torna-se progressivamente menos efetiva, vale dizer, menos capaz de explicar os problemas, de orientar as decisões, devido a uma mitigação da sua importância em detrimento da aplicação de determinadas normas de caráter "político". Essa situação anômala deve ser evitada para a garantia do ordenamento e da ordem jurídica, visto que a base principiológica é o instrumento para se superar o legalismo e buscar no próprio sistema a solução mais adequada para o caso concreto.

            Por óbvio, apenas a existência dos princípios como modelos ideais não confere ao ordenamento jurídico um caráter significativo, pelo seu alto grau de abstração teórica. Somente através de uma interpretação sistemática, se colhe a verdadeira intenção do Constituinte ao trabalhar com um conceito amplo de família, posicionando, nessa qualidade, independentemente do casamento, aquelas pessoas voltadas para a colaboração e crescimento do grupo.

            Assim sendo, vê-se que o constituinte visou proteger os sentimentos, a intenção de colaboração para a concreção de um mesmo projeto de vida, os elos duradouros, não havendo ensejo para perquirir se o vínculo, seja este nomeado de união estável, seja intitulado de relação de companheirismo, é estabelecido entre homossexuais ou heterossexuais para fins de proteção Estatal, podendo quaisquer dessas alianças, em nome dos fundamentos maiores do texto Constitucional e da necessidade de sua renovação e adequação ao dinamismo das relações sociais, gerar direitos e obrigações.

            A lógica desse raciocínio já foi explicitada na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, pela Juíza Federal Simone Barbisan Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre/RS, que proferiu liminar de alcance nacional reconhecendo os direitos decorrentes da união entre homossexuais jungidos ao Regime Geral de Previdência, com fulcro em brilhante motivação, senão vejamos:

            "(...)Efetivamente, a negativa do Instituto Nacional do Seguro Social em reconhecer a companheiros homossexuais direitos previdenciários, sob o argumento de que não é devida a concessão destes benefícios nos casos de relação homossexual, face o contido no parágrafo 3º do Artigo 16 do Lei 8.213/91 e no Artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal (...), é violadora de diversos princípios e garantias constitucionais."

            Ademais, nota-se que o preâmbulo da Carta Constitucional de 1988 deixa evidente o propósito do diploma no sentido de instituir um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)"

            Por outro lado, não se ignora que a própria Constituição, em seu art. 226, §3, estabelece que para "efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

            E ainda, verifica-se que a legislação infraconstitucional, tal qual § 3º do art. 16 da Lei 8.213/91, segue o mesmo entendimento ao considerar como condição dos dependentes de segurados da Previdência Social, o companheiro ou companheira "a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal."

            Porém, tal limitação não pode ser regra máxima, para se negar, por exemplo, o direito de pensão previdenciária ao companheiro homossexual supérstite, porquanto ocorre violação ao princípio da igualdade, pois há tratamento diferenciado em situações equiparáveis, que são a união entre pessoas de sexo diverso e a união entre pessoas do mesmo sexo, ambas desprovidas do vínculo jurídico do casamento civil, mas esteadas, fundamentalmente, em relação de afeto, companheirismo, e mútua dependência.

            Com sabedoria Rodrigo da Cunha Pereira, ao asseverar: "Mesmo com a alteração dos princípios e paradigmas do Direito de Família, continuamos identificando socialmente as pessoas por suas preferências ou inclinações sexuais. De alguma forma, estamos sempre procurando colocar o selo da legitimidade ou ilegitimidade em determinadas relações sexuais. É instigante observarmos também como nos interessamos tanto pela sexualidade alheia, a ponto de classificá-la condenável, ou não, para os princípios morais e sociais."8

            Sabe-se que o princípio da igualdade material exige, para sua perfeição, tratamento desigual em situações dispares. Todavia, isso somente pode ocorrer fundado em critérios de razoabilidade, e não arbitrariamente. Realmente, a orientação sexual do indivíduo - seja voltada para o hetero, homo ou bissexualismo - não lhe confere caráter excepcional, que enseje tratamento diferenciado daquele dispensado à generalidade dos cidadãos.

            Deve ficar claro que o referido princípio, bem como o da fraternidade e dignidade da pessoa humana, mesmo diante da ausência de normas que operem seus efeitos concretos, devem orientar o legislador, operadores da Lei, em primeiro ou segundo grau de jurisdição, e a toda sociedade brasileira.

            Como bem expôs Alexandre de Morais: "Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com os critérios e juízos valorativo genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos."9

            Ora, se o fundamento de validade de todo o sistema jurídico é a Constituição, e esta garantiu expressamente a isonomia, restou afastada qualquer possibilidade de limitação que não se justifique em seus próprios preceitos, veiculada através de norma infraconstitucional. Aliás, conseqüência da igualdade é a vedação de eleição de critérios discriminatórios - desprovidos de qualquer razoabilidade - para afastar certo grupo de pessoas do gozo de direitos.

            Efetivamente, a discriminação em virtude de orientação sexual como uma das espécies de discriminação em razão do sexo, é expressamente vedada. Além disso, não se pode olvidar da força normativa dos direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil participe, conforme o § 2º do art. 5º da Constituição Federal.

            Neste prumo, destaca-se os seguintes dispositivos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a saber:

            "Art. 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidades e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

            Art. 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

            Art. 7º Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

            Art. 25 Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes de sua vontade."

            Em igual, a Convenção Americana de Direitos Humanos:

            "Art. 5 (1) Toda pessoa tem direito a que se respeito sua integridade física, psíquica e moral.

            Art. 7 (1) Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

            Art. 11 (1) Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra o ao reconhecimento de sua dignidade.

            Art. 11 (2) Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ataques ilegais a sua honra ou reputação.

            Art. 11 (3) Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra essas ingerências ou esses ataques.

            Art. 24. Todas as pessoas são iguais ante a lei. Em conseqüência, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei."

            Vislumbra-se que tais diplomas rechaçam os atos que impliquem discriminação e denotam a fraternidade como elemento norteador das relações humanas. Mostram, ainda, que alguns fatores são inaceitáveis como fundamento para distinções e classificações humanas, como raça, religião e sexo.

            Portanto, negar a uma pessoa o direito de escolher um parceiro, com ele estabelecendo uma comunidade afetiva e pretendendo vê-lo protegido de quaisquer eventualidades, simplesmente por terem ambos o mesmo sexo, equivale a negar sua própria condição humana. Ao Estado que se diz democrático não assiste o poder de exigir de seus cidadãos que, para que lhes sejam assegurados direitos sociais, devam adotar orientação sexual pré-determinada.


3. Os direitos, deveres e limites éticos que envolvem as relações familiares

            Como enfatiza Adolfo Sánchez Vázquez, a família de hoje "somente pode cumprir com sua alta função, tanto no que diz respeito aos seus membros, quanto no que diz respeito à moralização da sociedade, se constituir uma comunidade baseada não na autoridade do sangue ou do dinheiro, mas no amor e na fidelidade dos cônjuges e na solidariedade, confiança, ajuda e respeito mútuos de pais e filhos. Mas, por sua vez, como verdadeira célula social se não reduzir o seu bem particular ao estreito círculo familiar, desvinculando-se dos outros. A família conservará um alto valor moral para si e para a sociedade se for uma comunidade livre, não egoísta, amorosa e racional"10.

            Nas relações familiares é preciso resgatar o sentimento, ao revés do preconceito, o altruísmo ao invés do egoísmo, pois a família é a universidade do amor, seja ela constituída pelo casamento, união estável, famílias monoparentais, uniparentais ou por uniões homoafetivas. O limite ético, isto é, o fim de uma extensão ética das relações familiares, não está na sexualidade diversa da heterossexual, mas na ausência do amor, da felicidade, do respeito e da fraternidade."Na idéia de família, o que mais importa – a cada um de seus membros, e a todos a um só tempo – é exatamente pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo a cada um, sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade."11

            Merece repúdio àqueles que menosprezam, se divertem e não aceitam o que é diferente de si. É humor mórbido. É mofa contra valores éticos. É anti-humanismo, pois os homossexuais, bissexuais ou transexuais, em âmbito geral ou em suas relações familiares, têm os mesmos direitos e deveres como qualquer heterossexual. É preciso quebrar tal preconceito, uma vez que o Brasil é um país que vive em democracia e, ainda que seja uma democracia formal, a construção efetiva desta não pode ser estabelecida através de padrões, pois as pessoas são diferenciadas, não são padronizadas.

            Não é discriminando as relações homoafetivas, que o Direito, como Ciência Humana que é, excluirá o homossexualismo, bissexualismo, e todas as sexualidades, afora a heterossexual, da sociedade. Pelo contrário, deve perceber as diferenças dos indivíduos e atuar sem provocar segregações.

            A ciência jurídica se afirma na constatação de que não se pode desconhecer o fundamento empírico. Por esse motivo, mais oportuno e útil a ela, é captar para si o que o mundo externo apresenta e enxergar o ser humano dentro do seu universo plural, assegurando-lhes direitos e deveres, independentemente das escolhas sexuais das pessoas.

            O músico Caetano Veloso, aliás, assevera a existência do homossexualismo e a utilidade de enxergá-los como grupo significante:

            "Viados americanos trazem o vírus da aids

            Para o Rio no carnaval

            Viados organizados de São Francisco conseguem

            Controlar a propagação do mal

            Só um genocida em potencial

            – De batina, de gravata ou de avental –

            Pode fingir que não vê que os viados

            – Tendo sido o grupo-vítima preferencial –

            Estão na situação de liderar o movimento para deter

            A disseminação do HIV"12

            Essas palavras sinalizam que o comportamento homossexual é algo real em todo mundo e que pode produzir conseqüências sociais louváveis, tal como deter a disseminação do HIV, caso não reste discriminado. A propósito, a História nos mostra que marginalizar grupos tal como o dos judeus, negros, mulheres ou índios não ocasiona crescimento algum para a coletividade, pois afastando determinados grupos gera-se um risco para própria sociedade.

            Advirta-se, porém, que não se trata de qualificar o homossexualismo como certo ou errado, ou mesmo proteger minorias, mas assinalar que o futuro das relações familiares sugere outra ordem de cogitações que não pode ser distinguida. Sendo que,"A ética continuará necessária para os novos e futuros paradigmas. E isso não impede que se reconheça a excelência do núcleo familiar natural como fator de equilíbrio psicológico e emocional dos seres nele gerados. Os laços éticos desse núcleo primário devem servir de modelo para as relações com os demais núcleos e na tendência amplificativa dos contatos humanos: a vizinhança, o bairro, a cidade, até a união de todos os seres vinculados pela origem nacional, formando a pátria, grande família. Ou família amplificada, na concepção de Rui Barbosa."13


4- O que se revela nos Tribunais

            Para uma abordagem concreta do tema, convém colacionar a jurisprudência dos Tribunais, pois ao ser proferido em sede recursal, o acórdão substitui o ato da instância inferior naquilo que foi objeto de impugnação. É interessante realçar, outrossim, que mesmo quando o acórdão é puramente confirmatório, é dele que dimana o trânsito em julgado da sentença.

            Dessa maneira, na maioria dos processos, são os acórdãos e as decisões dos Tribunais as palavras definitivas para se efetivar o direito nas relações de afeto, "(...)podendo envolver a discussão quanto a: sucessão hereditária, doação ou testamentária; participação na partilha do patrimônio comum; composição de renda para financiamento de casas próprias, prestação de alimentos, pensão previdenciária, instituição de benefício de seguro; outras vantagens fundadas na dependência econômica, a exemplo do visto de entrada no país."14

            Assunto, também, relevante é a discussão sobre a competência para julgar as ações, que tenham como causa de pedir a união de pessoas do mesmo sexo. Porém, como se observará a jurisprudência é bem divergente, vejamos:

            EMENTA: SOCIEDADE DE FATO. UNIÃO ENTRE HOMOSSEXUAIS. NULIDADE DA SENTENÇA. COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAMÍLIA. Segundo orientação jurisprudencial dominante nesta corte, as questões que envolvem uniões homossexuais devem ser julgadas nas Varas de Família, razão pela qual, deve ser desconstituída a sentença. É que a competência em razão da matéria é absoluta e a sentença prolatada por juiz incompetente é nula. Sentença desconstituída. (TJRS - APELAÇÃO CÍVEL Nº 70010649440, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, JULGADO EM 30/03/2005) (Grifei).

            "EMENTA: Conflito negativo de competência – Dissolução de sociedade estável homoafetiva cumulada com partilha de bens, responsabilidade de guarda e direito de visita a menor – Feito distribuído ao Juízo da Segunda Vara de Família – Declinação de competência para uma das Varas Cíveis não especializadas, entendendo a M.M. Juíza ser a união homossexual equiparada a uma sociedade civil de fato – Conflito suscitado pela M.M. Juíza da 4ª Vara Cível não especializada, por entender que a união homossexual equipara-se a uma comunidade familiar – Conhecimento do conflito – Art. 226, §§ 3º e 4º da Constituição Federal e Lei nº 9.278⁄96.

            Nos termos do art. 226 da Constituição Federal, somente a união estável entre o homem e a mulher e a comunidade integrada por qualquer dos pais e seus descendentes podem ser entendidas como entidade familiar, excepcionando a regra de que a família se inicia com o casamento.

            Não é possível interpretar-se ampliativamente as exceções expressamente previstas na lei."

            (TJRN – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA Nº 02.001241-1, da Comarca de Natal. Rel. DESEMBARGADOR CAIO ALENCAR – Julgado em 21/08/2002, a unanimidade) (Grifos acrescidos).

            "COMPETÊNCIA. DISSOLUÇÃO. SOCIEDADE HOMO-AFETIVA. A homologação do termo de dissolução da sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve ser processada na vara cível não especializada, ou seja, não tem competência para processar a referida homologação a vara de família. No caso, a homologação guarda aspectos econômicos, pois versa sobre a partilha do patrimônio comum. No termo do acordo, a criança ficará sob a responsabilidade econômica, posse e guarda da pessoa que a registrou como seu filho. Assim, não há questão verdadeiramente familiar. Precedente citado: REsp 148.897-MG, DJ 6/4/1998. STJ - REsp 502.995-RN, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 26/4/2005. (Grifei)

            No tocante aos pedidos de pensão previdenciária para companheiro(a), a jurisprudência dos Tribunais Federais tem entendido, invariavelmente, que não se verifica nenhum óbice em reconhecer-se, nos relacionamentos estáveis entre homossexuais, relação de dependência para fins previdenciários:

            "ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL. LEI 8.112/90. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS-DC Nº 25. (...)

            7 - COMPROVADA A UNIÃO ESTÁVEL DA AUTORA COM A SEGURADA FALECIDA, BEM COMO SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA EM RELAÇÃO À MESMA, E TENDO-SE POR SUPERADA A QUESTÃO RELATIVA À AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO, FORÇOSO É SE RECONHECER EM FAVOR DELA O DIREITO À OBTENÇÃO DA PENSÃO PLEITEADA. PRECEDENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS."

            (TRF- 5ª Região, AGTR - Agravo de Instrumento 2003.05.00.029875-2 / Órgão Julgador: Terceira Turma. Rel. GERALDO APOLIANO. Julgado em 11/03/2004 à unanimidade)

            "PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE AO COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL.

            1. A sociedade, hoje, não aceita mais a discriminação aos homossexuais.

            2. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a união de pessoas do mesmo sexo para efeitos sucessórios. Logo, não há por que não se estender essa união para efeito previdenciário.

            3. "O direito é, em verdade, um produto social de assimilação e desassimilação psíquica. .."(Pontes de Miranda).

            4. "O direito, por assim dizer, tem dupla vida: uma popular, outra técnica: como as palavras da língua vulgar têm um certo estágio antes de entrarem no dicionário da Academia, as regras de direito espontâneo devem fazer-se aceitar pelo costume antes de terem acesso nos Códigos" (Jean Cruet).

            5. O direito é fruto da sociedade, não a cria nem a domina, apenas a exprime e modela.

            6. O juiz não deve abafar a revolta dos fatos contra a lei."

            (TRF- 1ª Região - AG 2003.01.00.000697-0/MG; AGRAVO DE INSTRUMENTO –Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO Órgão Julgador: segunda Turma. Julgado em 29/04/2003, por maioria de votos)

            "ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. COMPETÊNCIA. PENSÃO. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. VIABILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE HUMANA. ARTIGO 217, INCISO I, ALÍNEA "C", DA LEI Nº 8.112/90. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

            1. Rejeita a preliminar de impossibilidade jurídica, pois ela se confunde com o mérito.

            2. Também não merece guarida a preliminar de incompetência do juízo pela inadequação da via processual eleita, visto que não é caso de mandado de injunção, uma vez que não é esta a pretensão do autor, mas sim, que a ele seja aplicada a legislação positiva existente.

            3. A solução da controvérsia se dá pelo respeito aos princípios fundamentais da igualdade e da dignidade humana.

            4. A interpretação gramatical, ainda que possua certa relevância, deve ceder lugar, quando a interpretação sistemática se mostra mais adequada. (...)

            (trf 4a Região, AC - APELAÇÃO CIVEL – 528866

            Processo: 200071000382740 UF: RS, Rel. MARGA INGE BARTH TESSLER, Terceira turma - julgado em 22/04/2003 - unânime).

            Porém, a liminar que reconheceu nacionalmente os direitos previdenciários, decorrentes da união entre homossexuais, na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, restou suspensa pelo Supremo Tribunal Federal por decisão monocrática do Exmo. Ministro Marco Aurélio, é o que observamos abaixo:

            "DECISÃO AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TUTELA IMEDIATA - INSS - CONDIÇÃO DE DEPENDENTE - COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL - EFICÁCIA ERGA OMNES - EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA - SUSPENSÃO INDEFERIDA. (...) A sentença, na delicada análise efetuada, dispôs sobre a obrigação de o Instituto, dado o regime geral de previdência social, ter o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial. Tudo recomenda que se aguarde a tramitação do processo, atendendo-se às fases recursais próprias, com o exame aprofundado da matéria. Sob o ângulo da tutela, em si, da eficácia imediata da sentença, sopesaram-se valores, priorizando-se a própria subsistência do beneficiário do direito reconhecido. É certo que restou salientada a eficácia da sentença em todo o território nacional. Todavia este é um tema que deve ser apreciado mediante os recursos próprios, até mesmo em face da circunstância de a Justiça Federal atuar a partir do envolvimento, na hipótese, da União. Assim, não parece extravagante a óptica da inaplicabilidade da restrição criada inicialmente pela Medida Provisória nº 1.570/97 e, posteriormente, pela Lei nº 9.497/97 à eficácia erga omnes, mormente tendo em conta a possibilidade de enquadrar-se a espécie no Código de Defesa do Consumidor. 3. Indefiro a suspensão pretendida. 4. Publique-se. Brasília, 10 de fevereiro de 2003. Ministro MARCO AURÉLIO - Presidente." (Grifos acrescidos)

            Interpretação que resta quase pacificada é a desconsideração da união entre pessoas do mesmo sexo como união estável, mas sim como uma sociedade de fato. Porém, existe entendimento discordante nos Tribunais, é o que se verifica a seguir:

            "ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. REMESSA OFICIAL. SOCIEDADE DE FATO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. RECONHECIMENTO. VEDAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ART. 226, PARÁGRAFO 3º, CR. PENSÃO POR MORTE. ART. 217, I,"C", LEI Nº 8.112/90. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROMOÇÃO DO BEM DE TODOS SEM PRECONCEITO OU DISCRIMINAÇÃO. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA E SISTEMÁTICA DA LEI Nº 8.112/90.

            (...)

            5. É cediço que a concepção de união estável, prevista no art. 226, parágrafo 3º, da Constituição da República, não abarca o relacionamento entre pessoas de mesmo sexo, todavia, a sociedade de fato entre essas merece tratamento isonômico ao dispensado às uniões heterossexuais, em virtude dos citados princípios constitucionais, bem como do art. 5º, inciso II, da Constituição da República.

            6. O reconhecimento da sociedade de fato, e não estável, de acordo com o previsto no art. 226, parágrafo 3º, da Constituição da República, não constitui óbice para a aplicação do art. 217, I, "c", da Lei nº 8.112/90, sob pena de discriminação sexual (art.3º, inciso IV, da Magna Carta).

            7. O art. 217, I, "c", da Lei nº 8.1 12/90, não obstante se refira à comprovação de união estável para a concessão da pensão por morte ao companheiro ou companheira, deve ser interpretado de forma analógica e sistemática."

            (trf 4a Região, AC - APELAÇÃO CIVEL – 288429 - 199904010740541 UF: SC. Rel. VALDEMAR CAPELETTI – quarta turma. Julgado em 25/07/2000 à unanimidade de votos).

            "EMENTA: RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. Mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, homossexuais, se extrai da prova contida nos autos, forma cristalina, que entre as litigantes existiu por quase dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera conseqüência. Exclui-se da partilha, contudo, os valores provenientes do FGTS da ré utilizados para a compra do imóvel, vez que "frutos civis", e, portanto, incomunicáveis. Precedentes. Preliminar de não conhecimento do apelo rejeitada. Apelação parcialmente provida, por maioria. (Segredo de Justiça)"

            (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70007243140, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 06/11/2003)

            Quanto à partilha de bens, fundada na convivência de pessoas do mesmo sexo, já existe posicionamento do Colendo STJ:

            "SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O PARCEIRO TEM O DIREITO DE RECEBER A METADE DO PATRIMONIO ADQUIRIDO PELO ESFORÇO COMUM, RECONHECIDA A EXISTENCIA DE SOCIEDADE DE FATO COM OS REQUISITOS NO ART. 1363 DO C. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ASSISTENCIA AO DOENTE COM AIDS. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO DE RECEBER DO PAI DO PARCEIRO QUE MORREU COM AIDS A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL DE TER SUPORTADO SOZINHO OS ENCARGOS QUE RESULTARAM DA DOENÇA. DANO QUE RESULTOU DA OPÇÃO DE VIDA ASSUMIDA PELO AUTOR E NÃO DA OMISSÃO DO PARENTE, FALTANDO O NEXO DE CAUSALIDADE. ART. 159 DO C. CIVIL. AÇÃO POSSESSORIA JULGADA IMPROCEDENTE. DEMAIS QUESTÕES PREJUDICADAS. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO."

            (STJ, RESP 148897 / MG ; RECURSO ESPECIAL 1997/0066124-5 – Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR – Quarta turma. DJ 06.04.1998 p. 132)


5- Conclusão

            Como se viu, os Tribunais têm revelado direitos, com base em interpretações principiológicas, dando soluções efetivas para os diversos conflitos, que envolvem as relações homoafetivas familiares. Reconhecendo, pois, os valores éticos nas convivências familiares entre pessoas do mesmo sexo.

            Necessariamente, as decisões dos Tribunais vão sendo responsáveis pelo direcionamento de uma justiça mais humana, acolhendo fatos sociais relevantes e convivendo com as diversidades de forma racional.

            Como não existe, ainda, um tratamento legislativo específico para esse tipo de direito, os pedidos levados ao Judiciário são tratados autonomamente, exigindo um impulso individual dos julgadores.

            Por isso, não se pode perder de vista que "o direito vivente é pura e simplesmente um fato ou uma série de fatos de onde o juiz tira conhecimento das aspirações jurídicas que vêm se formando na sociedade. Mas para que estas aspirações se tornem regras jurídicas, é necessário que o juiz as acolha e lhes atribua a autoridade normativa que incorpora a sua função de órgão capaz de produzir normas jurídicas."15

            Numa sociedade em que todos querem definir as pessoas e rotulá-las pela sexualidade, convém assinalar a importância de se potencializar vínculos afetivos nas famílias, permitindo a verdadeira essência natural de cada um, dentro do espaço familiar, ainda que tal essência não seja heterossexual.

            As relações interpessoais são o espelho do nível em que a humanidade estagia em sua compreensão dos direitos e deveres das pessoas e na responsabilidade com o ser humano. Na esfera das relações familiares, mais do que em muitas outras, os relacionamentos oferecem as maiores oportunidades de se aprender lições para vida, de descobrir quem somos, o que queremos e encontrar o significado do amor, tão importante para o crescimento da coletividade.

            Contudo, apesar de existir um longo caminho a ser desenvolvido até as pessoas conviverem, de modo natural, com padrões familiares tidos hoje em dia como alternativos, espera-se, gradativamente, o reconhecimento e a anuência desta sociedade plural, com relações familiares dialéticas e espaço para todos, tendo como base ética os princípios da igualdade, fraternidade e dignidade da pessoa humana. Utopias? Devaneios? Ficção? Não, talvez sonhos de poetas menores... Pois, ao revés da solução por meio da desistência, da morte, sugerida por Shakespeare, fica a convicção de que conviver é preciso!


Bibliografia

            AJUFE – Associação dos Juízes Federais. Revista da AJUFE. Brasília: AJUFE, No 78/2004.

            ANPR – Associação dos Procuradores da República. Boletim dos Procuradores da República. Brasília: ANPR, No 61/2003.

            Bobbio, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavam Baptista et alii. São Paulo, EDIPRO, 2001.

            Barroso, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2003.

            DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 1999.

            HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; Oliveira, Euclides de. Do Direito de Fmília. In Dias, Maria Berenice; Pereira, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Família e o Novo Código Civil: Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

            Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

            Naline, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais –RT, 2001.

            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

            Pereira, Rodrigo da Cunha. A Sexualidade vista pelos Tribunais. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

            Santos, Agnaldo Moraes dos. A Técnica de Elaboração da Sentença Cível. São Paulo: Saraiva, 1996.

            SHAKESPEARE, William. Hamlet. São Paulo: Martin Claret, 2002.

            Vade Mecum acadêmico-forense. São Paulo: Vértice, 2005.

            VELOSO, Caetano. Letra Só. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

            Sítios consultados

            Associação dos Juízes Federais do Brasil: http://www.ajufe.org.br

            Associação dos Magistrados do Brasil: http://www.amb.com.br

            Cuadernos de Bioética: http://www.cuadernos.bioetica.org/doctrina17.htm

            Conselho da Justiça Federal: http://www.cjf.gov.br

            Consultor Jurídico: http://www.conjur.com.br

            Cidadania, Orgulho e Respeito: http://www.corong.hpg.ig.com.br/dir&lei/acaopublicainss.htm

            Fundação Casa Rui Barbosa: http://www.casaruibarbosa.gov.br

            Google: http://www.google.com.br

            Jus Navigandi: http://www.jus.com.br

            Senado Federal: http://www.senado.gov.br

            Superior Tribunal de Justiça: http://www.stj.gov.br

            Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.gov.br

            Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte: http://www.tjrn.gov.br

            Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: http://www.tj.rs.gov.br

            Tribunal Regional Federal da 1ª Região: http://www.trf1.gov.br

            Tribunal Regional Federal da 4ª Região: http://www.trf4.gov.br

            Tribunal Regional Federal da 5ª Região: http://www.trf5.gov.br

            Presidência da República Federativa do Brasil: http://www.planalto.gov.br


Notas

            1 William Shakespeare, Hamlet, p. 56.

            2 In Instituições de Direito Civil vol. V, p. 23.

            3 Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do Processo, p.293.

            4 Emerson Garcia, Dignidade da Pessoa Humana: referências metodológicas e regime jurídico, p. 58.

            5 Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Direito de Família e o Novo Código Civil. p. 6.

            6 Luis Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 151.

            8 In A Sexualidade vista pelos Tribunais, p.106.

            9 In Direito Constitucional, p. 65.

            10 Adolfo Sánchez Vázquez, apud José Renato Naline, Ética Geral e Profissional, p. 109.

            11 Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, op. cit. p. 7.

            12 Caetano Veloso, Letra só, p. 208.

            13 José Renato Naline, ob. cit., p. 346.

            14 Antônio Fonseca, O Mundo do arco-íris, p. 5.

            15 Bobbio, Teoria da Norma Jurídica, cit., p. 68.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Aline Maria da Rocha. Convivências homoafetivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1030, 27 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8313. Acesso em: 26 abr. 2024.