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O direito da Amazônia ao ser humano equilibrado.

Entre o texto e contexto

O direito da Amazônia ao ser humano equilibrado. Entre o texto e contexto

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O presente estudo realiza uma análise da situação fática das queimadas na Amazônia brasileira, apresentando dados estatísticos, análise do sistema normativo de proteção ambiental (sistema global, regional ) e comentários de sua constitucionalização.

Resumo: Partindo da provocação fática das queimadas que foram vivenciadas no Brasil no ano de 2019, especialmente no período de janeiro a agosto daquele ano, quando tais eventos atraíram os olhares da comunidade internacional, especialmente dos países ricos que compõe o grupo dos sete, este artigo, a partir de um estudo exploratório, de caráter qualitativo, com abordagem predominantemente dedutiva, e qualitativa a partir da análise de dados estatísticos, pretende, apesar da crise política que se instalou naquele momento, apresentar o conjunto de instrumentos jurídicos que exteriorizam a responsabilidade dos Estados de cumprirem com tratados firmados, bem como, de demonstrar que o Brasil, signatário que é de vários acordos de proteção ao meio ambiente, bem como de proteção aos direitos humanos, também possuem em sua Constituição Federal e legislações infraconstitucionais normas que devem ser efetivadas nas relações diárias entre o homem e a natureza.

Palavras-chave: Meio ambiente, direito internacional ambiental, direitos humanos.


Introdução

A temática da proteção ambiental mais uma vez se torna a principal pauta das manchetes jornalísticas e, por que não dizer, das reuniões de chefes de Estados os quais voltam sua atenção para um problema recorrente que se traduz nas ações ameaçadoras na Amazônia Legal brasileira.

Apesar do conceito Amazônia Legal, criado no governo do então presidente Getúlio Vargas, com a sanção da Lei 1.806 em janeiro de 1953, o bioma Amazônia não é propriedade exclusiva do Brasil, afinal, está inserido em território de outros países como a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

No Brasil, a extensão da Amazônia Legal ocupa uma superfície de aproximadamente 5.217.423 Km2, correspondente a cerca de 61% do território brasileiro, compondo os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Mato Grosso, bem como pelos Municípios do Estado do Maranhão situados ao oeste do Meridiano 44º1.

Considerada a região de maior biodiversidade do planeta, formada por um conjunto de ecossistemas que envolve a maior floresta tropical do mundo, a floresta Amazônica e a bacia hidrográfica do rio Amazonas vem sofrendo nas últimas décadas com ações degradantes e dentre estas o desmatamento que já devastou cerca de 17% da floresta, incluindo também as ações de incendiários que contribuem com o risco de devastação da floresta e de morte dos diversos seres vivos que a habitam.

Relatório diário publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, datado em 27 de agosto de 2019, demonstra que o Estado brasileiro registou um índice de aumento de 80% nos focos de queimadas, no comparativo dos anos de 2019 e 2018, tendo por período de análise a faixa de janeiro a agosto, totalizando um número absoluto no período da análise de 82.285 focos de queimadas2.

Este mesmo relatório não avalia apenas os focos de queimadas no território brasileiro, mas também em outros países sul-americanos, sendo que destes, considerando o mesmo período avaliado, apenas os países da Argentina, Chile, Colômbia e Equador apresentaram resultados de redução de focos de queimadas em seus espaços territoriais como se pode verificar da tabela abaixo:

Tabela de focos acumulados por país nos últimos 5 anos - Número de focos do satélite de referência (AQUA_M-T) acumulados por país da América do Sul entre os dias 01/Jan e 26/Ago de cada ano, de 2015 a 2019.

Localidade

2019

Dif.

2018

Dif.

2017

Dif.

2016

Dif.

2015

Dif.

Brasil

82.285

80%

45.656

-23%

59.672

-22%

76.185

29%

58.936

-9%

Argentina

14.067

-29%

19.706

-1%

19.942

18%

16.871

12%

15.033

47%

Bolivia

19.071

104%

9.354

4%

9.015

-54%

19.417

337%

4.440

13%

Chile

2.935

-5%

3.083

-51%

6.292

148%

2.540

-42%

4.358

47%

Colombia

14.331

-13%

16.516

51%

10.936

-32%

16.095

24%

12.992

-13%

Ecuador

318

-53%

681

145%

278

-33%

416

30%

319

108%

Falkland Islands

-

-

-

-

-

-

3

-

-

-

French Guiana

11

57%

7

40%

5

-72%

18

260%

5

-69%

Guyana

896

143%

368

21%

304

-60%

755

50%

503

6%

Paraguay

10.627

9%

9.714

-30%

13.903

22%

11.412

75%

6.515

-2%

Peru

6.397

112%

3.013

-11%

3.401

-44%

6.032

61%

3.742

-5%

Suriname

162

122%

73

135%

31

-46%

57

-45%

103

69%

Uruguay

391

29%

303

17%

260

-10%

288

-71%

1.003

286%

Venezuela

26.547

19%

22.325

78%

12.532

-32%

18.408

19%

15.429

-22%

A diferença mostrada em 2015 foi calculada em relação a 2014.

Fonte: INPE

Abstraindo as possibilidades de debate sobre dados estatísticos de outros países, que também apresentaram índices consideráveis de aumento de focos de incêndio em seu território, a situação envolvendo o bioma Amazônia despertou uma crise política após divergências entre os chefes de Estado Brasileiro e Francês, gerando um desgaste a tais chefes de Estado, crise esta que alcançou a atenção internacional, bem como a manifestação de apoio por Chefes de Estado de países sul-americanos e de outros pertencentes ao Grupo dos Sete – G 7 – estes reconhecidos como detentores do maior índice de desenvolvimento industrial e econômico do mundo3, que demonstraram seu interesse em apoiar o Brasil a conter as queimadas que, no período do mês de agosto do ano de 2019, assolaram a região norte e parte do centro oeste do País.

Todo este interesse da comunidade internacional pela situação das queimadas que alcançaram no Estado brasileiro o maior índice desde o ano de 2015, período avaliado pelo INPE, pode ser afirmada conforme foi colocada no Manifesto “Una Ética para la Sustentabilidad”4 apresentado na sétima reunião do Comitê Internacional do Foro de Ministros do Meio Ambiente da América Latina no ano de 2002, ao afirmarem que:

A crise ambiental é a crise do nosso tempo. Não é uma crise ecológica, mas social. É o resultado de uma visão mecanicista do mundo que, ignorando os limites biofísicos da natureza e os estilos de vida de diferentes culturas, está acelerando o aquecimento global do planeta. Este é um fato antrópico e não natural. A crise ambiental é uma crise moral de instituições políticas, aparatos legais de dominação, relações sociais injustas e racionalidade instrumental em conflito com o enredo da vida. (GALANO, et al, 2002, p. 2)

Partindo desta afirmativa em que se demonstra os paradigmas que impedem a convivência harmoniosa entre o ser humano e a natureza, surge o questionamento da existência dos direitos da natureza, e natureza aqui entendida como todos os seres vivos que a compõe (fauna, flora, rios, peixes, entre tantos outros), bem como as ações que devem ser manejadas para dar efetividade a estes direitos pelo ser humano.

Para responder ao questionamento torna-se necessário uma investigação no cenário internacional, tanto global quanto regional, para que se conheça as intenções reais sobre o discurso velado de internacionalização do espaço amazônico e os instrumentos legais vigentes de proteção ao meio ambiente.

Assim, propõe-se com a presente pesquisa uma investigação do cenário internacional de proteção ao direito ambiental, tendo como fator de provocação a situação enfrentada pelo Estado brasileiro com o aumento dos focos de queimadas e a crise política entre os chefes de estado brasileiro e francês.

Trata-se de um estudo exploratório, de caráter qualitativo, com abordagem predominantemente dedutiva, e qualitativa a partir da análise de dados estatísticos que demonstram o problema enfrentado pelos países que detém em seu território o bioma Amazônia.


2. Sistema normativo de proteção ambiental no plano internacional global

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas – ONU, tem se empenhando em criar extensivamente padrões de direitos humanos, visando construir um arcabouço jurídico para sua promoção e proteção eficaz, estabelecendo e desenvolvendo tratados multilaterais que criam obrigações legais para os Estados Membros.5

A Carta das Nações Unidas é compreendida como a exteriorização formal das intenções convergentes dos Estados Parte em proteger os direitos fundamentais do ser humano, sendo colocado logo em seu preâmbulo que dentre outros objetivos a preservação de futuras gerações do flagelo da guerra, com a reafirmação na fé aos direitos fundamentais do homem 6 , estabelecendo condições sob as quais a justiça e o respeito as obrigações decorrentes dos tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, bem como, a promoção do progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla7.

Em análise ao texto da Carta da Nações Unidas, advinda no pós Segunda Guerra Mundial, não se extrai de sua redação uma exposição clara de proteção ao meio ambiente, contudo, é necessário afirmar que tem, dentre os seus princípios, exposição implícita a considerar os possíveis conflitos que emergem da proteção global ao meio ambiente, pois, dentre estes princípios esta a solução pacífica de controvérsias que possa a vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, bem como, a cooperação econômica e social internacional com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as nações.

Para se discutir questões afetas ao meio ambiente é necessário primeiramente reconhecer que este não possui fronteiras políticas ou físicas e que sua degradação manifesta o potencial de atingir todas as partes do planeta.

Apesar da condição fronteiriça dos Estados surge o interesse e necessidade de uma tutela global, ou seja, a elaboração de tratados que visem combater as ações humanas de degradação, afirmando Marcelo Abelha Rodrigues8 que: “(…) o caráter interplanetário de alguns recursos ambientais, como a qualidade da água, do solo, o clima, a biodiversidade, etc., praticamente exige uma política internacional de proteção do meio ambiente.”

É com esta proposta que as Nações Unidas têm realizado uma série de reuniões internacionais para tratar o problema da degradação ambiental, sendo que a primeira reunião ocorreu em Estocolmo – Suécia em 1972, denominada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e reconhecida como marco nas tentativas de equilibrar as relações homem e meio ambiente.

O resultado advindo desta reunião se traduz na exteriorização da primeira Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, asseverando Philippe Le Prestre9 que os principais fatores que motivaram, à época, a decisão de realizar uma conferência mundial sobre proteção ao meio ambiente foram (i) o aumento da cooperação cientifica nos anos 60, da qual decorreram inúmeras preocupações, como as mudanças climáticas e os problemas da quantidade e da qualidade das águas disponíveis; (ii) o aumento da publicidade dos problemas ambientais; (iii) o crescimento econômico acelerado; (iv) inúmeros outros problemas identificados que segundo cientistas e governo suecos não poderiam ser resolvidos senão pela cooperação internacional, como por exemplo chuvas acidas, poluição do Mar Báltico, acumulação de metais pesados e de pesticidas que impregnavam peixes e aves.

Apesar de toda boa intenção anunciada pelos Estados Parte na busca de soluções para os problemas ora anunciados, o resultado desta reunião também trouxe divergências quanto ao que os países desenvolvidos sugeriram como solução de enfrentamento aos países em desenvolvimento, ou seja, defendiam aqueles a redução imediata do ritmo de industrialização dos países em desenvolvimento que por sua vez recusavam-se a assumir compromissos que limitariam sua capacidade de enriquecer e garantir níveis adequados de qualidade de vida às suas populações.

Valério Mazzuoli ao comentar a Declaração advinda da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente demonstra que:

O direito fundamental ao meio ambiente foi reconhecido, no plano internacional, pela Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (…), cujos 26 princípios tem a mesma relevância para os Estados que teve a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adota em Paris, em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução 217 da Assembleia Geral da ONU, servindo de paradigma e referencial ético para toda a sociedade internacional, no que tange à proteção internacional do meio ambiente como um direito humano fundamental de todos. (MAZZUOLI, 2008, p. 168. destaque nosso)10

Explica Karim Kässmayer11 que o direito ao meio ambiente encontra-se diretamente relacionado ao direito fundamental à vida é à dignidade, ou seja, impossível assegurar um em detrimento do outro, devendo o tema figurar nas matérias de direito, refletindo a necessidade de defesa ao ambiente saudável.

Passados vinte anos após a Conferência de Estocolmo, o Brasil sediou a segunda reunião das Nações Unidas, denominada Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ou ainda Eco-92, evento sediado na cidade do Rio de Janeiro, onde se definiu a nova política ambiental denominada Agenda 21, pela qual os países partes se comprometeram a introduzir o conceito de desenvolvimento sustentável como política interna de seus Estados até o século XXI.12

O conceito de Desenvolvimento Sustentável encontrou assento no relatório publicado no ano de 1987 pela Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento denominado Nosso Futuro Comum, conceito esse que não se demonstrou simples, porém trouxe à reflexão contrapontos como a satisfação das necessidades e aspirações humanas em relação à capacidade de exploração da capacidade ambiental a atender tais anseios de forma equilibrada, anotando-se em síntese que:

Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.13

Diferentemente da primeira reunião que contou com a participação de chefes de 113 países, a Eco-92 atraiu a participação de representantes de 178 países, demonstrando assim um interesse pela temática que estava sendo cuidada em nível de direito internacional, sendo que destas tratativas, além da Agenda 21, que pode ser descrita como uma espécie de ação-programa para os Estados Partes, foram produzidos também a Carta da Terra, A Convenção sobre Diversidade Biologia, A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e a Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre a Mudança do Clima, e ainda, a Declaração de Princípios sobre Florestas e a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.14

Dando continuidade às reuniões em que foram colocados à mesa os problemas afetos à pauta do meio ambiente e na busca de comportamentos de sua proteção, a comunidade internacional novamente se reuniu no ano de 2002, dez anos após a Eco-92, reunião intitulada como “Compromisso de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável “, dividida em 6 tópicos: (i) Das origens ao futuro; (ii) De Estocolmo ao Rio de Janeiro a Joanesburgo; (iii) Os desafios que enfrentamos; (iv) Nosso compromisso com o Desenvolvimento Sustentável; (v) O Multilateralismo é o futuro e (vi) Fazendo acontecer.

Sobre a Conferência de Joanesburgo, Julia Montesanti15 esclarece que:

Diferentemente da Rio-92 — que serviu para se chegar a um consenso sobre a questão ambiental, resultando na elaboração da agenda 21 —, a Rio+10, foi bem mais modesta e se resumiu basicamente a tentar chegar a medidas para sua implementação. Mas, infelizmente, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável gerou frustrações em muitos que se preocupavam com o futuro do planeta, dado que não conseguiu produzir muitos avanços como se esperava. Além disso, no plano de implementação, para muitas das metas não houve estipulação de prazos, nem qualquer sistema de monitoramento ou sanções, o que tornava seu cumprimento subjetivo.

É claro que a crítica quanto a ausência de instrumentos hábeis a tornar a execução dos princípios expostos na Declaração de Joanesburgo mais ágeis, na medida que urge os problemas de ordem ambiental, não afasta a importância de tais dispositivos para agregar a todo arcabouço jurídico internacional que visam a proteção ambiental, demonstrando a existência de um ramo do direito de proteção ao meio ambiente adequado ou ecologicamente equilibrado que nas palavras de José Sampaio16 “é o conjunto de posições, situações e pretensões jurídicas que visam assegurar a todos e a cada um, no presente e no futuro, condições ambientais que possibilitem a vida humana com qualidade, ou seja:

A leitura de proteção de vários atributos ambientais como um direito tende a unificar a pluralidade de reivindicações jusambientais nos quadros de uma técnica jurídica que tende a conferir-lhes maior efetividade. A proteção daqueles atributos passa a ser reflexo de um direito, equipado dos instrumentos argumentativos e processuais que lhe imprimem maior poder persuasivo (de convencimento informado) nos jogos de aplicação normativa, sobretudo nas hipóteses de conflitos de outros interesses jurídicos. A possibilidade de esse direito receber o merecido tratamento de um direito humano e fundamental é um segundo ponto importante nessa estratégia de ampliação da força argumentativa de proteção ambiental.17

Corroborando com José Sampaio que afirma que há no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, também denominado plano global, uma necessidade de reconhecimento de que a proteção ao meio ambiente e que este reconhecimento perpassa pela adoção do diálogo, em que cada Estado Parte passa a reconhecer sua responsabilidade em contribuir com a proteção ambiental, acrescenta José Lindgren Alves18 que “a finalidade deste sistema seria garantir, com normas negociadas e outras iniciativas legítimas, sem recurso a intervenções pela força, ou a “operações de paz”, de composição policial e militar, a observância por todos os Estados dos direitos nela consagrados”.

Reconhece ainda José Alves que para além da existência do sistema global de proteção ambiental há Sistemas Regionais inspirados no Direito Internacional de Direitos Humanos, que tem início com a Declaração Universal de 1948, sistemas estes em funcionamento no continente americano, na Europa e na África, que atuam de forma independente, dita “complementar”, em paralelo ao Sistema da ONU e com maior cogência jurídica.

A considerar o presente estudo, interessa conhecer a posição do sistema de proteção regional interamericano, pois, é neste espaço territorial que se assenta o bioma amazônia.


3. Sistema normativo de proteção ambiental no plano regional interamericano: Amazônia em foco

Existem três importantes sistemas jurídicos de proteção de direitos humanos de caráter regional: o europeu, o americano e o africano. Cada qual tem por competência central, entre outras, zelar pelo respeito e efetividade das Convenções de direitos humanos firmadas em cada continente.

O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH) é formado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão ou CIDH) e pela Corte Americana de Direitos Humanos (Corte), órgãos especializados da Organização dos Estados Americanos, com atribuições fixadas pela Parte II da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Neste viés de proteção, respeito e efetividade das Convenções, a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) estabelece como propósito a consolidação de um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais, reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana.

De mesma sorte, a Convenção Americana em seu capitulo terceiro orienta aos Estados Partes a comprometerem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos.

Impossível se deparar com o desenvolvimento econômico sem que se esbarre nas questões afetas ao meio ambiente, pois, assim reconhecido na Declaração de Joanesburgo como um dos desafios a serem enfrentados, qual seja: “reconhecermos que a erradicação da pobreza, a mudança dos padrões de consumo e produção e a proteção e manejo da base de recursos naturais para o desenvolvimento econômico e social são objetivos fundamentais e requisitos essenciais do desenvolvimento sustentável.”19. É necessário que se recorra ao conceito de desenvolvimento sustentável que orienta uma harmonização das ações que possuem por finalidade atender as necessidades e aspirações humanas.

Para tanto, ao tratar do desenvolvimento sustentável, os olhares do mundo estão atentos a região tropical amazônica, de magnitude continental, possuindo uma extraordinária riqueza e diversidade de recursos naturais como a flora, a fauna, clima, suas águas e o solo rico em minério que não deixam de ser um importante fornecedor de insumos que interessam a toda a sorte de empresas e industrias de todo o tipo que necessitam da exploração dos recursos presentes naquele ambiente, muitos dos quais se quer ainda conhecidos ou explorados.

A bacia amazônica é a mais extensa do mundo, com um rio mais largo e mais profundo, áreas de planícies tropicais que atingem aproximadamente 8 milhões de Km2, distribuídos entre 8 países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Perú, Guiana, Suriname e Venezuela, sendo que de toda sua área, 61% se encontra em território brasileiro.

Neste contexto, esclarece Hugo Torrejón20 que em nível regional, o posicionamento geográfico da Amazônia leva a um aprofundamento das relações entre os países que a integram e exige maiores esforços de coordenação no cenário de formulação de políticas regionais.

Um passo importante nesta direção pode ser demonstrado com a assinatura do Tratado de Cooperaçao Amazônica (TCA), adotado em Brasília aos 3 de julho de 1978, pelos 8 (oito) Estados independentes da Região – Brasil, Bolívia, Colombia, Equador, Guiana, Perú, Venezuela e Suriname, ação esta que se deu com a criação do Cômite Intergovernamental para a Proteção e o Manejo da Flora e da Fauna Amazônicas instituida em 1975 por cinco dos países que ratificariam o TCA (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Perú e Venezuela).

A construção do TCA pelos países sulamericanos indica o favorecimento do diálogo amazônico que segundo Paulo Nunes21 traz consigo certas questões de ordem global como por exemplo as preocupações manifestadas em tom alarmistas com o meio ambiente difundidas na Conferência de Estocolmo, aliadas ao discurso da necessidade de implementação de medidas de proteção internacional de proteção ao meio ambiente, fato que despertou o temor de governos da região em reação ao discurso ambientalista, a inquietação a respeito da soberania sobre os recursos naturais e o interesse em garantir a continuidade dos projetos econômicos na Amazônia e, para maior parte dos membros que à época assinaram o projeto regional, buscarem a afirmação de sua identidade na política regional.

Dentre as questões de ordem global, conclui Paulo Nunes que as razões fundamentais para a assinatura do TCA foram as seguintes:

o anseio de afirmação de soberania sobre o território e os recursos naturais, a afim de garantir a continuidade de projetos econômicos na região e afastar o fantasma da internacionalização; o desejo de apresentar à sociedade internacional um documento que resguardasse a exclusividade da gestão dos problemas amazônicos em sintonia com a proteção ambiental; e, finalmente, a preocupação brasileira com um possível isolamento em virtude da construção da barragem de itaipu.22

Sobre a intenção de afirmação da soberania dos países que compõe o TCA, em seu inciso XXVII deixa claro que este é restrito aos países negociadores, não se permitindo assim adesões de outros países, porém, necessário dizer que a noção de Pan-amazônia é substituída pela de “Amazônia pactual”, afinal se trata de um tratado puramente americano visto que a Guiana Francesa também possui espaços amazônicos23.

Ao tratar sobre os elementos fundamentais do TCA Paulo Nunes24 ressalta que: “A soberania aparece em destaque, pois um dos propósitos dos signatários era refutar, expressamente, quaisquer discursos referentes a uma possível internacionalização da Amazônia.”. Esta afirmativa a considerar o presente embate entre os Presidentes do Brasil e França demonstram a preocupação do governo brasileiro com o fantasma da internacionalização da Amazônia e das ameaças com a soberania do Estado no presente cenário.

Para alcançar uma maior robustez ao Tratado de Cooperação Amazônica, aos 14 de dezembro de 1998, a estrutura formal de cooperação amazônica sofreu uma alteração substancial, tendo sido adotado nesse dia, na cidade venezuelana de Caracas, o Protocolo de Emenda ao TCA que criou a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), entidade dotada de personalidade jurídica e competente para celebrar tratados com Estados e organismos intergovernamentais.

Sobre a criação da OTCA e da presente divergência entre o governo brasileiro e o francês, é importante a opinião de Costa e Sola25 quanto a não participação da Guiana Francesa que também possui floresta amazônica:

Observa-se, portanto, a exclusão da França, cujo departamento de ultramar, conhecido como Guiana Francesa, possibilitaria a inclusão no sistema criado. Decerto, é possível atribuir a intenção de evitar o ingresso de um pais industrializado ou desenvolvido no sistema, até porque, do ponto de vista do Direito Internacional, este mantinha posições pouco permeáveis à noção de soberania permanente sobre recursos naturais.

A opinião que é colocada por Costa e Sola, a considerar o comportamento do Presidente Francês Emmnauel Macron que utilizando de sua rede social em perfil do Twitter26, após o aumento dos índices de focos de incêndio no espaço brasileiro, se referiu como “nossa casa” e de que o problema era “uma crise internacional”, convocou os membros do G-7 para se reunirem e discutirem a emergência em tempo recorde de 2 dias.

A manifestação serviu como estopim para provocar o que aqui já foi colocado conforme a doutrina de Paulo Nunes como fundamento da criação do TCA, ou seja, tentativa de refutar de toda maneira qualquer ameaça à soberania nacional dois países detentores da floresta amazônica.

Também compartilha do entendimento de Paulo Nunes os pesquisadores Cristina Freire, Carla Torquato e José Costa27 que acrescentam:

O grande mérito da OTCA é o de tentar quebrar o paradigma da Amazônia Intocável, contribuindo para a criação de oportunidades econômicas para a região promovendo novos meios de administrar os recursos naturais e o meio ambiente com a participação de atores regionais e locais.

Demonstra-se assim que no plano internacional regional americano de proteção ambiental, o Tratado de Cooperação Amazônica ou Pacto Amazônico, apesar das críticas de ser tal instrumento um tratado-quadro ou guarda-chuva28 por ser um documento formal celebrado por Estados soberanos que depende da assinatura de acordos futuros – bilaterais e/ou multilaterais para se tornar realidade, e ainda, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA, estes são instrumentos de proteção ao meio ambiente amazônico que integram todo um arcabouço normativo e proteção ambiental no plano internacional seja global ou regional.

Instrumentos estes que visam não apenas a proteção do meio ambiente em si, em especial a Amazônia, mas instrumentos que possuem um pano de fundo de proteção à soberania dos Estados sul-americanos e de afastamento do discurso de internacionalização da Amazônia. Um pacto em que dentre suas características, a impossibilidade de novas adesões é prova irrefutável do porquê do afastamento do Estado Francês, que possuindo a Guiana Francesa floresta amazônica, poderia utilizar de argumentos, como o atual, de desprezar a soberania dos demais países e seu desejo de internacionalização do bioma em foco.


4. A constitucionalização da proteção ambiental no Estado brasileiro: Amazônia no plano local.

Antes de abordar o tratamento do legislador constituinte brasileiro com a temática meio ambiente é importante que se conheça o conceito que é dado tanto pela doutrina quanto pelo próprio legislador brasileiro, para então iniciar as discussões sobre sua constitucionalização.

No ano de 1981 ainda no período do governo militar, e dezessete anos anos antes da criação da OTCA no plano internacional regional americano de proteção ao meio ambiente, o legislador infraconstitucional brasileiro, por meio da Lei 6.938/81, ainda vigente no País, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e Cria o Sistema Nacional de Meio Ambiente, em seu art. 3º, inciso I, buscou conceituar meio ambiente dizendo ser este “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, que permite , abriga e rege a vida em todas as suas formas.”

Sobre o conceito adotado, afirmou Antônio Herman Benjamim29 que foi o primeiro passo em direção a um paradigma jurídico econômico que holisticamente tratasse e não maltratasse a terra, seus arvoredos e os processos ecológicos essenciais a ela associados.

Para Ney Maranhão30 a expressão meio ambiente deve ser tomada em sentido amplo, completamente integrada aos componentes naturais (biosfera) e humanos (sociosfera), e, partindo desta premissa, após profunda pesquisa, e considerando o tratamento constitucional que lhe foi dado concluiu que:

nossa Constituição Federal abraçou, inequivocamente, uma concepção ampla de meio ambiente, englobando elementos não apenas ecológicos, mas também sociais e culturais. Essa formulação produziu relevante impacto no conceito de meio ambiente havido em nosso ordenamento jurídico, quando em cotejo com a delimitação conceitual textualmente gravada na Lei nº 6.938/81. Alteração essa, diga-se de passagem, não apenas quantitativa, em face do reconhecimento de outros elementos ambientais além dos da biosfera, mas, acima de tudo, qualitativa, porque abona tônica ambiental de cariz mais social, vicejando uma retratação mais profunda e, por isso, mais adequada de toda a complexidade socioeconômica que permeia a discussão ambiental.

É a partir desta conclusão de Ney Maranhão que se poderá compreender a inserção do termo meio ambiente no conteúdo constitucional, bem como, a complexidade de sua abordagem.

A Constituição Brasileira de 88 reserva ao termo meio ambiente espaço no título que trata dos direitos e garantias fundamentais, precisamente em seu art. 5º, inciso LXXII, mencionando em síntese que qualquer cidadão é parte legítima a manejar ação popular que vise anular ato lesivo ao meio ambiente.

Reserva ao Poder Executivo em todas a suas instâncias o dever de proteger o meio ambiente e combater a Poluição (art. 23, inciso VI), e à União e aos Estados, a oportunidade de concorrentemente legislarem sobre a proteção ao meio ambiente e a responsabilidade por possíveis danos causados (art. 24, incisos VI e VII);

Ainda sobre o prisma da proteção, além de imputar a qualquer cidadão e aos entes federativos a responsabilidade de proteção, insere nas funções institucionais do Ministério Público o poder/dever de promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública para a proteção do Meio ambiente. (art. 129)

No título em que é abordada a Ordem Econômica e Financeira, em que o legislador constituinte diz se a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, elege como princípio a ser observado a defesa do meio ambiente (art. 170, VI), acrescentando ainda obrigatoriedade de se colocar em prática as funções de fiscalização, incentivo e planejamento estando atento as situações de garimpo e seu risco para o meio ambiente. (174, § 3º).

Inserido no art. 186. da CF/88 que aborda os requisitos para declaração do cumprimento da função social da propriedade rural têm-se a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente (art. 186, inciso II) e, neste ponto específico, a considerar as queimadas que vem sendo realizadas na Amazônia legal, a possibilidade da implementação da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária de imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, ação não menos importante e que traz reflexos imediatos a minorias étnicas, a considerar sua reclamação pelo direito a propriedade,

A terminologia meio ambiente esta presente também no art. 220. da CF/88 que trata da comunicação social, reservando ao legislador infraconstitucional (art. 220, §3º, II) o dever de ofertar instrumentos que possibilitem à pessoa e à família se defenderem de propaganda de produtos, práticas e serviços nocivos ao meio ambiente.

Além dos direitos constitucionais já mencionados, a Constituição Federal reservou um capítulo único em que a abordagem ao tema meio ambiente é trabalhada de forma específica, demonstrando sua abrangência, pontuando ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito de todos, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. (art. 225. da CF/88), ressaltando ainda que a Floresta Amazônica brasileira é patrimônio nacional, em clara afirmação do fundamento da soberania do Estado democrático de direito brasileiro.

Todo arcabouço jurídico de proteção ambiental no plano internacional e, especialmente no plano regional interamericano, são instrumentos de orientação ao legislador constituinte o qual reconhecendo ser a Amazônia, presente no território brasileiro, patrimônio nacional, apenas evidência as pretensões já firmadas no Tratado de Cooperação Amazônia, qual seja, de que além da preocupação com a defesa do meio ambiente, a internacionalização do bioma em detrimento à soberania nacional é assunto que não se cogita.

A constitucionalização da proteção à Amazônia firmada pelo estado brasileiro é refletida nas legislações de ordem interna que buscam a todo momento atender aos anseios de proteção não apenas da Amazônia, mas também de outros biomas brasileiros não menos importantes como a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, em uma clara demonstração de que o estado brasileiro compreende sua parcela de responsabilidade para com a proteção ambiental no cenário mundial.

Como exemplo destas legislações infraconstitucionais estão a Lei n°. 4.771/65 conhecida como Código Florestal, Lei n° 5.197/67 que dispõe sobre a proteção à fauna que também é conhecida por “Lei da Caça, a já mencionada Lei n° 6.938/81 que dispõe sobre as bases da Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei n° 11.105/05 conhecida como “Lei da Biossegurança”, Lei nº 9.279/96 mais conhecida como Lei de Propriedade Intelectual ou Lei de Patentes, dentre tantas outras que poderiam ser mencionadas a considerar sua abordagem de proteção ambiental.

Todas estas manifestações jurídicas de proteção ambiental corroboram com a existência de instrumentos legais que visam a proteção do meio ambiente, externalizando um direito da natureza que afirma a necessidade de mudança comportamental do ser humano, conclamando que o uso dos diversos potenciais ambientais que colaboram com a necessidade humana de desenvolvimento seja feita de forma ética e equilibrada.

Todavia é necessário que se reconheça que a proteção do meio ambiente deve ser realizada em uma mesa de diálogo que vise a contrapartida de todos os lados, em que as fontes de proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente sejam colocados como instrumentos de alcance do bem comum, não como instrumentos de revanchismos políticos ou de submissão de países em desenvolvimento aos desenvolvidos, reconhecendo assim que os objetivos de proteção ambiental no plano global, regional ou local somente serão alcançados com a postura de seres humanos equilibrados.

Nesta premissa da necessidade de uma administração dialógica, considerando inclusive afirmações como a do então Ministro do Meio Ambiente quando em reunião com governadores dos nove estados que integram a Amazônia Legal de que “o ambientalismo de resultados pressupõe incluir para preservar”31, demonstra dissonância com as ações implementadas pelo próprio Chefe do poder executivo federal ao excluir da composição do Conselho de Nacional da Amazônia Legal os governadores do estados em que o bioma Amazônia em solo brasileiro esta inserido.

A revogação do Decreto 1.541/95 pelo Decreto 10.239/20 é mostra clara que o revanchismo político, a histeria vigente pela manutenção de poder presente na política brasileira, as argumentações de defesa do solo brasileiro de invasões externas, ou qualquer outra que se possa apresentar se demonstram insustentáveis quando a política de proteção ambiental gravada nos legislações aqui comentadas orientam a integração.

Esta pequena mostra do tensionamento entre a vida real e as intenções formais gravadas no texto constitucional e nas demais legislações vigentes devem ser suficientes para levar os homens e mulheres, representantes do povo na execução do poder público, a relembrar preocupações levantas por Ferdinad Lassale32, pois se o poder ativo capaz de modificar as normas constitucionais são aqueles que visam interesses privados, estaríamos diante não de uma Constituição, mas sim de um pedaço de papel. E sobre isto, necessário ainda indicar como leitura os ensinamento de Konrad Hesse33 ao afirmar que apesar desta tensão imanente que não se deixa eliminar, ou seja, o constante conflito entre o real e o formal, a Constituição contém ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado, que passa a ser descrita como uma força normativa da Constituição.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A situação das queimadas que ocorreram no estado brasileiro no período de janeiro a agosto de 2019 demonstrou uma elevação percentual de 80% ao ser comparado com eventos de mesma natureza no mesmo período do ano de 2018, fato este que atraiu olhares de todo o mundo visto que os incidentes atingiram espaço territorial onde esta assentado o bioma amazônia.

O problema enfrentado pelo estado brasileiro serviu como estopim para uma crise política entre os chefes do executivo brasileiro e francês, trazendo um pano de fundo que encobria o real interesse de cada um diante suas retóricas provocativas, seja da França em defender a internacionalização do espaço amazônico em detrimento ao direito de soberania do estado brasileiro, seja do estado brasileiro de afirmar seu envolvimento com a proteção de tal espaço enquanto os índices de queimadas no ano de 2019 diziam o contrário.

Desprezando a situação política que mais se aproximava de um revanchismo pessoal entre os chefes do executivo, a presente pesquisa buscou demonstrar a existência de um direito da natureza, presente nos planos global e regional de proteção aos direitos humanos que é também afirmado pelo estado brasileiro em sua Constituição Federal e demais legislações de ordem infraconstitucional.

Tais instrumentos jurídicos demonstram que o problema não se assenta na ausência de legislações que objetivam a proteção do meio ambiente, mas ao contrário, da ausência do estado fiscalizador que deve ser reconhecido nas ações que, em tese, deveriam ser implementadas por aqueles que assentam nas cadeiras e que possuem responsabilidade fática de exercer tal mister.

Diante a ausência de fiscalização e responsabilização daqueles que provocam tais crimes, permanece a percepção de que o crime compensa; que entre preservar a floresta ou desmatar suas arvores centenárias, queimar extensas áreas de pastagens, entre outras ações de degradação, escolhe-se as mais lucrativas, em flagrante desrespeito ao direito do meio ambiente e dentre estes, a de um ser humano equilibrado.


REFERÊNCIAS

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Notas

1 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/cartas-e-mapas/mapas-regionais/15819-amazonialegal.html?=&t=o-que-e Pesquisado em: 27ago19.

2 INPE. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Portal do Monitoramento de Queimadas e Incêndios. Disponível em: https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/cadastro/v2/. Pesquisado em: 27ago19

3 Importante mencionar que o Grupo dos Sete que é reconhecido como o grupo de países de maior desenvolvimento industrial e econômico do mundo já foi composto pela Rússia que desde o ano de 2014 foi excluída do grupo pelo EUA.

4 GALANO, Carlos. et al. Manifesto por la vida por una ética para la sustentabilidad. Ambiente e Sociedade, n. 10, jan/jun, 2002, Campinas. Pesquisado em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S[141]4-753X2002000100012. Acesso em: 30out19.

5 ROVER, Cees de. Para servir e proteger. Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário para Forças Policiais e de Segurança: manual para instrutores. Tradu. Silvia Backes e Ernani S. Pilla. 2. ed. 2ª reimpr. Belo Horizonte: Policia Militar de Minas Gerais. p. 67

6 Terminologia utilizada tanto na Carta da ONU quanto na Declaração Universal de Direitos Humanos: Direitos Fundamentais do Homem.

7 BRASIL. Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Rio de Janeiro, RJ, out 1945. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm.

8 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 752

9 LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica Internacional. Tradução Jacob Gorender. 2. ed. São Paulo: SENAC, 2005, p. 174-175.

10 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A proteção internacional dos direitos humanos e o direito internacional do meio ambiente. Revista Argumenta Journal law. n. 9; 2008.

11 KÄSSMAYER, Karin. Desenvolvimento sustentável como princípio fundamental dos direitos humanos. In: PIOSEVAN, Flavia (Coord.) Direitos Humanos, vol. 1. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p. 221-242.

12 TORREJÓN, Hugo Bejarano. El desarrollo sostenible-un instituto del derecho amazonico. In: BARROSO, Lucas Abreu; MANIGLIA, Elisabete; MIRANDA, Alcir Gursen de. El nuevo derecho agrario. Lisboa: Editorial Jurua. 2011. p. 67

13 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Editora da Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 1991. p. 49.

14 Importante mencionar que as Convenções mencionadas já estão promulgadas pelo governo brasileiro e neste contexto integram tais instrumentos normativos de ordem internacional também o arcabouço normativo interno (brasileiro) por força dos Decretos de n. 2.519/98, n. 2.741/98 e n. 9.072/17.

15 MONTESANTI, Julia de Almeida Costa. Declaração de Joanesburgo. Disponível em: https://www.infoescola.com/desenvolvimento-sustentavel/declaracao-de-joanesburgo/

16 SAMPAIO, José Adercio Leite. Democracia ambiental como direito de acesso e de promoção ao direito ao meio ambiente sadio. III Encontro do CONPEDI: Madrid, 2016. p. 156.

17 SAMPAIO, op. cit., p 156.

18 ALVES, José A. Lindgren. Dificuldades atuais do sistema internacional de direitos humanos. Cadernos de Política Exterior. Ano III, n. 6, 2 semestre, 2017. p. 151.

19 ONU. Declaração de Joanesburgo sobre desenvolvimento sustentável. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/decpol.pdf. Item 11.

20 TORREJÓN, op. cit.,

21 NUNES. Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional. v. 13, n. 2. 2016.

22 NUNES, op. cit., . p. 223.

23 Talvez aqui esteja o ponto central da crise atual sobre as recentes queimadas em solo brasileiro, anunciadas pela imprensa e confirmadas pelo INPE que causou toda uma crise entre os Governos do Brasil e França. É necessária uma atenção especial para entender no jogo que se desenha o real interesse que se disputa. De um lado o Presidente Brasileiro que exterioriza ferozmente sua intenção de defesa do espaço territorial, do outro, o Presidente Francês que provoca a cúpula dos mais ricos a impor sanções à possíveis omissões do governo brasileiro em pôr fim às queimadas.

24 NUNES, op. cit., p. 224.

25 COSTA, José Augusto Fontoura; SOLA, Fernanda. Estrutura Jurídica: Alcance da Organização e do Tratado de Cooperação Amazônica. In: SILVEIRA, Edson Damas da (coord.). Socialismo de Fronteira: relações homem-ambiente na Amazonia. Curitiba: Juruá. 2014. p. 111.

26 TWITTER. Emmanuel Macron. @EmmanuelMacron, 22ago19. Our house is burning. Literally. The Amazon rain forest – The lungs which produces 20% of our planet’s oxygen – is on fire. It is an international crisis. Members of the G 7 Summit, let’s discuss this emergency first order in two days!

27 COSTA, José Augusto Fontora; FREIRE, Cristiana Cavalcanti; TORQUATO, Carla Cristina Alves. Juridificação Internacional: Análise do Tratado de Cooperação Amazônica em face dos desafios ambientais internacionais. Encontro do Conpedi Manaus. 2006. p. 17

28 Termo utilizado por Nunes (2016)

29 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (coords). Direito Constitucional Ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 57/58.

30 MARANHÃO, Ney. Meio ambiente: Descrição Juridico Conceitual. Lex Magister. Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27301129_MEIO_AMBIENTE_DESCRICAO_JURIDICO_CONCEITUAL.aspx

31 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Ministério do Meio Ambiente e governadores da Amazônia Legal lançam Pacto pelo Ambientalismo de Resultados. Publicado em 20nov19. Disponível em: https://www.mma.gov.br/informma/item/15661-minist%C3%A9rio-do-meio-ambiente-e-governadores-da-amaz%C3%B4nia-legal-lan%C3%A7am-pacto-pelo-ambientalismo-de-resultado.html.

32 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Prefácio: Aurélio Vander Bastos. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2001.

33 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Editora Saraiva. 2009. p. 126.


Abstract: Starting from the factual provocation of the fires that were experienced in Brazil in 2019, especially in the period from January to August of that year, when such events attracted the eyes of the international community, especially the rich countries that make up the group of seven, this article, from an exploratory study, of a qualitative character, with a predominantly deductive approach, and qualitative from the analysis of statistical data, it intends, despite the political crisis that set in at that moment, to present the set of legal instruments that externalize the responsibility of the States to comply with signed treaties, as well as to demonstrate that Brazil, which is a signatory of several environmental protection agreements, as well as human rights daily relationships between man and.

Key words: Environment, international environmental right, human rights


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