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O retrocesso dos direitos coletivos

O retrocesso dos direitos coletivos

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Através do presente artigo procurou-se analisar qual a relação existente entre os direitos coletivos e o princípio da proibição do retrocesso social.

1. REFORMA TRABALHISTA COMO AVANÇO OU RETROCESSO?

A reforma trabalhista aprovada no Congresso representou um avanço ou um retrocesso? Este foi o mote da palestra do jurista Enoque Ribeiro dos Santos, desembargador do TRT 1º Região e professor da USP, durante o XIII Simpósio Nacional de Direito Constitucional.

Em linhas gerais, analisou que existem alguns pontos extremamente prejudiciais ao trabalhador. 'Sem dúvida, a reforma retirou vários direitos individuais dos trabalhadores'. Mas há, também, pontos positivos a se destacar.

A grande mudança gerada pela nova legislação, pontuou, é a supremacia do 'negociado' sobre o 'legislado'. A reforma liberou para o empregador todas as formas de contratação: por hora, por dia, por mês. Assim como facilitou a demissão, em dispensas individuais ou coletivas sem qualquer participação dos sindicatos um grande retrocesso, na opinião do magistrado.

'Parece que voltamos para o governo de Getúlio Vargas. Na década de 30, deu-se um valor superestimado aos direitos individuais dos trabalhadores. Até a Constituição de 1937, quando Vargas passou o controle dos sindicatos para o poder estatal. Assim, as convenções coletivas ficaram na hibernação até a década de 70, com a retomada do movimento sindical brasileiro'. O fato, prossegue, é que esta última reforma fez uma clara divisão entre direito individual e o direito coletivo, com a supremacia do negociado sobre o legislado.

Assim, em relação àquela linha protetora do empregado, o estado se afastou de cena e remeteu a solução para a negociação coletiva, em uma tendência 'importada' pelos legisladores brasileiros de Portugal e da França.

'Aqui é importante ressaltar que o direito coletivo de trabalho é fantástico, pois reúne importantes instrumentos para resolver os conflitos. A negociação coletiva é agora o verdadeiro instrumento do microssistema de tutela coletiva, na medida em que as criaturas da negociação coletiva produzem os mesmos resultados que no processo administrativo e no processo judicial. É quando as partes estão negociando diretamente. Elas são o grande trunfo do trabalhador', disse.

Outra consequência da reforma é que a CLT passa agora a ter duas faces: uma para o individual e outra para o coletivo. 'Esta é uma grande revolução, com a qual teremos que conviver a partir de agora'.

Retrocessos

Para Luiz Antonio Colussi, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), as mudanças propostas são retrocessos nas garantias sociais que os trabalhadores conquistaram. Ele criticou um despacho técnico assinado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que, como afirmou, poderá dar margem para que a proposta de reforma trabalhista não passe pelo crivo do Plenário da Câmara.

Berna Menezes, dirigente da Intersindical, também atacou a proposta:

— As maiores vítimas são os jovens que não terão direito a se aposentar e não terão direitos trabalhistas – disse.

Terceirização

Debatedores ainda criticaram outros projetos em análise no Congresso como o que regulamenta a terceirização.

Os projetos de reforma previdenciária e trabalhista são tema de um ciclo de debates na Comissão de Direitos Humanos proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS), vice-presidente do colegiado, que é contrário aos projetos.

— É o fim dos mundos acabar com a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] — ressaltou Paim.

Eficácia das convenções e acordos

Por mais de três décadas, jurisprudência e doutrina entenderam que a eficácia das convenções e acordos coletivos de trabalho deveria se limitar ao prazo de sua vigência. Isso porque diante de condições naturalmente mutáveis, seria extremamente prejudicial que as normas coletivas se mantivessem "estáveis", pois que assim rapidamente poderiam se tornar prejudiciais ao empregado, ou insuportáveis ao empregador. Além disso, a negociação coletiva é como um músculo: propriamente exercitado, torna-se cada vez mais forte, adaptável e resistente. Cesse os exercícios, e segue-se a inevitável atrofia.

A limitação da eficácia jurídica das normas coletivas de trabalho atende não só a necessidade de rápida adaptação do direito do trabalho à realidade econômica e social, bem como a necessidade de se favorecer a ampla negociação coletiva, como verdadeiro instrumento de criação de um direito do trabalho moderno e adequado.

É por isso, aliás, que a própria lei determina que as normas coletivas devem vigorar por dois anos, no máximo (CLT, art. 614, parágrafo 3º). Inadmissível a vigência indeterminada (OJ SBDI-1 nº 322).

Porém, surpreendentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), durante a realização da 2ª Semana do TST, reformou completamente a Súmula nº 277, admitindo uma "ultratividade geral e por tempo indeterminado" das normas coletivas de trabalho, admitindo, agora, que "as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho."

Pois bem. Por mais de 60 anos, de 1930 a 1990, o sindicalismo brasileiro padeceu da miséria existencial do controle absoluto pelo Estado. Nesse período, os acordos e convenções coletivas de trabalho eram meras repetições de "fórmulas", havendo, quando muito, uma modificação cosmética aqui ou ali. Os líderes sindicais eternizavam-se por décadas e passavam suas cadeiras de "pai para filho", como as "capitanias hereditárias".

O "peleguismo" e o "sindicalismo de aparências" prosperavam. Muito se preocupavam os dirigentes em receber o funesto "imposto sindical" (metaforicamente alterado para contribuição sindical), e nada mais. Os trabalhadores não confiavam em seus sindicatos, e toda a legislação trabalhista era imposta pelo Estado.

A manutenção das cláusulas interessa aos empresários retrógrados

Apenas na segunda metade da década de 1980, especialmente após a criação das primeiras Centrais Sindicais, é que esse histórico de mesmice, de aparências e de falácias começou a ser modificado. Essa alteração se deu mediante a prática das primeiras formas de livre negociação entre sindicatos e empresas, esquecendo-se das formalidades e limites impostos pelo Estado.

Desse influxo surgiu uma nova era para o direito coletivo do trabalho brasileiro, a qual foi reforçada pela promulgação da Constituição de 1988, a primeira a reconhecer expressamente os acordos e convenções coletivas do trabalho como fontes formais de direitos e obrigações (CF, artigo 7º, XXVI).

Porém, agora, a jurisprudência foi alterada, e com isso ameaçando lançar as relações coletivas de trabalho de volta àquela era que se julgava passada.

Em poucas palavras, pelo entendimento jurisprudencial atual, aquilo que foi ajustado no acordo ou convenção de 2012 poderá estar em vigor em 2015, ou até em 2025, bastando que as partes nunca estejam dispostas a negociar um novo acordo ou convenção. E nada mais interessa àquele "peleguismo" a que nos referimos que a desnecessidade de sentar à mesa e negociar novas e melhores condições de trabalho. Afinal, a "mesmice" é extremamente confortável.

E quem imagina que essa "ultratividade" vem em favor dos trabalhadores, engana-se. A manutenção das cláusulas coletivas como "normas fixas", interessa sobremaneira àqueles empresários mais retrógrados, afinal, o que hoje foi negociado só foi aceito porque suportável. E se hoje, por exemplo, o "vale-refeição" foi fixado em R$ 10,00, nada mais interessante que manter esse valor no próximo ano, e assim por diante, pelo maior espaço de tempo possível.

Existe ainda uma questão. Para rever, cancelar ou alterar uma súmula de jurisprudência uniforme é necessário seguir os trâmites previstos no artigo 168 do Regimento Interno do TST. A Resolução nº 185, de 2012, que publicou a alteração da Súmula nº 277, não indica qualquer precedente que assim o justificasse (DEJT de 27.09.2012). Outrossim, tendo em vista a ordem legal expressa determinando a eficácia temporária dos acordos e convenções coletivas (CLT, art. 614, parágrafo 3º), não resta dúvida que a "ultratividade geral e indeterminada" só poderia ser admitida mediante lei nova e específica, que assim dispusesse expressamente (como se deu ao tempo da Lei nº 8.542, de 1992). Nada disso ocorreu, e a nova redação da Súmula nº 277 padece de suporte jurídico positivo, a lhe retirar eficácia.


2. O RETROCESSO DOS DIREITOS COLETIVOS NO BRASIL

Redução dos níveis de renda e emprego, precarização das relações de trabalho, insegurança jurídica, aumento no número de demissões por acordos feitos fora dos sindicatos, desrespeito dos empregadores às cláusulas sociais das convenções coletivas de trabalho e maior dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho. Esse é o saldo da reforma trabalhista, Lei 13.467, acumulando ainda um resultado pífio em termos de geração de empregos: Nesses 12 meses de vigência da reforma trabalhista aprovada pelo governo sob o argumento de que geraria 1 milhão de empregos, foram criadas apenas 372 mil vagas. Além disso, a reforma trabalhista descumpriu tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e colocou o país na lista suja da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de países que promovem graves violações dos direitos trabalhistas.

Conforme a decisão da OIT, o Brasil passou a fazer parte do grupo de 24 países violadores de normas de proteção aos trabalhadores, acompanhado de Haiti e Camboja, o que ocorreu a partir de consultas feitas pelo Ministério Público do Trabalho e denúncias de sindicatos contra a Reforma Trabalhista.

A OIT integra o sistema das Nações Unidas (ONU) e possui um comitê que irá analisar a denúncia de violação de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. Antes da aprovação da Reforma Trabalhista, o Brasil chegou a ser incluído na lista mais ampla e preliminar, mas acabou de fora da lista definitiva.

A legislação alterou mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e instituiu formas precarizadas de contratação, como a modalidade de trabalho intermitente e a formalização do teletrabalho. Outras mudanças foram a demissão por meio de acordo entre empregado e patrão, formalização do teletrabalho, divisão das férias em três períodos e o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. O principal argumento do governo Temer para aprovar a reforma com cortes de direitos foi a geração de empregos. A estimativa do então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, era de 2 milhões de vagas nos dois primeiros anos.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), derrubam a tese em tom de ameaça. Nos 12 primeiros meses, o saldo de vagas geradas no país foi de 372 mil, ou seja, faltaram mais de 620 mil oportunidades de trabalho para chegar na meta de 1 milhão estimada pela equipe de Temer para o primeiro ano. No mesmo período foram registrados 47.139 contratos de trabalho intermitente, quando a remuneração é pelas horas trabalhadas. “Foi um resultado pífio e muitas das vagas geradas são de emprego intermitente, ou seja, o trabalhador foi contratado, porém, pode ser que ele nem tenha sido convocado para trabalhar. Ou seja, continuou sem a renda”, avalia o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

“Sai a consolidação das leis do trabalho e entra a consolidação das leis de mercado. A legislação vigente privilegia o patrão e o mercado em detrimento do trabalhador”, resume Verlaine, do Diap

Para o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e coordenador nacional de combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do MPT, Paulo Joarês Vieira, o resultado ficou aquém do esperado. Para ele, a redução do desemprego não se deu pelo ganho de vagas formais, mas pelo ingresso de pessoas no mercado de trabalho informal. “No setor privado, apenas desconsiderando o setor público e o setor doméstico, o IBGE aponta a perda de 300 mil vagas formais neste período de um ano. Então, o impacto nesse aspecto foi negativo, do nosso ponto de vista”, avalia Vieira. O procurador lembra que algumas das novidades impostas pela reforma, como o trabalho intermitente, em que o empregador chama o trabalhador de acordo quando necessário, também acabaram não gerando um volume de contratações como imaginado. “O trabalho intermitente atingiu em torno de 30 mil contratações, o que em comparação com o volume do mercado de trabalho é um número pequeno. Mas, são 30 mil contratos precários em que o trabalhador não tem garantia nem de renda, nem de uma jornada de trabalho”.

Em nota, o secretário-executivo substituto do Ministério do Trabalho, Admilson Moreira dos Santos, explicou que os trabalhadores e empregadores ainda estão se adaptando às novas normas. “Acreditamos que a implantação da Lei 13.467 ainda está em curso, e, talvez, demande mais algum tempo para se consolidar em nosso mercado. No entanto, vemos que a cultura das relações de trabalho está mudando e isso é bom. É um processo gradual”, disse.


3. TRABALHO INTERMITENTE

De acordo com o técnico do Diap, o trabalho intermitente, que estabelece a possibilidade de pagamento das horas efetivamente trabalhadas, de acordo com a convocação do empregador, é um indicativo forte da precarização do trabalho. “Para conseguir uma renda, ele terá que trabalhar em vários lugares diferentes. E sem garantia de quanto vai receber”, alerta Verlaine.

Outro problema relacionado ao emprego intermitente é a contribuição para o INSS. Segundo a regra do governo, a contribuição mínima tem como referência o salário mínimo, que está em R$ 998,00. Se o trabalhador intermitente não consegue atingir este valor de renda por mês, ele terá que fazer uma contribuição complementar da diferença para o INSS.

“Imagine como é grave. Além de ficar com a renda comprometida naquele mês, ele pode ficar em débito com o INSS, caso não faça a contribuição extra, e perder este tempo na contagem para a aposentadoria”, explica o especialista em direito previdenciário Guilherme Portanova.

Queda de ações no judiciário trabalhista

Um levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que em novembro de 2017, quando a lei entrou em vigor, as Varas do Trabalho receberam mais 26,2 mil processos, volume considerado pico naquele ano. A partir de dezembro de 2017, no entanto, o número de casos novos a cada mês caiu, sendo menor em comparação a todos os meses do ano anterior.

O estoque de processos pendentes de julgamento também caiu. Em dezembro de 2017, havia 2,4 milhões de processos à espera de decisão das primeiras ou segundas instâncias da Justiça do Trabalho. “Até o momento, o principal impacto é a redução do número de reclamações trabalhistas, o que pode ser comprovado pelos dados estatísticos. Paralelamente, houve um aumento de produtividade”, disse o presidente do TST e do Conselho Superior do Trabalho (CSJT), ministro Brito Pereira.

O procurador do MPT, Paulo Vieira, pondera que a redução no número de ações trabalhistas pode estar relacionada a obstáculos de acesso à Justiça que surgiram com a reforma, que determinou, por exemplo, o pagamento das custas judiciais pela parte que perde a ação. “Aconteceu a redução dos processos, mas, do nosso ponto de vista, não é um número positivo, porque não representa um progresso da sociedade, mas sim um retrocesso de desrespeitar o direito constitucional de que todos tenham acesso à Justiça e todos possam buscar a reparação dos seus direitos quando lesados”, disse.

A reforma trabalhista não é um consenso e provocou questionamentos judiciais por parte de representações dos trabalhadores. De acordo com o TST, há 19 ações de inconstitucionalidade contra a reforma em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), ajuizados pela Procuradoria-Geral da República, entidades que representam trabalhadores e empregadores de vários setores da economia.

Um levantamento apresentado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que o número de novos processos trabalhistas caiu 36,2% com a reforma. De janeiro a setembro de 2017, as varas do trabalho protocolaram 2,01 milhões de ações. Já entre janeiro de setembro de 2018, com a reforma em vigor, foram 1,28 milhão.

Para Estanislau Maria de Freitas Júnior, advogado especialista em Direito do Trabalho, pela USP, e em Políticas Públicas, pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), essa redução é reflexo da mudança que desequilibrou a correlação de forças entre empregador e trabalhador.

Obstrução do acesso à Justiça do Trabalho

Entre os pontos mais questionados está o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.

Outro ponto que deve ser julgado é o que prevê que a parte vencida no processo deve pagar os honorários de advogados e peritos, mesmo que a parte seja beneficiária da justiça gratuita.

O trabalho intermitente, atualização dos depósitos recursais, a fixação por tabela de valores de indenização por dano moral e a realização de atividades insalubres por gestantes e lactantes também são objeto de ações a serem julgadas pelo Supremo.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia que a reforma representa “uma revolução” e “prestigia o diálogo entre o empregado e o empregador para que definam de forma autônoma e de comum acordo as condições e rotinas de trabalho”. Os empresários defendem que a reforma oficializa a adoção de “arranjos aparentemente corriqueiros” dentro do mercado, como o home office e jornadas mais flexíveis. A entidade informou que dispõe de uma pesquisa em que oito de cada dez brasileiros disseram que desejam trabalhar em casa ou em locais alternativos à empresa.

Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) avalia que a reforma trabalhista precarizou as condições de trabalho. A entidade critica que a maioria dos postos de trabalho, criada no último ano, foi sem carteira assinada, com menos direitos e salários mais baixos. No período, de acordo com a CUT, aumentou o número de demissões por acordos feitos fora dos sindicatos e o desrespeito dos empregadores às cláusulas sociais das convenções coletivas de trabalho. A reforma também resultou em uma barreira para o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho na sua previsão de que a parte vencida no processo trabalhista, mesmo beneficiada pela justiça gratuita, deve pagar os honorários de advogados e peritos.


4. DESEMPREGO

Ao alterar mais de 200 pontos na CLT – conjunto de leis que protegia os direitos dos trabalhadores –, a reforma trabalhista retirou direitos fundamentais dos brasileiros e agravou a crise do emprego e renda. Atualmente, segundo IBGE, são 12,5 milhões de brasileiros desempregados. Para o analista político Marcos Verlaine, do Diap, com a falsa promessa de ser uma “vacina” contra a diminuição da oferta de vagas, a proposta de reforma atendeu a interesses do mercado financeiro e dos empresários. “Essa tentativa de alterar a CLT vem de muito tempo. Não é uma coisa recente. Entretanto, desde a redemocratização, os empresários e o mercado não conseguiram reunir os elementos para aprovar a mudança, que seriam: uma bancada no Congresso com esse objetivo, força política na sociedade brasileira e uma dificuldade do movimento sindical de resistir”, avalia Verlaine.

Para enfraquecer os sindicatos, a reforma atacou a fonte de financiamento das entidades. “Houve uma queda de mais ou menos de 80% da arrecadação dos sindicatos com o fim da contribuição obrigatória. Isso desequilibrou bastante as negociações”, afirma.

Leis do trabalho versus leis do mercado

Na opinião do analista do Diap, as mudanças aprovadas há um ano alteram radicalmente as características da CLT e abrem espaço para a precarização dos empregos. “Sai a consolidação das leis do trabalho e entra a consolidação das leis de mercado. A legislação vigente privilegia o patrão e o mercado em detrimento do trabalhador”, resume Verlaine. A criação de novas modalidades de contratação, com flexibilização aguda dos direitos trabalhistas, salários menores e pouca margem para negociação, dá a tônica da reforma.

A reforma trabalhista contribuiu ainda para ampliar os impactos da crise econômica, o que atrapalha qualquer perspectiva de retomada do crescimento da atividade econômica, segundo a economista Marilane Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais de Economia de Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

A economista Marilane Teixeira, da Unicamp (D), alerta que, com a reforma, surgiu a renda instável, que reduz o consumo e gera recessão

“Esses contratos têm uma renda muito instável. Se você tem uma renda instável, você não planeja o futuro. Não tem perspectiva de assumir qualquer tipo de compromisso, contratação de crédito. Isso tem impacto sobre o consumo, a produção e o investimento. As medidas [da reforma] não têm condições de contribuir para que se retome a atividade econômica”, constata.

Segundo ela, uma das mudanças da reforma trabalhista mais aplicadas nos acordos coletivos dos últimos 12 meses, por parte dos empregadores, foi a instituição do banco de horas. Para os trabalhadores com carteira assinada, isso teve um impacto direto na remuneração pois afetou o pagamento de horas extras. “O banco de horas substitui as horas extras, que para boa parte dos trabalhadores já foi incorporada ao salário. Então teve uma queda de renda familiar. Isso é grave, porque dois terços do produto nacional vêm do consumo das famílias. Quando o consumo das famílias reduz em função da queda da renda familiar, o impacto é muito grande”, explica.


5. APOSENTADORIAS

O advogado Guilherme Portanova, especialista em direito previdenciário, aponta o reflexo da reforma trabalhista nas aposentadorias e benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O percentual de crescimento da arrecadação líquida das contribuições, descontadas dos contracheques e recolhida pelas empresas, teve redução de 58%, na média de nove meses após a implantação da reforma, comparando com o mesmo número de meses antes da reforma. “A redução no ritmo de crescimento da arrecadação tem a ver com o desemprego em alta e, em boa parte, com a precarização do trabalho gerado pela reforma da CLT”, analisa. Antes da reforma, a arrecadação líquida média era de R$ 29,7 bilhões com um crescimento de 5,39%. Após a entrada em vigor das novas regras, a média ficou em R$ 30,4 bilhões, ou seja, o crescimento ficou em 2,25% apenas.


6. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

“O tratamento da proibição do retrocesso social encontra-se mais desenvolvido em países como a Alemanha, Itália e Portugal” (FILETI, 2012).

“Os direitos sociais vinculam o legislador infraconstitucional no sentido de exigir um comportamento positivo com vistas a efetivar a pretensão constitucional, através da regulamentação dos serviços e políticas públicas” (VICENTE, 2006, p. 213).

Requerem, ainda, que o legislador regulamente tais direitos observando o “núcleo essencial”, ou seja, sem estabelecer exigências descabidas ou que tornem inexequível o direito previsto pelo legislador constituinte. Caso contrário, ocorrerão hipóteses de inconstitucionalidade (VICENTE, 2006, p. 213).

Além de serem eficazes, os direitos sociais devem se sujeitar ao princípio da proibição de retrocesso social, que objetiva evitar que o legislador desfaça o grau de concretização que ele próprio havia conferido às disposições constitucionais, mormente no tocante às normas constitucionais de eficácia limitada- aquelas que necessitam da edição de normas infraconstitucionais para lhe darem eficácia (WADY, 2012).

Fileti (2008) preleciona que o princípio da proibição de retrocesso apresenta sentidos positivos e negativos. O sentido positivo consiste na obrigação do legislador permanecer com o propósito de dilatar, gradativamente, e em consonância com as situações fáticas e jurídicas – inclusive orçamentárias- o nível de efetivação dos direitos fundamentais sociais. Ou seja, não consiste meramente no dever de manter o status a quo, mas também na determinação do dever de promover o avanço social.

Já abordado anteriormente, o sentido negativo- implícito a todo princípio – nesse caso prevalece sobre o sentido positivo, consiste no dever do legislador de elaborar os atos normativos sem suprimir ou reduzir o nível de consistência normativa que os direitos sociais já tenham atingido através da legislação infraconstitucional (FILETI, 2008).

ADOÇÃO DO PRINCÍPIO NO BRASIL

Através de uma interpretação sistematizada da Constituição Federal, pode-se concluir que o princípio da proibição do retrocesso social é implicitamente adotado por nossa Carta Magna. A adoção tácita desse princípio advém da ideia de Estado Democrático de Direito e do Princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, pode-se destacar, também, os princípios da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, da segurança jurídica; da proteção e da confiança (SARLET, 2003, p. 333).

O princípio da proibição do retrocesso social foi expressamente acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Pacto de São José da Costa Rica.

RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL, A SEGURANÇA JURÍDICA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

O Estado Democrático de Direito presume uma ordem jurídica na qual importantes meios para a salvaguarda dos particulares face ao Poder do Estado são assegurados (ANDRADE, 2010) .

“O termo “segurança jurídica” etimologicamente tem origem no latim e significa: Segurança – se cura, ocupar-se de si mesmo; e Jurídico – juridicu, é o direito dito. Em termos gramaticais poder-se-ia conceituar como ter a auto-confiança no direito que está dito. Como aspiração social e humana encontra respaldo na certeza e garantia da efetividade e eficácia do direito fundamental, ou seja, a garantia da estabilidade jurídica” (BRASIL, 2007).

O conceito de estabilidade se distingue do conceito de imutabilidade, visto que este último faz alusão a algo que não pode ser modificado, algo que é perpétuo. Por outro lado, o conceito de estabilidade faz alusão à segurança daquilo que já está estabelecido e que pode até sofrer alterações. Todavia, para que estas alterações sejam feitas é necessário que se cumpra condições rigorosas. A segurança jurídica se apresenta como consequência da estabilidade (BRASIL, 2007).

A Constituição Federal, em seu artigo 5°, XXXVI, visa garantir segurança jurídica aos cidadãos ao estipular que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Segundo Celso Bastos (1994, p.43), o direito adquirido consiste em um dos artifícios constitucionais para controlar a retroatividade da lei. A lei sofre contínuas alterações e é papel do Estado atualizar as suas leis. Todavia, a aplicação da lei de forma retroativa pode acabar por causar danos a situações jurídicas já consolidadas no tempo. Daí a importância do respeito ao direito adquirido.

A respeito do ato jurídico perfeito, o art. 6°, § 1° do Decreto Lei n° 4.657/1942 , dispõe “ Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou”.

Acerca do conceito de ato jurídico perfeito, Vinícius Ongaratto (2012) assevera:

“O ato jurídico perfeito é um instituto que foi concebido pelo constituinte, sob o aspecto formal. É aquele ato que nasce e se forma sob a égide de uma determinada lei, tendo todos os requisitos necessários exigidos pela norma vigente. Protege-se indiretamente o direito adquirido, pois não se pode alegar invalidade do ato jurídico se advier lei nova mais rigorosa alterando dispositivos que se referem à forma do ato”.

No que tange à coisa julgada, o art. 6°, § 3° esclarece que “chama-se de coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso (Decreto Lei n° 4.657/1942)”

Além do inciso XXVI do art. 5°da Constituição Federal, há inúmeros dispositivos legais que visam assegurar a segurança jurídica tais como, aqueles que dispõem acerca da cláusulas pétreas, entre outros.

A segurança jurídica dos direitos fundamentais conferidos pela Constituição é condição imprescindível para promover a dignidade da pessoa humana. Isso se deve ao fato de que os direitos fundamentais são inerentes ao ser humano, cabendo ao Estado assegurá-los por meio da segurança jurídica estabelecida pelas Constituições que se baseiam no princípio da proibição do retrocesso social (BRASIL, 2007).

Não retrocesso social

O período pós-golpe de 2016 é marcado por diversos projetos legislativos tendentes a restringir direitos sociais, vitimando especialmente o Direito do Trabalho, dentre os quais se destacam o Projeto de Lei n° 6.787/2016, que tem por objeto a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que dispõe sobre o trabalho temporário e a terceirização.

Tais proposições podem dizimar o atual modelo de Direito do Trabalho, reduzindo os direitos assegurados pela legislação infraconstitucional e retrocedendo para um modelo desregulamentado e marcado pela autonomia da vontade acima das proteções legais.

Todavia, conforme demonstraremos a seguir, a redução de direitos trabalhistas, especialmente aquela trazida no bojo do Projeto de Lei nº 6.787/16, encontra óbice no sistema de proteção consagrado pela Constituição Federal de 1988, o qual veda retrocessos sociais.

A Constituição de 1988 é um marco histórico na proteção dos Direitos Fundamentais no Brasil e representou uma grande evolução na proteção desses direitos, especialmente em relação aos de segunda e terceira geração. Seu preâmbulo deixa claro o objetivo do Estado de garantir plenamente os direitos fundamentais, assegurando o exercício dos direitos sociais: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

Ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais1, o Constituinte conferiu à proteção do ser humano o status de valor supremo da ordem jurídica. É por ele e para ele que a República está orientada. Toda a Constituição foi formulada visando assegurar condições existenciais mínimas para uma vida saudável, que permita o pleno desenvolvimento da personalidade e que promova a participação ativa e co-responsável dos cidadãos nos destinos da própria existência e da sociedade. Evidentemente, este vetor axiológico-normativo deve nortear a elaboração, interpretação e aplicação de toda a legislação infraconstitucional.

Para concretizar tal valor supremo, o Constituinte estabeleceu um amplo sistema de proteção, trazendo para o manto de sua tutela um rol exemplificativo de direitos e, assim, garantindo a efetividade de todo e qualquer direito que estivesse abrangido pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Essa proteção pode ser observada em diversos dispositivos, dentre os quais destacamos as previsões dos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 5º, que fixam a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a proteção aos demais direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal ou por tratados internacionais aos quais a República aderir, bem como a força constitucional dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos.

Destaque-se a previsão do parágrafo 2° do artigo 5º da Constituição Federal, que, ao dispor que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, estabelece expressamente a ampliação da proteção constitucional àqueles direitos fundamentais previstos na legislação infraconstitucional.

Já o artigo 7°, ao estabelecer que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, amplia essa proteção não só para os dispositivos infraconstitucionais, como também para as normas coletivas de trabalho, fixando um critério claro para sua validade.

Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 45/2004, ao atribuir expressamente força de norma constitucional aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, reforça a proteção aos direitos fundamentais ao elevar sua posição hierárquica dentro do ordenamento jurídico nacional.

Todas essas disposições têm por objetivo assegurar que os direitos fundamentais concretizados por meio da legislação infraconstitucional sejam preservados, evitando sua revogação por legislação posterior. Assim, consolida-se um patamar mínimo de direitos fundamentais e garante-se o aprimoramento constante do sistema de proteção desses direitos. Nisso consiste o que se convencionou chamar de princípio da vedação do retrocesso ou princípio do não retrocesso.

O princípio da vedação do retrocesso é o princípio constitucional implícito de maior relevância para a proteção dos direitos sociais efetivados por meio da legislação infraconstitucional. O constitucionalista português J. J. Canotilho faz brilhantes considerações sobre ele: “A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição da (contra-revolução social) ou da (evolução reaccionária). Com isto, quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional, e um direito subjetctivo2”.

O Ministro Celso de Mello, por sua vez, em decisão proferida no Agravo em Recurso Extraordinário nº 639.337, discorre: “O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados3”.

Tal decisão é de grande relevância, pois reconhece a vigência e a aplicabilidade do princípio do não retrocesso frente a medidas que visem à redução de direitos sociais.

O Direito do Trabalho, por tratar-se de direito social fundamental, é também tutelado por este sistema constitucional de proteção, que abrange não apenas aqueles direitos do trabalhador expressos na Constituição, mas também todos aqueles previstos na legislação infraconstitucional, nas recomendações da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil e nas normas coletivas de trabalho, desde que sejam mais benéficos ao trabalhador.

Esse sistema de proteção opera pela imutabilidade dos direitos fundamentais em ordem do não retrocesso social e abrange todas as previsões do direito trabalhista, seja em qual esfera normativa for, com o intuito de garantir a manutenção dos direitos conquistados.

Não retrocesso social e a égide constitucional dos direitos trabalhistas

Nota-se que a principal proposta de reforma trabalhista, constante do Projeto de Lei nº 6.787, de 2016, apresenta dentre suas justificativas o objetivo de aprimorar as relações de trabalho no Brasil, partindo do princípio que houve o aprimoramento das relações capital x trabalho, da autonomia das negociações sem o apoio Estatal e ainda que os pactos laborais são questionados judicialmente frente ao que foi negociado, gerando uma maior judicialização das relações do trabalho.

A proposta é composta por dispositivos que flexibilizam os direitos fundamentais dos trabalhadores e, por via de consequência, resulta na redução de direitos trabalhistas protegidos pelo sistema constitucional vigente. Vejamos.

Um tema relevante neste Projeto refere-se à prevalência do negociado sobre o legislado. A proposta prima por, segundo suas justificativas, valorizar as negociações realizadas entre os sindicatos e os empregadores; no entanto, ao comparar a legislação vigente com a proposição apresentada, verifica-se que o texto do projeto redunda em mera autorização para reduzir direitos do trabalhador abaixo dos patamares atualmente assegurados.

Hoje, as negociações coletivas só podem ser realizadas com a finalidade de ampliar direitos, enquanto a proposta em trâmite objetiva “dar força de lei” à convenção ou a acordo coletivo que disponha sobre algumas condições de trabalho, como férias, jornada de trabalho, intervalo intrajornada, PLR, banco de horas, trabalho remoto, registro de jornada, dentre outros, rebaixando o mínimo legal.

A reforma estabelece possibilidades de negociações em detrimento da previsão legal, como é o caso do parcelamento das férias em até três vezes, da negociação da forma de cumprimento da jornada de trabalho e a dilação da jornada mensal para 220 horas, além da concessão de um intervalo para refeição e almoço de no mínimo 30 minutos.

As normas sobre jornada de trabalho são afetas à saúde física e psicológica do trabalhador e, por isso, a construção normativa deste tema está embasada em estudos que confrontam a produtividade com a necessidade de garantir e manter a saúde do trabalhador, além de respeitar o seu direito ao lazer e ao convívio social e familiar. Assim, há uma razão em si para o ordenamento jurídico estabelecer a jornada máxima de 8 horas diárias e 44 horas semanais, a concessão de um intervalo mínimo de 1 hora diária e, ainda, a previsão do gozo das férias de 30 dias.

Ampliar a jornada além do fixado pela Constituição Federal e CLT, ou reduzir o intervalo intrajornada, ou ainda, aumentar o parcelamento das férias em afronta à CLT, que prioriza a concessão de 30 dias de férias e excepciona o parcelamento em apenas duas vezes, evidencia retrocesso social e afronta o sistema de proteção constitucional.

A reforma ainda estipula alteração na previsão celetista quanto à jornada por tempo parcial e na legislação do trabalho temporário.

Atualmente, a previsão legal garante o máximo da jornada de 25 horas semanais sem possibilidade de horas extras, enquanto o PL propõe duas modalidades: jornada de 30 horas semanais e jornada de até 26 horas semanais, com a viabilidade de realização de até 6 horas semanais, o que traria uma jornada semanal de 36 horas, ou seja, praticamente a jornada máxima estabelecida pela Constituição de 44 horas semanais. Logo, a justificativa da criação da jornada de tempo parcial deixará de existir, já que a quantidade de horas dedicada ao trabalho inviabilizará a dedicação a outras atividades pessoais do trabalhador – seja dedicação à formação profissional ou acadêmica, aos deveres de cuidados familiares etc. Tudo isso com o agravante de que a remuneração destes trabalhadores é proporcional ao número de horas trabalhadas, podendo ser inferior ao salário-mínimo.

No tocante ao trabalho temporário, o Projeto estabelece alterações consideráveis a essa modalidade de contratação, que nos dias de hoje tem como propósito atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços. Em oposição à legislação vigente que se caracteriza pelo uso eventual desta modalidade contratual, a reforma pretende ampliar a sua aplicação, tornando-a habitual. Desta forma, elastece o aumento da duração do contrato de três meses para até 120 dias e estabelece a contratação direta com o cliente ou até mesmo com a empresa tomadora de serviços.

As demais previsões do Projeto também flexibilizam a legislação do trabalho nos mesmos termos das exemplificações acima retratadas, sendo evidente a busca pela desfragmentação e pelo enfraquecimento da classe trabalhadora.

Logo, a reforma reduz direitos garantidos pela legislação infraconstitucional, que constituem direitos fundamentais e estão protegidos pela vedação principiológica do retrocesso social.

Tais propostas, assim como todas aquelas que reduzam os direitos assegurados pela legislação infraconstitucional ou pelas recomendações da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil encontram óbice intransponível no sistema de proteção dos direitos fundamentais da Constituição de 1988 e são incompatíveis com a Ordem Constitucional vigente, visto que esta veda expressamente a redução dos direitos sociais já efetivados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos sociais estão inseridos no rol de direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. A importância desses direitos não deve ser olvidada posto que a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, está totalmente ligada ao cumprimento dos direitos fundamentais.

O princípio da proibição do retrocesso social constitui-se um importante elemento para manter a integridade dos direitos sociais já conferidos aos cidadãos.

Nesse contexto, o princípio da segurança jurídica desempenha papel fundamental posto que assegura aos cidadãos a manutenção do direito adquirido e impede que o ato jurídico perfeito e a coisa julgada sejam prejudicados.

Posto isso, pode-se concluir que o princípio da segurança jurídica e o princípio da proibição do retrocesso social se apresentam como importantes instrumentos garantidores da dignidade da pessoa humana, visto que tais princípios atuam de modo a garantir que os direitos sociais adquiridos não sejam prejudicados pela lei. Ademais o princípio da proibição do retrocesso social impõe ao Estado o dever de ampliar, progressivamente, os direitos sociais e coletivos conferidos aos cidadãos.


BIBLIOGRAFIA

https://www.valor.com.br/brasil/2895944/retrocesso-no-direito-coletivo-do-trabalho em 01/11

https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/desenvolvimento-associativo/retrocesso-no-direito-coletivo-do-trabalho/ em 01/11

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https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/direitos-sociais-e-o-principio-da-proibicao-do-retrocesso-social/ em 01/11

https://www.conjur.com.br/2019-fev-18/francis-fernandes-proibicao-retrocesso-direitos-fundamentais-sociais em 01/11

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/03/20/reforma-trabalhista-retira-direitos-e-e-retrocesso-afirmam-participantes-de-debate em 01/11

https://alfonsin.com.br/retrocesso-no-direito-coletivo-do-trabalho/ em 01/11

https://phmp.com.br/noticias/retrocesso-no-direito-coletivo-do-trabalho/ em 01/11

https://www.abdconst.com.br/novo/?menu=vernoti&id=293 em 01/11

https://www.cntsscut.org.br/ponto-de-vista/artigos/475/a-reforma-trabalhista-e-o-principio-do-nao-retrocesso-social em 01/11

Fonte: Agência Senado em 01/11


Autor

  • Carina Minelo

    Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Paulista - UNIP, é acadêmica de Direito, CRC ativo, exame de suficiência MODALIDADE CONTADOR aprovada, experiência profissional ampla, compreendendo: Controladoria, Contabilidade, Auditoria, Planejamento Financeiro, Fiscal, Custos. Responsável para adequar todos os procedimentos para atender os requisitos legais dentro de um sistema de informações integrado e coordenar os departamentos contábil e fiscal, apurar os impostos e entregar as obrigações acessórias. Contabilização de empresas optante pelo Regime Simples, Lucro Presumido e Lucro Real. Conciliações, análise de balanço. Escrituração e apuração fiscal, alterações contratuais, controle, planejamento e organização empresarial. Consultoria tributária e contábil em geral. Responsável pela coordenação de todo processo de tecnologia da informação, parametrização e integração contábil, fiscal e pessoal. Análise e estrutura de balanços. LALUR, DCTF, PER/DCOMP DIRF, DIRPJ, DACON, SPED CONTABIL, F-CONT, REFIS e ARQUIVOS DIGITAIS. Recuperação de créditos tributários. Conciliações, apropriação e provisões de contas contábeis (Ativo, Passivo, Despesas e Receitas). Balanço e DRE (contábil e Gerencial). Planejamento IRPF e IRPJ, Imobilizado, Depreciação e demais rotinas. Análise, contabilização e classificação dos lançamentos gerados pelo sistema. Adaptação plano de contas ao referencial SPED. Processos diretamente ligados à empresa, presencial. Tem experiência na área de Contabilidade e Informática. Extensão em cursos: Lei nº 12.973/2014 e os impactos na apuração dos tributos ? (Econet) - Campinas / SP. Duração: 08 horas / Utilização crédito Acumulado de ICMS - ?Portaria CAT 832009? ? (Fiscosoft) ? São Paulo / SP. Duração: 08 horas/ Planejamento Tributário ? (Cenofisco) - São Paulo / SP. Duração: 16 horas/ Recuperação de Crédito PIS/COFINS (Portal de Auditoria) ? São Paulo / SP. Duração: 08 horas. CURSOS: (oferecido in company): DCTF, DACON, CNPJ e DBE, DIRF, DARF e REDARF, GFIP/SEFIP e GPS, Imposto de Renda de Pessoa Física, Apuração de PIS-COFINS, Apuração de IRPJ e CSLL, Confecção de LALUR, Correção Selic e Créditos Extemporâneos, PER/DCOMP, Retenções Tributárias (IRRF - CSRF - ISS - INSS), Apuração de ICMS, Apuração de IPI, Créditos no regime não-cumulativo do PIS-COFINS, Lucro Presumido, Simples Nacional, IOF, Legislação Tributária - vigência e ferramentas de busca, Orçamento Gerencial, Depreciação e Ativo Imobilizado, Navegação e acesso aos sítios tributários (RFB - PGFN - Posto Fiscal e INSS).Imposto de Renda PF e PJ. Controles Internos de Apuração e Verificação de Tributos: IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ICMS, ISS, IRPF, IPVA, IPTU, IPI, IE, INSS, FGTS, IRRF, CSRF, CIDE, ITR. Confecção, Revisão e Validação de: DIPJ, DACON, DCTF, DIRF, DIMOB, DITR, DIRPF, PER/DCOMP, GIA, DCA, LALUR, DES, DBF, GFIP/SEFIP, NFE, CAGED, RAIS, CNPJ, REDARF, DAÍ, CEI, CAFIR, GANHO DE CAPITAL, DBE. Relatório de Divergência e Renovação de Certidões Negativas: CND Conjunta RFB-PGFN, CND INSS, CRF-FGTS, Certidão de Imóvel Rural, CCIR, Certidões Negativas Estaduais, Certidões Negativas Municipais, Pesquisas de Regularidade. Recuperação de Créditos - Esfera Administrativa: PIS, COFINS, IPI, ICMS, INSS, IRPJ, CSLL, ISS, IRRF. Demonstrações e Comparativos entre Regimes Tributários: Lucro Real, Lucro Presumido, Simples Nacional e Impactos relacionados aos demais tributos (PIS-COFINS-ICMS-INSS-ISS). Comércio Exterior: SISCOMEX, RADAR, DRAWBACK, CÂMBIO, Admissão Temporária, entre outros. Atualmente, estudante de Direito tem experiência com acompanhamentos em: Defesas e Respostas Administrativas. Autos de Infração; Intimações; Questionamentos; Solicitações; Despachos Decisórios; Processos Administrativos; Manifestações de Inconformidade; PERCs; Soluções de Consulta; Acórdãos; Leis, Instruções Normativas e Legislação em geral; Ações Judiciais; Defesas em Ações de Execução Fiscal; Autuações Fiscais; Execuções Fiscais.

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